quarta-feira, 23 de novembro de 2005


Arrumações - Vynil, CD's e Cassetes Piratas

O encanto do vynil é uma lembrança cruel. Uma maldição ritualista. O coração fica sempre suspenso pelo sobressalto. Pela dúvida daquele trabalho todo. O papel a abrir, o disco a sair, a limpeza costumeira, o olhar clínico, cúmplice, o tempo de espera. O papel afagado nunca é o mesmo, nem as nossas mãos. Nem o velho Technics. Porém resiste à nossa eternidade. Ao prazer do tempo. Ao último adeus. À memória dos anos ... 'Tas aí Quim!?

Os Talking Heads, ou Eno & David Byrne, eram uma aventura. Poemas de tédio e pânico "surrealista fascinado pelas miudezas da vida marginal" [M.E.C. dixit]. Uma verdadeira "esquizofrenia" de sons e palavras. Nada conveniente a sexagenários puritanos. Ou a público menos desregrado. Assim, para carpir saudades inteligentes & em atracção de marcha em frente, a regeneração da boa aurora dos anos 80, para ouvidores dificultosos, ali do lado esquerdo da pedra & sem o patrocínio do M.E. de todos nós

Talking Heads - Girlfriend Is Better

"I, i, i, wake up and wonder
What was the place, what was the name?
We wanna wait, but here we go again ...
...
What do you know? take you away
We're being taken for a ride again
I got a girlfriend that's better than that ..." [letra, aqui]

... e que o meio-da-semana tenha caridade por vós. Bom dia!

Ensino: o desastre final

O espectáculo da degradação do ensino em Portugal (e no mundo) torna-se uma felicidade para pedagogos, uma glória aparente para funcionários da politica em trânsito ministeriável, ao mesmo tempo que um quebranto ternurento e admirável trespassa jornalistas & seus irmãos colunistas. A sua ruína, despertando discursos insensatos e quase sempre pouco substantivos, um fenómeno apetecido. Dedicado. Correio de saudade da vida (Vieira dixit). A ilusória disponibilidade de todos esses "actores" em paixão "educativa" é uma maldade pendente, respeitável é certo, mas de pouca sustentação. Por isso, não espanta que os dizeres relativos à Escola e à sua "gramática" tenham, pela tranquilidade da memória e pelo prazer da sua saudade, estado presentes no programa Prós & Contras de ontem, unicamente, pelo rosto e voz da nossa querida amiga Amélia Pais e na suavidade do discurso de António Nóvoa. Porque, de facto, a prédica noutros, é de uma banalização e de uma fadiga intelectual inconfessável. Abusada. De excessos impiedosos.

O discurso sobre o ensino (aqui tomado nos seus aspectos cognitivos) - que não sobre educação (não-cognitivo), se seguirmos os dizeres presentes num notável texto de Fernando Gil na Raiz & Utopia, 9/10 - sendo de difícil apuro e de extrema complexidade no mundo actual, não deixa porém de traduzir-se em saudosas recordações que mil programas, espargidos via TV, dificilmente podem fazer esquecer. Sabemos, bem, que a instituição Escola, lugar dos saberes ou "horta" de aprendizagem para a eficácia e reorganização do sistema pós-industrial - agora bem coberta que está pela bênção da gestão empresarial em tempos de globalização - é um marcante espaço comunicacional de socialização, um território de iniciações conflituosas, um locus de transmissão de valores. Não temos dúvidas.

Mas não é esse o nosso mister, por ora. Apenas queremos registar que quando se fala de ensino (ou educação) as virtudes ou martírios dos currículos, da didáctica ou das metodologias específicas são meras demandas sob custódia do grémio do "eduquês", que habita na paz do ministério da tutela. Nunca estão presentes. Jamais o espectro de tal debate excita as magnas reuniões de esclarecimento fornecidas aos ignaros indígenas lusos, a quem, obviamente estão vedadas. Por isso não espanta, que os comícios despudorados e anedóticos, quase sempre arrogantemente assumidos pela actual Ministra da Educação e pelo secretário Valter Lemos, com a cumplicidade inimaginável dos militantes socialistas (que, presume-se, ainda existam), tenham como única e proverbial missão afrontar os docentes do ensino básico e secundário, culpando-os, hipocritamente, do desaire do sistema educativo.

Apadrinhando certos putativos pais, ditos modernos (os que há muito deixaram de educar quem quer que seja e para quem os filhos são um fardo lastimoso); afagando o costado de alguns prodigiosos doutores que habitam nas cátedras universitárias (note-se: aqueles que leccionam uma vez por semana, três meses por ano, sem justificar procedimentos ou metodologias educativas, sem avaliação, cada vez mais ignorantes cientificamente ou folgados culturalmente e sempre lastimosamente incompetentes pedagogicamente); sob o aplauso dos habitués comentadores de jornais (curiosamente, hoje, piedosamente mudos, enquanto o rigor, o esforço e o trabalho sério na sala de aula são devassados) e sob o regozijo guloso da populaça (para quem a frivolidade de uma disputa conduz ao êxtase de cidadania); o Ministério de Educação dá provas de uma incompreensão total sobre o sistema educativo. E de como o pode e deve corrigir. Não é estranho a essa incapacidade, o peso e os laços políticos, que os "mestres" formados no "eduquês" - em tempos de 1982, em Boston - e que configuraram e representam o actual sistema de ensino, têm nos principais centros de decisão nesta área. A isso voltaremos um dia, se a paciência o permitir e a situação o reclamar.

