sexta-feira, 29 de julho de 2005
Catálogo 50 da Livraria Moreira da Costa
A Livraria Moreira da Costa (Rua de Avis, 30, Porto) deu à estampa o seu Catálogo, número 50, de livros raros, esgotados ou curiosos. Pode ser consultado on line.
Algumas referências: Álbum dos Vencidos, de Alberto Pereira de Almeida, s.d. / Portugal Económico (tomo I e único publ.), por Anselmo de Andrade, 1918 / Mea Villa de Gaya (Guia illustrado do Concelho de Gaya), de António Arroyo et al, 1909 / O Último Cartuxo. Da Scala Caeli de Évora, por António Francisco Barata, 1891 / Les Deus Prostitutions, de F. Carlier (contem uma parte que trata da homossexualidade masculina "considerada um estudo pioneiro"), 1887 / Uma Página da Universidade. Precedida de uma carta ao author por Levy Maria Jordão, de José Cardoso Vieira de Castro, 1858 / Colecção Portucale, Edições Inapa, 2001, XI vols / Vida Debaixo da Terra. Tragedia histórica de um preso politico de Caxias, por Fernão Corte-Real, 1912 / A Democracia Nacional, de Henrique de Paiva Couceiro, 1917 / A Guerra de Africa em 1895 (Memorias), de António Ennes, Lisboa, 1898 / A Restauração de Portugal. Alma Portugueza, 1902-1903, III vols /O Balio de Leça, de Arnaldo ama, 1872 / História de Portugal (dir. de Damião Peres), 1928-81, IX vols / Analyse da Carta Constitucional da Monarchia Portugueza, por Fr. João Baptista de Jesus, 1863 / Discurso Juridico, Historico e Critico Sobre os Direitos Dominicaes ?, de Manuel de Almeida e Sousa de Lobão, Lisboa, 1819 / Manifesto dos Direitos de Sua Magestade Fidelíssima, a Senhora Dona Maria Segunda e Exposição da Questão Portugueza, Londres, 1829 / Socialismo Libertário ou Anarchismo. Historia e doutrina, de Silva Mendes, 1896 / Novo methoso para Aprender a Grammatica Latina, de Manoel Monteiro, 1746 / Guia do Viajante nos Caminhos de Ferro ao Norte do Douro ..., por Júlio César d'Abreu Nunes, Porto, 1879 / Guia do Viajante na Cidade do Porto e seus Arrabaldes, de Alberto Pimentel, Porto, 1877 / Código Pharmaceutico Lusitano ou Tratado de Pharmaconomia ..., de Agostinho Albano da Silveira Pinto, 1836 / Revolta Militar no Porto em 31 de Janeiro de 1891. Os Conselhos de Guerra e as Respectivas Sentenças, Porto, 1891
quinta-feira, 21 de julho de 2005
Habilitações necessárias para Ministro
[em louvor & pasmo de Teixeira dos Santos]
Saídos do banho em delícia de veraneio & honrando o corpo a expensas de prazeres muito carnais, para leitores instruídos, porém devedores do santo trabalho, daqui, desta espuma que o exílio evoca, lançamos ao respeitável público o rol de "habilitações necessárias para ministro", obviamente dedicado ao novel Ministro da Fazenda. E à paixão do défice, que tem enterrado os nossos melhores filhos. Sem um único queixume mas com sofrimento & tragédia pública. O carinho com que acompanhamos, em banho de lágrimas diga-se, a solução do magno problema da fazenda faz-nos andar com "as mãos na água" e a "cabeça no mar". Entenda-se!
Mas é bom regressar a Eça de Queiroz. Assim, neste hora solene, quasi post-sócratica, dali, da pedra esquerda consolativa, agitamos, para reanimar as gerações vindouras, o ilustre Eça de Queiroz em "Habilitações necessárias para ministro". Sob leitura de Jacinto Ramos. Boa tarde!
Crise na Fazenda do Eng. Sócrates
"Os economistas são respeitáveis professores da ciência sombria" [Carlyle]
Este País não tem remendo possível. Ora se consome em palavrosos conflitos - bramindo sublevado ruídos sobre a validade da pátria - ora se abate em copiosas lágrimas por um repudiado ministro caído em desgraça, novo mártir que os opinativos colunistas erguerão em dor pungente. O cinismo disto tudo é um desaforo nada aceitável. Enquanto a soldadesca liberal regurgita de fúria face à desgraça pública da saída do ministro, animados que foram pela profunda reflexão de Campos & Cunha sobre a tormenta dos investimentos, dada à estampa no jornal do companheiro JMF, os incansáveis socialistas acham tudo absolutamente normal. Isto é, se o evangelho liberal, como sempre, navega à vista na confusão da sua revolução conservadora, os procuradores da maioria governamental são marionettes nada exigentes. A coerência é total.
O espantoso disto tudo é a quantidade de fantásticos professores-economistas que ao longo dos anos são deliciosamente maltratados. Ao trocar a prelecção da sebenta no cadeiral universitário pela efabulação do sofá ministeriável os senhores professores mostram não só o que aprenderam sob pavilhão estrangeiro mas também arriscam revelar o que na cátedra ensinam à mente conspícuo do estudante. É bom de ver que as formosas teorias económicas e financeiras tricotadas habilmente pelos lentes resultam invariavelmente, quando a prescrição exige e o BCE aplaude, numa enorme trapalhada de opiniões, que aliás a história do pensamento económico bem cedo anotou. Está na lembrança o opinioso protestatório em torno do milagroso superavit em tempos idos de Junho de 1913, sob a alçada de Afonso Costa, e a comoção havida entre os "economistas" domésticos. Não há, pois, gratidão ou respeito algum pela inteligentzia. Que a lamentação, em breve, de Teixeira dos Santos seja piedosa, é o que se deseja. A bem do magistério.
"Manifestação de apoio e não só"
"A multidão invadira a praça, rodeando a estátua que lá em cima apontava algo glorioso. Espezinhando canteiros, inundando ruas adjacentes, vociferante. A manifestação.
Palavras de ordem. Guinchos. Várias crianças à procura do pai.
Era o apoio. Incondicional, ininterrupto, ao Primeiro Ministro.
Ali, na praça enorme e paciente.
O Primeiro Ministro olhou por uma das janelas, no terceiro andar antiquíssimo do Paço Ministerial. Sorriu levemente. Apalpou a cara, passou uma das mãos pela lapela do casaco, numa carícia inconsciente. Acenou com a cabeça, discreto, um pouco irónico, ao ministério perfilado no fundo da Sala de Actos.
Dirigiu-se à varanda alta, sobre a praça apopléctica.
Abriu a janela num gesto paternal e deu um passo em frente.
Ouviu-se um som murcho e abafado, uma espécie de paff, lá em baixo, no empedrado decorativo que circundava o Paço.
