quinta-feira, 20 de novembro de 2003

LEILÃO DE LIVROS ANTIGOS



LEILÃO DE LIVROS ANTIGOS – Hotel Roma, 25 e 26 de Novembro

No próximo dia 25 (e 26 de Novembro), pelas 21 horas abrirá a praça no Hotel Roma (Lisboa) o Leilão de Livros Antigos, sobre História, Descobrimentos, Cerâmica, Oriente, Modernistas, Monografias, Periódicos, a cargo de Luís P. Burnay (Calçada do Combro, 43-47, Lisboa). O conjunto de 720 peças contempladas neste leilão é estimado, com trabalhos de reconhecido mérito e grande procura, com lotes de raridades apreciáveis, sendo excelente para bibliófilos ou simples amantes de livros.

Algumas referências: Afinidades: Revista Cultural, 20 num., 1942-46 (colaboração de Abel Salazar, Casais Monteiro, Gaspar Simões, Cardoso Pires) / Cartas de Afonso de Albuquerque, seguidas de documentos que a elucidam (publicadas sob direcção de Bulhão Pato), 1884-88, 7 vols / Alma Nacional: Revista Republicana, dir. António José de Almeida, 34 num., completa (colaboração de Aquilino, Tomás da Fonseca, Raul Proença) / Os Gatos, de Fialho de Almeida, 1889-94, 57 fasc. (c/ os 3 últimos números de 1894, que são raros. Encad., valioso) / Luz da Liberal e Nobre Arte de Cavallaria ..., de Manuel Carlos de Andrade, 1790, c/ 93 est., 454 p. (valioso e raro livro) / Apontamentos da vida de João Brandão por elle escriptos nas prisões do Limoeiro ..., 1870 (raro) / Athena: Revista de Arte, c/ dir. de Fernando Pessoa, Ruy Vaz, 1924-25, 5 nums colaboração de Almada, Boto, Pessoa, Augusto Ferreira Gomes, Sá Carneiro, Mário Saa, Raul Leal. Enc.. Importante revista modernista) / Goa Antiga e Moderna, por Frederico Diniz Ayalla, 1888 (rara monografia) / Historia da Censura Intelectual em Portugal, de José Timóteo da Silva Bastos, Coimbra, 1926 / O Lyma de Diogo Bernardes em o qual se contém as sua Éclogas e Cartas, (por Diogo Bernardes), 1761, junto com Rimas Varias, Flores do Lima (idem), 1770, junto ainda com Varias Rimas ao Bom Jesus(idem) 1770, raro conjunto (enc.) / Bulla do Santíssimo Padre Leão XII contra os Pedreiros Livres, 1828 (virulenta bulla Papal contra a Maçonaria, com a curiosidade de ter em nota manuscrita na folha de guarda, uma nota a dizer que foi manada publicar com uma pastoral na Igrejas de Celorico e as datas. Raro) / A Rebelião Monárquica em Traz-Os-Montes, por Augusto César Ribeiro de Carvalho, 1919 (raro) / Ensaio histórico-politico sobre a Constituição e Governo do Reino de Portugal, de José Liberato Freire de Carvalho, 1830 (raro) / Questões da Índia, por Manuel de Carvalho (raro) / O Brasão de Coimbra, por Augusto Simões de Castro, 1872 (raro) / Noticia Histórica e Descriptiva da Sé Velha de Coimbra, 1881 (idem) / 3 títulos de Ruy Cinatti raros ( Borda d’Alma, 1973, O A Fazer, Faz-se Antes que, 1974, Import Export, 1974) / Les Luttes de Classes au Portugal a la fin du Moyen Age, por Álvaro Cunhal, Paris, 1967 (rara edição policopiada francesa)

[Continua]

ASSOCIAÇÕES DE COIMBRA (IV)


Sociedade do Theatro da Rua das Figueirinhas (1810-1834) [in, Conimbricense, 1905]

Sociedade Dramática dos 40 (1813) - Tratava-se de uma associação de académicos com 40 sócios, que foi proibido dado as ideias liberais da peça "Bruto" de Voltaire [ibidem]

Sociedade do Theatro da Rua da Calçada (1813) - Na casa do relojoeiro João Pedro, na (hoje) rua Ferreira Borges. [ibidem]

Sociedade do Theatro da Sé Velha (1817) - Funcionava na casa onde habitava o cónego Manuel José Coutinho, ao largo da , em frente ao lado principal da Igreja. [ibidem]

Sociedade de Theatro da Rua dos Coutinhos (1817) - Entre 1817/1818, Coimbra era frequentada por entusiastas das ideias liberais, com fortes aspirações de mudança. Entre eles figurava Almeida Garrett. Ora, muitos dos que foram proibidos pela peça "Bruto", acima citada, estabeleceram-se na Rua dos Coutinhos, na casa pertencente à família Coutinho. Mais tarde fundaram aí em 1817/18, uma Sociedade Maçónica a cargo do padre Joaquim Cordeiro Pereira. Em 1817/18 faziam parte do teatro, Garrett, Joaquim Sanches e José Maria Grande. De referir que Garrett apresentou, duas tragedias: «Lucrécia» e «Xerxes» [ibidem]

Loja Maçónica Sapiência (1818)- No dia 18 de Outubro de 1817, foram enforcados em Lisboa Gomes Freire de Andrade e seus companheiros. Outros liberais promoviam novas conspirações, dirigidas por Manoel Fernandes Thomaz, no que resultou o movimento de 24 de Agosto de 1820. Caiu o governo, dando lugar a um governo liberal.

Esta Loja Maçónica reunia-se perto do Colégio Novo e a ela pertenceram muitos doutores, como Manoel de Serpa Machado, João Alberto Pereira de Azevedo, Sebastião de Almeida e Silva e António Pinheiro de Azevedo. Este último seria mais tarde vice-reitor da Universidade, renunciando às ideias liberais, tornando-se "um pronunciado absolutista". Ainda pertencia à Loja, um respeitável e rico comerciante de nome Francisco da Silva Oliveira. Como curiosidade, diga-se que não era permitido admissões de estudantes, sendo que havia um só, o estudante de Medicina José Maria Lemos, dado ser parente do Bispo D. Francisco de Lemos. [ibidem]

quarta-feira, 19 de novembro de 2003

EPISTOLÁRIO




Caro camarada a Dias:

Mando-te junto a croniqueta que o pessoal do Indy me pediu, porque sei que sociologicamente falando preferes o CM, o Crime e a Maria ou esse Record de grande jornalismo e não tens pachorra para leres prosas intelectuais. Dado os meus afazeres bloguísticos e, agora, com compromissos profissionais de monta, não te posso ir abraçar e dar-te uma monumental maçada sobre politica, música e futebol. Eu que até vesti a pele de mouro e tudo, enfim obrigações de intelectualóide lisboeta. Uma merda, pá. Mas o que me custa, é andar com os tipos do Público em cima. São uma cola, lá se dizia no Nino's Show, e não me posso ausentar das Lisbias. Deves compreender, que és nortista.
Tenho dias que não dá para blogar. Até pensei se não seria melhor começar a escrever obras de grande espessura, que o país precisa é leituras pesadas para adormecer com liberalidade, apesar de reinar a ordem em todo o país, mas depois penso que até uma segóvia era melhor. Coisas de tímido. Estava melhor era a fazer testes ao governo, mas a rapaziada neocon lá do jornal não compreenderia. A propósito, sabes que por vezes fico com a sensação (vi isso no A Perfect World, de Clint Eastwood) que o JPC é um infiltrado, assim que a modos que com prosa afiada de lumpen-fnacista a atirar para a sociedade sem classes? Enfim, com o PM é que não se pode contar, agora que anda em pousio pelos cafés e restaurantes em trabalho de escopofilia ao mulherio. Espero é que não tome a peito aquela máxima comuna de "a mulher a quem a trabalha". Seria a catástrofe. Que o céu não lhe caia em cima.
 
