segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004


Oh! ... Público!?

Na primeira página d'O Público de domingo, entre as licenças de maternidades à la Bagão Feliz e a novíssima reforma prisional que está aí a estoirar, desponta o curioso título: "Durão Barroso quer apressar decisão de Cavaco Silva sobre candidatura presidencial". A imprevidente brincadeira, a cargo de Helena Pereira, pode ser acompanhada na página 12, num texto sem sentido algum, salvo pelo que aí se jura: a entrevista de Santana Lopes "foi concertada" com Durão Barroso.
Desde logo, nesse aranzel tão politicamente jornalístico, somos levados a meditar como foi pensada a questão. Imagina-se, as fontes ao que se sabe não elucidaram a Helena, o exercício conspiratório entre o edil de Lisboa, o primeiro-ministro, o beneditino Marques Mendes, mais dois ou três sociais-democratas soi-disant, e teme-se pela sanidade intelectual da jornalista d'O Público.
Silêncio! ... que se está a conspirar. Sem dúvida. Só não se sabe se os conjurados citados, se a senhora jornalista saída de algum relicário do cavaquistão. É que nem o Marcelo caiu nessa, à mesa da TVI, que nisto de santos Lopes só para crentes. Nem se ouviu gritar: "apanhei-te cavaquinho!". Nem consta que os leitores d'O Público possam ser confundidos com os intelectuais do Correio da Manhã.
Ah! como para escrever essa "beleza de hortaliça" no jornal é suposto o agreement da redacção, é de presumir que tivessem acompanhado, com toda a emoção, o exotismo da notícia. Nada nos espanta mais, pois, de facto, "o futuro é uma pescadinha de passado na boca" [Edgar Xavier].

domingo, 15 de fevereiro de 2004

Leilões


Ronald de Carvalho [1893-1935]

m. no Rio de Janeiro, a 15 de Fevereiro de 1935

"Enche o teu copo, bebe o teu vinho,
enquanto a taça não cai das tuas mãos...
Há salteadores amáveis pelo teu caminho.
Repara como é doce o teu vizinho,
repara como é suave o olhar do teu vizinho,
e como são longas, discretas, as suas mãos...
"

[Ronald de Carvalho, Epigrama]

Prémios Literários

Portugal é um país literário, uma corrente d'escrita ou cais de merendas profundo, rebrilhado de aguarelas perfumadas, palavras rutilantes, uma prosa e um estilo a "falar com o mundo”". Somos todos altíssimos poetas. Nem mesmo o mistério da festa dos prémios nos pode surpreender. Entre os indígenas lusos um reconhecimento literário é a consagração de todos nós. O carinho que a carpintaria das letras nos oferece, e que o aplauso dos facundos críticos nos recorda, não permite cair na indigestão literária.
As aclamações da turba dos jornais à vencedora da 1ª edição do Casino da Póvoa, a escritora d'O Vento Assobiando nas Gruas, ou a Coroa de Ouro do Festival de Poesia de Struga atribuída ao bardo nacional Graça Moura, impressiona a alma portuguesa. A opulenta faculdade do génio luso consagrada em terras da Macedónia, pelo ferventíssimo poeta onde nunca a rima falta, é justa porque admirável. Em verdade, ficámos comovidos por antever a extraordinária fortuna de se ler Graça Moura em macedónio. Quiçá, mais tarde, qualquer autóctone poderá albergar com entusiasmo as prédicas literárias de Santana Lopes, as conversas em família de Durão Barroso, as orações aos mancebos do seráfico Portas ou as especiosas afirmações de Alberto João. Aplausos! Quanto à escriba de Boliqueime, Lídia Jorge, novo meteoro a bruxulear no horizonte literário, confessamos que não nos adoça os infortúnios. Estamos de alma e coração com o velho Bastos. Aquele! ali em cima, a contemplar-nos. E por aqui nos fechamos. Todos nós. Basta de mau gosto!

sábado, 14 de fevereiro de 2004

Em dormência: por motivos de saúde o Absurdo faz uma pausa. Regressa em Março. Para nos beijar. Que um poeta "beija a própria boca". Nós restamos na espera. Até lá, as rápidas melhoras.

