quinta-feira, 12 de fevereiro de 2004


Julio Cortázar [1914-1984]

m. em Paris, a 12 de Fevereiro de 1984

"Me consideraré hasta mi muerte un aficionado, un tipo que escribe porque le da la gana, porque le gusta escribir…. La literatura ha sido para mí una actividad lúdica, una forma de amor... Me ha hecho muy feliz sentir que en torno a mi obra había una gran cantidad de lectores, jóvenes sobre todo, para quienes mis libros significaron algo, fueron un compañero de ruta. Eso me basta y me sobra" [Cortázar]

"(Quando Irene sonhava em voz alta eu acordava logo. Nunca pude habituar-me a essa voz de estátua ou papagaio, voz que vem dos sonhos, e não da garganta. Irene dizia que os meus sonhos consistiam em grandes saculões que às vezes faziam cair o cobertor. Os nossos quartos tinham a sala entre eles, mas de noite ouviam-se todos os ruídos da casa. Ouvíamo-nos respirar, tossir, pressentíamos o gesto que leva ao botão do candeeiro, as mútuas e frequentes insónias.
À parte isso estava tudo calado na casa. De dia eram os ruídos domésticos, o raspar metálico das agulhas de fazer malha, um ranger ao virar as folhas do álbum filatélico. A porta de carvalho, creio tê-lo dito, era maciça. Na cozinha ou no quarto de banho, que ficavam ao lado da parte ocupada, punha-mos a falar em voz alta, ou Irene cantava canções de embalar. Numa cozinha há demasiado ruído de louça e vidros para que outros sons a invadam. Muitas poucas vezes permitíamos ali o silêncio, mas quando regressávamos aos quartos e à sala de estar, então a casa ficava calada e à média luz, até caminhávamos mais devagar para não nos incomodarmos. Julgo que era por isso que de noite, quando a Irene começava a sonhar em voz alta, eu acordava logo)"

[]úlio Cortázar, in Bestiário, Dom Quixote, 1971]

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Aqueduto de S. Sebastião [II]

"Conflito com os de Santa Cruz era sempre sério, e estes, sempre prontos a levantar dificuldades, desviaram a agua do Chafariz de Sansão, abastecido pelas fontes aludidas, e habituados a fazerem quanto queriam levaram a Câmara, reunida em sessão conjunta de vereadores, fidalgos e vinte e quatro, a eleger um cidadão, que fosse à Corte demonstrar a el-rei a justiça dos Crúzios, ao mesmo tempo que se mandava a Heitor Borges pedir a sua presença na Câmara para ser ouvido sobre a conveniência de suspender as obras, até vir resposta del-rei. Estiveram nesta vereação todos os seus membros: o vereador Diogo de Castilho, juiz de fora pela ordenação, Jorge Barbosa, António Leitão e Pêro Barbosa, pela Universidade, Simão Travaços, procurador-geral e os dois procuradores dos mesteres, Jerónimo Francisco e Pêro Afonso (...)
A resposta de D. Sebastião é enérgica e decisiva. Em alvará de 20 de Junho revoga pura e simplesmente todos os privilégios, liberdades e jurisdições do Mosteiro de Santa Cruz, tão grande era o seu desejo de ver erguida a obra gigantesca e utilíssima, a mais útil com que o tempo se poderia dotar a Cerca de Almedina. (...) Heitor Borges vencera a resistência dos Crúzios, mas faltava ainda derrotar três adversários de respeito - Diogo de Castilho, afamado arquitecto e juiz de fora, vereador, bem como Jorge Barbosa, também vereador, que fora vários anos chanceler, juiz dos órfãos e alferes da bandeira, mais o escrivão da Câmara, Pêro Cabral, partidários confessos dos de Santa Cruz (...)
Vindos expressamente de Lisboa por causa de todo este complicado assunto, foi encarregado de os julgar o Doutro Tomé Nunes de Gaula, fidalgo da Casa Real, do Desembargador del-rei e Corregedor do Crime (...)"

[A. da Rocha Brito, in Primeiro de Janeiro, 1944 (?)]

