segunda-feira, 24 de outubro de 2005

[O fim do super-homem]

"O governo [do prof. Cavaco Silva] falhou algumas metas económicas e o homem que nunca se engana, que conhece os «dossiers» e que domina os números, afinal, enganou-se.

(...) falta saber se Cavaco Silva é apenas e fundamentalmente um político de rara habilidade que sabe exactamente o momento de «saltar» para o poder (e, também, o de retirar-se em beleza) e aproveitar com perícia as conjunturas favoráveis; ou se Cavaco Silva é um governante rigoroso e competente que sabe conduzir as situações e transformá-las (...)

Cavaco vai regressar também a tempo de usufruir sozinho os resultados conjugados de um conjunto de factores praticamente «únicos» para a economia portuguesa. Herda uma situação financeira reequilibrada pelo Governo do Bloco central, em 1983 e 1984, graças a uma dolorosa política de austeridade; aproveita de uma conjuntura externa altamente favorável; recebe como brinde os efeitos da integração de Portugal na CEE e o impacto das transferências de verbas que saldam em milhões e milhões de contos. A sua determinação em romper o Bloco Central partia, naturalmente, do conhecimento das magníficas perspectivas enumeradas.
É nessa conjuntura que mais uma vez Cavaco Silva pode governar com o objectivo essencial de ganhar as eleições seguintes e transformar o seu governo minoritário de 1985 num governo dotado de uma maioria inigualável, em 1987.

(...) Face à primeira dificuldade na evolução económica (...) Cavaco começará, porventura, a enfrentar o seu grande teste: vencer também nos momentos difíceis.
Durante um ano, ele soube transformar, mais uma vez com grande habilidade política, os efeitos de uma conjuntura externa, favorável como nenhuma outra, no resultado da sua capacidade de gestão interna. As «performances» económicas monopolizaram o discurso governamental. Uma meta desinflacionista verdadeiramente recorde atribui um número - 5,5 - à imagem de marca do governo. Cadilhe chamou a este objectivo uma verdadeira «correcção estrutural». Quebrado agora o fetiche, confrontado agora o Governo com um erro de previsão de quase cinquenta por cento, as tentativas de emendar a mão tornam-se quase patéticas.

É ainda o derradeiro esforço para preservar o mito dos super-homens. O Governo omite a parte da realidade que não lhe convém, dizendo que a derrapagem inflacionista de deve a causas externas e esquecendo-se de ter dito que a sua redução no ano passado [1987] também assentou nas mesmas causas externas; muda rapidamente de campo, erigindo o emprego em grande objectivo sem explicar porquê; procura dar de si próprio uma nova imagem de marca, mais virada para os desafios sociais e culturais do que para a mera quantificação dos êxitos financeiros (...)

[Teresa de Sousa, in "O fim do super-homem", Revista Expresso, 1 de Outubro de 1988]