Resnais na Retorta, e há quanto tempo o não víamos ... Deus meu. O Ano Passado em Marienbad, um "amor insatisfeito", "um sedutor insinuante", "um apaixonado vencido" [Serafim Ferreira, pref. a O Ano Passado em Marienbad, de Alain Robbe-Grillet, Início, 1967] Falta de facto mais alguma coisa em O Ano Passado em Marienbad? Poderá existir este hotel? Poderão existir realmente estas pessoas? E efectivamente, tudo pode existir … "(ibidem)


Santana Agraciado

"E eu que não digo / eu que não deixo /eu que mim migo / só pelo queixo" [MCV]

Temos, agora, depois da benzedura da Agustina, o júbilo do fugaz Portas e a devoção de Alberto João, o negócio resolvido. Santana Lopes, afiou a língua, e quer ganhar "as presidenciais", ande ou não o prof. Cavaco a lançar livros no dia internacional das mulheres. O que mais importa, diz o exaltado Lopes, é "unir PSD e CDS/PP". Contrariando a máxima que "são ínvios os caminhos da verdade", o homem gatinha no primeiro jornal que lhe aparece, esperando os aplausos das almas laranjas. O sentimento é claro: ou Barroso faz o panegírico do novo candidato ou irá contorcer-se sob um montão de areia ... governamental.

Blog de Esquerda ... Mágico

A rapaziada noviciada do Blog de Esquerda enveredou pela milícia activa em assuntos esotéricos, tendo o admirável Luís Rainha granizado erratas e encenações em torno do Caso da Boca do Inferno, a pretexto de um artigalho de Pedro Mexia, presume-se por falta de fé pessoana. Ao que nos é dito, a tramóia entre Crowley, Pessoa & amigos não seria mais que uma tentativa de evitar as nádegas de senhoras mal benzidas pelo mago negro, ou quanto muito para iludir as cantilenas dos credores. Ora, este insubmisso exercício coreográfico entre o vate Fernando Pessoa e um obreiro da Golden Dawn assim escarranchado em posta no Blog de Esquerda, fez sorrir. Nunca se tinha visto tamanha vigília face à obra pessoana desde os escritos memoráveis do saudoso Gaspas, ou a magia do défice de Ferreira Leite. O furor da posta nos meios iniciáticos lusos, pela intuição intransponível de Rainha nos desígnios do oculto, despertou a mais viva comoção. Afinal, se não fosse o Rainha que seria de nós?

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2004


Julio Cortázar [1914-1984]

m. em Paris, a 12 de Fevereiro de 1984

"Me consideraré hasta mi muerte un aficionado, un tipo que escribe porque le da la gana, porque le gusta escribir…. La literatura ha sido para mí una actividad lúdica, una forma de amor... Me ha hecho muy feliz sentir que en torno a mi obra había una gran cantidad de lectores, jóvenes sobre todo, para quienes mis libros significaron algo, fueron un compañero de ruta. Eso me basta y me sobra" [Cortázar]

"(Quando Irene sonhava em voz alta eu acordava logo. Nunca pude habituar-me a essa voz de estátua ou papagaio, voz que vem dos sonhos, e não da garganta. Irene dizia que os meus sonhos consistiam em grandes saculões que às vezes faziam cair o cobertor. Os nossos quartos tinham a sala entre eles, mas de noite ouviam-se todos os ruídos da casa. Ouvíamo-nos respirar, tossir, pressentíamos o gesto que leva ao botão do candeeiro, as mútuas e frequentes insónias.
À parte isso estava tudo calado na casa. De dia eram os ruídos domésticos, o raspar metálico das agulhas de fazer malha, um ranger ao virar as folhas do álbum filatélico. A porta de carvalho, creio tê-lo dito, era maciça. Na cozinha ou no quarto de banho, que ficavam ao lado da parte ocupada, punha-mos a falar em voz alta, ou Irene cantava canções de embalar. Numa cozinha há demasiado ruído de louça e vidros para que outros sons a invadam. Muitas poucas vezes permitíamos ali o silêncio, mas quando regressávamos aos quartos e à sala de estar, então a casa ficava calada e à média luz, até caminhávamos mais devagar para não nos incomodarmos. Julgo que era por isso que de noite, quando a Irene começava a sonhar em voz alta, eu acordava logo)"