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004


William Fox-Talbot (1800-1877)

"This negative created in 1835 predates the historically recorded "birth" of photography by four years. Before this time there were no photographic prints and until the turn of the twentieth Century there was no means of photo-mechanical reproduction." [in William Henry Fox Talbot]

Aqueduto de S. Sebastião [I]

"Heitor Borges Barreto, lente que fora de direito na Universidade e depois desembargador del-rei, estava em Coimbra desde os meados de Janeiro de 1569. Viera, não para matar saudades, mas com plenos poderes do «Desejado» para levantar o grandioso Aqueduto de S. Sebastião, mais conhecido naquele tempo por Cano Real, forte e elegante mole de pedra, com os seus vinte e um arcos, por cima dos quais correria a água da Fonte del-rei e da Fonte da rainha, para abastecer abundantemente a Alta, perto do Convento de Tomar (...) Os frades crúzios, riquíssimos e absorventes, há muito tempo eram os seus detentores e foram os primeiros a protestar energicamente contra o projectado melhoramento, por palavras e actos, intrigando, levantando dificuldades e pretextos, aliciando partidários.
D. Sebastião principiara por expropriar as duas fontes em carta escrita à câmara aos 13 de Dezembro de 1568, por ser «serviço de Deus, dele e bem do povo» trazer a água à Feira dos Estudantes e ao Adro da Sé, ao mesmo tempo que ordenava à Câmara, Corregedor da Comarca e Conservador da Universidade, mandassem limpar aquelas fontes, restituindo-as ao seu primitivo estado. Os cónegos regrantes tinham-se mexido e tinham, até certo ponto, conseguido modificar a opinião camarária, que até aí, estivera contra os crúzios e a favor de que fosse trazida a agua a Almedina. No último dia de Janeiro recebem os vereadores carta enérgica de el-rei, estranhando a contradição e ordenando, para bem do povo, que a cidade não só obedeça, mas favoreça mesmo o Desembargador em todos os trabalhos e facilidades por ele exigidos. Portanto, com rapidez, se faça e se erga o Cano Real, sobre as ruínas do antigo, talvez romano, que se descobriram agora e não vacile o Desembargador em lançar sobre a cidade o imposto ou finta que for necessário" (cont)

[A. da Rocha Brito, in Primeiro de Janeiro, 1944 (?)]

Anotações

[Algumas peças presentes no Catálogo da Biblioteca do poeta e Crítico de Arte D. José Blanc de Portugal, sob descrição bibliográfica de Luís Burnay, para a Dinastia, 2001]

Mission de l'Inde en Europe: Mission de l'Europe en Asie, la Question du Mahatma et sa solution, por Saint-Yves d'Alveydre, Paris, 1949, 213 p. [Livro maldito. O autor de 1885, recebeu a ordem sob pena de morte de a destruir, o que fez, embora em 1909 o editor Dorbon tenha feito uma tiragem muito limitada desta obra a partir de um exemplar único. Em 1940 desde que as tropas nazis ocuparam França e sobretudo Paris, perseguiram e destruíram todos os exemplares desta edição que conseguiram encontrar] / Mission des Juifs, de Saint-Yves d'Alveydre, Paris, 1956 (nova ed.) / The Magus, or Celestial Intelligencer; being a complete system of Occult Philosophy, in three books; containing the Antient anda Modern Pratice of the Cabalistic Art, Natural anda Celestial Magic ..., por Francis Barrett, London, Allen and Jo, 1801 / Les origines de l'Alchimie, por M. Berthelot, Paris, 1885 / Discursos sobre los Comércios de las Dos Índias, por Duarte Solis Gomes, ed. e pref. de Moses Bensabat Amzalak, Lisboa, 1943 [reed. clássico livro de economia] / Histoire de l'abolition de l'Ordre des Templiers, Partis, Chez Belin, 1779 / Operação 1, c/ org. de E. M. de Melo e Castro, Lisboa, 1967, (27)f: il; 51 cm [volume nº 1, desta rara revista literária e artística, com participação de Ana Hatherly, António Aragão, José Alberto Marques, Melo e Castro, Pedro Xisto, João Vieira, etc.] / Submundo, Mundo, Supramundo, pelo Visconde de Figanière, Porto, Chardron, 1889