Tenho de acabar que estou com pressa de ir escrever dois ensaios ("Algumas palavras de conselho e estimulo aos nossos trabalhadores de blogs nobres" e "Ninguém há-de chorar os avós da classe operária"), um opinativo protestatório sobre "Jorge Sampaio em presidência à Berta" e terminar o livro de propaganda que o Portas me encomendou (quinhentinhos já cá cantam) que intitulei, "Schwarzenegger: um homem Lusitano".

Um abraço

VEM AÍ A SRA FERREIRA LEITE ...


"Ora deixai-me dizer / que vejo tudo ao contrário / do que era lícito ver" [M.C.V.)

A inefável Ferreira Leite está de volta. Sabedora que o relatório do Banco de Portugal prevê um défice público, em 2003, de 5% do PIB, não entrando em conta com as engenharias contabilísticas costumeiras, a extraordinária Ministra corre célere e comenta, com sorriso seráfico, "que a política a seguir deve ser esta".

A tribo dos economistas, em fila de espera para os despojos da maior hecatombe da economia portuguesa dos últimos anos, curva-se respeitosamente perante o dogma ferreira-leitista do imaculado défice e, em gesto de fervor intelectual, atira com os velhos canhenhos de economia politica para o sótão da sua parcimónia intelectual. Lá estão em faxina, o paradigmático Jorge Neto, o frugal Miguel Beleza, o excitado Tavares Moreira, o abominável César das Neves, o casto Nogueira Leite, o nefelibata António de Sousa, ou esse mestre do suspense que dá pelo nome de Carlos Rosado de Carvalho mais o seu painel amestrado do Público, todos em desvairada arrumação dos economistas políticos clássicos e modernos, liberais ou nem por isso, mas outrora de muita estimação.

Sobre a agonizante caminhada descendente para o caos económico e social, com previsões que apontam para um PIB negativo à volta de 1%, como resultado de "um fraco estímulo ao investimento e a incapacidade das famílias em realizarem mais compras", e as consequências que tal provoca, suspeita-se que o receituário não vem em nenhum manual na língua de Camões, nem que possa ser traduzido de uma qualquer língua herege para uma necessária leitura chez Mercearia Leite & Família, e nem consta que se consiga já ouvir o que gritam Miguel Cadilhe, Cavaco Silva, Silva Lopes, Eduardo Catroga, Ernâni Lopes, Ferreira do Amaral, João Salgueiro, Rui Vilar, et all.

Afinal, se em tempos idos de 1993, a Sra. Ferreira Leite obteve uma performance no défice de perto de 6% do PIB, temos que nos regozijar pela proficiência de hoje. E aceitar, como nos diz Pessoa, que a crise provem "do excesso de civilização dos incivilizáveis". O que é justo.

ASSOCIAÇÕES DE COIMBRA (III)


Arcádia Conimbricense (179...) - Com o nome de Arcádia apareceram várias sociedades literárias, que adoptavam o nome de um pastor. Sobre esta pouco se sabe, apenas que é referida nas poesias de António Soares de Azevedo [in, Conimbricense, 1905]

Sociedade do Theatro da Rua Nova (1800) - Foi constituída nas casas com frente para a Rua da Sofia, por alguns académicos, e foi dissolvida pelo vice-reitor José Monteiro da Rocha [ibidem]

Novo Rancho (1803) - O mesmo vice-reitor, José Monteiro da Rocha, participava (a 20/09/1803), que se tinha formado "um rancho ou súcia de estudantes vadios e libertinos, que de dia em dia engrossava mais e era temível". Consta que foram presos perto de dezoito, sabendo-se que tinham mensageiros e sinais de convocação, bem como existia uma casa "onde se juntavam de noite a comer e a dançar com meretrizes e dai tomados de vinho e armados, infestavam toda a cidade". [ibidem]

Sociedade do Theatro da Rua de Coruche (1804)

2ª Sociedade de Theatro da Rua Nova (1806)

Sociedade do Theatro da Brôa (1806) - Era constituída por estudantes que residiam no colégio então chamado da Brôa, que ficava ao fundo da Rua dos Loyos, com frente para a Rua do Rego de Água. [ibidem]

terça-feira, 18 de novembro de 2003

PAUL ELUARD [1895-1952]



Paul Eluard [1895-1952]

Morre em Charenton-le-Pont, 18 Novembre 1952

"Ela surge - mas só à meia-noite, quando todos os pássaros brancos fecham as suas asas sobre a ignorância das trevas, quando a irmã das miríades de pérolas oculta as mãos na sua cabeleira morta, quando o triunfador se compraz na volúpia dos soluços, cansado das suas devoções à curiosidade, máscara e esplêndida armadura de luxúria. Ela é tão meiga que o meu coração se transforma. Eu temia as grandes sombras que tecem os tapetes do jogo e dos vestidos, tinha medo das contorções do sol ao cair da noite, dos inquebráveis ramos que purificam as janelas de todos os confessionários onde as mulheres adormecidas nos esperam." [Ela surge ...]

"..........
Já não basta o refúgio dos pássaros
Nem a fadiga ou a inércia
A recordação dos caprichos
Na manhã das carícias visíveis
Na madrugada da ausência da queda
Perderam-se os barcos dos teus olhos
Nos limbos das desaparições
O golfo abriu-se os outros que o extingam
As sombras que tu crias não têm direito à noite
.........." [Primeiramente]

ASSOCIAÇÕES DE COIMBRA (II)


Rancho dos 12 (1737)

Passados quinze anos da setença de morte ao estudante do Rancho de Carqueja, Francisco Jorge Ayres, eis que surge em Coimbra um Rancho de 12 estudantes, que "praticando tais excessos obrigaram a Mesa do Desembargador do paço a dirigir provisão ao Juiz de Fora". [in, Conimbricense, 1905]

Sociedade de Sciencias Naturaes e Económicas (178...)

Diz o Conimbricense, que não há "indicação de quem fossem os fundadores desta sociedade e a sua data de fundação". Ao que se sabe, Balthazar da Silva Lisboa, "doutor em leis" assegura que a sociedade se formou em Celas, após a criação da Regia Academia, portanto à volta de 1780. Esta Associação era uma "sociedade de mancebos patriotas, que desejando ser úteis à Pátria, se destinavam a trabalhos nos diferentes ramos da filosofia, divididas em quatro classes": História Natural, Agricultura, Arte e Comércio [ibidem]

Theatro da Rua dos Coutinhos (1785)

Constitui-se uma sociedade de curiosos em 1787, e um teatro na Rua dos Coutinhos, "do lado direito quando se sobe, na casa das famílias deste nome, onde existiu posteriormente - de 1822 a 1826 - a Imprensa do Reitor da Sé Catedral, Padre Manoel Nunes da Fonseca". [ibidem]

Theatro do Collegio de S. Bento (1786)

Patrocinado pelos monges do mesmo colégio. [ibidem]

segunda-feira, 17 de novembro de 2003

À MEMÓRIA DE J. M. KEYNES - POR J. P. FEIO



D'Après Marceau


À memória de J. M. Keynes

Só as palavras que não são.
Sobretudo as das mãos.

- Porque as mãos não traem!

