A
Rua da Judiaria faz alusão aos
Painéis do Museu das Janelas Verdes ou
Políptico de São Vicente, identificando o
homem gordo com um livro aberto, no Painel dito da Relíquia, como um judeu, e logo o famoso
Isaac Abravanel.
Pode ser que sim, mas a longa controvérsia em torno dos "mistérios dos painéis" desde a publicação do ensaio inicial de
Joaquim de Vasconcelos em 1895 não permite, com toda a segurança, afirmá-lo.
Aliás tudo à volta do políptico de
S. Vicente é absolutamente extraordinário. E a paixão que o debate suscita, com alguma violência diga-se e tragédia mesmo (exemplo disso foi o suicídio de
Henrique Loureiro), sugere que se seja prudente nalgumas das "
certezas" proferidas. Quer no que toca a execução dos
Painéis para a
Sé de Lisboa, às diferentes interpretações e significados esgrimidos (
Tese Vicentina, F
ernandina,
esotérica, etc), quer ao reconhecimento das diferentes figuras aí representadas, o que conduz a dizer que se está ainda longe da sua inteira compreensão. Paradoxalmente, ou talvez não, os historiadores remetem-se a um prudente silêncio interpretativo.
De facto, a questão não é pacífica e requer um cabedal de conhecimentos, desde o domínio da cultura da época e a leituras e saberes iconográficos, mitológicos, cabalísticos mesmo, que não estão ao alcance de qualquer um. Como exemplo da dificuldade existente, refira-se a arrumação primitiva das tábuas, o patrocinador do trabalho, ao debate sobre o menino do gorro (
Painel do Infante), à suposta confusão entre o
Infante D. Henrique (que ainda hoje é representado nos livros de historia como aquele
homem do chapéu grande, que se vê no
Painel do Infante) pela figura de
D. Duarte, etc.
Como exemplo da controvérsia, diga-se que ao suposto
judeu que a tese oficializada defendia há ainda poucos anos, o Dr.
Belard da Fonseca há muito a resolveu a partir da leitura do texto que o homem gordo mostra, e de pesquisas feitas, e que diz tratar-se do borgonhês
Olivier de la Marche. O texto decifrado pode ser lido na obra
Os Mistérios dos Painéis - O Cardeal D. Jaime de Portugal, de
Belard da Fonseca, que depois o traduziu. A cruz referida na
Rua das Judiaria seria a
Cruz de Santo André, e a cor da loba e do barrete usado, verde escura, era a libré dos "
pannetiers" da casa de
Bergonha. Inútil explicar quem era
Olivier de La Marche. Apenas se pretende referir que não é fácil ter certezas nesta questão. Ficaria assim posta de parte tratar-se da figura de
Abravanel, alquimista, sábio, bibliófilo e conselheiro de
D. Afonso V, astrólogo ["A Era Messiânica manifestar-se-á quando Saturno e Júpiter estiverem conjuntos no signo Peixes (particularmente influente no que respeita a Israel por ser signo água ...)",
in Dicionário do Milénio Lusíada, de
Manuel Gandra, referindo-se a
Isaac Abravanel]. Curiosamente
D. Afonso V era um interessado por alquimia, tendo ao que alguns dizem escrito um livro (julgo que só circula policopiado), denominado "
Tratado Alquímico". Para uma consulta bibliográfica sobre a questão dos
Painéis, aqui se deixa algumas referências:
Obras a consultar: Joaquim de Vasconcelos,
Tábuas da Pintura Portuguesa do Século XV, in Comercio do Porto, 27/28 Junho de 1895 / José de Figueiredo,
O Pintor Nuno Gonçalves, Lisboa, 1910 / Alfredo Leal,
Os Painéis do Infante e a Obra do Sr. José de Figueiredo, Lisboa, 1917 / José Saraiva,
Os Painéis do Infante Santo, Leiria, 1925 / Affonso Dornelas,
Os Painéis do Mosteiro de S. Vicente, Elementos para a sua Identificação, II vols, 1931 / Albino Lapa,
História dos Painéis de Nuno Gonçalves, 1935 / Artur da Motta Alves,
Os Painéis de S. Vicente num Códice da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Lisboa, 1936 / Georges Kaftal,
Essai Iconographique sur Les Paneaux Atribués à Nuno Gonçalves, in Boletim dos Museus Nacionais, vol II, fas. 6, 1942 / Garcez Teixeira,
O Significado dos Painéis de S. Vicente, Museu, vol. IV, 1945 / João Couto,
Nuno Gonçalves, O Políptico de S. Vicente, Col. Museu, 1954 / Reynaldo dos Santos,
Nuno Gonçalves, London, 1955 / Adriano de Gusmão,
O Nuno Gonçalves da Phaidon – Erros, Omissões e Plágios, Eur. Amer., 1956 / Adriano de Gusmão,
Nuno Gonçalves, Colecção saber, 1957 / António Belard da Fonseca,
O Judeu, o seu Livro e a Crítica, 1958 / Vitorino Magalhães Godinho, in Revista de História, nº 37, São Paulo, 1959 / Armando Vieira Santos,
Os Painéis de São Vicente de Fora, 1959 / António Belard da Fonseca,
O Mistério dos Painéis as Personagens e a Armaria, 1959 / António Belard da Fonseca,
O Mistério dos Painéis, IV vols, 1959-1967 /
António Belard da Fonseca, Dom Henrique? Dom Duarte? Dom Pedro?, Lisboa, 1960 / António Manuel Gonçalves,
Do Restauro dos Painéis de São Vicente de Fora, Museu, 1960 / Jorge de Sena,
Os Painéis ditos de 'Nuno Gonçalves', in Revista Ocidente, nº 305/306, 1963 / José dos Santos Carvalho,
Iconografia e Simbólica do Políptico de São Vicente de Fora, 1965 / Charles Sterling,
Les panneaux de Saint Vicent e leurs Enigmes, in Revue d’Art, nº 159, 1968 / Jaime Cortesão, "
A Historia dos Painéis de S. Vicente", in Historia dos Descobrimentos Portugueses, Circulo de Leitores, 1979 / José Luís Conceição Silva,
Os Painéis do Museu das Janelas Verdes, Guimarães, 1981 / Jorge Segurado,
Painéis de S. Vicente e Infante Santo, Ed. Noticias, 1984 / Paula Freitas & M. Jesus Gonçalves,
Painéis de S. Vicente de Fora uma questão inútil?, 1987 / Dagoberto L. Mark,
O Retábulo de S. Vicente da Sé de Lisboa e os Documentos, Caminho, 1988 / Theresa Schedel de Castello Branco,
Os Painéis de S. Vicente de Fora - As Chaves do Mistério, 1994