Alguém tirara a varanda. Toda.
Isto não se faz, é muito feio."
[Mário Henrique-Leiria, in Aqui, nº 2, Setembro de 1976]
"A multidão invadira a praça, rodeando a estátua que lá em cima apontava algo glorioso. Espezinhando canteiros, inundando ruas adjacentes, vociferante. A manifestação.
Palavras de ordem. Guinchos. Várias crianças à procura do pai.
Era o apoio. Incondicional, ininterrupto, ao Primeiro Ministro.
Ali, na praça enorme e paciente.
O Primeiro Ministro olhou por uma das janelas, no terceiro andar antiquíssimo do Paço Ministerial. Sorriu levemente. Apalpou a cara, passou uma das mãos pela lapela do casaco, numa carícia inconsciente. Acenou com a cabeça, discreto, um pouco irónico, ao ministério perfilado no fundo da Sala de Actos.
Dirigiu-se à varanda alta, sobre a praça apopléctica.
Abriu a janela num gesto paternal e deu um passo em frente.
Ouviu-se um som murcho e abafado, uma espécie de paff, lá em baixo, no empedrado decorativo que circundava o Paço.
Alguém tirara a varanda. Toda.
Isto não se faz, é muito feio."
[Mário Henrique-Leiria, in Aqui, nº 2, Setembro de 1976]
Hart Crane [n. 21 Julho 1899-1932]
"Muitas vezes das ondas, do largo desta escarpa
os dados de ossos dos afogados que ele vira mandam-lhe
embaixadas. Os números quando os notava
caíam na praia e se volviam obscuros.
...
E então no circuito calmo de uma vasta curva,
encantado o chicotear e conformada a malícia,
gelados olhos havia que levantavam altares;
e silentes respostas se esgueiravam de astro a astro.
Bússolas, quadrantes, sextantes já não forçam
mais marés. Alta nos azuis declives
a monodia ao marinheiro não despertará.
Esta sombra fabulosa só o mar a guarda"
[Hart Crane, "No Túmulo de Melville", trad. de Jorge de Sena]
Locais: Hart Crane (1899-1932) / Harold Hart Crane / Hart Crane (1899-1932) / À Ponte de Brooklyn [poema de H. Crane] / Contemplação do Urbano (Ensaio sobre a poesia de Hart Crane) / Brooklyn Bridge: facto ou símbolo? / As Vozes Submersas: Nome, Prece e Canção em The Bridge, de Hart Crane / O poeta Hart Crane suicida-se no mar [poema de Vinícius de Moraes]
sexta-feira, 8 de julho de 2005
Boletim Bibliográfico 26 de Luís P. Burnay
Referente ao mês de Julho, acaba de sair o 26 Boletim Bibliográfico do livreiro Luís P. Burnay (Calçada do Combro, 43-47, Lisboa), como sempre excelente. Peças monográficas, históricas, literárias, alguns lotes modernistas valiosos e raros, caracterizam este boletim.
Algumas referências: 30 Anos do Estado Novo, dir. Matos Gomes, 1957 / Mistérios da Praia da Rocha, por Marcos Algarve, 1926 / Obras Completas de Nicolau Tolentino, 1861 / Santos Portugueses, de João Ameal, 1957 / 3 primeiras edições de Sophia Mello Breyner (Livro Sexto, 1963; Mar Novo, 1958 e Dia do Mar, 1947) / Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, com notas de Natália Correia, ed. Rio de Janeiro / Roteiro da Ribeira de Lima, pelo Conde da Aurora, 1929 / Algarve Monumental, de Correia de Azevedo, 1977 / Ruas de Lisboa, de J. J. Gomes de Brito, 1935, III vols / Lisboa nas auras do povo e da historia, por Luís Chaves, 1961-69, IV vols / O Livro do Nómada Meu Amigo, de Ruy Cinatti, 1958 / Historia do Infante D. Duarte, irmão del Rei D. João IV, por José Ramos Coelho, 1920, III vols / Conta publicada pela Comissão encarregada de dirigir a distribuição do Donativo Votado pelo Parlamento do Reino Unido ... para socorro das Terras de Portugal devastadas pelo inimigo em 1810, Lisboa, 1813 / Documentos Históricos da Câmara Municipal de Lisboa. Livro dos Reis, Lisboa, 1957-1964, VIII vols / Documentos para a Historia da Arte em Portugal (or. De Raul Lino e Luís Siveira), 1969-1976, XV vols / 40 Noites de Insónia de fogo de dentes numa girândola implacável e outros poemas, de António José Forte, 1958 (raro) / O Saloio, por João Paulo (Mário) Freire, 1948 / Monografia do Parque da Pena, de Mário de Azevedo Gomes, 1960 / Ofício Cantante 1953-1963, de Herberto Hélder, 1967 / Historia de Portugal, de Alexandre Herculano, 1853-58, IV vols / Integralismo Lusitano (dir. de Luís de Almeida Braga, Hipólito Raposo), vol. I e II, Abril de 1932 a Março de 1934, 24 fasc. Em II vols / Os Pescadores da Vila de Peniche, por Albino Lapa, 1954 / Sindicalismo Personalista: plano de salvação do mundo, de Raul Leal, 1960 (raro) / Exercício sobre o sonho e a vigília de Alfred Jarry seguido de o Senhor Cágado e o menino, de António Maria Lisboa, 1958 (raro) / O Livro de Alportel, por Estanco Louro, 1929 / Legendas de Portugal, de Rocha Martins, XIV tomos em IV vols / Mundo Português: imagens de uma exposição histórica, 1940 / Orpheu, por Almada Negreiros, 1965 / Relevos, de Fernando Namora, 1937 / O verbo e amorte, por Vitorino Nemésio, 1959 / Entre a cortina e a vidraça, de Alexandre O'Neill, 1972 / Na Inquisição do Salazar, de Luís Portela & Edgar Rodrigues, pref. de Roberto das Neves (conjunto de cartas sobre "as atrocidades cometidas pela policia politica do Estado Novo" ? foi proibido em Portugal), Rio de Janeiro, 1957 / Nobilíssima Visão, de Mário Cesariny Vasconcellos, 1959 / Planisfério e outros poemas, idem, 1961 / Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos, idem, 1953 / O Paço de Queluz, de Francisco Câncio, 1950 / Graal (revista), dir. António Couto Viana, nº 1 (Abril/Maio de 1956) a nº 4 (Dez 1956 /Julho 1957), IV nums, completa / Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio, Bertrand, 1944 (raro)
Locais: Al Qaeda strikes in London's heart / Al-Qaida is exporting the war from Iraq to Europe / And this is why they did it / Conflit de valeurs / Esta vez, Londres / Iraq: the wrong war / La presse européenne s'inquiète d'une menace globale / Let the Olympics be a memorial / London: The latest ground zero / London lives / Online photos proliferate after London blasts / Please Appease Me / The price of occupation / The struggle against terrorism cannot be won by military means
quinta-feira, 7 de julho de 2005
Londres ... de novo a barbárie
Que resta dizer quando o ruído que trazemos na alma é um imenso distúrbio e a memória é coisa ininteligível. Ainda que esta cortina, negra, aberta ao terrorismo, à barbárie, ao terror, seja um vendaval constante, uma maldição - neste sonho colectivo de democracia que não pode quebrar -, ainda que o labirinto da nossa memória viva excessivamente, ainda que a prudência nos diga que "precisamos de inteligência" para o combate ao fundamentalismo religioso islâmico, ainda ... assim esta estranha incapacidade de construirmos uma estratégia comum contra o terror e a violência, perdura. Hoje Londres, ontem Madrid e Nova Iorque. Amanhã outro lugar. O espaço do terrorismo desliza na paisagem. O gesto para o derrubar exige muito mais. Entre eles esse trabalho de laicizar os Estados, seja eles quais forem. E manter a dignidade, a nobreza e as virtudes reveladas pelos londrinos que, como noutros tempos, nunca vacilaram mesmo sendo a amargura imensa. Sem vergar!