[J. P. Feio, in Two Poetical Tracts & A Post-Scriptum, 2003]

ASSOCIAÇÕES DE COIMBRA (I)


 
Associações de Coimbra ( I )

A Irmandade dos Clérigos Pobres de Coimbra (1530), ao que diz o Conimbricense, pode "considerar-se como uma associação de socorros mútuos", sendo que a data citada se refere ao "mais antigo compromisso" da instituição em causa. Fundada na Igreja da Sé Velha, passou depois para a paróquia de S. Cristóvão, e em 1905 tinha sede na Igreja de S. João de Almedina. Além de prestar socorros médicos e farmacêuticos, fornecendo subsídios a doentes e impossibilitados, tinha como lugar central o culto da Virgem, "especialmente no mistério da sua Apresentação".
[In, Conimbricense, Ano 1905]


Rancho de Carqueja (1720)

Ao que se sabe, no ano de 1720/21, estudantes da Universidade de Coimbra formaram uma sociedade a que se deu o nome de Rancho de Carqueja. Tal nome vinha do facto de, com carqueja, terem queimado a porta das casas de João de Sequeira. Sabe-se que os membros dessa associação "praticavam os maiores atentados na cidade, estando os habitantes e as autoridades em terror permanente". Como a questão não se resolvia, D. João V mandou no dia 20/02/1721, um regimento de cavalaria e outro de Infantaria "tomar as portas da cidade", tendo-se procedido a buscas nas casas dos principais mentores da associação. O seu chefe era Francisco Jorge Ayres, que foi condenado á morte e degolado em Lisboa (para onde forma enviados os membros do grupo), "sendo a sua cabeça espetada num pinheiro e trazida para Coimbra, sendo exposta na Praça de S. Bartolomeu". Camilo C. Branco, no 1º volume de "Noites de Insomnia" (1874), deu "ao Rancho o nome de Rancho de Carqueja, dado fazer parte um facínora de Viseu, chamado Carqueja”, embora “erradamente como demonstrou o estudioso e antiquário Martins de Carvalho." [ibidem]

domingo, 16 de novembro de 2003

JACQUES DERRIDA - "ESPECTROS DE MARX"




"Shakespeare sabía mejor que nuestros pequeños burgueses cómo el dinero, forma de la propiedad la más general de todas, tiene poco que ver con las particularidades de las personas".

"En lugar de cantar el advenimiento del ideal de la democracia liberal y del mercado capitalista en la euforia del fin de la historia, en lugar de celebrar el fin de las ideologías y el fin de los grandes discursos emancipatorios, no seamos negligentes jamás con esta evidencia macroscópica hecha de innumerables sufrimientos singulares. Ningún progreso nos permite olvidar jamás, en cifras absolutas, que jamás tantos hombre, mujeres y niños han sido esclavizados, han estado hambrientos y han sido exterminados sobre la tierra." [Espectros de Marx]

"Não há lugar neutro ou natural no ensino."

"Pode a universidade (e de que maneira?) afirmar uma independência incondicional, reivindicar uma forma de soberania, uma espécie bem original, uma espécie excepcional de soberania, sem nunca se arriscar ao pior, a saber, em função da abstração impossível dessa soberana independência, ter que se render e capitular sem condição, deixar-se conquistar ou comprar a qualquer preço?"

"Cuidado com os abismos e as gargantas, mas cuidado também com as pontes e as 'barriers'. Cuidado com o que abre a Universidade para o exterior e para o sem-fundo, mas cuidado também com o que, fechando-a em si mesma, não criaria senão um fantasma de cercado, a colocaria à mercê de qualquer interesse ou a tornaria perfeitamente inútil. Cuidado com as finalidades, mas o que seria uma Universidade sem finalidade?"

"Se enceno, se dispenso um saber, para mim ensinar consiste em deixar o outro como outro, deixo ao outro a responsabilidade de se 'débrouillé'. A cada momento que cada um se 'débrouille', trate seu próprio fantasma, é isso a responsabilidade impossível de compartilhar. Cada um deve ficar só. É isso a solidão. Quando falo de solidão, da minha solidão, você pensa na sua e se diz, pode ser a mesma coisa - mas como você se engana. Mas é isso a linguagem. Há um grande poeta inglês Hopkins que elaborou uma teoria que ele chamava: self selving, como um 'self se selve', como um eu se torna ele mesmo. Ele o faz através do que Hopkins chama de - self taste - o gosto de si mesmo. O gosto que cada um tem de si mesmo. É absolutamente indescritível, incompartilhável. Ninguém pode partilhar o gosto de si mesmo. Tente descrever a alguém descrever o gosto de uma cerveja. O gosto não se compartilha." [Seminários EHESS]

"... toda a soberania é delirante a priori. Não há pretensão à soberania que não seja excessiva, hiperbólica, injustificável e, portanto, demente. A soberania é se sentir vivo, mas ninguém dá vida a ninguém, nem mesmo a mãe. Em todo caso, o soberano é alguém que diz: se dou a vida, posso tomá-la de volta. Dar e tomar a vida é o delírio do soberano."

"Com o fim da guerra fria, os Estados Unidos adotaram o conceito de 'rogue States' (Estados delinquentes) para designar países que desafiam a sua hegemonia. Ao fazê-lo, no entanto, extrapolam do abuso do poder e tornam-se, eles próprios, um 'rogue State'.

JACQUES DERRIDA: UNIVERSIDADE DE COIMBRA - 17 A 19 NOVEMBRO


 
Jacques Derrida: Universidade de Coimbra - 17 a 19 Novembro


"Le Souverain Bien" ou "être en mal de souveraineté", é o título da conferência de Derrida, na abertura do Colóquio Internacional, que decorrerá por três dias no Auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Hoje, haverá a cerimónia de concessão do Doutoramento Honoris Causa (11 horas) a Jacques Derrida pela Universidade de Coimbra.

sexta-feira, 14 de novembro de 2003

O ÚNICO HOMEM


"O único homem feliz é o que não toma nada a sério. Quanto mais as cousas se tornam a sério, mais infeliz se é. O que toma a sério a sorte da humanidade é quase o mais infeliz de todos os homens ... Quase, porque o que toma a sério a sorte do mundo e o enigma do universo é ainda mais infeliz"

[Fernando Pessoa, in Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal, 2003]

DO PERIGO DE PROIBIR CERTOS LIVROS ESTRANGEIRO





"... Com a data de 8 de Novembro de 1768, o Bispo de Coimbra, D. Miguel de Anunciação expediu uma pastoral celebre, que o leitor se for curioso destes assuntos, pode ver integralmente reproduzida na «Revista de História», de 1912, onde foi publicada pela primeira vez em letra de forma por Fortunato de Almeida.

Fervia em França o grande movimento filosófico do sec. XVIII e D. Miguel da Anunciação mostrava-se alarmado com a «torrente inundante de doutrinas várias e peregrinas que se têm derramado nesta cidade (Coimbra) ... com prejuízo imenso das almas e das consciências»
D. Miguel da Anunciação enumerava, na sua aflição, vinte e quatro obras «perigosas» (...)

Entre os livros anatematizados encontrava-se a monumental Enciclopédia de Diderot e d’Alembert; O Contrato Social, de Rousseau; Discurso sobre a desigualdade dos homens, do mesmo; Resumo de História, de Voltaire; Ensaio sobre a História, do mesmo; Henriade, idem; etc. «O desígnio destes autores, comentava o Bispo, parece ser de arrancar dos corações dos fiéis pela raiz as regras puras dos costumes, a doutrina mais sã da lei, os ditames mais sólidos da moral, e de introduzir o indiferentismo e fanatismo capaz de fazer que muitos naufraguem na fé; de por em maior risco as preciosas vidas dos reis e dos príncipes, e de alterar a boa harmonia que deve haver entre o sacerdócio e o império» (...)

Pois um mês depois da expedição da dita pastoral, na madrugada de 9 de Dezembro de 1768, D. Miguel da Anunciação teve um mau despertar: o Paço estava cercado de tropas e oficiais da Justiça entraram-lhe pela casa dentro com inexorável mandado de prisão.

Daí a pouco o desditoso Prelado era levado para Lisboa, ente forte escolta de cavalaria - como se fosse o mais temível dos bandidos. Atiraram-no para uma masmorra do forte de Pedrouços (...) É que tinha sido preso por mandado do omnipotente Conde de Oeiras, futuro Marquês de Pombal (...)
Seria por acaso o despótico Conde de Oeiras partidário das ideias materialistas, individualistas, liberais e democráticas, demolidoras do trono e do altar, pregadas por enciclopedistas, por homens como Voltaire e Rousseau? (...)