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2004


A Nau Colonialista

"Ao que parece, é no mar que a dor acalma e os alicerces da alma esquecem"

Esse compêndio do cidadão que é o Mar Salgado, justamente apreciado pelo escol em serviço, foi excedido pelas maravilhas caprichosas de um seu marujo, que modestamente assina VLX, onde se contam as delícias e glórias da "nossa colonização", evidentemente "das melhores do século XX". Recorrendo a argumentos devastadores, em discurso erudito semelhante aquele em que cantou a "grandeza pessoal e científica" de Bissaya Barreto, Oliveira Salazar e Marcello Caetano, o infatigável navegante da história pátria VLX, desencalhou a nau da sua costumeira bonança, pensando ter vento próspero e o gentio distraído em lides mais varonis. Temendo o engodo democrata, e sem nenhum temor, alargou-se em "disculpas" e abonações várias, referindo até o "feitio" bem português de querer integrar. Oh! para nós a integrar.
Perante o repasto dessa comemoração esfusiante, o caminho marítimo colonialista assim (des)encalhado obrigou o comandante e verdadeiro rebocador NMP, entretido que estava a bolinar entre o choque fiscal e os gentios, a suster a veracidade que a colonização estava debuxada no mapa, e entre ventos e trovoada tamanha na mar-gosfera tentou marear a nau, alijando a côdea "da superioridade moral da democracia" sobre os incautos marítimos que o liam, evitando ficar enxorado no areal da praia. A festa promete, que a plebs pulla. Enquanto pode.

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- V. Exª deseja uma boa trip? No Mar Salgado - 6 bloguistas 6 - 5 dos quais com computadores ligados à rede internacional, serviço aos quartos, magnífico salão com motivos coloniais justamente reputado como o melhor, Bar Americano a preços moderados. Acordos especiais para estadias prolongadas.

- Confraria União dos Blogues Livres - Informa que reunirá brevemente para apreciar diversos assuntos de interesse para a Ordem, entre os quais o escrito assaz curioso de VLX, que aliás usará da palavra na sessão, contra o engodo democrata do anti-colonialismo. O mesmo instruído orador fará uma prelecção intitulada: "O Santíssimo Milagre da liberdade antes do 25 de Abril, que contem abreviadamente a historia completa do Santo Milagre do Botas de Santa Comba e a reabilitação das Colónias". Necessário quotas em dia.

- Colonialista. Mostra o próprio no local. Assunto sério. Resposta ao nº 1974

domingo, 8 de fevereiro de 2004

O MILAGRE DO RANKING



Depois do sublime mi(ni)stério da educação ter inaugurado a publicação de rankings de escolas, o país atónito, dá por si a acordar todas as semanas com mais opúsculos, numa sabatina esplendorosa, que faz corar por timidez os indígenas lusos.

A actividade febril dos funcionários políticos laranjas e os seus amigos da camisa azul para a reconstrução do ranking das cunhas, é notável. De igual modo, é absolutamente fantástico acompanhar o ranking dos economistas e gestores profícuos que prestam serviço em defesa do PEC (leia-se, respeitosamente, esse ranking de notáveis, bem manejados por Rosado de Carvalho no seu painel amestrado), ou o cliché de ilustres que se inquietam com as presidenciais, e até mesmo o extraordinário ranking de erros, gaffes e aldrabices, copiosamente servido pelos diversos mi(ni)stérios da governação. Os portugueses não se queixam. Não murmuram trivialidades. E têm razão.

