segunda-feira, 21 de junho de 2004
Portugal: Missão Cumprida
De vocação irremediavelmente prendada, a selecção de Portugal deu uma tosquia de primeira aos nossos hermanos. É mister dizer que fomos superiores em tudo. E não vale a pena ruborizarem-se os críticos de sofá com esta vitória. Nem é acertado aduzir que este exercício de futebol pátrio se deveu às substanciosas dissertações, dos ditos comentadores, sobre as escolhas de Scolari. Ao que se sabe, nenhum desses senhores alguma vez jogou futebol ou sabe o que isso representa. Se assim fosse, estariam no lugar de treinador e não de jongleurs de palavras. A não ser que o futebol já esteja no domínio do científico e, assim sendo, qualquer um pode ser um Mourinho, doutamente falando. Mas não e por isso, viva Scolari!
O que se assistiu nestes dias, e mesmo depois do resultado feito, foi um fartar vilanagem. As questiúnculas em torno do apuro da escolha dos nossos atletas, a investida fundamentalista com lunetas made in Antas contra o seleccionador (campeão do mundo ... ainda se lembram?), o desplante de alguns fanáticos jornaleiros em torno de alguns jogadores (Figo, Rui Costa, Fernando Couto, ...), a insânia bradada do púlpito dos jornais (e blogs, curiosamente) sobre tácticas e estratégias, divulgam a lista de mazelas com que é pródigo o autêntico portuga. E o original e comovente disto tudo, é que agora, com a vitória feita (que não esperavam, nem queriam) se atrelam à famosa "teimosia" Scolariana, e vai de desovar o fel tão extenuadamente guardado. Estão neste descarado cenário, onde não faltam os remoques ao seleccionador e a jogadores, o mulá António Tavares Teles e o profeta do futebol d'O Público Bruno Prata. Pode-se dizer que o futebol foi e será sempre assim. Seguramente que é verdade. Mas é tempo de acabar com essa soberba. E com o palavreado do desgraçadinho, e já agora com essa ideia do futebol objectivamente e cientificamente analisável. Era o que nos faltava!
Anotações: Ricardo Carvalho foi um bravo, inteligente e selecto jogador. Irrepreensível. E só uma UEFA (ou o Teles & Pratas juntos) não consegue ver isso mesmo. Nuno Valente um guerreiro. Miguel não comprometeu. Deco um mágico. Figo o boss elegante. Maniche um "mouro" de trabalho. Nuno Gomes ... apenas Nuno Gomes. Por tudo isso, obrigado a todos.
domingo, 20 de junho de 2004
Espanha, já cá cantas!
Hoje, estamos decididamente portugueses. Com os costados da família maquinando vigança, faremos vénias em demanda da vitória. Não abdicaremos, mesmo que nos estorvem o caminho. O nosso desplante é infinito. Seremos insensatos, distribuindo a magia e o ritmo do futebol. Com prudência respeitaremos a ambição de ganhar. Apenas isso. E está provado que sem "esperança não encontraremos o inesperado". Não resta dúvidas.
Nelson de Matos - "Experiência de Liberdade"
"... Nunca mais haverá histórias para contar. Palavras - apenas. Um vazio sonoro - o espaço brusco desta escrita. A letra fina sobre o papel amarelecido. Os traços. O ruído surdo das palavras movendo-se sobre a página. Pequeninos insectos. Larvas desapontando. Nunca mais haverá nada para contar. Apenas esta arquitectura delicada, o trabalho difícil destas mãos - o som. Aos poucos, tudo vai deixando de ser legível com o mesmo sentido com que hoje o lemos. Como até aqui o temos lido. Os laços, as relações, as interferências. Tudo se quebra. A escrita. O mundo. Um pouco mais e um esforço enorme será necessário para que entendamos tudo. Apenas o movimento destes dedos. A fria pedra desta casa. Lugar onde o lodo cresce e cresce o sono. Esta terra vergada sobre a seca. A raiz. A letra tremendo no papel. Tremendo sempre nesta sua impotência surda. Apagada ..." [Nelson de Matos, Tês Tristes Textos, in Experiência de Liberdade, Diabril, 1976]
Mais um dia de José Manuel Fernandes ...