Oeiras mandou para a enxovia o Bispo de Coimbra por motivos muito diferentes. Além dos livros que citei, a Pastoral mencionava dois de Luís Elias Dupin, que quási ninguém hoje conhece: De Antiqua Ecclesiae Discipline; e Dissertationes Historicae; e um de Justino Febronio: De statu Ecclesiae et legitimi potestate Romani Pontificis. A proibição destes livros é que fez deflagrar as iras do Ministro - qual em tudo via a acção dos Jesuítas! Os censores que por sua ordem examinaram a pastoral, concluíram que esta fora inspirada pela Companhia de Jesus, então já expulsa do país..."

[A. Da Rocha Brito, in Primeiro de Janeiro, 18 (?)/ 02/1944]

MARÉ NEGRA DO "PRESTIGE" - UM ANO DEPOIS

















Maré negra do 'Prestige' - Um Ano Depois


"Conheço o sal que resta em minhas mãos
Como nas praias o perfume fica
Quando a maré desceu e se retrai.
" [Jorge de Sena]

Dias Estranhos / La Hispaniola / Lembra-te / Nunca Mais / Burla Negra

quinta-feira, 13 de novembro de 2003

GNR, O IRAQUE, JOSÉ MANUEL FERNANDES & CIA



1. Alapados na secretária, copulando nas teclas, os [José Manuel] Fernandes & Cia estão num caminho coerente: nunca levantam as nádegas para a acção. Ainda não nos esquecemos do que expressavam sobre a guerra colonial. Estamos avisados.

2. Mesmo quando dizem: "on ne fait pas des omelletes sans casser des œufs", não nos assustamos, pois sabemos que é dito por manequins reformadores, embora lhes compremos os jornais, pois gostamos do cheiro da tinta tanto como os Fernandes & Cia suspiram pelo roncar das armas.

3. É falso que o problema do Iraque seja "nosso". Ainda não recebemos a primeira tranche em petróleo. Suspirar pela pátria é insultar a totalidade dos seus cidadãos, pois nunca vimos o "motor que produz a luz". Podem anotar.

4. Sabemos que a nossa GNR é fantástica e por isso lhes enviamos felicidades, mas estamos muito assustados. E, por isso, "nem um só grito sairá dos nossos lábios". Continuamos muito assustados.

5. Finalmente, dizemos, que o único responsável pelo que de bom ou mau acontecer aos agentes da GNR, tem um nome: José Manuel Durão Barroso. Não temos metafísica de míope.

AUTORIDADE E LIBERDADE














..........
Liberdade
A liberdade conhece-se pelo seu fulgor.
Quatro homens livres não são mais liberdade do que um só. Mas são mais revérbero no mesmo fulgor.
Trocar a liberdade em liberdades é a moeda corrente do libertino.
..........
Ser-se livre é possuir-se a capacidade de lutar contra o que nos oprime. Quanto mais perseguido mais perigoso. Quanto mais livre mais capaz.
Do cadáver dum homem que morre livre pode sair acentuado mau cheiro – nunca sairá um escravo.
Autoridade e liberdade são uma e a mesma coisa.

[Mário Cesariny de Vasconcelos]

O REGRESSO DOS LENTES


"Serás flagelado por estar certo e por estar mal, e dói de ambas as vezes - mas nunca tanto quando a certeza te assiste" [Hunter Thompson]

Entendamo-nos: as revindicações do estudantariado fazem rir. Já antes o dissemos. Mas, a confiar no que é dito, parece que a rapaziada de Coimbra, em recreio prolongado, corre tudo a cadeado, feliz no incêndio dos seus corações. Frenéticos, depois de copiosa noite pela Alta, instalam-se perplexos junto à Porta Férrea, em acampamento suspicaz. Ah! que a poesia se deve fazer madrugando e dar vida por uma ideia, pode ser uma luzidia questão. Anuncia-se, pois, tempos difíceis em Coimbra, que a liberdade pode ser "como uma corrente de ar", mas já não se pode dizer que está tudo por fazer.

Porém, não se trata, aqui, de aceitar ou não a luta dos estudantes universitários, pois não cabe a nós "decretar que é apenas aqui ou ali que ela pode brilhar". Mas somente assinalar o regresso dos Lentes à vetusta Universidade, vindos do aconchego das suas tocas, para dar a lição num corps-a-corps de muita pedagogia, com direito a patrocínio radiofónico e com vários clichés à mistura, à sombra da velha Universidade. Que lição a de João Loureiro, que saudades de Coimbra!

Vede o espectro do lente a pairar sobre a Academia, ali junto à Porta Férrea. Vede o insólito da prelecção do Lente nesta outonal tribuna, sem que se vislumbre qualquer movimento nas bancadas corridas, nem se ouça qualquer manifestação nas coelheiras atulhadas - como garantem os jornais e as rádios. Vede! E nós a estremecer ... de espanto! Que saudade dos mysterios de Coimbra!

terça-feira, 11 de novembro de 2003

ANTÓNIO MARIA LISBOA [1928-1953]




Morre em Lisboa, 11 de Novembro de 1953

Nasceu em Lisboa a 1 de Agosto de 1928. Frequenta em 1942 a António Arroio onde contacta com Vespeira e Pomar. Tem por companhia, então, Risques Pereira, mas também Alves Redol e Irene Lisboa. Forma em 1947, com Pedro Oom e Henrique Risques Pereira um grupo à parte do grupo surrealista de António Pedro, O'Neill e José Augusto França. Parte para Paris em 1949, tomando contacto com a Egiptologia e o Ocultismo. Posteriormente, é internado num sanatório perto de Coimbra, acabando pouco depois por falecer em Lisboa, com 25 anos de idade.

"... Nunca o caminho percorrido é o mais acertado logo que reavemos a nossa capacidade de auto-critica e nos imaginamos pelo outro que não percorremos. O percurso que não fizemos é sempre melhor, e o melhor que teríamos feito, só porque se pensa que se se pensasse não se faria. Nós sabemos: somos um erro - mas a consciência disso isola-nos do erro alheio. Qualquer que seja a conduta humana não é falsa nem verdadeira - É (embora se possa pensar e sentir sempre errada)..." [AML, in Erro Próprio, 1952]

"... o perigo não nos vem da morte mas da vida. A morte é uma consequência do viver ou do viver demasiado. A força da morte é metafísica, a da vida é real. Não é a morte que mata a vida, mas esta que vai morrendo..." [AML & HRP]

"............
e depois eu te conheço de novo numa rua isolada
minhas pernas são duas árvores floridas
os meus dedos uma plantação de sargaços

a tua figura era ao que me lembro
da cor do jardim" [AML, Z]

Algumas Obras: Ossóptico (Coimbra, 1952) / Erro Próprio (conf.- manifesto, 1952) / A Afixação Proibida. Primeira Comunicação Pública do Movimento Surrealista (colab., Contraponto, 1953) / Isso Ontem Único (Contraponto, 1953) / A Verticalidade e a Chave (Contraponto, 1956) / Exercício Sobre o Sonho e a Vigília de Alfred Jarry, Seguido de O Senhor Cágado e o Menino (Ed. Gráfica Portuguesa, 1958) / Poesia (Antologia, Guimarães, 1962) / Poesia de António Maria Lisboa (A & Alvim, 1977)

segunda-feira, 10 de novembro de 2003

NOS 90 ANOS DE ÁLVARO CUNHAL



Cunhal é demasiadamente importante para ser esquecido. Goste-se ou não. Não é possível fazer a história politica, social e cultural da última metade do século XX em Portugal, sem encontrar a sua presença no debate das ideias estéticas e literárias que percorreram as principais correntes literárias e políticas portuguesas. Mesmo que, nalguns casos, não esteja aí presente. Mesmo que não tenha feito obra ou corpo maior. Ou até por isso mesmo. Não nos referimos, evidentemente, a Cunhal como teorizador da revolução democrática e nacional ou na luta pelo socialismo, mas das suas posições ideológicas face à arte e à sua universalidade.