Locais: A Letter To The Terrorists, From London / BBC News / Coordinated terrorist attack in London / Letter from London / London Bomb Blasts Pool / News Now / Rush-hour attack on London / Technorati:London
quarta-feira, 6 de julho de 2005
[diálogos improváveis]
-- Mira, Fidel, éste Dirceu és un cabrón. Más uno traidor de la revolución? Donde fué que erramos, jefe?
-- Queda tranquilo, mio Che. Como dice el Bob Dylan, "Los tiempos cambian". Además, hoy en día, hay que endurecer pero sin perder la gordura.
[via Prosa Caótica]
5 - Aniversários atrasados - 5
"(... para amanhã ter a ilusão
de que o mundo é um sonho sem forma
a sair-me da cabeça.)" [J.G. Ferreira]
A desdita fez com que 5- blogs -5 celebrassem a glória do aniversário e nós por cá nem desfalecemos de alegria. As virtudes com que pedalamos na blogosfera [Oh! P'rá nós na sedução em serviço de duas rodas], neste abraçado mês de Julho, comprometem a movida. Porém, são sinceros os votos de felicitações ao Adufe, Litle Black Spot, Opiniondesmaker, Pantalassa & Um Mundo Imaginado. Sejam, por isso, benevolentes. Esvoacem de gozo & grandeza. Vistam-se de graça. Saúde e fraternidade. Cheers!
No aniversário ido ... do Dias com Árvores
[para a Manuela. Felicitações]
"¿Cómo vive una rosa
si la arrancas del suelo?" [Luis Cernuda]
"... Plantar uma árvore é desejar viver na natureza, incorpora-se nela e prolongar a própria existência. Nós vivemos com as árvores que plantamos, e, ainda quando o seu desenvolvimento máximo deva ser atingido muitos anos depois, nós acompanhamos, em espírito, esse desenvolvimento através do tempo e como que assistimos aos benefícios que essas árvores hajam de espalhar na frescura da sua sombra, na beleza do seu porte, na doçura dos seus frutos e até na riqueza da sua própria madeira. Isto é: vivemos no futuro com a árvore; e os que vierem depois de nós, hão-de certamente, lançar um olhar piedoso para essa árvore que cresceu, representando, na sua mente, a memória bendita daqueles que a plantaram ..."
[José de Castro, in pref. A Árvore, Biblioteca da Infância, 1913]
Devaneios e trapalhadas da Rosa
"Pela estrada plana, toc, toc, toc,
Guia o jumentinho uma velhinha errante ..." [G. Junqueiro]
Está claro: vem aí uma formidável trapalhada. A sentença para o país, dada com pompa e circunstância, ontem em sede do PIIP e a sua consolação, já noite dentro, pelo assombroso Sócrates (num bom momento de forma) via SIC, fundamenta os receios que lavram na paróquia lusa. O aspecto irrepreensível da apresentação da "coisa", que no dizer de Sócrates se "destina a criar um clima de confiança e de apelo ao crescimento", não ultrapassou sequer o seu merecido rescaldo.
Era ver os inauditos empresários, todos muito ajeitadinhos & ao molhe, do alto da sua imaculada quanto prudente essência empresarial, partirem à desfilada porta fora, para outro refúgio. O peditório, presume-se, não foi de muita estimação. O empresário indígena ainda se guia pelas doutrinas da infância do Estado Novo. Adormece quando lhe fazem ver que é empresário e/ou capitalista. Cá no burgo, o capital é uma vaidade para mostrar aos amigos, família & afins. Não é ferramenta intelectual nem o risco, decerto, é esmero que se venda a qualquer um.
Assim, esperar que este noviciado Plano de Fomento rosa, para além das megalomanias costumeiras e do desperdício de dinheiros públicos que gera, se concretize na/pela participação/decisão de investidores particulares lusos resulta em coisa pouco credível e, no invés, dará trapalhada certa. O exercício socrático de chamar a si ... os empresários e a populaça arrisca-se a uma pura esterilidade.
Enquanto isso, as comadres do Bloco Central, à falta de coisa melhor, lavam a roupa em S. Bento. A parceria da futricagem é verdadeiramente espantosa. O frenesim dos reparos em torno do Omo que lava melhor é uma oratória encadeada de respostas e contra-respostas, de regras e contra-regras, de desaforos liceais bem inspirados. E o Ministro das Finanças, em devoção extremada & em abono do défice, lá vai arranjando lenha para a fogueira dos impostos de todos nós, dando ocasião ao delicioso Santos Silva e ao imortal Oliveira Martins para fazerem o quebranto da rosa. Tudo engenhosamente sublime, decadente e rasca. O naufrágio está, portanto, à vista. Cuidem-se!