A vaga José Manuel Fernandes nos editoriais d'O Público é uma dedicatória envergonhada a si mesmo, fazendo acudir um caprichoso e incansável pensador. E ninguém lhe leva a palma nessas movimentações espirituosas. A sua prosa, quase sempre sensaborona, monótona e petulante, oculta um alvoroço febril, delirante, que espanta. Nesta sexta-feira o seu depoimento acaba com uma singularíssima lamentação sobre "a falta de homens determinados até à teimosia e optimistas até à irracionalidade", homens "capazes de enfrentarem o nosso comodismo ensimesmado" (sic). Ninguém duvida que na sua falta, como sugere o charivari de JMF, alguém deve chegar-se "à frente". Ora, por desgraça nossa, não descobrimos tal graciosa figura senão na pessoa do próprio José Manuel Fernandes, que num momento de cintilante franqueza se declara. Eis, pois, JMF, putativo aspirante a lutar "contra o imobilismo" da velha Europa, empoleirado no labirinto da vergonha que a Europa da contra-reforma suspira. A fama do génio está a chegar. JMF, para todo o serviço. Dúvidas?
Livros & Papéis (Arrumações)
- Separata do artigo "Oiça, António Ferro", de Artur Inez, publicado no jornal República de 13 de Abril de 1933: «Oiça, António Ferro! É sempre cómodo, fácil e lucrativo bajular quem manda e pode estender a mão amiga (...) Nunca o vimos a atacar esses sebastianistas no tempo em que eles mandavam. Nesse tempo fazia o senhor a Leviana e outras histórias literárias. Na politica não bulia, embora os perigos fossem menores que os de hoje. Nos primeiros anos da ditadura também ninguém ouviu falar de si porque, enfim, não se sabia onde iriam parar as modas ..." / Curioso livro que reúne as intervenções do deputado republicano Fernão Boto Machado ("No Parlamento", 1929), com prefácio de S. Magalhães Lima. De referir: o projecto por ele apresentado das "Oito horas de trabalho"; uma intervenção sobre as "Touradas" ["... Em toda a corrida de touros aparecem três feras, que são estas: - o touro, o toureiro e o público. Os graus de barbaridade de cada um destes brutos, podem calcular-se pelos seguintes dados: o touro é obrigado; o toureiro vai por interesse; o público vai por um acto espontâneo da sua soberana vontade e ainda dá dinheiro ..."; uma outra intervenção intitulada "Os Escravos Modernos" a propósito do projecto-lei sobre acidentes de trabalho / "O Centenário de um Grande Chefe", por Francisco Manso Preto Cruz, 1960 ("... A base politica da «União Nacional» é constituída pelos foragidos da Causa Monárquica, dos diversos partidos republicanos e pelos sócios do Centro da Democracia Cristã de Coimbra. É bem híbrida esta Torre de Babel, porque não tem alma. Quer empregos! Se na República houvesse uma Lei de Responsabilidade Ministerial suficientemente séria nenhum Português quereria ser Ministro ...")
- Separata do artigo "Oiça, António Ferro", de Artur Inez, publicado no jornal República de 13 de Abril de 1933: «Oiça, António Ferro! É sempre cómodo, fácil e lucrativo bajular quem manda e pode estender a mão amiga (...) Nunca o vimos a atacar esses sebastianistas no tempo em que eles mandavam. Nesse tempo fazia o senhor a Leviana e outras histórias literárias. Na politica não bulia, embora os perigos fossem menores que os de hoje. Nos primeiros anos da ditadura também ninguém ouviu falar de si porque, enfim, não se sabia onde iriam parar as modas ..." / Curioso livro que reúne as intervenções do deputado republicano Fernão Boto Machado ("No Parlamento", 1929), com prefácio de S. Magalhães Lima. De referir: o projecto por ele apresentado das "Oito horas de trabalho"; uma intervenção sobre as "Touradas" ["... Em toda a corrida de touros aparecem três feras, que são estas: - o touro, o toureiro e o público. Os graus de barbaridade de cada um destes brutos, podem calcular-se pelos seguintes dados: o touro é obrigado; o toureiro vai por interesse; o público vai por um acto espontâneo da sua soberana vontade e ainda dá dinheiro ..."; uma outra intervenção intitulada "Os Escravos Modernos" a propósito do projecto-lei sobre acidentes de trabalho / "O Centenário de um Grande Chefe", por Francisco Manso Preto Cruz, 1960 ("... A base politica da «União Nacional» é constituída pelos foragidos da Causa Monárquica, dos diversos partidos republicanos e pelos sócios do Centro da Democracia Cristã de Coimbra. É bem híbrida esta Torre de Babel, porque não tem alma. Quer empregos! Se na República houvesse uma Lei de Responsabilidade Ministerial suficientemente séria nenhum Português quereria ser Ministro ...")