Não esteve só nessa luta em torno de uma arte que exprima uma "tendência histórica progressista", numa arte e literatura que coloque o "social" muito antes do "estético", numa arte "útil" que acompanhe a natureza reflexiva dos movimentos sociais progressistas. Com ele, estiveram Mário Dionísio, José Bacelar, Manoel Mendes, Rodrigo Soares, António Ramos de Almeida, Joaquim Namorado, e outros mais, que n'O Diabo, Sol Nascente, Seara Nova ou na Vértice "fustigaram" presencista (vidé a critica ao suposto "umbiguismo" de Régio) e os que lhe seguiram. As denúncias e as polémicas constantes marcaram a partir dos anos 40 toda a matriz do denominado movimento neo-realista e o movimento estético português.

"... a arte está indissolúvel e inevitavelmente ligado à vida social, que a obra de arte é um elemento integrante da sociedade, e que numa obra de arte existem reflexos e significações da vida social explicitados ou não. Esta realidade tem sido sintetizada com a expressão «conteúdo» da obra de arte. Outra realidade objectiva é que na obra de arte a forma é um elemento básico do valor estético.
O mal é que a querela forma/conteúdo, que se trava ao longo dos anos no plano ideológico, na critica e no comportamento, cristalizou as mais das vezes em conflitos irredutíveis que dificultaram e impediram um debate suficientemente esclarecedor..." [AC, in A Arte, o Artista e a Sociedade, Caminho, 1996]

"... Quando alguns poetas presencistas cantavam, louvavam e enalteciam as cogitações, o isolamento individual, a mentalidade da burguesia, atribuindo-lhes o valor de serem «os verdadeiros problemas humanos», a poesia (segundo tais teorizadores e críticos) não estava sendo utilizada para quaisquer fins, era «o fim em si mesma» como «arte pura». Quando os poetas no Novo Cancioneiro transmitiam nos seus poemas aspirações e sentimentos de classes e camadas populares, estavam (segundo os mesmos teorizadores e críticos) a infringir os princípios da «arte pura» e cometiam o pecado de utilizar a poesia para fins políticos..." [ibidem]

Algum roteiro: Álvaro Cunhal ["Depõem Críticos e Artistas acerca da Génese e da Universalidade da Arte", in O Diabo (29/04/1939) / "Numa Encruzilhada dos Homens", in Sol Nascente (1/6/1939) / A Arte, o Artista e a Sociedade, Caminho, 1996] | António Vale (aliás Álvaro Cunhal) ["Cinco notas sobre forma e conteúdo", in Vértice, vol. 14, nº 131/132 (1954)] | Mário Dionísio [Ficha 14, 1944 / Autobiografia, 1987] | Joaquim Namorado ["Da dissidência Presencista ao Neo-Realismo", Vértice, 279, 1966] | Fernando Alvarenga [Afluentes Teóricos-Estéticos do Neo-Realismo Visual Português, Afrontamento, 1989]

domingo, 9 de novembro de 2003

ILUMINAÇÕES


 
Iluminações

"..., o anoitecer é para os camponeses um pesadelo de que procuram escapar reunindo-se nas humildes habitações em que uma simples candeia de folha ilumina todo o recinto do serão. Ao centro da casa juntam-se as mulheres que fiam e dobam o linho criado nos lameiros. É o ponto melhor iluminado e, por essa razão, ali se concentram aqueles que mais claridade precisam, se claridade se pode chamar à fraquíssima luz do azeite que arde no lampião ..." [Armando de Lucena, Usos e Costumes Portugueses]

"Petisco lume, e acendendo
A çuja negra candea,
Vi outra imagem da cea
Que há pouco estava tecendo
"

[Queixas dum estudante doente e sem dinheiro, in Manuel Chaves e Castro, Luminária Popular, Coimbra, 1963]

JOSÉ DÓRIA [1824-1869]



n. em Coimbra a 9 de Novembro de 1824

"Dotado de grande capacidade musical, foi afamado tocador de viola e o introdutor do fado em Coimbra, na opinião de Luís Moita, em O Fado, canção de vencidos

O fado de Coimbra, diz Joaquim de Vasconcelos, se célebre era, mais celebre ficou, pela viola de José Dória (...)

«Sobre a viola, denominada vulgarmente, de arame, é que ele começou a estudar, se concentrou a sua atenção. O seu alento artístico tinha encontrado o instrumento necessário ... Ouvimos a sua viola, as suas Canções Peninsulares, o seu Fado, enfim, tudo nos pareceu um sonho, uma coisa fantástica (Joaquim de Vasconcelos, Os Músicos Portugueses, vol. I, Porto, 1870).
[diz Luís Moita]

«O fado de Dória, que não conseguimos encontrar e que suponho esteja perdido para a reconstituição do alvorecer do Fado de Coimbra, seria, talvez, uma melodia agradável, debuxada por caprichosas variações, sabiamente dedilhadas na viola; ... Coimbra e a sua Academia, todo esse cenário onde Camilo concebera, em época pouco recuada, a figura estúrdia de Guilherme Lira, iam emprestar ao Fado, um manto de luar, certa aristocratização e elegância que, fortemente vincadas, com o rolar dos tempos, dariam à canção dolente uma característica formal tão distante, já, da feição lisboeta, que os fadistas da capital viriam a apelidá-la de ópera..." [in, O Despertar, 11/5/1966]

sábado, 8 de novembro de 2003

JOHN MILTON [1608-1674]


























Morre a 8 de Novembro de 1674

" ... The mind is its own place, and in it self
Can make a Heav'n of Hell, a Hell of Heav'n.
What matter where, if I be still the same,
And what I should be, all but less then he
Whom Thunder hath made greater? Here at least
We shall be free; th' Almighty hath not built
Here for his envy, will not drive us hence:
Here we may reign secure, and in my choyce
To reign is worth ambition though in Hell:
Better to reign in Hell, then serve in Heav'n..."

[Milton, in Paradise Lost]

A ALMA DAS COISAS




"Os antigos falavam da alma das coisas. A alma das formas e a alma dos materiais. A alma de cada objecto singularmente considerado e alma advinda da conjunção com os demais. O facto de uma coisa estar incorporada num conjunto dar-lhe-ia uma índole específica, correspondente às relações com as restantes partes do todo. Este forneceria um suplemento à alma individual ou retirar-lhe-ia algo que lhe pertencia, prejudicando-o. A partícula da alma universal correspondente a cada coisa era, assim, aquela com que ela nasceu e a que lhe foi emprestada pelas outras, pelas vicissitudes percorridas.
Esta crença, transmitida pelos filósofos estóicos aos juristas do II Século, há-de parecer, aos olhos de hoje, aos nossos olhos, carregados de positivismo, docemente irreal, de um idealismo ingénuo. E todavia (...)
Se as coisas têm alma, os modos de transmissão delas têm estilo (...). Por vezes obedecem a delongas, configurando-se muito lentamente, com uma serenidade que lembra a estética clássica. Não há a sensação de movimento. Predomina o hieratismo. Outras vezes, as negociações processam-se cerimoniosamente, contumeliosamente, com mesuras de um protocolo rígido, de forma que lembra a moda rococó. Frequentemente, joga-se nelas o ímpeto do barroco: forma, emergia, acção. E não falta o espectáculo romântico, a emoção e o sentimento, o lance rápido, voluntarioso, uma certa teatralidade que mais não constitui senão a exteriorização em atitudes de um sentimento interior de respeito pelos objectos, por excelência tão caro à época romântica. É o caso dos leilões (...)"