De qualquer modo, ficaram perplexos ao saber que "Portugal ocupa a última posição no ranking do desenvolvimento empresarial" da (futura) Europa dos 27. E mais ainda, ao saber que 500 luminárias da gestão indígena se iam recolher nos claustros do Convento do Beato em meditação doméstica. A bem do PEC e do "Compromisso Portugal", já se vê. E o terror dos exercícios espirituais do impetuoso António Borges, do grão-comendador Ferraz da Costa, do reverendo Braga de Macedo, do cintilante Miguel Frasquilho, do soberbo Nuno Ribeiro da Silva, do benemérito José Homem de Mello, do devoto António Nogueira Leite, todos irmanados no fervor económico da novíssima geração e com a supervisão do venerando José Manuel Fernandes, caiu sobre todos nós. Ó doce ironia! Ó supremo desatino! Ó falsos aleivosos do ranking! Se como diria Herculano, "a desgraça é expiação", santificados dos que ainda acreditam. Amem!

SERÃO TRÊS VEZES ...


[Serão três vezes]

"Serão três vezes dados os sinais...
Três vezes a incerteza seguirá...
E três vezes a esperança voltará,
Sobre três intervalos siderais

Tudo em três vezes, firmes e fatais,
Se irá passando como escrito está...
E o livro do destino se abrirá
Por três vezes distintas e iguais...
"

[Augusto Ferreira Gomes, in Quinto Império, 1934]

ÉLIPHAS LÉVI [1810-1875]



n. em Paris, a 8 de Fevereiro de 1810

"Os franco-maçons tiveram sua lenda secreta; é a de Hiram, completada pela de Ciro e de Zorobabel. Eis a lenda de Hiram: Quando Salomão mandou construir o templo, confiou seus planos a um arquitecto chamado Hiram. Este arquitecto, para por ordem nos trabalhos, dividiu os trabalhadores segundo sua habilidade e como era grande o número deles, a fim de reconhecê-los, quer para empregá-los segundo seu mérito, quer para remunerá-Ios segundo seu trabalho, ele deu a cada categoria de aprendizes, de companheiros e aos mestres palavras de passe e senhas particulares... Três companheiras quiseram usurpar a posição de mestres, sem o devido merecimento; puseram-se de emboscada nas três portas principais do templo, e quando Hiram se apresentou para sair, um dos companheiros pediu-lhe a palavra de ordem dos mestres, ameçando-o com sua régua. Hiram lhe respondeu: "Não foi assim que recebi a palavra que me pedis". O companheiro furioso bateu em Hiram com sua régua fazendo-lhe uma primeira ferida. Hiram correu a uma outra porta, onde encontrou o segundo companheiro; mesma pergunta, a mesma resposta, e esta vez Hiram foi ferido com um esquadro, dizem outros com uma alavanca. Na terceira porta estava o terceiro assassino que abateu o mestre com uma machadinha (...)

Cada grau da ordem possui uma palavra que lhe exprime a inteligência. Não há senão uma palavra para Hiram, mas esta palavra pronuncia-se de três maneiras diferentes. De um modo para os aprendizes, e pronunciada por eles significa natureza e explica-se pelo trabalho. De outro modo pelos companheiros e entre eles significa pensamento explicando-se pelo estudo. De outro modo para os mestres e em sua boca significa verdade, palavra que se explica pela sabedoria. Esta palavra é a de que servem para designar Deus, cujo verdadeiro nome é indizível e incomunicável..." [Eliphas Lévi, Lenda de Hiram]

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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2004

ANOTAÇÃO SOBRE O MARTINISMO



[Pascoal Martins] "era um hebreu português foragido em França, onde reorganizou o kabalismo maçónico (Lojas em Bordéus, Marselha, Tolosa) (1760) e Paris (1768) tendo, segundo J. Bertrand (L'Occultisme Ancien et Moderne, Paris 1900) como discipulos principais Van-Loo, Saint-Martin e Bacon de la Chevalerie. Ao principio algumas tradições maçónicas não ligaram importância ao movimento. É o que se deduz da Biblioteca Maçónica, dedicada aos Orientes Lusitano e Brasiliense por um Cav. Rosa-Cruz, pag. 118, 1º vol. Em França parece que só se conhece o 1º volume desta rara e interessante publicação, dando-se como único publicado. Possuímos os quatro volumes publicados em França, os três primeiros em 1840 e o quarto em 1834 (o que supõe outras edição, tendo o quarto servido a bastas iniciações)

