quarta-feira, 2 de março de 2005
Um Ano a Blasfemar
Felizes os que podem blasfemar contra as impiedades. Coisas copiosas nos dão todos os dias, faz um ano agora, a equipa do Blasfémias. Praticar o bem é o que se lhes deseja. E mesmo que a devoção liberal seja um mistério para nós, daqui lhe desejamos muitas felicidades e iluminados festejos.
Livros & Arrumações
* Separata do Arquivo do Distrito de Aveiro, vol. XXIV, um texto sobre "A Provedoria de Esgueira", por Mário Alberto Nunes Costa, 1958. Fazendo um historial da formação da Comarca, referindo o "litigio" que manteve (1618/19) com Coimbra, apresenta um conjunto curioso de documentos seiscentistas referentes a Esgueira, ordenadas por Vicente Ribeiro Meirelles, com referência a várias vilas ou actuais cidades do distrito de Aveiro, entre as quais Salreu, Estarreja, Murtosa, Canelas, Fermelã, Branca, Bemposta, etc..
* Um excelente Ensaio Literário e Bibliográfico de Carlos Sombrio, sobre "João de Barros", com pref. de Joaquim de Carvalho, Figueira da Foz, 1936. Apresenta, além de uma extensa bibliografia de João de Barros e vários retratos, um curioso prefácio de Joaquim de Carvalho, onde é referido que ele e Carlos Sombrio "já lá vão quarenta anos (...) traquinavam pela Praça Velha [F. Foz] onde os nossos pais labutavam pelo pão de cada dia e, podendo ser pelo dia seguinte". Refere-se ainda à comemoração do Centenário de Camilo na Figueira (1925) para o reencontro com Sombrio, após que tece considerações em torno do biografado João de Barros. Eis, depois o ensaio sobre João de Barrros, o poeta do Anteu.
"De encontrar para a vida uma expressão mais bela,
De encontrar para a alma a perfeição melhor ..."
* Separata do Arquivo do Distrito de Aveiro, vol. XXIV, um texto sobre "A Provedoria de Esgueira", por Mário Alberto Nunes Costa, 1958. Fazendo um historial da formação da Comarca, referindo o "litigio" que manteve (1618/19) com Coimbra, apresenta um conjunto curioso de documentos seiscentistas referentes a Esgueira, ordenadas por Vicente Ribeiro Meirelles, com referência a várias vilas ou actuais cidades do distrito de Aveiro, entre as quais Salreu, Estarreja, Murtosa, Canelas, Fermelã, Branca, Bemposta, etc..
* Um excelente Ensaio Literário e Bibliográfico de Carlos Sombrio, sobre "João de Barros", com pref. de Joaquim de Carvalho, Figueira da Foz, 1936. Apresenta, além de uma extensa bibliografia de João de Barros e vários retratos, um curioso prefácio de Joaquim de Carvalho, onde é referido que ele e Carlos Sombrio "já lá vão quarenta anos (...) traquinavam pela Praça Velha [F. Foz] onde os nossos pais labutavam pelo pão de cada dia e, podendo ser pelo dia seguinte". Refere-se ainda à comemoração do Centenário de Camilo na Figueira (1925) para o reencontro com Sombrio, após que tece considerações em torno do biografado João de Barros. Eis, depois o ensaio sobre João de Barrros, o poeta do Anteu.
"De encontrar para a vida uma expressão mais bela,
De encontrar para a alma a perfeição melhor ..."
Comité Revolucionário Provisório de Kronstadt [2 de Março de 1921]
"... A insurreição de Cronstadt, nascida de revindicação de eleições livres dos sovietes, chegara a concepções que poderemos chamar de anarco-sindicalistas, tomando esta expressão no seu sentido correcto e não naquele polémico e pejorativo habitual. Sem negar o papel dos sovietes, os insurrectos queriam a sociedade administrada pelos sindicalistas reorganizados que se unificariam livremente à escala Pan-russa com associações de produtores. A maturidade política dos insurrectos aparece ainda mais nitidamente quando se considera que, tendo em conta a conjuntura particular dos princípios de 1921, eles tentavam resolver o problema do campesinato e a sua relação com a classe operária. A sua proposta visava até o desenvolvimento da agricultura sem provocar ao mesmo tempo um aumento do trabalho assalariado nos campos (Ao contrario do que fará a NEP) ..."