quinta-feira, 17 de junho de 2004
Aviz(ações)
O Aviz é o espaço conversável que todos gostaríamos de ter. Estabelece a diferença. Não nos cansamos de o frequentar. Hoje, perante a perversidade de blogs assustadoramente "normais", alguns outros de uma seriedade ao poder enternecedora, o blog sustentado por Francisco José Viegas, de nome Aviz, vive nos nossos corações. Está a comemorar o seu primeiro aniversário. Muitos parabéns.
O Aviz é o espaço conversável que todos gostaríamos de ter. Estabelece a diferença. Não nos cansamos de o frequentar. Hoje, perante a perversidade de blogs assustadoramente "normais", alguns outros de uma seriedade ao poder enternecedora, o blog sustentado por Francisco José Viegas, de nome Aviz, vive nos nossos corações. Está a comemorar o seu primeiro aniversário. Muitos parabéns.
Euro 2004: a pedido de várias famílias
Portugal ganhou à mãe Rússia. Todos estamos satisfeitos. Mas, de bom grado, fica-se com a ideia que a equipa de todos nós foi feita a pedido de várias famílias. Assistiu-se a uma arquitectura para todos os gostos, tal a as escolhas idealizadas. A amabilidade de Scolari, qual mercador em dia de feira, fez as delicias do velho e sábio jornalista desportivo, diluiu a lamúria do crítico de bancada, acabou com a choramingada laboriosa de Portugal profundo. Vencido pela fadiga da crítica, numa penada só, pôs a jogar Figo, Deco & Rui Costa, modificou a retaguarda lusa, colocou a jogar o menino Ronaldo, tirou Figo, tudo numa cambalhota notável. A ideia, já se vê, não resultou plenamente. Contra uma equipa sem chama, sem pressão e já sem alma, a equipa das quinas revelou graves problemas e uma trivialidade assustadora. Evidentemente, os críticos jornaleiros já falam em revolução. Eles lá sabem. Mas a confusão é evidente, mesmo que a defesa esteja mais sólida (Ricardo Carvalho é um must) ou o Deco mais criativo e impulsionador de jogo que Rui Costa. Mas é bom não esquecer, que quando se faz equipas a pedido, recebe-se sempre, mais tarde ou mais cedo, a respectiva factura.
quarta-feira, 16 de junho de 2004
Unesco ou Danação
A caminho de Paris está José Pacheco Pereira, nomeado representante permanente de Portugal na Unesco. Confessamos que nos rendemos perante tal regalo de espírito. Porém, não escondemos que a expectativa do trabalho, decerto estimulante, nesta importante área de educação ciência e cultura de Pacheco Pereira, é para nós uma angústia insuportável. Privar-nos do escriba JPP, aqui na blogosfera ou nos media, deixar de acompanhar as suas referências políticas ou a gentileza argumentativa dos seus testemunhos críticos sobre Portugal e o Mundo, fazem-nos ficar piegas. Nós que ainda murmurávamos balbuciantes preces para um original encontro blogosférico à volta da livralhada na Marmeleira estamos emocionados. Quatro anos irão passar. Até lá com quem é que haveremos de cumprir a necessária e salutar polémica? Haverá alguém, no campo laranja, que tenha tal perfil? Decididamente que não. Estamos, pois, condenados a um perfeito desatino. E não havia necessidade.