[]úlio Cortázar, in Bestiário, Dom Quixote, 1971]

Locais: Julio Cortázar Año Internacional 2004 / Julio Cortázar / J. Cortázar / Cortázar / Biografia / Julio Cortázar (1914-1984) / La pagina de Julio Cortázar / Juego y compromiso político (entrevista) / Cortázar por Cortázar (entrevista) / Entrevista / Un tal Julio Cortázar / Ensayos y Estudios sobre Julio Cortázar / Histórias de cronópios e de famas / Sobre Che Guevara / Obra on line / Julio Cortázar en la red

Aqueduto de S. Sebastião [II]

"Conflito com os de Santa Cruz era sempre sério, e estes, sempre prontos a levantar dificuldades, desviaram a agua do Chafariz de Sansão, abastecido pelas fontes aludidas, e habituados a fazerem quanto queriam levaram a Câmara, reunida em sessão conjunta de vereadores, fidalgos e vinte e quatro, a eleger um cidadão, que fosse à Corte demonstrar a el-rei a justiça dos Crúzios, ao mesmo tempo que se mandava a Heitor Borges pedir a sua presença na Câmara para ser ouvido sobre a conveniência de suspender as obras, até vir resposta del-rei. Estiveram nesta vereação todos os seus membros: o vereador Diogo de Castilho, juiz de fora pela ordenação, Jorge Barbosa, António Leitão e Pêro Barbosa, pela Universidade, Simão Travaços, procurador-geral e os dois procuradores dos mesteres, Jerónimo Francisco e Pêro Afonso (...)
A resposta de D. Sebastião é enérgica e decisiva. Em alvará de 20 de Junho revoga pura e simplesmente todos os privilégios, liberdades e jurisdições do Mosteiro de Santa Cruz, tão grande era o seu desejo de ver erguida a obra gigantesca e utilíssima, a mais útil com que o tempo se poderia dotar a Cerca de Almedina. (...) Heitor Borges vencera a resistência dos Crúzios, mas faltava ainda derrotar três adversários de respeito - Diogo de Castilho, afamado arquitecto e juiz de fora, vereador, bem como Jorge Barbosa, também vereador, que fora vários anos chanceler, juiz dos órfãos e alferes da bandeira, mais o escrivão da Câmara, Pêro Cabral, partidários confessos dos de Santa Cruz (...)
Vindos expressamente de Lisboa por causa de todo este complicado assunto, foi encarregado de os julgar o Doutro Tomé Nunes de Gaula, fidalgo da Casa Real, do Desembargador del-rei e Corregedor do Crime (...)"

[A. da Rocha Brito, in Primeiro de Janeiro, 1944 (?)]

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004


William Fox-Talbot (1800-1877)

"This negative created in 1835 predates the historically recorded "birth" of photography by four years. Before this time there were no photographic prints and until the turn of the twentieth Century there was no means of photo-mechanical reproduction." [in William Henry Fox Talbot]

Aqueduto de S. Sebastião [I]