[J. Barrot, in Notas para uma análise da Revolução Russa, Cadernos de Hoje, 1972]
"... O esmagamento de Cronstadt e a proibição da Oposição Operária [nota: Alexandra Kollontai, Bukharine, Preobajensky, Radek, Chiliapnikov, Bela-Kun, etc.] mostram a vontade dos dirigentes em subordinar toda a acção à nova orientação económica, cuja execução passa evidentemente (e não o inverso) pelo reforço do aparelho de estado, com o qual o Partido [PCR(b)] tende cada vez mais a confundir-se ..."
[A Velha Toupeira (?), in A Oposição Operária, de Alexandra Kollontai (introd.), Afrontamento, Janeiro de 1973]
Locais: The Kronstadt Provisional Revolutionary Committee / The Kronstadt Uprising 1921 / The Kronstadt Commune 1921 / Russian Revolution of 1917, series of events in imperial Russia / A Revolta de Kronstadt
terça-feira, 1 de março de 2005
Um apito dourado para o senhor Costa, já!
"Ele não fazia nada de particular, mas fazia-o muito bem" [William Gilbert]
Temos noutes assim: muito fanáticas. Também podemos contrair a doença do César das Neves, ou não? Dizemos sem qualquer malícia: o senhor António Costa tem, de facto e de direito, obrigação de receber para rastreio arbitral um extraordinário e dourado apito. A requintada prestação que fez no jogo Porto-Benfica, se convenceu indígenas cegos e lacrimantes, uma meia dúzia de exaltados analistas do éter, cinco repórteres estrábicos e recebeu as palmas do edil de Gaia (presume-se que está em todo o lado), a nós, com indisfarçado orgulho encarnado, a justa homenagem que fazemos é dar-lhe o tal apito.
António Costa & Costa foi empanturrado de aplausos. Até o frenético Fernando Seara, de Sintra, jura, pela saúde de Eusébio (já se vê), que a gramática legislatória da arbitragem foi zelosa e submissa. Não nos convence o testemunho. Ao fim dos 20 minutos científicos e à Benfica, a rapaziada azul e branca foi acometida da doença (praga do César?) das faltas, acompanhadas de impropérios vários ao tal Costa e respectiva família. Conhecemos o filme. Não somos daqueles que pensamos que a arbitragem é tendenciosa se marca penaltys que não existem ou o seu contrário, mas tão só queremos assinalar que um verdadeiro árbitro, daqueles do dourado apito, não necessita dessas divertidíssimas cenas. Basta não admoestar jogadores (seja de que cor tenham) quando prevaricam. Basta permitir que uma qualquer equipa ou jogador intimide o adversário. Basta não manter a ordem (estamos, decididamente, rigorosos) estabelecida pelo cardápio da arbitragem. Sem falsas subjectividades.
Pronto, já está. E foi penalty contra o Simãozinho, passe os gorjeios dalguns. Que se saiba, o ombro ainda não descai até à manápula. Terminamos: o empate é justo, qualquer equipa podia ter ganho. A dúvida é: e o senhor Costa, o António? Ganhou o quê?
Ferro curtos
* Depois da reprimenda dada aos hereges da masturbação & outros pecadilhos, pousados os olhos fora do corpo ou não fosse o "homem a cabeça e a mulher o corpo", a noite passada, a propósito de um debate sobre o Código da Vinci, na RTP1, o inefável João César das Neves, pronto a despedaçar os heréticos lusos nessa magna questão que tem atormentado os intelectuais indígenas, deu sobejas provas da sua futilidade, ignorância, ao mesmo tempo que mostrava a sua faceta mais repugnante: não ter qualquer espécie de humildade e ambição de aprender a aprender. Se as aulas do fanático César das Neves tiverem essa configuração, então compreende-se porque razão o ensino universitário está como está.