Malgré tout ... os desejos de um bom trabalho.
A caminho de Paris está José Pacheco Pereira, nomeado representante permanente de Portugal na Unesco. Confessamos que nos rendemos perante tal regalo de espírito. Porém, não escondemos que a expectativa do trabalho, decerto estimulante, nesta importante área de educação ciência e cultura de Pacheco Pereira, é para nós uma angústia insuportável. Privar-nos do escriba JPP, aqui na blogosfera ou nos media, deixar de acompanhar as suas referências políticas ou a gentileza argumentativa dos seus testemunhos críticos sobre Portugal e o Mundo, fazem-nos ficar piegas. Nós que ainda murmurávamos balbuciantes preces para um original encontro blogosférico à volta da livralhada na Marmeleira estamos emocionados. Quatro anos irão passar. Até lá com quem é que haveremos de cumprir a necessária e salutar polémica? Haverá alguém, no campo laranja, que tenha tal perfil? Decididamente que não. Estamos, pois, condenados a um perfeito desatino. E não havia necessidade.
Malgré tout ... os desejos de um bom trabalho.
Citações
"As citações são nas minhas obras como ladrões de estrada, que fazem um ataque armado e que aliviam um ocioso das suas convicções" [Walter Benjamin]
"Walter Benjamin aspirou realizar, como se alcançasse um clímax de perfeição, uma obra que fosse composta inteiramente de citações (...) Esse seu desejo veemente permite fazer-nos penetrar no universo de um coleccionador. Ao citar, substituindo pela citação a escrita própria, transcende-se o fluxo da sua apresentação e fixa-se o citado em si mesmo, assumindo-se essa posição de intermediário por excelência (...)
Com efeito, escrever por intermédio de outrem, para quem é escritor, acaba por tomar a figura de não se poder viver por si, de viver sempre por outro, transformando-se o ser em médium para receber, para deixar passar, colocado num limiar em que o próprio vazio do presente se torna matéria impressionável para ressonâncias alheias. A citação constitui, assim (...) um momento purificador, um propósito anárquico de revolucionar o presente, demonstrando a intransmissibilidade do passado como um todo e assegurando (...) que unicamente esta operação de recolha entre os restos possibilita a sua preservação (...)" [Maria Filomena Molder, in "A paixão de coleccionar em Walter Benjamin", Prelo nº 4, 1984]
segunda-feira, 14 de junho de 2004
Eleições Europeias: como quem não quer a coisa
A política de farmácia do Governo português foi a votos e levou, no douto dizer do prof. Marcelo uma "banhada". Era certo que a mediocridade só podia produzir tais mazelas. Mas não é menos verdade que convém perguntar, citando Musil, "qual a culpa de sermos consultados?". É que parece que os eleitores que não frequentam a praia ao Domingo, nem são festivaleiros laboriosos - aqueles que foram votar, entenda-se - são um bando de transviados chatos, uma chusma de excomungados cidadãos que não entendem o esforço pátrio da governação Barrosista.
Aliás, a chacota opinativa foi tal, que o comentador dos crentes e comissário político Vasco Graça Moura, apareceu, estrovinhado e de "olho pisco", a versejar teorias sobre a qualidade da abstenção, tendo mesmo resolvido o magno problema dos 40% de 40% de votos. A intensidade dramática da noite estava ao rubro na TVI. Noutra capela mediática, Dias Loureiro e o conhecido visionário Pires de Lima gatafunhavam rajadas de reprimendas aos cidadãos. Ainda não tinha intervindo o dr. Barroso e o comparsa Paulo Portas, para a expiação devida. Mas depressa se soube que o rumo político de irá manter, apesar das ilações que o impagável primeiro-ministro diz ter compreendido, o que sugere que os eleitores para estes senhores são miseravelmente umas azémolas. O tirocínio da maioria é absolutamente comovente.