O Martinismo ainda hoje se mantem espalhado por toda a América e Europa (...) Gil Eanes ou Gil Rodrigues de Valadares andou imerso e apagado no agiologios até a aspiração romântica de Almeida Garrett (D. Branca e Viagens na Minha Terra). Fidelino de Figueiredo reduziu-o a uma interpretação naturalista (Serôes vol. XIII), António Correia de Oliveira criou-lhe uma aura panteísta (Tentações de S. Fr. Gil), o dr. Teófilo Braga reevoca-o num poema, encarnando sedentamente o platonismo (Fr. Gil de Santarém). A ementa agiologica pode ver-se nessa obra. José Pereira Sampaio aborda-o rapidamente (...) Goethe abordou a tragedia da psicose magica porque era um iniciado (...) Depois de ter recebido a iniciação em Francfort o grande dramaturgo estudou, dirigido po M.elle de Kletenberg, o Opus Mago-Cabalisticum de Weling, a Áurea Catena Homeri e as obras de Paracelso, da Agripa, etc. Os hermetistas alemães chamam ao Fausto, o Livro dos Sete Selos (Das Buch mit Sieben Siegeleng)

(...) De Dom Francisco Manoel foi publicado com as licenças da Inquisição o «Tratado da Sciencia Cabala» (1724) em edição póstuma. É um estudo rudimentar mas curioso (...) O Visconde Miguel Maria de Figanière, autor do Mundo, Sub-Mundo e Supra-Mundo, que Inocêncio não cita, primo co-irmão de Serpa Pinto, a quem dedica esta obra, pela afinidade das suas convições teosóficas, é pouco menos que ignorado em Portugal. (...)

[João Antunes, in nota de pé-página (p. 127) de Oedipus A Historia e a Filosofia do Hermetismo, Lisboa, 1917]

"A vida é mesmo assim"

A Expansão Vertiginosa entrou em pousio. Para leedores caprichosos e soberbos, lobo em deserto puro, deu-nos ao longo de 6 meses prosa admirável, reflexões devotas e curiosidades mil. Antiquíssimo cantar da ciência, da arte ... da vida. Poemactos. Feitos por um cavaleiro da ciência, para nós ... profanos. A Expansão Vertiginosa entrou em dormência. Outros desafios, presumo. Até breve.

[Agosto de 1979 ?] Na mão, um rascunho de missiva manuscrita para o Luso, feita, talvez, depois da bica no Crespo ou a altas horas parida na Torre altaneira. Miscelânea de sinopses. Lá estavam, admiráveis de frescura, Sraffa, a equação de Bethe-Salpeter, Frobenius, Almada, o pêndulo de Foulcault, Luiz Pacheco (saindo insidioso da livraria Leitura), F. Pessoa, Manuel de Lima, os Smiths, Miles Davis e Filles de Kilimanjaro, Borges e Mishima, as máximas de Occam (filósofo e monge franciscano do sec. XII) com ligação aos Rosa Cruz de Max Heindel, o L'Ésprit, Antonioni à cause de "identificação de uma mulher", Deleuze/Guatarri (sempre!), a querida Natália Correia, a Sociedade literária e filosófica de Manchester e a teoria cinética. E tantos mais. 1979 (?). Jogava-se xadrez, fustigava-se o computador, ensaiava-se o pau chinês no bridge, saudava-se os amigos com garrafas de Porto, saídas de velhas caixas de madeira, made D. Adelaide Ferreira (a Barca Velha ficou para depois), Monte Cristo 4, tudo na mais deliciosa das confusões. E vigiava-se a Praça. A Torre era opulenta. Nós espantosamente vivos. Deo Gratias!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2004

Discurso sobre a Paz

"Já no final de um discurso extremamente importante
o grande homem de Estado engasgando
com uma bela frase oca
escorrega
e desamparado com a boca escancarada
sem fôlego
mostra os dentes
e a cárie dentária dos seus pacíficos raciocínios
deixa exposto o nervo da guerra:
a delicada questão do dinheiro.
"