[Prof. Ruy de Albuquerque, in A alma das coisas - ou a dupla apologia à maneira de prefácio, Catálogo de uma Rara e Importante Colecção Particular, Silva's, 1988]

sexta-feira, 7 de novembro de 2003

O SENADO DA VERGONHA E OS DRIBLES DE SEABRA DOS SANTOS



"Um pé na margem direita, outra na margem
esquerda e o terceiro no rabo dos imbecis
" [J. Prevert]

Entre a romagem ao portal de S. Bento, abandonadas as aulas bafientas, e a miséria da vida quotidiana na Universidade de Coimbra, fiquemos pela excitação do seu Senado Universitário, tomado agora como altar de piedosos exercícios democráticos. Cante-se, pois, os inesquecíveis dribles de Seabra Santos perante o domesticado quórum do Senado, que a bola nunca esquece e o futebol é que educa. E anote-se este novo milagre cívico de votações à sorrelfa, pois que a paixão da educação tudo permite e a pedagogia assim o exige. E diga-se: se Coimbra é uma lição, o seu Senado é a oração sapientíssima, o compêndio do cidadão; e como redil doutoral, só pode encantar pelas liturgias nostálgicas do passado. Para que um dia vos lembreis.

Na vida admirável do estudante, "o ser mais universalmente desprezado" depois de colunista, deputado, futebolista e bloguista, a crise da universidade reside na sempre eterna poeira das propinas, um recreio de grande excitação. Incapaz de propor algo de perfeitamente noviciado, a actividade radical do estudante universitário assenta nesse moinho de vento do "não pagamos", o pronto a carpir do estudantariado. Julgando-se tanto mais livre quanto maior o simulacro das suas preces e clamores, o estudante cede às grilhetas da autoridade e "chega tarde demais a tudo".

É, pois, com admirável condescendência e uma ingenuidade enternecedora que, amortalhados entre as quatro paredes da sala de aulas, atentos e veneradores ao desfiar da cultura dos mestres, nunca ousam denunciar o enorme tédio das inenarráveis aulas dadas por cavalheiros que tem do pedagógico a noção de um discurso às mulas da parada.

Em paga dessa respeitabilidade, eis o declarado desprezo dos Seabras Santos no seu Senado e as pragas dessa eminência parda da Nação que dá pelo nome de José Manuel Fernandes. Para que um dia vos lembreis.

quinta-feira, 6 de novembro de 2003

MUITOS PARABÉNS SOPHIA!



MUITOS PARABÉNS Sophia!

n. Sophia de Mello Breyner [Porto, 6 de Novembro de 1919]

Sophia é poetisa. Sem desesperos nem maldições. Fiel de Amor, Sophia canta o mundo dos deuses entre o quotidiano dos homens. A sua força telúrica está no encantamento e no mistério que só as mulheres o sabem merecer. Sophia é sabedoria. Canto materno, desejo intenso, corpo trabalhado. Sophia sussurra em antiquíssimo cantar até se perder no reino dos homens. E ... nós com ela.

"........
Sofia vai de ida e de volta (e a usina);
ela desfaz-faz e faz-desfaz mais acima,
e usando apenas (sem turbinas, vácuos)
algarves de sol e mar serpentinas.
Sofia faz-refaz, e subindo ao cristal,
em cristais (os dela, de luz marinha)" [João Cabral de Melo Neto]

"Faz da tua vida em frente à luz
Um lúcido terraço exacto e branco
Docemente cortado
Pelo rio das noites

Alheio o passo em tão perdida estrada
Vive, sem seres ele, o teu destino.
Inflexível assiste
À tua própria ausência." [SMB, inDual]

"... Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do amor e da luz, evoluiu, evoluiu sempre dentro dessa busca atenta. Quem procura uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem. Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. Aquele que vê o fenómeno quer ver todo o fenómeno. É apenas uma questão de atenção, de sequência e de rigor..." [SMB, in Arte Poética]

"Ia e vinha
E a cada coisa perguntava
Que nome tinha
" [SMB, in Coral, 1950]

"Perfeito é não quebrar
A imaginária linha

Exacta é a recusa
E puro é o nojo" [SMB, in Mar Novo, 1958]

"Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
" [SMB, 25 de Abril]

quarta-feira, 5 de novembro de 2003

RAÚL BRANDÃO [1867-1930]




Morre em Lisboa, 5 de Novembro de 1930

Raul Germano Brandão, nasce na Foz do Douro, filho de pequenos proprietários, neto de pescadores [in Quem é Quem, de Álvaro Manuel Machado, que seguiremos de perto], frequenta o Curso de Letras que abandona para entrar na carreira militar ("O Inferno deve ser uma retrete de soldado em ponto maior" - diz). Amigo de António Nobre (participa na autoria do folheto Os Nefelibatas, sob o pseudónimo de Luís Borja, pertencendo, pois, ao grupo dos nefelibatas, de influência simbolista), Columbano e de Teixeira de Pascoes, tem uma obra vasta (contos, livros de viagens, peças de teatro e estudos históricos) mas cujo livro de referência maior será sempre Húmus, uma das pérolas da literatura portuguesa. Colabora em jornais (Correio da Manhã de Pinheiro Gomes), O Dia, a Republica (onde foi chefe de redacção), em várias revistas, como a importante Revista Portugal (de Eça de Queirós), A Águia, Seara Nova, A Arte, Revista de Hoje (com Júlio Brandão e D. João de Castro).

Algumas Obras: Impressões e Paisagens (1890), Historia de um Palhaço (1896), A Farsa (1903), Os Pobres (1906), El-Rei Junot (1912), Húmus (1917), A Conspiração de Gomes Freire (1917), Memórias (vol. I, 1919), Os Pescadores (1923), O Doido e a Morte (1923), Memórias (vol. II, 1925), A Morte do Palhaço e o Mistério da Arvore (1926), O Pobre de Pedir (1931), O Vale de Josafat ((vol. III das Memórias, 1933)

"A ternura é húmida" (RB)

[Das Memorias - que diga-se, seria talvez a escrita mais memorialista, perturbante e intimista de toda a blogosfera, se tal fosse possível ...]

"Hoje acordei com este grito: eu não soube fazer uso da vida! O que me pesa é a inutilidade da vida. Agarro-me a um sonho; desfaz-se-me nas mãos; agarro-me a uma mentira e sempre a mesma voz me repete: - É inútil! Inútil! (...)
A vida antiga tinha raízes, talvez a vida futura as venha a ter. A nossa época é horrível porque já não cremos - e não cremos ainda. O passado desapareceu, de futuro nem alicerces existem. E aqui estamos nós sem tecto, entre ruínas, à espera ..." [Set. 1910]

"... [Guerra] Junqueiro dizia de Latino [Coelho]:
- Sim, é um homem admirável, que em lugar de c... tem duas castanhas piladas!" [Dez. 1900]

"G..., antigo companheiro de Fialho [de Almeida], sepultado hoje o fundo duma biblioteca, diz assim a propósito da livraria do grande escritor:
«Eu chamo a estes livros as onze mil virgens. São apenas quatro mil volumes, ou pouco mais, mas - vão surpreendê-lo esta minúcia - estão aqui todos por abrir. Há aqui Balzac e Zola, Eça e Ibañez, os Goncourt e Ponson du Terrail. Fialho tinha muito Ponson na sua biblioteca. Esta literatura de costureiras e guarda-portões era para as grandes horas amarguradas.
Era. A ele e a outro grandes espíritos basta-lhes o próprio drama. Antero, nos dias aziagos de Vila do Conde, deitado num sofá, só lia Gaboriau. Para tragédia chegava-lhe a sua ... [Março 1903]

"Venho da casa de Fernandes Tomás. Teve um ataque apopléctico. Está hemiplégico, deitado num sofá, sonolento e trémulo. Nunca encontrei bibliófilo que tivesse prazer em indicar, em ensinar, senão este? Á beira do túmulo ainda pede que lhe arranje um catálogo da guerra peninsular ..." [1 de Fev. 1911]

"O que custa a largar na vida não é a esplêndida natureza, as grandes ideias, a luta ou as paixões? é o que fazemos todos os dias, é o hábito. Um médico meu conhecido do Porto, o dr. Frias, acabou com estas palavras: - E os meus doentes? Que vai ser dos meus doentes?... E, a mim, uma das coisas que me vai custar a deixar são os meus papéis. A vida leva-nos e aturde-nos. Lutamos. Debatemo-nos. Mas, quando chegamos ao fim, estamos todos docemente maníacos. O cúmulo é o caso acontecido com Alfredo Guimarães, cuja vida se passou na constante preocupação do bric-à-brac e que na agonia recomendava ainda:
- Olhem lá se esses homens, quando descerem com o meu caixão, vão partir as jarras da Índia que estão no patamar das escadas ..." [Dez. 1916]