"Heitor Borges Barreto, lente que fora de direito na Universidade e depois desembargador del-rei, estava em Coimbra desde os meados de Janeiro de 1569. Viera, não para matar saudades, mas com plenos poderes do «Desejado» para levantar o grandioso Aqueduto de S. Sebastião, mais conhecido naquele tempo por Cano Real, forte e elegante mole de pedra, com os seus vinte e um arcos, por cima dos quais correria a água da Fonte del-rei e da Fonte da rainha, para abastecer abundantemente a Alta, perto do Convento de Tomar (...) Os frades crúzios, riquíssimos e absorventes, há muito tempo eram os seus detentores e foram os primeiros a protestar energicamente contra o projectado melhoramento, por palavras e actos, intrigando, levantando dificuldades e pretextos, aliciando partidários.
D. Sebastião principiara por expropriar as duas fontes em carta escrita à câmara aos 13 de Dezembro de 1568, por ser «serviço de Deus, dele e bem do povo» trazer a água à Feira dos Estudantes e ao Adro da Sé, ao mesmo tempo que ordenava à Câmara, Corregedor da Comarca e Conservador da Universidade, mandassem limpar aquelas fontes, restituindo-as ao seu primitivo estado. Os cónegos regrantes tinham-se mexido e tinham, até certo ponto, conseguido modificar a opinião camarária, que até aí, estivera contra os crúzios e a favor de que fosse trazida a agua a Almedina. No último dia de Janeiro recebem os vereadores carta enérgica de el-rei, estranhando a contradição e ordenando, para bem do povo, que a cidade não só obedeça, mas favoreça mesmo o Desembargador em todos os trabalhos e facilidades por ele exigidos. Portanto, com rapidez, se faça e se erga o Cano Real, sobre as ruínas do antigo, talvez romano, que se descobriram agora e não vacile o Desembargador em lançar sobre a cidade o imposto ou finta que for necessário" (cont)

[A. da Rocha Brito, in Primeiro de Janeiro, 1944 (?)]

Anotações

[Algumas peças presentes no Catálogo da Biblioteca do poeta e Crítico de Arte D. José Blanc de Portugal, sob descrição bibliográfica de Luís Burnay, para a Dinastia, 2001]

Mission de l'Inde en Europe: Mission de l'Europe en Asie, la Question du Mahatma et sa solution, por Saint-Yves d'Alveydre, Paris, 1949, 213 p. [Livro maldito. O autor de 1885, recebeu a ordem sob pena de morte de a destruir, o que fez, embora em 1909 o editor Dorbon tenha feito uma tiragem muito limitada desta obra a partir de um exemplar único. Em 1940 desde que as tropas nazis ocuparam França e sobretudo Paris, perseguiram e destruíram todos os exemplares desta edição que conseguiram encontrar] / Mission des Juifs, de Saint-Yves d'Alveydre, Paris, 1956 (nova ed.) / The Magus, or Celestial Intelligencer; being a complete system of Occult Philosophy, in three books; containing the Antient anda Modern Pratice of the Cabalistic Art, Natural anda Celestial Magic ..., por Francis Barrett, London, Allen and Jo, 1801 / Les origines de l'Alchimie, por M. Berthelot, Paris, 1885 / Discursos sobre los Comércios de las Dos Índias, por Duarte Solis Gomes, ed. e pref. de Moses Bensabat Amzalak, Lisboa, 1943 [reed. clássico livro de economia] / Histoire de l'abolition de l'Ordre des Templiers, Partis, Chez Belin, 1779 / Operação 1, c/ org. de E. M. de Melo e Castro, Lisboa, 1967, (27)f: il; 51 cm [volume nº 1, desta rara revista literária e artística, com participação de Ana Hatherly, António Aragão, José Alberto Marques, Melo e Castro, Pedro Xisto, João Vieira, etc.] / Submundo, Mundo, Supramundo, pelo Visconde de Figanière, Porto, Chardron, 1889

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2004


A Nau Colonialista

"Ao que parece, é no mar que a dor acalma e os alicerces da alma esquecem"

Esse compêndio do cidadão que é o Mar Salgado, justamente apreciado pelo escol em serviço, foi excedido pelas maravilhas caprichosas de um seu marujo, que modestamente assina VLX, onde se contam as delícias e glórias da "nossa colonização", evidentemente "das melhores do século XX". Recorrendo a argumentos devastadores, em discurso erudito semelhante aquele em que cantou a "grandeza pessoal e científica" de Bissaya Barreto, Oliveira Salazar e Marcello Caetano, o infatigável navegante da história pátria VLX, desencalhou a nau da sua costumeira bonança, pensando ter vento próspero e o gentio distraído em lides mais varonis. Temendo o engodo democrata, e sem nenhum temor, alargou-se em "disculpas" e abonações várias, referindo até o "feitio" bem português de querer integrar. Oh! para nós a integrar.
Perante o repasto dessa comemoração esfusiante, o caminho marítimo colonialista assim (des)encalhado obrigou o comandante e verdadeiro rebocador NMP, entretido que estava a bolinar entre o choque fiscal e os gentios, a suster a veracidade que a colonização estava debuxada no mapa, e entre ventos e trovoada tamanha na mar-gosfera tentou marear a nau, alijando a côdea "da superioridade moral da democracia" sobre os incautos marítimos que o liam, evitando ficar enxorado no areal da praia. A festa promete, que a plebs pulla. Enquanto pode.