[J. Prévert, Discurso sobre a Paz, trad. S. Santiago]

Jacques Prévert [1900-1977]

n. em Neuilly-sur-Seine, a 4 de Janeiro de 1900

"... Jacques Prévert parece que a saltar ao eixo, é o termo, conseguiu a proeza de passar do primeiro ao terceiro estádio, e não só conseguiu como soube manter-se em posição de renovar o salto em sentido inverso, e assim sucessivamente. Um pé no ele, outro no eu, este último quanto possível diferençado do supereu postiço, ou então melhor e como ele próprio disse, «um pé na margem direita, outro na margem esquerda e o terceiro no rabo dos imbecis», dispõe soberanamente da concisão susceptível de nos transmitir num relâmpago toda a caminhada sensível e esplendorosa da infância, e abastecer ao infinito os reservatórios da revolta" [in Antologia do Humor Negro, Afrodite, 1973]

"... Era tudo tão verdadeiro, deliciosamente encantador, e de gosto tão fino, que à chegada do presidente com uma sumptuosa cara de ovo de Colombo foi o delírio.
- Era simples, mas tínhamos de puxar pela cabeça - diz o presidente ao desdobrar o guardanapo, não podendo os convidados refrear a emoção perante tanta malícia e simplicidade; um grande industrial derrama verdadeiras lágrimas de alegria através dos olhos cartonados de crocodilo, outro mais pequeno mordisca a mesa, lindas mulheres esfregam suavemente os seios e, arrastado pelo entusiasmo, o almirante bebe uma taça de champanhe pelo lado contrário, trinca de pé pregado à balaustrada da cadeira, gritando: «Primeiro as crianças!».
Por estranho acaso a mulher do naufrago confeccionara de manhã, e a conselho da criada, uma espantosa cara de viúva de guerra com duas grandes rugas de desgosto aos cantos da boca e duas bolsinhas de dor por baixo dos olhos azuis ..." [ibidem, trad. Aníbal Fernandes]

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terça-feira, 3 de fevereiro de 2004

“... Quam alto fui para o que todos são!
Quam baixo para quanto quis em mim!
Vi e toquei o que a outros é visão
Em sombras ou desejos, vaga e escura,
Na confusão da confusão sem fim
Sou hoje a minha própria sepultura
Tenho deserto e alheio o coração ...

[F.P., 61B-9. (dt)]

Anotações

"Normalmente os místicos não são ocultistas - Santa Teresa d'Ávila, São Francisco de Assis, Santo António, entre outros, são grandes místicos, mas não entram pela "via oculta", que é pertencente às Escolas de Mistérios. Por sua vez, os ocultistas, que estudam toda a parte filosófica e iniciítica, têm as Escolas de Mistérios destinadas para si, pois através da mente uma pessoa pode fazer um estudo e uma série de exercícios, desenvolvendo, pouco a pouco, a cordialidade, o lado do coração. [António de Macedo, in Lusophia]

"Portugal é um país, por enquanto, oculto. Aliás, o Lima de Freitas chama a atenção para o facto de os mitos mais proeminentes da mitogenia portuguesa (os "mitolusismos") não serem referidos nem pelo René Guénon, nem pelo Mircea Eliade, que viveu em Lisboa e deu aulas cá, e ele cita outros; eles citam o mito do imperador que há-de regressar, citam o mito do Encoberto, citam o mito do Preste João e nunca citam Portugal, além de não referirem o Sebastianismo quando se referem ao mito do Encoberto. Portugal é um país que, por qualquer razão misteriosa, não existe e tem de se manter oculto." [ibidem]