"José Sampaio (Bruno), conversador extraordinário, corria altas horas as ruas denegridas e húmidas do Porto, com dois ou três amigos, falando, parando, discutindo até alta madrugada. Vinha tudo à baila: Deus, o universo, os filósofos e a politica. Agregavam-se às vezes àqueles homens alguns rapazes, que os ouviam fascinados. Eu era um deles, e ouvi-lhe, uma noite, estas palavras que nunca mais me esqueceram:
- Escusam de procurar ... a nossa ruína não vem dos políticos nem do regime. Mudaremos de regime e ficaremos na mesma. O nosso mal é mais profundo ? o mal é da raça.
- A raça? Mas, com esta raça, descobrimos o Mundo! (...)
- O mal é da raça. Se quisermos modificar o País, temos de fazer exactamente o mesmo que se faz com os cavalos, temos de mandar vir homens do Norte, ingleses, escandinavos ou suecos, e de montar aqui e além postos de cobrição..." [O Sangue, Memórias III]

terça-feira, 4 de novembro de 2003

MARTINEZ ESTRADA [1895-1964]



Morre em Bahía Blanca, 4 de Novembro de 1964

Ezequiel Martinez Estrada ou Don Ezequiel, nasceu na Argentina, foi poeta, ensaísta, professor de literatura, biógrafo (Balzac, Nietzsche,...), Presidente da Sociedade Argentina de Escritores, polemista (celebre a polémica com Borges sobre o peronismo). Com influências de Poe, Leopoldo Lugones, Rubén Darío, publica poesia e depois lança-se no ensaio com a sua obra mais polémica - Radiografía de la Pampa (Buenos Aires, 1933) - que é, afinal, um importante testemunho da cultura argentina de então.

Links: Ezequiel Martinez Estrada / Biografia / Martinez Estrada / Martínez Estrada, en la frontera de la modernización / Martínez Estrada

"Para encontrar la salida a las tragedias argentinas, deberíamos conocer el mapa de la cárcel donde estamos confinados. Si lo tuviéramos, podríamos matar al gendarme. Pero no hay mapas. Quizá ni siquiera hay gendarmes. Todo lo que nos queda es sentarnos a la puerta de nuestra celda y ponernos a llorar." [M. Estrada]

"El libro de Camus El hombre rebelde, expone mi tesis de que es indispensable el «enemigo de las leyes» para que la ley se depure y vigorice sin estancarse y corromperse. Los que gobiernan tienen el deplorable derecho de perseguirlos y ejecutarlos, pero nosotros tenemos el derecho de representar frente a ellos la fuerza que exige ascender y avanzar, otra vez y siempre, si la democracia es, como pensaba Whitman, ese anhelo insaciable." [idem]

"La noche concierta con el estado de ánimo de Buenos Aires. La animación nocturna es una euforia de droga espiritual; la santa noche, infinitamente anterior al desembarco de don Pedro de Mendoza, envuelve materialmente la ciudad en un regazo. Entonces surge de la febril y fría ciudad la otra más verídica y duradera. Las formas que la ciudad destaca de noche coinciden muy poco con las del día; tan poco como el alma nocturna con la de las vigilias o como la ancestral con la actual nuestra. El alma nocturna de Buenos Aires es muchísimo más rica de contenidos vitales y patéticos, y muchísimo más antigua, más arcaica que el día. Noche campesina que toma su desquite de la opresión y la insensatez de una faena jadeante sin objeto. " [M. Estrada, La cabeza de Goliat]

"En el silencio de la casa en sombras,
a medianoche, cuando todo duerme,
repaso viejos temas
- la belleza, la muerte -
y ultimo un vino añejo
voluptuosamente...
"

segunda-feira, 3 de novembro de 2003

É A ECONOMIA, ESTÚPIDO!



É já no próximo dia 31 de Novembro, às 13.00h, na FNAC junto à estante dos modernistas, ao Chiado, que decorrerá um ciclo de encontros "É a Economia, Estúpido!". Os participantes vão poder, finalmente, debater a economia libidinal, poesia sobre o deficit, luxúria de desemprego, neoliberalismo na comunidade primitiva, no que se seguirá um painel para aumento de ordenados, emagrecimento do Estado, luta por um caviar bolsista, em frente pela Barca Velha para todos, etc. Das comunicações a debate ao longo da jornada, refira-se as seguintes:

- Summa de casos de consciência, con advertencias muy provechosas para confessores, à cargo da Mercearia Ferreira Leite
- Descrição económica do eurobeatismo no território da comarca do Chiado, e próxima à margem direita da Benard, por Pedro Lomba
- Depois de Marx Abril, contributos para uma nova esquerda, por José Mário Silva
- Discursos sobre los comercios de havanos, donde se tratan materias importantes de gastronomía, y guerra, pelo Fumaças
- Uma seara nos dentes. Descobrir Berlin, pelo MacGuffin
- Genuína exposição das relações internacionais na Praça da Republica, ou o marasmo em que caiu a U. Coimbra e os seus lentes, por Ivan Nunes
- Alphabeto da malícia das mulheres com deficit ou dicionário de ardis, estratagemas e caprichos que o liberalismo combate, pelo Pedro Mexia
- O priapismo orgástico do proletariado na 1ª metade do Barrosismo, pelo Meu Pipi
- Este deficit é seu, estime-o, por NMP
- M. Oakeshott e a maligna engenharia social. Estórias de assombramento, por J. P. Coutinho
- Manual prático da cultura das batatas, e do seu uso na economia socialista, pelo Comprometido Espectador
- O deficit na hora da nossa morte. Contributos escatológicos, pelo Almocreve
- Modas e Bordados ou a Saliva Americana, pelo Homem a Dias

Dança de cadeiras na F. Foz

Absolutamente encantadora está a movida de cadeirais na Câmara Municipal da Figueira da Foz. O extraordinário Presidente Duarte Silva - segundo nos informa o jornal O Publico - "abichou" nada menos que 12 pelouros, anteriormente subtraídos a ilustres vereadores, mas num gesto despretensioso e altruísta atribuiu, de imediato, o pelouro das obras municipais nas freguesias a dois cidadãos figueirenses. Assim, a zona urbana foi graciosamente cedida ao inefável Lídio Lopes (chefe de gabinete), enquanto José Elísio (assessor de Lídio Lopes e presidente da concelhia do PSD) irá fazer a gestão da parte rural. Pouco interessa saber que nenhuns desses cidadãos foram eleitos, ou mesmo se a Lei nº169/99 configura tal desvelo presidencial. Apenas se regista que esse ávido leitor de BD e Presidente da localidade, assume com brilho e sapiência este novo período pós-moderno e santanista figueirense. Afinal, como diz a cantiga popular: Pilriteiro, dás pilritos / Porque não dás coisa boa? / Cada qual dá o que tem, / Conforme a sua pessoa. Os nossos aplausos!

