sábado, 29 de outubro de 2005


In Memoriam Joaquim de Carvalho

"Apesar de contestada [a filosofia portuguesa] por uns, indiferente à maior parte, mas aproveitada por estranhos, pensámos sempre que o Génio Nacional, como unidade viva e livre, se deveria reflectir na Filosofia.
Com efeito, se uma nacionalidade é em si um produto espiritual, para nós mais representativo do que a comunidade de interesses, sentimentos, tradições, língua, caracteres étnicos, autonomia do poder politico, etc, com que ordinariamente é definida, se, por outro lado, a filosofia não é estéril e vão exercício da inteligência, mas uma exigência imperiosa do espírito, o que impede teoricamente que um povo livre, na plenitude da sua autonomia, se afirme e reconheça, independentemente doutras manifestações, na Filosofia?..."

"Se sobre todas as coisas reina a dignidade da consciência humana; qualquer ideário político, qualquer arquitectura do Estado que a esqueça, esmague ou remova para o fundo do cenário, é intrinsecamente falsa e moralmente pecaminosa ..."

"Quando um país tem a dita de possuir uma oligarquia de políticos, claros nos propósitos, seleccionados e confirmados pelo voto de opinião, honrados com o adversário quando lhe chega a hora de governar, o povo vive subtraído às oscilações extremistas das leis do pêndulo e podem chover estrelas ou picaretas que não se abalará a paz interna.
Se esta meia-dúzia de homens se desentender, se se deixar atrair pela sereia do mando, tapando os ouvidos à frágil voz do Servir, na bigorna da politica soa o timbre das espadas, com as quais, como advertiu Talleyrand, se podem fazer muitas coisas, salvo sentar-se alguém nas pontas.
Sempre assim foi e será, assim como, pelo contrário, sempre foi e será o diálogo claro e publico entre os dirigentes políticos o bastião inabalável da paz civil. Governe a direita, governe a esquerda, o essencial é que, no círculo dos oligarcas, quem governa saiba demitir-se, e quem quer o poder saiba esperar"

[Joaquim de Carvalho, in Diário Liberal (1933 e 1938), citado por Cruz Malpique, in Perfil intelectual e moral do prof. Joaquim de Carvalho, 1959]