"O problema da portugalidade é um reencontrar das origens. é por isto que os livros, por exemplo, do Paulo Loução considero interessantes, pois faz um trabalho de campo muito importante... E estou totalmente de acordo com a ideia do Franclim da "verticalização da Lusitânia". Tudo ocorreu naturalmente. As pessoas começaram a chamar Lusitânia a Portugal... Portugal tem uma missão espiritual, mas sobretudo mistérica. E há bastante gente que está em Portugal a encontrar os mitologemas portugueses e a linha tradicional própria da portugalidade, que, a partir do século XVII, se distanciou bastante da europeia, até, então, existia uma linha esoterológica comum. Com a Inquisição, com o surgimento do rosacrucianismo, a nossa linha iniciítica quebrou-se da corrente iniciítica. Depois do culto do Império e do Divino Espírito Santo veio o Bandarra; no século XVII, tivemos o gigantesco Vieira, que acompanhou o século XVII todo. Ele foi buscar o mito do Quinto Império ao profeta Daniel e a Frei Gil de Santarém. Então, ficámos com os mitos diferentes: o bandarrismo, o Quinto Império, o Sebastianismo e as festas do Espírito Santo. De repente, temos uma linha iniciítica própria, que tem sido trabalhada por autores interessantes, desde o Leonardo Coimbra, o Sampaio Bruno, o Fernando Pessoa, o Almada Negreiros, Lima de Freitas, etc. e muitos outros artistas e investigadores portugueses do século XX." [ibidem]

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2004


Haja Decência!

- As afirmações proferidas na Quadratura do Círculo pelo inenarrável Lobo Xavier, com a aquiescência de Pacheco Pereira, a propósito do episódio Celeste Cardona são inaceitáveis, e mesmo burlescas. Se no caso do presumido Lobo Xavier não é de estranhar, mesmo a coberto de uma reputação de expert em legislação fiscal ou tributária com que ele sem pejo se autoproclama, abundantemente, e que está longe de se provar, o mesmo não se pode dizer do deputado europeu e comentarista Pacheco Pereira. Nestas ocasiões, Pacheco Pereira alegando desconhecimento conceptual, pouco interessado em instruir-se na matéria que interessa ao comum dos cidadãos, o que revela algum menosprezo pelos leitores e ouvintes que o acompanham interessadamente, quase sempre recusa pronunciar-se. E pasme-se, hoje nem sequer fez qualquer leitura política dos tristes acontecimentos ocorridos. Nada se passou, presume-se. Ora, para além de se saber se há ou não crime fiscal teremos de concordar, aliás como disse Marcelo Rebelo de Sousa, passe possíveis estratégicas políticas que o podem mover, no mais óbvio: é incompetência pura. E só havia um caminho a seguir, se vivêssemos num país civilizado, a demissão. Pense, meu caro Pacheco: há mais vida para além dos livros. Eu que o diga.

- As cenas desavergonhadas levadas a cabo numa conferência de imprensa, após o jogo Sporting-FCPorto, por duas personagens ridículas são o sinal dos tempos. José Mourinho e Eduardo Bettencourt não têm lugar onde existem pessoas decentes. São de uma alarvidade inacreditável. O primeiro, desejoso de ir carpir as mágoas de sujeito incompreendido pelos indígenas lusos para terras britânicas, entendeu ser o momento para pressionar a sua saída do FCP. Cabotino como poucos, julga que a civilidade está algures e que nada tem a dizer sobre isso. Engana-se. É preciso ser-se homem para se banhar de civilização. O segundo, revela um humor demasiado negro para uso em palestras. As afirmações ditas em tom grave, para excitação dos fundamentalistas leoninos, desvela o seu carácter e o mau gosto. Não há paciência. Nem decência. Estamos tramados.

Bertrand Russell [1872-1970]

n. em Ravenscroft, Wales, a 2 de Janeiro de 1872

"Wittgenstein me faz sentir que minha existência vale a pena" [Russell]

"Têm existido no mundo, em várias épocas, diferentes filosofias de solitários, umas mais nobres do que outras. Os estóicos e os primitivos cristãos pensavam que o homem podia realizar o supremo bem que a vida humana é capaz por meio da sua própria vontade, sozinho, ou pelo menos sem outra ajuda humana; outros encararam o poder como a finalidade da vida e para outros ainda essa finalidade resumia-se aos prazeres pessoais. Todas estas filosofias são filosofias de solitários na medida em que o bem se supõe ser realizável em cada pessoa separadamente e não apenas numa sociedade maior ou menor de indivíduos. Em minha opinião, tais ideias são falsas, não só consideradas como teoria de moral, mas também como expressão do que há de melhor nos nossos instintos." [Bertrand Russell, in A Conquista da Felicidade]