"LICENÇA DE CAÇA ... COM PERDIGÃO"



"Procedia-se a um julgamento, em tribunal cível do porto, presidindo o distinto magistrado Dr. Albuquerque D. F. C., e intervinham como advogados os considerados causídicos Drs. A. Perdigão e A. César. Estes não se davam bem, chegando a beliscar-se publicamente, embora muito cordialmente sempre. É usança aborrecida, mas ainda mais vincada na classe médica, como facilmente se observa na grande maioria das comarcas. «Adlante com los faroles...»
Neste processo de agora, os comentários em volta da discussão azedaram demasiado, rapidamente se alvejando com voz e gestos exaltadíssimos! O inteligente e simpático Juiz Albuquerque Dias interveio, com justo receio da progressão do aumento dos tempestuosos arrufos:

- Os Colegas, permitam-me uma observação; entendo que por vezes excedem-se sem necessidade alguma, parecem capazes de se fulminar! Bem sei que depois da tempestade vem a bonança, mas há imprevistos …
- Perdão, atalhou rapidamente o Dr. César, fixando de soslaio o colega «Perdigão», ao mesmo tempo que puxava pela carteira …
- Comigo, senhor Dr. Juiz, escusa V. Exa. de preocupar-se, por que «tenho licença de caça ...»" [Montalvão Machado, in O Bom Humor nos Tribunais, 1967]

domingo, 2 de novembro de 2003

JORGE DE SENA [1919-1978]



n. em Lisboa, 2 de Novembro de 1919

"... Olhe que não sou brasileiro apenas pelo sentimento. Sou cidadão brasileiro desde 1963 (...) Por isso é que sempre me apresento como escritor português, cidadão brasileiro e professor norte-americano. Mas as minhas lealdades não são triplas e sim duplas, no que não vejo incompatibilidade alguma (para lá do respeito que devo às instituições do país em que me emprego e onde vivo). No plano cultural e de amor aos países (amor bastante infeliz, porque a luso-brasilidade é uma raça danada), já que no plano político não a devo tecnicamente a Portugal. Este é que me deve a mim." [Carta a Drummond de Andrade, 1972]

"Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso? ... " [J. de S., No País dos Sacanas]

"Como pode um homem carregado de filhos e sem fortuna alguma
ser poeta neste tempo de filhos só da puta ou de putas sem filhos?...
" [J. de S., in Quarenta Anos de Servidão]

"... Esclareça-se: uma coisa é literatura
Comprometida ou não, e uma outra coisa
É literocambada, ou seja uma pandilha
Ou várias assaltando à naifa e gritos
De a bolsa ou a vida. Inútil é fingirem
Que são das letras ou qualquer política:
Vieram para elas, baba da afluência,
Por não haver já viela onde as facadas rendam." [J. de S.]

"... A autentica actividade poética, porém, empenhada em transformar e realizar em si própria o mundo, tem o direito de rir-se da sua própria situação precária e triste. É que a actividade poética sabe-se dupla: e conhece, daqueles que são seus, quais os que a visitam e quais gosta de visitar. E de sempre os maiores forma os que a receberam mal, sem delicadeza alguma ... (vide Baudelaire), Interesse da poesia pela poesia?... A poesia vive-se e suporta-se." [J. de S., in O Reino da Estupidez I]

"... Por certo que a poesia é a coisa mais importante do mundo, tão importante que nem coisa é. Mas a verdade é que é tal o meu amor pela poesia, que me repugna deixar-me pensar assim. A importância da poesia é mínima: a importância de algo que, no mais puro e interiorizado sentido, não serve para nada, nem sequer para nos encher de mais humanidade ou de mais beleza. Só a poesia dos outros nos poderá momentaneamente encher de serenidade, de comovida alegria, daquela esperança lacrimosa que é a recompensa de termos vivido, por instante, fora de nós e do mundo que, visto por nós, ainda nós próprio é (...) O mundo é precisamente esse desperdício, esse empobrecimento de cada hora, a cada papel que se rasga, cada memoria que passa, cada morte que há. A humanidade um somatório imenso do que não chegou a ser, e do que se supõe que foi..." [idem, ibidem]

"... Vamos rasgar, ó poetas, esta mentira da alma,
vamos gritar aos homens que os enganam,
que não é a força, que não é a glória,
que não é o sol nem a lua nem as estrelas,
nem os lares nem os filhos, nem os mares floridos,
nem o prazer nem a dor nem a amizade,
nem o indivíduo só compreendendo as causas,
nem os livros nem os poemas, nem as audácias heróicas,
- a redenção sou eu, se formos nós sem forma,
sem liberdade ou corpo, sem programas ou escolas!" [J. de S.]

Links: Jorge de Sena (Projecto Vercial) / Bio-Bibliografia (Instituto Camões) / Exposição Sinais de Jorge de Sena / Homenagem a Jorge de Sena (Fac.Eng.da U.P.)

TEIXEIRA DE PASCOAES [1877-1952]



n. 2 de Novembro de 1877

"... Eu chamei Saudosismo ao culto da alma pátria ou da Saudade erigida em Pessoa divina e orientadora da nossa actividade literária, artística, religiosa, filosófica e mesmo social. E a Saudade, com a sua face de desejo e esperança, é já a sombra do Encoberto amanhecido, dissipando o nevoeiro da legendária manhã." [in , A Arte de Ser Português, T. P.]

" A tristeza lusitana é a névoa duma religião, duma filosofia e dum Estado, portanto. A nossa tristeza é uma Mulher, e essa Mulher é de origem divina e chama-se Saudade; mas a Saudade no seu mais alto e divino sentido, não é a saudade anedótica do Fado e de Garrett ... A Saudade é o amor carnal espiritualizado pela Dor, ou o amor espiritual materializado pelo desejo: é o casamento do Beijo com a Lágrima: é Vénus e Maria numa só Mulher: é a síntese do Céu e da Terra: o ponto onde todas as forças cósmicas se cruzam: é o centro do Universo: a alma da Natureza dentro da alma humana e a alma do homem dentro da alma da Natureza: a Saudade é a personalidade eterna da nossa Raça: a fisionomia característica, o corpo original com que ela há-de aparecer entre os outros Povos ... A Saudade é a eterna Renascença, não realizada pelo artifício das artes, mas vivida, dia a dia, hora a hora, pelo instinto emotivo dum povo: a Saudade é a Manhã de Nevoeiro: a Primavera perpétua: é um estado de alma latente que amanhã será a Consciência e Civilização Lusitana. Eis a nossa tristeza: o seu espírito são e divino ..." [T. P., in, A Águia, nº 8, Ano I]

"O homem representa de homem, nada mais, porque sonha, idealiza, concebe-se como um ente superior. É só gesto, tom de voz, mímica, - um macaco esperto. Como ele discursa à mesa dum Café! Os outros, mais da selva e da banana, ouvem-no, embasbacados! Proclamam-no um ser sobrenatural. É agradável haver um deus da nossa espécie. O homem representa sempre, ou quando pensa e logo existe, ou quando entoa o cantochão, todo um com o espantalho da morte. É sempre um actor inconsciente, ou vestido de negro eclesiástico ou envolto na púrpura pagã" [in Cartas a uma Poetisa, T. P.]

" Admitimos que haja muito de literário na forma da poesia de Pascoaes, como talvez de toda a poesia. Todavia, é irrecusável a evidencia de um conteúdo terrivelmente sério, experimental, operativo, iniciático. Os seus elementos essenciais, o poeta di-lo muitas vezes, são o silêncio e a solidão e a lua, essa caveira astral. É algo que corresponde, em termos de iniciação maçónica, à solenidade absoluta da «câmara escura», que Fernando Pessoa representou na primeira parte do poema A Múmia. (...)

Pascoaes vê naquele que foi iniciado nos «mistérios« da saudade o «ser duplo», uma espécie de «Jano Tetrafonte», tornado senhor da rebis - a coisa dupla. No homem comum, a saudade é apenas um sentimento, mas o que inquieta, perturba e entusiasma o poeta é verificar que há um povo, o seu, a quem foi dado a graça sem o saber, do sentimento do centro do mundo. Tão espontaneamente como a vista foi dada aos homens de todo o mundo. Por isso defendeu a iniciação poética pela saudade e nela viu o carro de fogo capaz de nos transportar de novo ao Paraíso ..." [António Telmo, História Secreta de Portugal]


"O luar prateia o nosso berço
e a aurora doira-nos o túmulo.
Túmulo e berço, luar e aurora,
principio e fim, quem os distingue?
Mas, nesta confusão
eu adivinho
que tenho em vida, a Eternidade
e o Infinito"

[Últimos Versos, T. P.]