* um sublime texto de Fátima Bonifácio n'O Público. Não pelo conteúdo, que todos já sabemos de cor, mas pela forma luminosa como nos é apresentado, e pelo prazer da sua leitura. Assim a articulista tivesse tal prudência em textos sobre o sistema de ensino e a educação em geral, onde a par de verdades insofismáveis, revela desconhecimentos vários, resvala nas meias-verdades e contradições óbvias.
Livros & Arrumações
* Da Economia neoclássica Tradicional à Nova Economia Keynesiana, por Fernando Pinto Loureiro, separata da Revista de Economia, 1949. É referido em nota de pé-de-página que "a publicação do Treatise on Money [de Keynes] suscitou a formação de um «círculo», para estudo da obra, a que pertenciam R. F. Kahn, I. E. Meade, P. Sraffa, C. H. P. Gifford, A. F. W. Plumptre, L. Tharsis, Joan Robinson, Austia Robinson e vários outros...". Noutra nota, o prof. Pinto Loureiro refere que em "8 e 15 de Agosto de 1925, Keynes publicou em The nation and Athenaeum dois artigos subordinados ao título «Am i a Liberal?», que podem ler-se nos Essays in Persuasion, de 1931, pags 323 e segs ..."
Sobre o optimismpo económico de Keynes [a propósito da possibilidade de se atingir o «pleno emprego»] cita F. Loureiro o que Keynes escreveu em 1931: "Na análise dos factos económicos, encontram-se razões que nos mostram como, mesmo neste domínio, a fé pode agir. Porque, se conformarmos todos os nossos actos a uma hipótese optimista, esta hipótese tenderá a tornar-se realidade, enquanto que, se agirmos conformemente a uma hipótese pessimista, arriscar-nos-emos a cair para sempre no poço da miséria" [Ref. Essays de Persuasion, já citado]
* Curioso opúsculo de António Ferrão intitulado "Gomes Freire e as Virtudes da Raça Portuguesa", Impr. da Universidade Coimbra, 1920. Este discurso dito na comemoração da "ignomiosa execução" de Gomes Freire (18 de Novembro) é uma biografia interessante, com abundantes referencias bibliográficas e um conjunto de notas e anexos, entre as quais cartas e artigos de jornais, de apoio ao texto, sendo de registar o que é referido como "uma das mais curiosas figuras de perseguido político [obv. por ideias liberais e republicanas] em Portugal nos fins do século XVIII e princípios do XIX", na pessoa do "padre José Ferrão de Mendonça e Sousa, licenciado em direito civil pela Universidade de Coimbra, e prior dos Anjos".
* Da Economia neoclássica Tradicional à Nova Economia Keynesiana, por Fernando Pinto Loureiro, separata da Revista de Economia, 1949. É referido em nota de pé-de-página que "a publicação do Treatise on Money [de Keynes] suscitou a formação de um «círculo», para estudo da obra, a que pertenciam R. F. Kahn, I. E. Meade, P. Sraffa, C. H. P. Gifford, A. F. W. Plumptre, L. Tharsis, Joan Robinson, Austia Robinson e vários outros...". Noutra nota, o prof. Pinto Loureiro refere que em "8 e 15 de Agosto de 1925, Keynes publicou em The nation and Athenaeum dois artigos subordinados ao título «Am i a Liberal?», que podem ler-se nos Essays in Persuasion, de 1931, pags 323 e segs ..."