"Acuso a recepção da sua carta ... Não me admira que tanto o Sr. como o Sr. Lewis hesitem entre chamar-me ateu ou agnóstico, porque eu próprio tenho as minhas dúvidas e ora me considero uma coisa como outra. Penso que sob o ponto de vista estritamente filosófico, na medida em que duvido da existência de objectos materiais e que ponho a hipótese de que o mundo pode ter apenas cinco minutos de existência, me devo considerar um agnóstico; mas sou, na prática um ateu. Não considero a existência de um Deus cristão mais provável que a existência dos deuses do Olimpo ou a de Walhalla. Para dar outro exemplo: ninguém pode provar que entre a Terra e Marte não anda um bule de porcelana a descrever uma órbita elíptica, mas ninguém considera a hipótese suficientemente provável para a encarar a sério. Penso que o Deus dos cristãos é igualmente improvável."
[Bertrand Russell, Carta a ... 18 de Maio de 1958]

domingo, 1 de fevereiro de 2004

Refrões

"Um avião esvoaça
Um lábio traça
sua cor e sua taça

O sexo desgraça -
docemente esgarça

E surge a morte à caça
como um saco
a traça"

[Luiza Neto Jorge, in Os Sítios Sitiados, 1973]


Cuidem-se!

O esmifrante sociólogo Luciano Espectador prepara-se para cantar nos 100 anos do nascimento de Raymond Aron (2005) algumas triviais banalidades do autor de "As Etapas do Pensamento Sociológico", sugeridas ao que se sabe pelo extraordinário e "conhecido" sociólogo português Eduardo de Freitas, como a fradesca defesa contra o pecado carnal do amor livre, a discussão entremeada sobre as gulodices das drogas e a vigorosa defesa contra a homossexualidade. Tudo bem regado pelo Maio de 68 em França, com os libertinos estudantes parisienses em pano de fundo. Ao que se sabe, não situará na obra de Aron a luta anti-colonialista, em memória do aroniano e casto ministro da defesa de Portugal. Aproveitará, porém, para malhar em Foucault e Derrida, ou mesmo nesse petulante Sartre, autores que, como se sabe, nunca existiram, não têm obra, nem se viram e ouviram nesses fatídicos dias de Maio de 68. A performance, culminará numa teorização assombrosa sobre o horror dos intelectuais europeus contra os EUA, lendo opúsculos de Bush, intervalados com uma oratória sobre a obra "Ópio dos Intelectuais", expurgando, evidentemente, as alusões a Lord Keynes. Por último, confessa Luciano que não pretende falar de Sokal, não irá referir o que pensa Isaiah Berlin de Aron, e jura que o prof. Maltez não se amotinará da cadeira. No final, a Sociedade dos Intelectuais, assim rejuvenescida, irá em romaria fazer a queimada das "Dezoito lições sobre a Sociedade Industrial", para a qual convidou um assombroso anti-sindicalista eborense, porque na verdade "history is again on move". Bom trabalho.
José Marinho [1904-1975]

n. a 1 Fevereiro 1904

"(...) José Marinho foi, como se sabe, discípulo de Leonardo Coimbra e é necessário situar a orientação do seu pensamento ente a filosofia nocturna de Sampaio Bruno e a filosofia diurna do Mestre. O poeta com quem mais proximidade dialogava era Teixeira de Pascoaes, em cuja poesia se conciliam o sentido gnóstico da ausência e do exílio próprio de Sampaio Bruno e o sentido apolíneo e pagão da presença imediata de Deus na sensação, isto é, no mundo das formas sensíveis, com maior ou menor erro tido por natureza (...)"

[António Telmo, in A Teoria do Instante em José Marinho, Revista Leonardo, nº2, 1988]