Postas as coisas, diremos: que o PS foi um grande e merecido vencedor, e que tão bonito seria ver Sousa Franco receber os aplausos e honras com que seria presenteado, ele que foi vilmente maltratado ao longo de dois anos com ataques ignominiosos e arrogantes; que a expressiva votação do BE e a eleição (que nos dá grande satisfação) de Miguel Portas prova o brilho e a maturidade dos eleitores; e que o PCP mantém uma sólida base de apoio, uma combatividade e projecto que não desaparece de um dia para o outro; por último, sobre a ND, teria sido curioso ouvir o que diria Manuel Monteiro se ainda estivesse no PP como militante, e, doutro modo, constatar como difícil pode ser construir um novo espaço político sem um conjunto de quadros solidamente estruturados e com provas dadas no terreno.
A Pau com o Futebol
"Num mundo reinvertido, o verdadeiro é um momento do falso" [Guy Debord]
O crítico profissional da bola, atrevidamente alapado no sofá, lança o olhar melancolicamente mundano à bandeira que exibiu com devoção extremada. A agonia da lamentação pós-desaire da nossa selecção resta uma amargura sem fim. O crítico de sofá acha o incidente miserável. A tragédia (grega ?) vai de revolta. O pastoreamento da equipa uma idiotice sem perdão. Scolari falhou no exercício escolar, dizem uns. É um treinador de má fé, rezam outros. Com felicidade ainda não o apelidaram de "mouro". Faltam 72 horas para saber. O Norte tem sempre essa delicadeza poética de se expressar. Ou não sejam os alexandrinos de Carlos Magno, esse portuense exuberante, de grande efeito psico-futebolisticamente falando. A onda alastra entre o público.
A dimensão do auto de denúncia que se seguiu ao jogo com a Grécia é, verdadeiramente, leviana. O homem tenta manufacturar um team com pragmática e as endoxa (à maneira de Aristóteles) configuram a questão: Portugal é excelente, um ganhador harmonioso, um talento de bem jogar. Só Scolari não o sabe e daí opções medíocres, linha de jogo inexistente, táctica absolutamente lírica. Pudéssemos por a jogar 11 Decos ou, mesmo, outros jogadores do covil do Dragão - que como se sabe são, evidentemente, "os melhores do mundo" - e o cenário era outro. Não sendo assim estaremos condenados a ficar pelo caminho, perdidos na bruma do Europeu. Mas fiquem sabendo todos os amantes do futebol, críticos de bancada, meninos e meninas deste país que um dia ... um dia seremos grandes. Deo Gratias!
Que viva ... Pixies
"...dá-nos a tua canção que sai da sombra fria" [H. Helder]
Havia muita gente. Tanta que quando a noite chegou arrastou a cauda e um véu luminoso invadiu o palco. As raparigas respirando. "Ella me dijo que es una vida buena alla, bien rica bien chevere, Y voy! Puneta!". Mas temos bastante vigília para o (necessário) ar que os lábios estremecem. Estes homens, decerto, não morrerão em vão. With your feet in the air and your head on the ground ... "Rasga-se seda para aprender o ritmo". Foi assim lá para os lados do Tejo, numa noite memorável. A frescura dos Pixies, um momento inexprimível. Hermanita ven conmigo Hay aviones cada hora... Me voy ...pelo orvalho dentro o segundo nascimento ... here comes your man!
sexta-feira, 11 de junho de 2004
Hipocrisias Lusas
"Pode-se perdoar a um homem fazer uma coisa útil, enquanto ele a não admira. A única desculpa que merece quem faz uma coisa inútil é admirá-la intensamente" [O. Wilde]
Este país é um imenso hospício, descarado e embravecido. E não tem remendo. A cantilena espantosa que lemos nos jornais, por poderosos e recostados colunistas e militantes partidários, em torno dos malefícios (e virtudes, evidentemente) das campanhas eleitorais e do elogio da "verdadeira política" a ser seguida pelos seus funcionários, como se tivessem a encomendar jantar no Tavares ou em convívio literário na Academia, é um esforço cómico, uma charanga desafinada, uma reprimenda hipócrita. Esses senhores, embora frequentem locais respeitáveis, utilizem os talheres sob o suor da etiqueta, e garantam que sabem sempre ler por baixo e nas entrelinhas, nunca deixam de ser aqueles desafortunados que o rosário de nunca terem provado nada na vida privada, em vão procuram disfarçar na sua declarada petulância argumentativa. E não mudam.