Sobre o optimismpo económico de Keynes [a propósito da possibilidade de se atingir o «pleno emprego»] cita F. Loureiro o que Keynes escreveu em 1931: "Na análise dos factos económicos, encontram-se razões que nos mostram como, mesmo neste domínio, a fé pode agir. Porque, se conformarmos todos os nossos actos a uma hipótese optimista, esta hipótese tenderá a tornar-se realidade, enquanto que, se agirmos conformemente a uma hipótese pessimista, arriscar-nos-emos a cair para sempre no poço da miséria" [Ref. Essays de Persuasion, já citado]
* Curioso opúsculo de António Ferrão intitulado "Gomes Freire e as Virtudes da Raça Portuguesa", Impr. da Universidade Coimbra, 1920. Este discurso dito na comemoração da "ignomiosa execução" de Gomes Freire (18 de Novembro) é uma biografia interessante, com abundantes referencias bibliográficas e um conjunto de notas e anexos, entre as quais cartas e artigos de jornais, de apoio ao texto, sendo de registar o que é referido como "uma das mais curiosas figuras de perseguido político [obv. por ideias liberais e republicanas] em Portugal nos fins do século XVIII e princípios do XIX", na pessoa do "padre José Ferrão de Mendonça e Sousa, licenciado em direito civil pela Universidade de Coimbra, e prior dos Anjos".
XLVIII Catálogo da Livraria Moreira da Costa
Saiu o Catálogo do mês de Fevereiro da Livraria Moreira da Costa (Rua de Avis, 30, Porto) e pode ser consultado on line.
Algumas referências: O Piloto instruído ou Compendio Theorico-pratico de Pilotagem ..., de António Lopes da Costa Almeida, 1851 / Breve Noticia de Felgueira e suas Águas Medicinaes, por João Felício Pais do Amaral, 1887 / Memória Histórica da Antiguidade do Mosteiro de Leça ..., de António do Carmo Velho de Barbosa, 1852 / O Comércio e a Indústria Têxtil em Portugal, por Carlos Bastos, Porto, 1950 / No Presídio. Memórias dum Conspirador, Famalicão, 1913 / Terra Fria, por Ferreira de Castro, 1934 / A Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra ao País, Coimbra, 1919 (imp. Para a crise académica de 1919) / História de Portugal, sob direcção de Damião Peres, 1928-1981, X vols / Leonardo Coimbra Testemunhos dos seus Contemporâneos, Porto, 1950 / Vieira Portuense, por Carlos de Passos, Porto, 1953 / Cerâmica Portuguesa, de José Queirós, Lisboa, 2002, II vols / Ruas de Lisboa (Colecção de Estampas, com texto de Martim de Albuquerque e pref. de Maria da Graça Garcia, ed. fac-similada a edição primitiva de 1826), Inapa, 1994 / Tratado de Sciencias das Finanças, de Marmoco e Souza, 1916 (pref. do prof. Anselmo de Andrade) / Repertorio Geral, ou Indice Alphabetico das Leis Extravagantes do Reino de Portugal, de Manuel Fernandes Tomás, 1815, II vols
domingo, 27 de fevereiro de 2005
Lawrence Durrell [n. 27 Fevereiro de 1912-1990]
"Nothing is lost, sweet self,
Nothing is ever lost.
The unspoken word
Is not exhausted but can be heard.
Music that stains
The silence remains
O echo is everywhere, the unbeckonable bird!" [L. Durrel]
"... o último, o maior dos meus fracassos (afundo a minha boca na carne viva entre os cabelos de Justine), foi o fracasso com as pessoas; era devido a um desinteresse de espírito cada vez maior que, se me permitia simpatizar, impedia-me, contudo, de me entregar. Gradualmente, inexplicavelmente, tornava-me cada vez mais deficiente em amor, embora fizesse incontestavelmente progressos do dom de mim próprio, a melhor parte do amor. Era isso, descobria-o agora com horror, o que me ligava a Justine. Como mulher, era naturalmente possessiva e devia tentar apoderar-se dessa parte de mim próprio que estava definitivamente fora de alcance, cujo último e doloroso refúgio era para mim o riso e a amizade. Essa espécie de amor tinha-a tornado, em certa medida, desesperada: eu não estava na sua dependência; e o desejo de possuir pode, quando insatisfeito, apoderar-se completamente do espírito. Como é difícil analisar estes laços que se ocultam sob a própria pele das nossas acções: o amor não é mais do que uma espécie de linguagem da pele, e o sexo pura terminologia ..."