Livros & Arrumações [encomenda para o L. Miranda, Zé Viana e pró Motinha, algures a algarviar]
- curiosa separata da Revista Agronómica [vol.23(4):201-220, 1935] de Manuel de Sousa da Câmara intitulada "Abegão e Abegoaria". Trata-se, como se diz, de "ligeiros subsídios para um vocabulário agrícola e florestal português", importante para o conhecimento da "indústria agrária" e útil à "ciência dos campos". Estes apontamentos são agraciados ao Padre Luisier, Gustavo Matos Sequeira, Carlos Paim dos Reis, Augusto Ruela, Veloso de Araújo, Domingos Rosado, Rodrigues Simões e Carlos Rates (curioso!). Sobre cada uma das palavras [abegão e abegoaria] o autor faz um historial etimológico interessante, de vastas referências; depois parte para o significado da palavra, subsídios corográficos e elementos genealógicos
Para abegão temos, então, dirigente da abegoaria, empregado, chavão da lavoura, abaixo de feitor, carpinteiro de carros, fabricante de utensílios de lavoura e, ao que é dito, só é observado a sul do Mondego já que a Norte subsiste o moço, rapaz de penso ou pensador. Ao que o autor nos diz, abegão governa, para os lados de Benavente, o mancebo, os maiorais de bois, os contramaiorais, o roupeiro e o anojeiro, isto é "manda em todos os campinos". Portanto "ser abegão apresenta grandes dificuldades no exercício do logar; carece de grande experiência, bastante esperteza, muito desembaraço e provada honestidade". Cita o autor o excelente livro "Ribatejo" (1929), de Francisco Câncio, Mendes Leal Júnior ["O Campino", 1860] e "Atravez dos Campos - Usos e Costumes Agricolo-Alentejanos? (1903), de José da Silva Picão. Refira-se que, ao que se sugere, nalgumas terras alentejanas a palavra "abegão" foi substituída por "apeirador" (Campo Maior). Mais registos bibliográficos: Memória sobre a População e a Agricultura de Portugal (1868), de Rebelo da Silva; Épocas de Portugal Económico, de Lúcio de Azevedo. Para "Abegoaria", consultar ainda: Cintra Pinturesca (1838), de J. A. Pereira de Lacerda; O Livro do Alportel (1928), de Estanco Louro; Elucidário das palavras e Frases que em Portugal Antigamente se Usaram (1865), de Frei Joaquim de Santa Rosa Viterbo.
Nota necessária: "Aos estábulos de bois em Gouveia e regiões circunvisinhas denominam-os simplesmente lojas e em Santarém, Almeirim e povoados limítrofes lhes chamam motas, assim como noutros pontos do Ribatejo os distinguem por palheiros". Valeu!?
- curiosa separata da Revista Agronómica [vol.23(4):201-220, 1935] de Manuel de Sousa da Câmara intitulada "Abegão e Abegoaria". Trata-se, como se diz, de "ligeiros subsídios para um vocabulário agrícola e florestal português", importante para o conhecimento da "indústria agrária" e útil à "ciência dos campos". Estes apontamentos são agraciados ao Padre Luisier, Gustavo Matos Sequeira, Carlos Paim dos Reis, Augusto Ruela, Veloso de Araújo, Domingos Rosado, Rodrigues Simões e Carlos Rates (curioso!). Sobre cada uma das palavras [abegão e abegoaria] o autor faz um historial etimológico interessante, de vastas referências; depois parte para o significado da palavra, subsídios corográficos e elementos genealógicos
Para abegão temos, então, dirigente da abegoaria, empregado, chavão da lavoura, abaixo de feitor, carpinteiro de carros, fabricante de utensílios de lavoura e, ao que é dito, só é observado a sul do Mondego já que a Norte subsiste o moço, rapaz de penso ou pensador. Ao que o autor nos diz, abegão governa, para os lados de Benavente, o mancebo, os maiorais de bois, os contramaiorais, o roupeiro e o anojeiro, isto é "manda em todos os campinos". Portanto "ser abegão apresenta grandes dificuldades no exercício do logar; carece de grande experiência, bastante esperteza, muito desembaraço e provada honestidade". Cita o autor o excelente livro "Ribatejo" (1929), de Francisco Câncio, Mendes Leal Júnior ["O Campino", 1860] e "Atravez dos Campos - Usos e Costumes Agricolo-Alentejanos? (1903), de José da Silva Picão. Refira-se que, ao que se sugere, nalgumas terras alentejanas a palavra "abegão" foi substituída por "apeirador" (Campo Maior). Mais registos bibliográficos: Memória sobre a População e a Agricultura de Portugal (1868), de Rebelo da Silva; Épocas de Portugal Económico, de Lúcio de Azevedo. Para "Abegoaria", consultar ainda: Cintra Pinturesca (1838), de J. A. Pereira de Lacerda; O Livro do Alportel (1928), de Estanco Louro; Elucidário das palavras e Frases que em Portugal Antigamente se Usaram (1865), de Frei Joaquim de Santa Rosa Viterbo.
Nota necessária: "Aos estábulos de bois em Gouveia e regiões circunvisinhas denominam-os simplesmente lojas e em Santarém, Almeirim e povoados limítrofes lhes chamam motas, assim como noutros pontos do Ribatejo os distinguem por palheiros". Valeu!?
segunda-feira, 4 de julho de 2005
2 - Aniversários - 2
"Quem dirá o número dos meus dias?
Como será então o som da minha boca? ..." [M.S. Lourenço]
Eis um somatório de virtudes: um homem & duas mulheres, entre poemas, análises, ideias e vocábulos - geometria imortal - teimam em iluminar a blogosfera lusitana. O viço das palavras é uma felicidade perturbante. Os mysterios (ou a miséria) da lide política comentados no Bloguitica & a perpétua poesis do/no Tempo Dual são puríssimos resguardos para todos nós. Fazem 2 libertos anos. Parabéns, saúde e fraternidade.
Para o Barnabé na Hora da sua Viagem
"Sou um marco
plantado há muitos anos:
Sei que aqui começa a vila
Sei que aqui começa o campo.
...
Muitas colheitas passaram,
crianças homens estão
a vila cresce e nas vinhas
amadurecem as uvas.
Tudo passa, por toda a vida
soluçam cheias as mãos ...
... Só eu sou o marco,
imóvel para sempre,
seco por uma angústia
de não ser vila nem campo"
[Angel Crespo, in Aqui, trad. Manuel de Seabra]
4 de Julho
"América dei-te tudo e agora não sou nada.
...
Não me sinto nada satisfeito não me chateies.
Não vou escrever o meu poema enquanto não estiver
Perfeitamente equilibrado.
América quando serás tu angélica?
Quando é que te despes?
Quando é que olharás para ti através do sepulcro?
...
América porque estão as tuas bibliotecas cheias de
lágrimas?
América quando é que enviarás os teus ovos para a Índia?
Estou farto das tuas exigências loucas.
...
América não empurres eu sei o que faço
América as flores de ameixieira estão a cair ..."