Dos jornais descola-se, com a argúcia rabiscada à pressa, um conjunto de reflexões sobre a morte do professor Sousa Franco, que deduzida a cortesia elogiosa do momento, nos levam a presumir que a hipocrisia lusitana está de boa saúde. Ouvimos e lemos curiosas revelações da miudagem do PP sobre a biografia do professor Sousa Franco pós-mortem; tomamos anotações da grosseria e insulto das afirmações de Narciso Miranda e Manuel Seabra dos factos havidos; esfregamos os olhos grotescamente, mas lá conseguimos acabar a croniqueta e o editorial do Expresso, inebriados com a impetuosidade do director Saraiva; involuntariamente continuamos a ler receitas magníficas por todo o lado. Até a náusea se instalar. Não temos emenda.
Lino de Carvalho: excelente parlamentar
Dos deputados que habitam no casarão de S. Bento, Lino de Carvalho era um dos mais notáveis. Bem preparado tecnicamente, conhecedor como poucos da atmosfera do hemiciclo e do seu receituário, foi dos militantes do PCP que mais intervinha e que mais dava a cara. Morreu ontem de doença prolongada. Fica mais pobre o parlamento e a vida político-partidária.
Dos deputados que habitam no casarão de S. Bento, Lino de Carvalho era um dos mais notáveis. Bem preparado tecnicamente, conhecedor como poucos da atmosfera do hemiciclo e do seu receituário, foi dos militantes do PCP que mais intervinha e que mais dava a cara. Morreu ontem de doença prolongada. Fica mais pobre o parlamento e a vida político-partidária.
quarta-feira, 9 de junho de 2004
Sousa Franco - Um Homem de Estado
A estima dos estudantes em relação a alguns dos seus professores, não raras vezes é sinal do espírito de erudição, talento, distinção e rasgo de carácter, atributos que estão presentes na grata memória do verdadeiro académico. António de Sousa Franco foi um deles, honra lhe seja feita. Exemplar investigador em ciências jurídico-económicas, inexcedível na dedicação à Faculdade de Direito de Lisboa, venerando estudioso das questões económicas, o seu espírito crítico exuberante, a sua singular grandeza, inteligência e verticalidade marca as faculdades inatas do professor Sousa Franco. Vilipendiado por alguns que nunca tiveram obra que se visse (não é verdade senhora Ferreira Leite?), caluniado por outros dementes da política, Sousa Franco é principalmente o académico incansável e brilhante que uma geração de estudiosos de economia em Portugal muito devem. Que descanse em paz.
A estima dos estudantes em relação a alguns dos seus professores, não raras vezes é sinal do espírito de erudição, talento, distinção e rasgo de carácter, atributos que estão presentes na grata memória do verdadeiro académico. António de Sousa Franco foi um deles, honra lhe seja feita. Exemplar investigador em ciências jurídico-económicas, inexcedível na dedicação à Faculdade de Direito de Lisboa, venerando estudioso das questões económicas, o seu espírito crítico exuberante, a sua singular grandeza, inteligência e verticalidade marca as faculdades inatas do professor Sousa Franco. Vilipendiado por alguns que nunca tiveram obra que se visse (não é verdade senhora Ferreira Leite?), caluniado por outros dementes da política, Sousa Franco é principalmente o académico incansável e brilhante que uma geração de estudiosos de economia em Portugal muito devem. Que descanse em paz.
terça-feira, 8 de junho de 2004
Eleições: o dia do desespero
Cansados do monóculo do Prof. Marcelo, confessamos que sentimos um apetite imenso para espadeirar as imprudências que (des)legitimam estas eleições. Aturdidos com tantas análises, e à falta de uma única que já se vê tem a graça do José Manuel Fernandes, cientes da dispersão do público pelos futebóis e esconjurados os exorcismos musicais, declaramos patrocinar este singular exame que invoca o país profundo a não folgar. Mesmo que o pronto a pensar não tenha a intensidade dramática do Delgado, a vibração conceptual do arq. Saraiva ou a frieza congelada do Bettencourt, eis-nos inspirados pela arte do melodrama. E não atendeis ao dizer que "a mais alta, como a mais baixa forma de crítica é uma autobiografia" [O. Wilde]. Não vos perdoaríamos.