[L. Durrel, in Justine]
Um Homem Incerto
José António Saraiva é um dos pregadores do reino. Um engasgado e alucinado comentador da coisa pública, inflexível no seu penoso trabalho de escrita, quase sempre monótona, medíocre, sem elegância nem talento. Polémico, obcecado pela rincharia dos indígenas e da classe política, desalentado com o país e o mundo, as suas crónicas são brincadeiras ligeiras que o mistério da política exige que se leia. Um exemplo perfeito do que valem alguns dos jornalistas portugueses. É director do jornal O Expresso, para glória nacional.
O homem que, implacavelmente, esculpe a "Política Portuguesa", fragmentando assombrosos e convictos prognósticos que fazem sorrir o gentio e ao mesmo tempo embevece os responsáveis partidários, o homem da famosa "picadora 1,2,3", diz-nos esta semana, sem qualquer decoro, que Marques Mendes é "um bom líder para o PSD" e, pasme-se, "pode ser um bom primeiro-ministro de Portugal". Apesar de ser uma mera "sobra" do imenso rol de candidatos possíveis à liderança do PSD e de presumir que majestosamente chegue a 2009 incólume, na sequência da surpreendente tese, do mesmo Saraiva, que os governos têm a validade de quatro anos, sejam eles quais forem e façam o que fizerem. Saraiva sabe. Como sabe de sondagens eleitorais. Não há qualquer dúvida.
Salvé Steinbeck [n. 27 Fevereiro 1902]
"... Você já ouviu falar em mãos que plantam? É quando você apanha botões de flores que não quer. Tudo cai directamente da ponta dos dedos. Você fica vendo seus dedos trabalharem. Fazem tudo automaticamente. Você pode perceber como é. Vão apanhando os botões e nunca se enganam. Estão com a planta. Percebe? Seus dedos e a planta. Você pode senti-lo até no braço. Eles sabem. Jamais se enganam. Você pode senti-lo. Quando você se sente assim, não pode fazer coisa alguma errada ..."
[J. Steinbeck, in Long Valley]
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2005
Anthony Burgess [n. 25 Fevereiro de 1917-1993]
Locais: Autoportrait / Anthony Burgess (1917-1993) - also called Joseph Kell, original name Jon Anthony Burgess Wilson / Anthony Burgess: A Life / Anthony Burgess - Life Stories, Books, and Links / Anthony Burgess.com / The Anthony Burgess Center / Afinal, o que faz um homem ser bom? / Revolutionary Sonnets and Other Poems by Anthony Burgess / Listen to the Anthony Burgess interview with Don Swaim, 1985
[Carta]
"Meu amigo:
Pelo almocreve, que levou os presuntos, lhe escrevi, dando-lhe parte que sou pai d'um robusto rapaz, que, apenas conta um mez, e parece que tem oito! Minha mulher abateu um pouco da sadia nutrição que estava gosando; mas começa a restaurar as forças e cores salubres que adquiriu nestes bons ares e com as puras aguas que por cá se bebem. Eu cuida da lavoira, vou mito à caça, e intertenho-me com o pequerrucho. A Maricas está toda impregnada na creação de perus e dos patos. Manda-lhe ella perguntara se será possível obterem-se amostras de algumas raridades galináceas expostas na Exposição Agrícola do anno passadp. Também o incommodarei oedindo-lhe que saiba o preço dos differentes arados expostos, e bem assim o preço actual da sêda em casulo, e por quanto poderei haver tres milheiros de amoreiras para plantação. Bem quizera haver um bácoro da raça dos cevados de Allen; não sei se é exiquivel o apetite. Tenciono mandar à exposição do anno seguinte uma excellente junta de bois barrozãos, creados em minha casa, e imã poldra portugueza que já tem quinze pollegadas e tres linhas. Não lhe roubo mais tempo. Recados da Maricas, e um abraço do seu Nunes
PS. Que tal acha os presuntos? Diga-me se os de Lamego serão mais saborosos!?"