[Allen Ginsberg, in "América", trad. Manuel de Seabra]
sexta-feira, 1 de julho de 2005
Juan Carlos Onetti [n. 1 Julho 1909-1994]
"He ido por el camino ascendente y descendente;
He sufrido y he creado en otros días;
He deseado todo y he dicho adiós a la esperanza;
He vivido y amado y cerrado la puerta." [R. L. Stevenson]
"Hay sólo un camino. El que hubo siempre. Que el creador de verdad tenga la fuerza de vivir solitario y mire dentro suyo. Que comprenda que no tenemos huellas para seguir, que el camino habrá de hacérselo cada uno, tenaz y alegremente, cortando la sombra del monte y los arbustos enanos" [Onetti, 1940]
"Onetti. Juan Carlos Onetti. Agent provocateur. Con y sin nombres fingidos. Siempre atento de preservarse de publicidad. Infestado de leyendas como otros de hongos. Su influencia ni ancha ni extensa, pero profunda. Indiferente frente al barullo de los adeptos no llamados. Recompensado con un silencio que recién la estupidez tipo general hace estallar. En consecuencia: la agitación internacional, el exilio, y finalmente la gloria: breve y sin compromisos. Un mito ya en vida. Un sobreviviente en el grupo clandestino de los no muertos del cerebro, en el mundo creado por él" [ler aqui]
Locais: Juan Carlos Onetti / Juan Carlos Onetti (1909 - 1994) / Juan Carlos Onetti / Juan Carlos Onetti (página oficial) / Onetti a cinco años de su muerte / Textos de Onetti / La obra de Juan Carlos Onetti: Una literatura del desarraigo
quinta-feira, 30 de junho de 2005
EDUARDO GUERRA CARNEIRO
UMA CAMPANHA ALEGRE
O País está uma choldra. O espectáculo é deprimente. Cheia de graça a equipa dos anotadores dos crentes grava por toda a fazenda a salvação & a virtude da santidade do défice minguado. As aparências de tão nobre programação, em nome da rosa, não são amortecidas pelos indígenas, que jazem enfastiados por tão elevado quanto repetitivo tributo pátrio. O sono da indiferença & da morte arrastada, por tão abundantes promessas regeneradoras, é um acto patriótico. Contra a sanha feroz da turba costumeira dos amigos Socráticos todas as suspeitas são legítimas. A tolerância tem limites. A sem vergonha, que aparece em altos brados, presume-se que ainda não. Sempre assim foi. "Todos iguais, irmãos em tudo". O que seria a Nação sem tais sujeitos?
Para que à sombra dos seus abrigos cada um se recoste em doce prelecção, dali, da pedra esquerda adoptiva, lhes enviamos, neste rigor de estação política, o sempre estimável Eça de Queirós em "Estudo Social de Portugal em 1871". Que vos faça bom proveito!
5 - ANIVERSÁRIOS - 5
5 blogs, sem salas privativas, bom sortido de postas para paladares exigentes, óptimos de serviço público para estadia prolongada e justamente considerados como elegantes & graciosos de sedução, fizeram nestes santos dias os seus aniversários. O cartel assim caprichoso é de arromba. O que seriam as nossas noutes de blogosfera sem essa arte de bloguear cousa estimosa & de perfeição venturosa!?
Parabéns Aba de Heisenberg, Memória Virtual, Natureza do Mal, Respirar o Mesmo Ar e Terras do Nunca. Saúde e Fraternidade.
EMÍDIO GUERREIRO (1899-2005)
«um homem digno é um homem livre e só se é livre quando se é digno» [E.G.]
"Emídio Guerreiro nasceu em Guimarães em 6 de Setembro de 1899 e ali morreu, ao fim de 105 anos de andanças por um mundo que lhe apareceu à luz da candeia e o viu partir em plena aventura espacial. O tempo andou depressa e ele fez tudo por acelerá-lo. Gostava de falar e prolongava os prazeres da vida, mas nunca ao ponto de perder a ocasião de ver a história passar diante de si.
Aos 17 anos ofereceu-se como voluntário do Corpo Expedicionário Português, com guia de marcha para as trincheiras da Flandres, onde queria ser soldado na Grande Guerra de 1914-18 (...) O homem teve sempre uma atitude democrática e quando perdia afastava-se. A sua cidadania exerceu-a na divulgação dos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade (...)
A 5 de Dezembro de 1917, Sidónio Pais fez um golpe de Estado e desmobilizou as tropas que deviam ir render os que estavam na Flandres, desviando Guerreiro do conflito. Mas outras viriam e nelas participou: a Guerra Civil de Espanha (1936-1939) e a II Guerra Mundial (1939-1945).
Regressou aos estudos e tornou-se um brilhante aluno de Matemática, na Universidade do Porto. Mereceu a distinção de em 1931 ser nomeado assistente extraordinário de Cálculo Diferencial, trabalhando com Gomes Teixeira, um insigne mestre. Foi-o por três meses. A nomeação não foi homologada por insubmissão política. O seu nome estava já referenciado pela polícia política do regime do Estado Novo desde 3 de Fevereiro de 1927, quando participou no levantamento militar contra a ditadura, liderado pelo general Sousa Dias, pelo director da Seara Nova, Jaime Cortesão, e pelo republicano de esquerda José Domingos Oliveira (...)
A interdição quanto à realização de uma carreira docente (...) foi a gota de água na paciência daquele jovem assistente. Ele fora convidado e, num acto de intolerância política, despediam-no (...) É certo que já estava ligado à oposição democrática, através da loja maçónica Comuna, onde adoptara o significativo nome de «Lenine» ..." [António Melo, in Público, 30 Junho 2005]
[colabora no semanário Humanidade (1 de Set. 1929 a 5 Abril 1931) - periódico do Grupo de Estudos Filosóficos Social «Lux», do Porto, e sob direcção de Carlos Cal Brandão - juntamente com Viriato Gonçalves (Grupo Liberdade), Mem Verdia, M. Sousa Cabral, Barros Lima, Ângelo Vaz, Guedes do Amaral, Alfredo Leitão, Jaime Cirne, Sentieiro de Almeida, Luís de São-Justo, A. Barros Júnior, Gonçalo Moura, José Manuel de Deus, Elmano Lavrar, Diógenes Fernandes Costa, Luiz Andrade, ...]
"Em 1932, a autoria de um panfleto contra o presidente Óscar Carmona levou-o à prisão, de onde se evadiu no mesmo ano. Partiu então para o exílio em Espanha, onde deu aulas. Quando, em 1936, começou a Guerra Civil de Espanha, Emídio Guerreiro lutou ao lado dos republicanos. Em 1939, com a vitória dos franquistas, fixou-se em França, passando à clandestinidade quando os nazis invadiram o país, já em plena Segunda Guerra Mundial. Durante os anos da guerra, Emídio Guerreiro foi um membro activo da Resistência contra a ocupação alemã.
Findo o conflito, Emídio Guerreiro voltou ao ensino de Matemática na Academia de Paris. Na capital francesa, foi um dos fundadores da Liga Unificada de Acção revolucionária (LUAR), em 1967. De regresso a Portugal, depois do 25 de Abril, participou na fundação do PSD e foi presidente do partido em 1975, devido a doença de Sá Carneiro" [in Jornal de Notícias, 30 Junho 2005]
quarta-feira, 22 de junho de 2005
ANIVERSÁRIO DO AVATARES
"Recebo humildemente esta desordem
da carne, das palavras,
dos dedos brutos do tempo.