Anúncios:

- V. Exª deseja uma boa trip? No Mar Salgado - 6 bloguistas 6 - 5 dos quais com computadores ligados à rede internacional, serviço aos quartos, magnífico salão com motivos coloniais justamente reputado como o melhor, Bar Americano a preços moderados. Acordos especiais para estadias prolongadas.

- Confraria União dos Blogues Livres - Informa que reunirá brevemente para apreciar diversos assuntos de interesse para a Ordem, entre os quais o escrito assaz curioso de VLX, que aliás usará da palavra na sessão, contra o engodo democrata do anti-colonialismo. O mesmo instruído orador fará uma prelecção intitulada: "O Santíssimo Milagre da liberdade antes do 25 de Abril, que contem abreviadamente a historia completa do Santo Milagre do Botas de Santa Comba e a reabilitação das Colónias". Necessário quotas em dia.

- Colonialista. Mostra o próprio no local. Assunto sério. Resposta ao nº 1974

domingo, 8 de fevereiro de 2004

O MILAGRE DO RANKING



Depois do sublime mi(ni)stério da educação ter inaugurado a publicação de rankings de escolas, o país atónito, dá por si a acordar todas as semanas com mais opúsculos, numa sabatina esplendorosa, que faz corar por timidez os indígenas lusos.

A actividade febril dos funcionários políticos laranjas e os seus amigos da camisa azul para a reconstrução do ranking das cunhas, é notável. De igual modo, é absolutamente fantástico acompanhar o ranking dos economistas e gestores profícuos que prestam serviço em defesa do PEC (leia-se, respeitosamente, esse ranking de notáveis, bem manejados por Rosado de Carvalho no seu painel amestrado), ou o cliché de ilustres que se inquietam com as presidenciais, e até mesmo o extraordinário ranking de erros, gaffes e aldrabices, copiosamente servido pelos diversos mi(ni)stérios da governação. Os portugueses não se queixam. Não murmuram trivialidades. E têm razão.

De qualquer modo, ficaram perplexos ao saber que "Portugal ocupa a última posição no ranking do desenvolvimento empresarial" da (futura) Europa dos 27. E mais ainda, ao saber que 500 luminárias da gestão indígena se iam recolher nos claustros do Convento do Beato em meditação doméstica. A bem do PEC e do "Compromisso Portugal", já se vê. E o terror dos exercícios espirituais do impetuoso António Borges, do grão-comendador Ferraz da Costa, do reverendo Braga de Macedo, do cintilante Miguel Frasquilho, do soberbo Nuno Ribeiro da Silva, do benemérito José Homem de Mello, do devoto António Nogueira Leite, todos irmanados no fervor económico da novíssima geração e com a supervisão do venerando José Manuel Fernandes, caiu sobre todos nós. Ó doce ironia! Ó supremo desatino! Ó falsos aleivosos do ranking! Se como diria Herculano, "a desgraça é expiação", santificados dos que ainda acreditam. Amem!

SERÃO TRÊS VEZES ...