[Camillo Castello Branco, "Historia de um Casamento", in Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, Primeiro Anno, Lisboa, 1859]
"Meu amigo:
Pelo almocreve, que levou os presuntos, lhe escrevi, dando-lhe parte que sou pai d'um robusto rapaz, que, apenas conta um mez, e parece que tem oito! Minha mulher abateu um pouco da sadia nutrição que estava gosando; mas começa a restaurar as forças e cores salubres que adquiriu nestes bons ares e com as puras aguas que por cá se bebem. Eu cuida da lavoira, vou mito à caça, e intertenho-me com o pequerrucho. A Maricas está toda impregnada na creação de perus e dos patos. Manda-lhe ella perguntara se será possível obterem-se amostras de algumas raridades galináceas expostas na Exposição Agrícola do anno passadp. Também o incommodarei oedindo-lhe que saiba o preço dos differentes arados expostos, e bem assim o preço actual da sêda em casulo, e por quanto poderei haver tres milheiros de amoreiras para plantação. Bem quizera haver um bácoro da raça dos cevados de Allen; não sei se é exiquivel o apetite. Tenciono mandar à exposição do anno seguinte uma excellente junta de bois barrozãos, creados em minha casa, e imã poldra portugueza que já tem quinze pollegadas e tres linhas. Não lhe roubo mais tempo. Recados da Maricas, e um abraço do seu Nunes
PS. Que tal acha os presuntos? Diga-me se os de Lamego serão mais saborosos!?"
[Camillo Castello Branco, "Historia de um Casamento", in Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, Primeiro Anno, Lisboa, 1859]
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005
Ganhar o "centro", eis a questão, dizem!
"Bem, sobre o que iremos falar esta noite? Sexo, misticismo ou revolução?" [K. Rexroth]
Hoje estamos assim: a olhar o "centro". A imobilidade conceptual do curioso "centro" é uma tecnologia política de grande sensibilidade argumentativa. Não há no transe do debate ideológico nenhum analista que não fale "nele", conferindo-lhe toda uma série de unidades discursivas, ordenações sociológicas fascinantes e um encantador poder explicativo. Quem cede o dito "centro" político, fica à mercê de uma putativa indisciplina eleitoral. A obsessão pela sua privação do "centro" toma ares de um qualquer esquecimento genital, abandonados que estão os corpos sociais ao apelo sensual do adversário. A ordem sexual, perdão social, ressente-se disso mesmo.
Há qualquer coisa de não-gozo nisso tudo. Qualquer negócio de sofrida infelicidade. Compreende-se, pois, a mágoa de Miguel Coutinho (hoje na SIC) pelo desleixo erótico revelado pela ex-coligação. Daí, também, a tentativa de sedução quase imperativa de Marques Mendes para o povoar, qual cliente assíduo. A voluptuosidade manifestada por todos é um documentário libidinoso. Como os compreendemos.
Mas poderemos nós falar no "centro" enquanto espaço estático ou lugar da permanência absoluta, que só com astúcia e talento, carícia eleitoral ou investimento político-libidinal, nos é dado flirtar? Que identidade ou característica terá esse tão sacrossanto "centro", assim à margem de dinamismos conflituais, sem densidade alguma no teatro das classes sociais e das suas estratégias? De que se fala quando se fala do "centro"? Qual o seu construído? Afinal muda o "centro" porque as condições sociais se alteraram, dado que os indígenas se sentiram ameaçados no seu modo de vida, ou foram as forças políticas que deram uma escapadela, à laia de conquistador marialva, para a sua direita ou a sua esquerda, restando o "centro" in su situ? Que lei é essa, afinal?
Teófilo Braga [n. em Lisboa, 24 Fevereiro 1843-1924]
"... O Theofilo conhece o estado da miséria intellectual d'esta nossa terra, e é um dos que mais a lastima, sendo, até certo ponto, uma victima illustre d'ella. Temos resolvido, eu e alguns rapazes novos e independentes (dos quaes o Theofilo conhece, por exemplo: Eça de Queiroz, Adolpho Coelho, Manuel de Arriaga, Oliveira Martins, José Falcão, Batalha Reis, respondendo eu pela seriedade dos outros, que não conhece) abrir em Lisboa uma sala de Conferencias livres, livres em todo o sentido da palavra, não frequentada por convidados da litteratura, mas aberta a toda a gente, e de todos as condições, aonde se tratem as grandes questões contemporâneas, religiosas, politicas, sociaes, litterarias e scientificas, n'um espírito de franqueza, coragem, positivismo, n'uma palavra, com radicalismo (...)
