"... Com a data de 8 de Novembro de 1768, o Bispo de Coimbra, D. Miguel de Anunciação expediu uma pastoral celebre, que o leitor se for curioso destes assuntos, pode ver integralmente reproduzida na «Revista de História», de 1912, onde foi publicada pela primeira vez em letra de forma por Fortunato de Almeida.
Fervia em França o grande movimento filosófico do sec. XVIII e D. Miguel da Anunciação mostrava-se alarmado com a «torrente inundante de doutrinas várias e peregrinas que se têm derramado nesta cidade (Coimbra) ... com prejuízo imenso das almas e das consciências»
D. Miguel da Anunciação enumerava, na sua aflição, vinte e quatro obras «perigosas» (...)
Entre os livros anatematizados encontrava-se a monumental Enciclopédia de Diderot e d’Alembert; O Contrato Social, de Rousseau; Discurso sobre a desigualdade dos homens, do mesmo; Resumo de História, de Voltaire; Ensaio sobre a História, do mesmo; Henriade, idem; etc. «O desígnio destes autores, comentava o Bispo, parece ser de arrancar dos corações dos fiéis pela raiz as regras puras dos costumes, a doutrina mais sã da lei, os ditames mais sólidos da moral, e de introduzir o indiferentismo e fanatismo capaz de fazer que muitos naufraguem na fé; de por em maior risco as preciosas vidas dos reis e dos príncipes, e de alterar a boa harmonia que deve haver entre o sacerdócio e o império» (...)
Pois um mês depois da expedição da dita pastoral, na madrugada de 9 de Dezembro de 1768, D. Miguel da Anunciação teve um mau despertar: o Paço estava cercado de tropas e oficiais da Justiça entraram-lhe pela casa dentro com inexorável mandado de prisão.
Daí a pouco o desditoso Prelado era levado para Lisboa, ente forte escolta de cavalaria - como se fosse o mais temível dos bandidos. Atiraram-no para uma masmorra do forte de Pedrouços (...) É que tinha sido preso por mandado do omnipotente Conde de Oeiras, futuro Marquês de Pombal (...)
Seria por acaso o despótico Conde de Oeiras partidário das ideias materialistas, individualistas, liberais e democráticas, demolidoras do trono e do altar, pregadas por enciclopedistas, por homens como Voltaire e Rousseau? (...)
Oeiras mandou para a enxovia o Bispo de Coimbra por motivos muito diferentes. Além dos livros que citei, a Pastoral mencionava dois de Luís Elias Dupin, que quási ninguém hoje conhece: De Antiqua Ecclesiae Discipline; e Dissertationes Historicae; e um de Justino Febronio: De statu Ecclesiae et legitimi potestate Romani Pontificis. A proibição destes livros é que fez deflagrar as iras do Ministro - qual em tudo via a acção dos Jesuítas! Os censores que por sua ordem examinaram a pastoral, concluíram que esta fora inspirada pela Companhia de Jesus, então já expulsa do país..."
[A. Da Rocha Brito, in Primeiro de Janeiro, 18 (?)/ 02/1944]