[Serão três vezes]

"Serão três vezes dados os sinais...
Três vezes a incerteza seguirá...
E três vezes a esperança voltará,
Sobre três intervalos siderais

Tudo em três vezes, firmes e fatais,
Se irá passando como escrito está...
E o livro do destino se abrirá
Por três vezes distintas e iguais...
"

[Augusto Ferreira Gomes, in Quinto Império, 1934]

ÉLIPHAS LÉVI [1810-1875]



n. em Paris, a 8 de Fevereiro de 1810

"Os franco-maçons tiveram sua lenda secreta; é a de Hiram, completada pela de Ciro e de Zorobabel. Eis a lenda de Hiram: Quando Salomão mandou construir o templo, confiou seus planos a um arquitecto chamado Hiram. Este arquitecto, para por ordem nos trabalhos, dividiu os trabalhadores segundo sua habilidade e como era grande o número deles, a fim de reconhecê-los, quer para empregá-los segundo seu mérito, quer para remunerá-Ios segundo seu trabalho, ele deu a cada categoria de aprendizes, de companheiros e aos mestres palavras de passe e senhas particulares... Três companheiras quiseram usurpar a posição de mestres, sem o devido merecimento; puseram-se de emboscada nas três portas principais do templo, e quando Hiram se apresentou para sair, um dos companheiros pediu-lhe a palavra de ordem dos mestres, ameçando-o com sua régua. Hiram lhe respondeu: "Não foi assim que recebi a palavra que me pedis". O companheiro furioso bateu em Hiram com sua régua fazendo-lhe uma primeira ferida. Hiram correu a uma outra porta, onde encontrou o segundo companheiro; mesma pergunta, a mesma resposta, e esta vez Hiram foi ferido com um esquadro, dizem outros com uma alavanca. Na terceira porta estava o terceiro assassino que abateu o mestre com uma machadinha (...)

Cada grau da ordem possui uma palavra que lhe exprime a inteligência. Não há senão uma palavra para Hiram, mas esta palavra pronuncia-se de três maneiras diferentes. De um modo para os aprendizes, e pronunciada por eles significa natureza e explica-se pelo trabalho. De outro modo pelos companheiros e entre eles significa pensamento explicando-se pelo estudo. De outro modo para os mestres e em sua boca significa verdade, palavra que se explica pela sabedoria. Esta palavra é a de que servem para designar Deus, cujo verdadeiro nome é indizível e incomunicável..." [Eliphas Lévi, Lenda de Hiram]

Locais: Biografia / Eliphas Lévi / Eliphas Levi (1810-1875) / Levi, Eliphas / Éliphas Lévi was a freemason / A Chave dos Grandes Mistérios / O Livro dos Sábios / Fiches de Lecture

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2004

ANOTAÇÃO SOBRE O MARTINISMO



[Pascoal Martins] "era um hebreu português foragido em França, onde reorganizou o kabalismo maçónico (Lojas em Bordéus, Marselha, Tolosa) (1760) e Paris (1768) tendo, segundo J. Bertrand (L'Occultisme Ancien et Moderne, Paris 1900) como discipulos principais Van-Loo, Saint-Martin e Bacon de la Chevalerie. Ao principio algumas tradições maçónicas não ligaram importância ao movimento. É o que se deduz da Biblioteca Maçónica, dedicada aos Orientes Lusitano e Brasiliense por um Cav. Rosa-Cruz, pag. 118, 1º vol. Em França parece que só se conhece o 1º volume desta rara e interessante publicação, dando-se como único publicado. Possuímos os quatro volumes publicados em França, os três primeiros em 1840 e o quarto em 1834 (o que supõe outras edição, tendo o quarto servido a bastas iniciações)

O Martinismo ainda hoje se mantem espalhado por toda a América e Europa (...) Gil Eanes ou Gil Rodrigues de Valadares andou imerso e apagado no agiologios até a aspiração romântica de Almeida Garrett (D. Branca e Viagens na Minha Terra). Fidelino de Figueiredo reduziu-o a uma interpretação naturalista (Serôes vol. XIII), António Correia de Oliveira criou-lhe uma aura panteísta (Tentações de S. Fr. Gil), o dr. Teófilo Braga reevoca-o num poema, encarnando sedentamente o platonismo (Fr. Gil de Santarém). A ementa agiologica pode ver-se nessa obra. José Pereira Sampaio aborda-o rapidamente (...) Goethe abordou a tragedia da psicose magica porque era um iniciado (...) Depois de ter recebido a iniciação em Francfort o grande dramaturgo estudou, dirigido po M.elle de Kletenberg, o Opus Mago-Cabalisticum de Weling, a Áurea Catena Homeri e as obras de Paracelso, da Agripa, etc. Os hermetistas alemães chamam ao Fausto, o Livro dos Sete Selos (Das Buch mit Sieben Siegeleng)