Temos um programma, mas não uma doutrina: somos associação, mas não igreja: isto é, liga-nos um commum espírito de racionalismo, de humanização positiva das questões moraes, de independência de vistas, mas de modo nenhum impomos uns aos outros opiniões e idéas, fóra do ambito marcado tão largamente á nossa unidade por esse commum ponto de vista (...)
Serve-lhe isto? E podemos contar com o Theofilo? Podemos - já - contar com o seu nome ao lado dos nossos; e - de futuro, quando puder ou quizer - com a sua voz entre as nossas? ..."
[Antero de Quental, Carta a Teófilo Braga, in Arcas, Coimbra, 1921]
Locais: Teófilo Braga (1843-1924) / Teófilo Braga / Braga (Joaquim Teófilo Fernandes) / Carta de Ramalho Ortigão a Teófilo Braga / Sobre as estampas ou gravuras nos livros populares portuguezes
Giovanni Pico della Mirandola [n. 24 de Fevereiro de 1463-1494]
"... porque derivam de iniciação órfica, os ensinamentos de Pitágoras consideram-se sagrados; deles emanou, como sua primeira fonte, a secreta doutrina dos números e tudo o que de grande e de sublime teve a filosofia grega. Mas, como era costume dos antigos teólogos, Orfeu revestiu os mistérios dos seus dogmas com a veste das fábulas e dissimulou-os com véus poéticos, de tal modo que quem lê os seus hinos pode julgar não passarem estes de fabulações e de divagações brincalhonas ..."
[Pico Della Mirandola, in Discurso Sobre a Dignidade do Homem, 1989]
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2005
Foi Vc pediu um comentador!?
Os relatores lusos estão em acção. A lamuriosa, porque para eles surpreendente, alteração do mapa sociológico do país foi-lhes fatal. Sequestrados nas suas prosápias de criaturas sempre prontas ao lambisco do poder, estão por ora confusos. Não entendendo que o mundo, sempre tão estouvadamente relatado aos indígenas mudou, cismam nos seus simplórios comentários pitorescos sobre a economia, a sociedade e o mundo. Tão redutores são nas suas brincadeiras de críticos que se desconhece se o fazem enquanto simples espectadores da coisa pública, workando a soldo do patrão ou se, no invés, estamos presentes futuros candidatos políticos. Tal é a distanciação ideológico ou política revelada. A tragédia de tão bizarra falta de ética, sensibilidade e respeito para com o gentio que os ouve e lê, é sublime.
A laboriosa catalogação das mazelas do reino conduz, por sistema, à necessidade de doutrinar a plebe no sentido da anunciação neo-liberal, nova terra prometida. Mas, helás! ninguém cede a essa descida aos infernos. A incredibilidade dos colunistas e analistas por tão estranho mistério guia-os para uma oratória a raiar o absurdo.
Assim, o camarada Espada em textos escritos para crianças no Expresso, cogita na baixa de impostos para "fazer recuar o Estado", lança-nos com a governação de Reagan, geme à conta da globalização e do comércio livre. Tão simples não há, diz. E, presume-se, lamenta que não o convoquem para servir de companhia, na TV e rádios, a um tal Sérgio Figueiredo, um Martim Avillez folião, ao inefável Bettencourt Resende, ao intelectual Luís Delgado. O camarada Espada gostava de brilhar como outros: entreter-se a identificar trotskistas atrás do sofá político; encontrar o senhor Keynes ao mesmo tempo que a Odete e o Sérgio Figueiredo, nalgum lado e à disposição; explicar Popper a crianças, operários e camponeses ou instruir de economia e política o Vasco Graça Moura; pendurar o dr. Mário Soares num folheto liberal, com virilidade; ser feliz como os outros.
Foi Vc que pediu um João Carlos Espada?
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