- Recebo tudo, e canto como quem deixa um sinal
maravilhoso" [H. Hélder]
Um estilo de paixão biográfico. O desejo a raiar a felicidade. A escrita luzindo, porque "é tudo sublevado para o olhar" [Herberto, claro!]. A cordial gratidão de todos nós. Um coração excelente! Estão assim passados 2 (dois) anos de virtudes admiráveis do Avatares do Desejo. Parabéns!
[em jeito de ... "Defesa do Poeta", por Natália Correia, ali ao lado. Para o Bruno]
A GREVE: A BOA E A OUTRA
As qualidades patenteadas no opinioso protestatório expedito pelos novos pastores do rebanho Socrático, contra a impura greve dos docentes do ensino básico e secundário, são de um espectáculo constrangedor que aniquila qualquer um. O tumulto que vai na alma desses jovens messiânicos de antanho, agora recostados nos maples do politicamente burguês & alapados na academia fleumática da vida, não é mais que um sermão gratulatório recitado aos indígenas que padecem desse insofrível incomodo de abraçar um funcionário público. Estão neste caso, os suspiros exalados pelos meus caros amigos, Vital Moreira e Paulo Pedroso, ou essa desdita da agonia dos docentes anunciada por João Gonçalves.
Tais pronunciamentos, pelas imprecações de teor político referidas e, principalmente, pela descomunal ocultação do procedimento administrativo ou (in)jurídico tricotado pela tutela, de cariz ilegal e politicamente reaccionário, são momentos que imortalizam a história pública lusa. Com a curiosidade de difundir no "rebanho" socialista a ideia que a "boa greve", iluminada e melodiosa, é aquela que for sempre contra a governação do que chamam (com graça admirável) a direita, autoritária ou nem tanto. O embuste de se aceitar manobras dilatórias jurídicas, que qualquer governante do Estado Novo aplaudiria sem rebuço algum, desvela que não só não se vive num Estado de Direito pleno (o poder disciplinar da tutela, sendo óbvio, ainda não lhe permite ser juiz em causa própria), como os seus intervenientes manifestam uma grosseira apetência pelo autoritarismo, que nada tem a ver com o que prosaicamente se chama socialismo.
E não se pense que temos metafísica de míope. Nem por isso! O facto de não acedermos com facilidade ao corpo reivindicativo (e à praxis) que é solicitado pelas organizações sindicais dos docentes para dar inicio à greve, não nos permite seguir aqueles maledicentes críticos para quem os vadios do funcionalismo público são a fonte de todo o mal. Tais alimárias pranteiam a defesa de um "igualitarismo" estulto em toda a administração pública, de baixo a cima, nivelando tudo e todos, a maior parte das vezes sem saber do que falam e, muitas vezes, tentando iludir quem avançou com as reformas que agora pretendem retirar. E se ligarmos a toda esta questão a renovada fúria e obsessão pelo défice, então, muito justamente, teremos de aceitar que as revindicações dos trabalhadores da administração pública são parte integrante das suas estratégias de sobrevivência. E como tal, são justas. Tal como as greves. Porque, para nós, a "boa greve" ... não é, sempre, uma outra qualquer.
JOÃO CARLOS ESPADA ... ATERROU NA PORTELA!
"Vamos ver o povo / Que lindo que é / Vamos ver o povo / Dá cá o pé /
Vamos ver o povo / Hop-lá / Vamos ver o povo / Já está" [M. C. V.]
O professor Espada, depois de sair da mesa bem aparelhada do Athenaeum, onde a perigosa culinária francesa impera, e após fugidia passagem pela sua copiosa biblioteca em busca de Popper, regressou ao bulício de Lisboa para estudar o povo indígena. Há dois meses que os almoços e jantares nos gentlemen's clubs da pátria de Tony Blair o tinham deixado derreado e com peso a mais. A saudade da mãe pátria - e a fragrância do suor nativo - não lhe largava o pensamento e nem mesmo o jantar último na High Table o demoveu desse admirável social work. Lisboa esperava-o. Radiante e de braços abertos.
Em Lisboa, o arrastão de Carcavelos, a escadaria do Tavares, o sigilo fiscal, o chá-dançante do Expresso, os santos populares, o Tejo e o filósofo Carrilho, fizeram, por mais que uma vez, que vacilasse nessa aventura no continente. Doravante os artigos inteligentes do colunista de Oxford, na sua robustez intelectual & antiguidade liberal, passam a ser assombrados por esses escolhos da razão e, evidentemente, pelas memórias de outros temerários tempos, em boa hora derribadas por santas mãos. Eis o que se lê na sua pregação semanal, in Expresso último. Inolvidável!
Curiosamente, o professor João Carlos Espada, que tem um curriculum invejável (mas não completamente alinhavado) começou a palpar as sebentas universitárias com a profana idade de 32 anos, o que suscita a questão de saber onde a invulgar criatura liberal andou agasalhado. A sua biografia académica é avara nessa caridosa recordação. Ora o edifício Espadiano não ficará virtuoso sem alguns acrescentos à sua copiosa biografia. Não há ventura sem biografia. Nem história sem fim de mi(ni)stério. Hic Espada, hic salta!
"... João Carlos Espada [«Lima»] foi membro efectivo do Comité Central do PCP(R) desde a fundação do partido. Director do «Voz do Povo» e ex-chefe de redacção do jornal «Bandeira Vermelha», órgão central do PCP(R). No processo de preparação do 3º Congresso pertencia à Comissão de Redacção do projecto de resolução sobre o balanço da actividade partidária. Militante comunista há oito anos ..." [in Voz do Povo nº 245, 19 de Abril de 1979 - no ano da graça & governação do doutor Mota Pinto]
"... Estamos seguros (...) que ele [processo de demissão no PCP(R)] será compreendido por muitos autênticos comunistas do PCP(R) que não darão o seu aval à política cisionista empreendida pela «maioria» (...)
Desde já podemos afirmar que não nos candidataremos a novos Messias do proletariado. O nosso objectivo principal da nossa demissão é travar o processo cisionista do CC, impedir essa farsa e contribuir por todos os meios ao nosso alcance para a reunificação a curto prazo dos comunistas agora divididos ..." [João Carlos Espada, ibidem - momento celestial onde o futuro professor revela, para lá do pleno domínio conceptual da linguagem operária, essa luta contra a contrariedade que era a refundação do PCP. Em 1979, em gemidos eternos]
sexta-feira, 17 de junho de 2005
O DESPACHO EDUCATIVO CONJUNTO
Pelo que se sabe, o Ministério do Trabalho e Segurança Social, do sempre irrequieto Vieira da Silva e o Ministério da Educação, produziram em parceria no dia 14 de Junho último, um extraordinário Despacho, em resposta à convocação de greve pelas organizações sindicais dos professores, que, quer no seu enquadramento legal quer nos seus pressupostos substantivos, são dignos de se ler e registar. Sabia-se que a fugacidade socialista em território educativo era de reputada versatilidade em matérias pedagógico-curriculares, mas desconhecia-se a sua tentação por delírios jurídicos.