Organizar o país, diz o valido da coligação. E zás, Barroso numa rendida mesura informativa diz-nos que o primeiro-ministro é o camarada Carvalhas. Com punhos de rendas, pretende amestrar as revindicações em tempo do Euro, ao mesmo tempo que vai retalhando privatizações, autopsiando a PJ, peregrinando guerras, escaqueirando a paciência do confrade luso. A ternura acariciante do Primeiro-Ministro pelos executores é uma carpintaria de repetição ad nauseam que provoca no indígena o recuerdo de Jorge de Sena: «os nobres palavrões [são] essenciais à vida». Daí a elevação com que o gentio trata a governação. Em especial o tacteante Portas e o impagável humorista Pires de Lima.
Das eleições europeias exala-se um hálito bafiento entre a galeria dos notáveis. Na coligação, sobressai o polido Deus Pinheiro, agora que deixou a vergonha em casa (ao mesmo tempo que a manta e o saco de golfe) e o extenuado Graça Moura, que em linguagem maneirinha pontifica. O Torga é que o topava bem. Adiante! Resta saber como justificará este PP, repleto de cocheiros e desordeiros, o incomodo de nada dizer sobre a sua posição face à política europeia, resignado que está a ladrilhar em silêncio a rota eleitoral. O vaudeville será luxuriante, cremos. Ou então a cambalhota europeia precisa de ser rebuscada, pelo que se aguarda os pinotes vocabulares do comissário Vasco Rato ou os versículos brejeiros do jovem Paulo Pinto Mascarenhas (aproveita-se para registar a eficaz campanha desse duo de profissionais, em apoio ao Bloco de Esquerda. Estamos, definitivamente, convencidos). A chinfrineira será comovente.
A sorrateira campanha de Sousa Franco, entretido em ócios de felicidade, reapareceu esta semana com um facto político noviciado: a putativa candidatura do professor às Presidenciais. Supõe-se que o país embezerrou. Pode ser que tenha mesmo dispersado, em solenes defumações de alecrim, fatigado por ver o tiro nos pés do caloroso pretendente. A nosso ver, a gente civilizada não abre clareiras assim. Avança, com prudência, sobre o tempo, chega primeiro, escreve depois. No resto, uma pergunta e várias respostas: que diferencia Sousa Franco de Deus Pinheiro? Sabem? Ou "la vraie vie est ailleurs"? E se é certo, como diria Sartre, que "é a intenção, como diz a moral kantiana, que deve ser radical", então onde está o desafio? O alarido da candidata Ilda não nos comove. A desafinada e guaguejante fanfarra sobre a Europa é tal que se sai quase sempre do assunto em andamento. Os indígenas não são mudos. Muito menos tolhidos intelectualmente. Resta o BE, esses versistas da radicalidade lusa, agora (?) convertidos à moderna Europa dos trabalhadores. No bucolismo de Miguel Portas não se vislumbra pregação sobre o projecto de construção europeia ou certezas sobre as competências das diversas instituições. Apenas dúvidas. O que é sugestivo. Ou não fosse Portugal um país de poetas.
"A Minha Oposição"
Reconsiderando: nunca tive muito por onde escolher. A deserção, apenas, onde se propusesse. Quero dizer, intelectualmente desertor, o que estritamente para mim significa: recuo instintivo ante a forma, quem quer que a imponha, a sugira. A talvez nobre arte da retirada.