(...) De Dom Francisco Manoel foi publicado com as licenças da Inquisição o «Tratado da Sciencia Cabala» (1724) em edição póstuma. É um estudo rudimentar mas curioso (...) O Visconde Miguel Maria de Figanière, autor do Mundo, Sub-Mundo e Supra-Mundo, que Inocêncio não cita, primo co-irmão de Serpa Pinto, a quem dedica esta obra, pela afinidade das suas convições teosóficas, é pouco menos que ignorado em Portugal. (...)

[João Antunes, in nota de pé-página (p. 127) de Oedipus A Historia e a Filosofia do Hermetismo, Lisboa, 1917]

"A vida é mesmo assim"

A Expansão Vertiginosa entrou em pousio. Para leedores caprichosos e soberbos, lobo em deserto puro, deu-nos ao longo de 6 meses prosa admirável, reflexões devotas e curiosidades mil. Antiquíssimo cantar da ciência, da arte ... da vida. Poemactos. Feitos por um cavaleiro da ciência, para nós ... profanos. A Expansão Vertiginosa entrou em dormência. Outros desafios, presumo. Até breve.

[Agosto de 1979 ?] Na mão, um rascunho de missiva manuscrita para o Luso, feita, talvez, depois da bica no Crespo ou a altas horas parida na Torre altaneira. Miscelânea de sinopses. Lá estavam, admiráveis de frescura, Sraffa, a equação de Bethe-Salpeter, Frobenius, Almada, o pêndulo de Foulcault, Luiz Pacheco (saindo insidioso da livraria Leitura), F. Pessoa, Manuel de Lima, os Smiths, Miles Davis e Filles de Kilimanjaro, Borges e Mishima, as máximas de Occam (filósofo e monge franciscano do sec. XII) com ligação aos Rosa Cruz de Max Heindel, o L'Ésprit, Antonioni à cause de "identificação de uma mulher", Deleuze/Guatarri (sempre!), a querida Natália Correia, a Sociedade literária e filosófica de Manchester e a teoria cinética. E tantos mais. 1979 (?). Jogava-se xadrez, fustigava-se o computador, ensaiava-se o pau chinês no bridge, saudava-se os amigos com garrafas de Porto, saídas de velhas caixas de madeira, made D. Adelaide Ferreira (a Barca Velha ficou para depois), Monte Cristo 4, tudo na mais deliciosa das confusões. E vigiava-se a Praça. A Torre era opulenta. Nós espantosamente vivos. Deo Gratias!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2004

Discurso sobre a Paz

"Já no final de um discurso extremamente importante
o grande homem de Estado engasgando
com uma bela frase oca
escorrega
e desamparado com a boca escancarada
sem fôlego
mostra os dentes
e a cárie dentária dos seus pacíficos raciocínios
deixa exposto o nervo da guerra:
a delicada questão do dinheiro.
"

[J. Prévert, Discurso sobre a Paz, trad. S. Santiago]

Jacques Prévert [1900-1977]

n. em Neuilly-sur-Seine, a 4 de Janeiro de 1900

"... Jacques Prévert parece que a saltar ao eixo, é o termo, conseguiu a proeza de passar do primeiro ao terceiro estádio, e não só conseguiu como soube manter-se em posição de renovar o salto em sentido inverso, e assim sucessivamente. Um pé no ele, outro no eu, este último quanto possível diferençado do supereu postiço, ou então melhor e como ele próprio disse, «um pé na margem direita, outro na margem esquerda e o terceiro no rabo dos imbecis», dispõe soberanamente da concisão susceptível de nos transmitir num relâmpago toda a caminhada sensível e esplendorosa da infância, e abastecer ao infinito os reservatórios da revolta" [in Antologia do Humor Negro, Afrodite, 1973]