As insignes tutelas, no intuito de contrariar as greves dos docentes do ensino básico e secundário, marcadas para a próxima semana, estabeleceram uma invulgar peça de teor injurídico, expondo uma interpretação de "serviços mínimos" sem sustentação legal aplicável e cuja construção política é retirada, presumivelmente, da quintarola do Botas de Santa Comba. Compreende-se como os incautos simpatizantes da rosa andem embargados pela dor. É a vida.
A ironia do Despacho, pelo talento do seu escriba, reside no facto de ser direccionado, sem minúcia alguma, contra o pré-aviso de greve da FENPROF (sic), supondo o leitor que não existam mais organizações sindicais que a subscreveram ou, admitindo mesmo, que tais infectas organizações se tenham evaporado, tout court. Depois, todo o articulado tem em conta a aplicação dos artigos 598º e 599º do Código de Trabalho (Lei nº99/2003), sem que se vislumbre, aí, qualquer pretensão para determinar essa "necessidade social impreterível que é a realização dos Exames Nacionais do Ensino Secundário", e coeteris paribus a exigência de serviços mínimos que, perante a inexistência de actividades lectivas nas Escolas e face à convocação de todos os docentes para a realização dos exames, significa, em linguagem de outros tempos, uma simplória requisição civil, com a bondade de permitir (helás) o direito à greve e a mais uma trapalhada socialista.
Na verdade, este estimulante exercício em prol do serviço público mínimo deveria, no invés, ser administrado para dar às famílias e ao País, um ensino curricular de qualidade, uma avaliação de rigor, maior responsabilidade e autonomia às escolas e aos seus clientes, autoridade aos professores e órgãos de gestão, exigência de participação e responsabilização dos pais e da comunidade escolar no processo educativo, isto é, um "serviço mínimo" de qualidade. Isso sim, é que era uma "necessidade social impreterível".
VÊM AÍ ... OS COMUNISTAS!
"Se alguma janela aberta o incomoda
peça ao condutor que a feche" [Alexandre O'Neill]
João Miranda, o petit Dutra Faria do Blasfémias, está expungindo em redobradas postas o maligno comunismo & outros tantos ismos, livrando-nos do materialismo insano e do furor da sovietização. A chusma de gaiatos, todos piedosamente liberais, que sabem de economia libidinal, história do mercado & de poesis marxista, é laboriosamente pasmosa. Palmas! Nas suas prosaicas frivolidades, enunciadas sobre estes nossos calamitosos tempos de cárcere bolchevista, parca sementeira liberal e de pouca viril fecundação teorética, o vigário Miranda julga-se o chantre do rebanho de salvação libérrima, a luz dos indígenas lusos. A pastorícia neoliberal, assim tão caridosa entre os erradios nativos, é uma tarefa tão imperiosa, tão esmagadoramente necessária e urgente, que quase sempre se ornamentam os ânimos com o que a providência tem mais à mão: o vício do disparate.
O pasmo intelectual do jovem João, ao longo do inefável reportório de curiosidades e vistosas alegorias, legou para os vindouros a pranteada lei des débouchées, que todos desconhecem na sua aparição económica; condensou a memorável acareação entre o (seu) pai dos povos Hitler e o fascista Estaline de modo presencial & cristalino; autorizou a imortalização dos benefícios ministeriais como boa prática cristã-liberal, pelo que está inscrito; desconstruiu a fonte da riqueza abolindo qualquer construído produtivo a proletas, funcionários públicos ou mendigos, com sapiência elevada; finalizando, agora, o desabafo, grave & ilustrado, com a exigência da (re)nomeação da ponte dita 25 de Abril para a humana e reverente Ponte Salazar. Contumaz, o autor da nomeada, aventa todas as hipóteses sobre qualquer assunto ou moralidade, desde que possa escorchar na Abrilada. Porque vêm aí os russos, perdão ... os comunistas! Oh! horror! Ah! desgraça! Eia! João!
2 ANOS 2
Voluntariamente afastado das lides blogosféricas em full time, mas mesmo assim precioso quando arriba em pura alegria de escrita, fez 2 (dois) inspirados anos o Aviz.
Como podem observar, ali em cima, na foto roubada sem vergonha ao Nuno Guerreiro, o bloguista está excelente e recomenda-se.
Felicitações, saúde & fraternidade.
Eugénio de Andrade por ... Eugénio de Andrade
"Sou filho de camponeses, passei a infância numa daquelas aldeias da Beira Baixa que prolongam o Alentejo e, desde pequeno, de abundante só conheci o sol e a água. Nesse tempo, que só não foi de pobreza por estar cheio de amor vigilante e sem fadiga da minha mãe, aprendi que poucas coisas há absolutamente necessárias. São essas coisas que os meus versos amam e exaltam. A terra e a água, a luz e o vento consubstanciaram-se para dar corpo a todo o amor de que a minha poesia é capaz.
As minhas raízes mergulham desde a infância no mundo mais elementar. Guardo desse tempo o gosto por uma arquitectura extremamente clara e despida, que os meus poemas tanto se têm empenhado em reflectir; o amor pela brancura da cal, a que se mistura invariavelmente, no meu espírito, o canto duro das cigarras; uma preferência pela linguagem falada, quase reduzida às palavras nuas e limpas de um cerimonial arcaico - o da comunicação das necessidades primeiras do corpo e da alma.
Dessa infância trouxe também o desprezo pelo luxo, que nas suas múltiplas formas é sempre uma degradação; a plenitude dos instantes em que o ser mergulha inteiro nas suas águas, talvez porque então o mundo não estava dividido, a luz, cindida, o bem e o mal compartimentados; e ainda uma repugnância por todos os dualismos, tão do gosto da cultura ocidental, sobretudo por aqueles que conduzem à mineralização do desejo num coração de homem. A pureza, de que tanto se tem falado a propósito da minha poesia, é simplesmente paixão, paixão pelas coisas da terra, na sua forma mais ardente e ainda não consumada" [Eugénio de Andrade]
[Ali, sempre do lado esquerdo da pedra, pode ouvir a voz límpida e saudosa do poeta. Eugénio de Andrade por Eugénio de Andrade]
terça-feira, 14 de junho de 2005
Eugénio de Andrade [1923-2005]
"Sei onde o trigo ilumina a boca.
Invoco esta razão para me cobrir
com o mais frágil manto do ar.
O sono é assim, permite ao corpo
este abandono, ser no meio da terra
essa alegria só prometida à água.