... Ao princípio era a Família. Pais, mães, irmãos, muitíssimos tios, o mato grosso. Após o que fui, fomos convalescer para a escola. A escola primária da creche, permanganato e puerilidade; a escola primária dos professores, este, aquele, o gordo, os cruéis, uma tropa; o liceu fatinho novo, uma es-tu-pi-dez permanente de sete anos; a universidade de Direito, ainda mais cruel, requintadamente, mais ociosamente estéril, mais entupida que as anteriores, e como se não bastasse, porque ainda não bastava, toca para a de Filosofia, compra-lhes livros, entretém-lhes a vaidade, faz-te dos deles, por pequenos sinais de entendimento, atitudes, pequenas objecções com o ar de pertinazes. Este e o outro, e qualquer outro Carnaval em que me tivesse visto encarcerado, encontraram-me sempre, como dizer, murcho. Apagado, triste, céptico, ante as formas. E o que se lhes parecesse, o que fosse «da família».
Como viver, então? Criativamente. Em plena raiva amorosa fraternal experimentalista observadora radical atenta até que um dos dois se apague, o homem fundamental ou o mundo habitável."
[Álvaro Lapa, Lagos, 15/4/73, in &tc, nº 10]
Reconsiderando: nunca tive muito por onde escolher. A deserção, apenas, onde se propusesse. Quero dizer, intelectualmente desertor, o que estritamente para mim significa: recuo instintivo ante a forma, quem quer que a imponha, a sugira. A talvez nobre arte da retirada.
... Ao princípio era a Família. Pais, mães, irmãos, muitíssimos tios, o mato grosso. Após o que fui, fomos convalescer para a escola. A escola primária da creche, permanganato e puerilidade; a escola primária dos professores, este, aquele, o gordo, os cruéis, uma tropa; o liceu fatinho novo, uma es-tu-pi-dez permanente de sete anos; a universidade de Direito, ainda mais cruel, requintadamente, mais ociosamente estéril, mais entupida que as anteriores, e como se não bastasse, porque ainda não bastava, toca para a de Filosofia, compra-lhes livros, entretém-lhes a vaidade, faz-te dos deles, por pequenos sinais de entendimento, atitudes, pequenas objecções com o ar de pertinazes. Este e o outro, e qualquer outro Carnaval em que me tivesse visto encarcerado, encontraram-me sempre, como dizer, murcho. Apagado, triste, céptico, ante as formas. E o que se lhes parecesse, o que fosse «da família».
Como viver, então? Criativamente. Em plena raiva amorosa fraternal experimentalista observadora radical atenta até que um dos dois se apague, o homem fundamental ou o mundo habitável."
[Álvaro Lapa, Lagos, 15/4/73, in &tc, nº 10]
Náuseas
"Aqui me terás movendo-te os cordelinhos que quiser, até te levar ao sítio onde me aprouver que tu estejas" [António Pedro]
Corre o tempo de deliciosos desvarios nestas fastidiosas eleições lusitanas. A nacional-pirosice ou eco político de espíritos encruados, o engenho afamado que flameja em cada romeiro infatigável da Europa, o arrazoado escolástico dos putativos candidatos e o modelo de virtudes cívicas de entronizados cidadãos, são admiráveis. Ao melhor argumento desses filiados da geração de Calino, eis a ventura estampada no rosto dos correligionários. Aos dribles eleitoralistas desapiedados, os aplausos redobram, o quebranto fortalece entre os eleitos. Nos jantares de circunstâncias dessa morgue de eruditos indígenas, saltam entre os escombros da discursata o relâmpago dum texto embevecido, o brilho fadista do comentário, o ditado da vaidade decorativa. O caso é sério, a liberdade uma solene mentira.
Que dizer do desassombro desse silêncio em torno do debate das questões europeias? Birra dos jornalistas ou ignorância dos candidatos? Desvios do teclado dos escribas ou miséria e cegueira da classe política? Aqui está: o furor das propostas enunciadas não excitam quem quer, apenas embaraçam quem ouve. E a seriedade dessa gente? Que dizer das apreciações levianas, o delírio & capricho do comentário insulso, o discurso rabugento e enturvado com que ilustram a campanha? Como entender essa Ana Manso, caluniadora convicta da nobilíssima direita ou a educação gafa do imaculado cristão-novo João Almeida? Acaso a vida de alguns tolera uma bibliografia pública?
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