"... Era tudo tão verdadeiro, deliciosamente encantador, e de gosto tão fino, que à chegada do presidente com uma sumptuosa cara de ovo de Colombo foi o delírio.
- Era simples, mas tínhamos de puxar pela cabeça - diz o presidente ao desdobrar o guardanapo, não podendo os convidados refrear a emoção perante tanta malícia e simplicidade; um grande industrial derrama verdadeiras lágrimas de alegria através dos olhos cartonados de crocodilo, outro mais pequeno mordisca a mesa, lindas mulheres esfregam suavemente os seios e, arrastado pelo entusiasmo, o almirante bebe uma taça de champanhe pelo lado contrário, trinca de pé pregado à balaustrada da cadeira, gritando: «Primeiro as crianças!».
Por estranho acaso a mulher do naufrago confeccionara de manhã, e a conselho da criada, uma espantosa cara de viúva de guerra com duas grandes rugas de desgosto aos cantos da boca e duas bolsinhas de dor por baixo dos olhos azuis ..." [ibidem, trad. Aníbal Fernandes]

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terça-feira, 3 de fevereiro de 2004

“... Quam alto fui para o que todos são!
Quam baixo para quanto quis em mim!
Vi e toquei o que a outros é visão
Em sombras ou desejos, vaga e escura,
Na confusão da confusão sem fim
Sou hoje a minha própria sepultura
Tenho deserto e alheio o coração ...

[F.P., 61B-9. (dt)]

Anotações

"Normalmente os místicos não são ocultistas - Santa Teresa d'Ávila, São Francisco de Assis, Santo António, entre outros, são grandes místicos, mas não entram pela "via oculta", que é pertencente às Escolas de Mistérios. Por sua vez, os ocultistas, que estudam toda a parte filosófica e iniciítica, têm as Escolas de Mistérios destinadas para si, pois através da mente uma pessoa pode fazer um estudo e uma série de exercícios, desenvolvendo, pouco a pouco, a cordialidade, o lado do coração. [António de Macedo, in Lusophia]

"Portugal é um país, por enquanto, oculto. Aliás, o Lima de Freitas chama a atenção para o facto de os mitos mais proeminentes da mitogenia portuguesa (os "mitolusismos") não serem referidos nem pelo René Guénon, nem pelo Mircea Eliade, que viveu em Lisboa e deu aulas cá, e ele cita outros; eles citam o mito do imperador que há-de regressar, citam o mito do Encoberto, citam o mito do Preste João e nunca citam Portugal, além de não referirem o Sebastianismo quando se referem ao mito do Encoberto. Portugal é um país que, por qualquer razão misteriosa, não existe e tem de se manter oculto." [ibidem]

"O problema da portugalidade é um reencontrar das origens. é por isto que os livros, por exemplo, do Paulo Loução considero interessantes, pois faz um trabalho de campo muito importante... E estou totalmente de acordo com a ideia do Franclim da "verticalização da Lusitânia". Tudo ocorreu naturalmente. As pessoas começaram a chamar Lusitânia a Portugal... Portugal tem uma missão espiritual, mas sobretudo mistérica. E há bastante gente que está em Portugal a encontrar os mitologemas portugueses e a linha tradicional própria da portugalidade, que, a partir do século XVII, se distanciou bastante da europeia, até, então, existia uma linha esoterológica comum. Com a Inquisição, com o surgimento do rosacrucianismo, a nossa linha iniciítica quebrou-se da corrente iniciítica. Depois do culto do Império e do Divino Espírito Santo veio o Bandarra; no século XVII, tivemos o gigantesco Vieira, que acompanhou o século XVII todo. Ele foi buscar o mito do Quinto Império ao profeta Daniel e a Frei Gil de Santarém. Então, ficámos com os mitos diferentes: o bandarrismo, o Quinto Império, o Sebastianismo e as festas do Espírito Santo. De repente, temos uma linha iniciítica própria, que tem sido trabalhada por autores interessantes, desde o Leonardo Coimbra, o Sampaio Bruno, o Fernando Pessoa, o Almada Negreiros, Lima de Freitas, etc. e muitos outros artistas e investigadores portugueses do século XX." [ibidem]