Digo que estive aqui, e vou agora
a caminho doutro sol mais branco." [Eugénio de Andrade, 20/02/79
"O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul" [idem, in As Amoras]
Álvaro Cunhal [1913-2005]
"A primeira vez que fui preso, como me negasse a prestar declarações, algemaram-me, meteram-me no meio de uma roda de agentes e espancaram-me a murro, pontapés, cavalo-marinho, e com umas grossas tábuas com uns cabos apropriados. Depois de me terem assim espancado longo tempo, deixaram-me cair, imobilizaram-me no solo, descalçaram-me sapatos e meias e deram-me violentas pancadas nas plantas dos pés. Quando cansados, levantaram-me, obrigaram-me a marchar sobre os pés feridos e inchados, ao mesmo tempo que voltavam a espancar-me pelo primeiro processo. Isto repetiu-se numerosas vezes durante largo tempo até que perdi os sentidos, estando cinco dias sem praticamente dar acordo de mim" [palavras de A. Cunhal, em tribunal, in "A resistência em Portugal", de José Dias Coelho, Inova, Agosto 1974]
"... A realidade na arte começou por ser o mais próxima possível da realidade da vida - «imitação da natureza» (Aristóteles) tornada definição da arte e lei do naturalismo através dos séculos.
A criação artística não cabe porém numa representação neutra, igual para todos os artistas, além do mais porque cada artista vê a realidade de forma diferente. Arte é criação e recriação, é imaginação e é sonho. (...)
No retrato, a observação, a marca de traços físicos e de expressão específicos de cada indivíduo, a observação psicológica, a capacidade de discernir o cerne da personalidade, vale mais que o excesso de rigor na reprodução do pormenor ..."
[Álvaro Cunhal, in A arte, o artista e a sociedade, Caminho, 1996]
Dias Aziagos
"Quando um amigo morre, que nos resta senão tentar ressuscitá-lo? Com palavras (...) com lágrimas" [J. Gomes Ferreira]
Há uma desordem no tempo. Uma escuridão de espírito. Uma comoção insuperável. Uma amargura serena. Homens, cujas acções e qualidades de alma são sublimes manifestações da inteligência humana, que as turbas moribundas veneram ou odeiam, em rude préstimo, faleceram quase de seguida. Ainda o suspiro da noite se manifestava desamparado em brando refúgio, já nos consumíamos outra vez. As marcas do passado são tão céleres que nos fogem. Nunca se repousa nos afectos. O tropel da vida é sempre uma virtude fraterna, um exercício de memória & uma cavada paixão. Hoje, seremos assombrados pelo poeta, "o poeta do corpo", o "poeta solar" que glorificou a liberdade, "sem ruído, mas também sem hesitar". Que a poesia faz amantes. Amanhã, o sonho e símbolo de muitos, o respeito de todos e a honra, essa "puta triste" nos homens d'hoje, serão o fervor que brotará em memória de um lutador convicto e sincero. Que a todos marcou. As homenagens, sentidas, serão depósitos de saudade e de memória. Como na vida.
"Quando um amigo morre, que nos resta senão tentar ressuscitá-lo? Com palavras (...) com lágrimas" [J. Gomes Ferreira]
Há uma desordem no tempo. Uma escuridão de espírito. Uma comoção insuperável. Uma amargura serena. Homens, cujas acções e qualidades de alma são sublimes manifestações da inteligência humana, que as turbas moribundas veneram ou odeiam, em rude préstimo, faleceram quase de seguida. Ainda o suspiro da noite se manifestava desamparado em brando refúgio, já nos consumíamos outra vez. As marcas do passado são tão céleres que nos fogem. Nunca se repousa nos afectos. O tropel da vida é sempre uma virtude fraterna, um exercício de memória & uma cavada paixão. Hoje, seremos assombrados pelo poeta, "o poeta do corpo", o "poeta solar" que glorificou a liberdade, "sem ruído, mas também sem hesitar". Que a poesia faz amantes. Amanhã, o sonho e símbolo de muitos, o respeito de todos e a honra, essa "puta triste" nos homens d'hoje, serão o fervor que brotará em memória de um lutador convicto e sincero. Que a todos marcou. As homenagens, sentidas, serão depósitos de saudade e de memória. Como na vida.
segunda-feira, 13 de junho de 2005
Elogio dum modo de vida às avessas
"... O são principio dum modo de vida às avessas, no contexto duma ordem invertida do mundo, tornou-se-me visível em todas as situações. Eu também cumpria essa dificuldade que consiste em uma pessoa se levantar com o sol nascente e deitar-se ao sol poente (...) No tempo em que o dia se dividia ainda em manhã e tarde, era um prazer levantar-me ao cantar do galo e deitar-se ouvindo o pregão do guarda nocturno. Mas depois chegou a outra divisão: o do jornal da manhã e do jornal da tarde - e o mundo pôs-se à espreita dos acontecimentos (...)
Eis a razão por que durmo pelo dia fora. E quando acordo, a fim de saber o que me terá escapado, estendo à minha frente toda a vergonha em papel da humanidade, e sinto-me feliz. A estupidez ergue-se cedo; é a razão pela qual os acontecimentos adquirem o hábito de se dar de manhã. Muita coisa pode ainda acontecer até ao fim da tarde; mas, em geral, falta às tardes essa turbulenta actividade graças à qual o progresso humano se esforça por se mostrar digno da sua boa fama até serem horas da ração (...)
Os maiores desastres ocorrem todas as manhãs; por isso é que mantenho a minha fé na excelência das instituições humanas. Os jornais da tarde, porém, dão conta, não só do que se passou, mas também de quem estava presente; (...) O mundo tornou-se mais feio desde que começou a olhar-se todos os dias ao espelho; porque nos contentamos com a imagem, renunciando ao exame original. É edificante perdermos a fé numa realidade tal qual a descreve um jornal. O homem que durante a metade do dia dorme, ganhou já metade da vida.
Todas as maiores asneiras acontecem de manhã; a gente não deveria acordar senão quando fechassem os serviços públicos. E sair só depois da ceia, numa vida deste modo livre de política (...)
Em compensação, a tranquilidade reina de noite em todos os domínios da actividade pública. Nada se mexe. Não há nada de novo. Só o carro da limpeza se desloca pelas ruas, como símbolo da ordem invertida do mundo. É então que a poeira acumulada pelo dia se pode dispersar; e, quando chove, o carro-mangueira lá passa depois. Afora isto, é uma paz. A estupidez dorme, e eu ponho-me a trabalhar. Chega-me, de longe, um som como o do ruído das máquinas impressoras; é a estupidez que ressona. Espreito-a, furtivamente, colhendo ainda algum prazer das minhas pérfidas intenções. E quando o primeiro jornal da manhã surge no horizonte leste da civilização, deito-me ... Tais são algumas das vantagens dum modo de vida às avessas".
[Karl Krauss, 1908, in Pravda nº4, Verão de 1986, trad. de Júlio Henriques]
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