"O Ministério da Educação"

"O Ministério da Educação é um lugar sufocante onde desabam profissionais que preferem gabinetes e planificações pouco edificantes à tarefa de ensinar em salas de aula. (...)

No seu topo há uma entidade chamada ministro. Toda essa máquina parece destilar demagógico veneno educativo, servindo-se duma abstracção violenta a que chamam 'pais'. Têm como inimigo principal a forma do trabalho diário dos professores nas Escolas.
Há uma engrenagem vassala destas gentes em cada lugar de ensino: os Conselhos Directivos. A qual se manifesta em sádicas actividades redutoras: excessos de reuniões, tarefas grotescas, sobrecarga de actividades inúteis. Conjugam-se para destruir qualquer saber mais feliz. Acossado por todos os lados, quem pode levar a mal aos professores que resistam e até que desistam?
Para ser professor, um professor começa por inteiramente precisar de um horário semanal pouco pesado (no ensino dito superior já se compreendeu isso muito bem). De outro modo, não pode aguentar uma actividade de fala e de vigilância e de partilha intensíssima, hora a hora, com dezenas e dezenas de alunos.

Além disso, um professor precisa de poder faltar, dentro dos limites bem precisos: calculando determinados momentos de repouso, pode sempre voltar com a necessária boa-disposição para acompanhar o crescimento sadiamente conflituoso de tantos adolescentes e jovens. É pura desfaçatez dizer o contrário.
Porém, tudo se passa assim ao contrário. Os horários pretendem aumenta-los em vez de reduzi-los. A necessidade de faltar num momento de maior tensão ou cansaço é totalmente sabotada. O trabalho de um professor não pode ser encarado como uma rotina sujeita a obrigatoriedades burocratas. É um trabalho em grande parte anímico, e suponho que até os engenheiros deveriam saber disso.

A luta dos professores cada vez mais tem de ser contra os pavorosos fiscais que enchem os gabinetes do ministério com planos disformes. E contra os conselhos directivos que se queiram tornar os cães-de-guarda dessa infâmia.

Duas faltas mensais sem desconto nas férias nem no ordenado era algo que a fase final do sistema educativo fascista já compreendia perfeitamente. Parece agora, visto à distância, ter havido menos gente repugnante, apesar de tudo, nesse tempo de ministeriais estrangulamentos ideológicos do que hoje em dia, em que todos fingem liberalizações educativas sem conseguirem deixar de representar a mera figura de Pilatos.

Horas e horas sabotadoras são passadas em reuniões, onde o desgaste se transforma, a princípio, em conflito, depois em cansaço, por fim em desprezo sem saída.
Com professores esgotados, mal pagos, explorados por decretos e portarias e regulamentos despromovedores, a sua melhor vontade em acompanhar seres no momento crucial do seu desenvolvimento e da sua captação cultural não se pode plenamente manifestar. Querem ter um povo educado? Um país desenvolvido? Uma colectividade capaz da múltipla imaginação do seu próprio futuro? É claro que não. Estes fulanos que nos governam querem é o vazio. E que depois o vazio vote neles."

[Joaquim Manuel Magalhães, "No Ensino Secundário", in Independente-Vida3, 26/05/1989]

Causa Nossa - II Aniversário

Ali achareis algum sustento, mesmo que o pisar da terra seja outro. As impressões da actualidade rasgam, quase sempre, as sombras negras da blogosfera. O outro lado, como se depreende. O ânimo nunca esmorece, por ali. E as palavras, também não. Mesmo que por vezes sejam singularmente desacertadas. Ou injustas, possivelmente. A Causa Nossa é um château mui respeitável. De grande estimação. Faz II anos de estabelecimento & apresenta-se cada vez mais prendada. A todos, parabéns. E, daqui, dos saudosos campos do Mondego, com mar ao fundo, se envia em tempo de estação invernosa, que o Cavaquismo é já a seguir, em jeito de abraço

Eugénio de Andrade (ele mesmo) em O Lugar da Casa

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Saúde e fraternidade

quarta-feira, 16 de novembro de 2005


Poverty of Student Life, University of Strasbourg [Novembro 1966]

"Podemos afirmar, sem grande risco de erro, que o estudante em França é - depois do polícia e do padre - o ser mais universalmente desprezado. (...)

O estudante é um ser partilhado entre um estatuto presente e um estatuto futuro claramente distintos, e cuja fronteira vai ser mecanicamente transposta. A sua consciência esquizofrénica permite-lhe isolar-se numa «sociedade de iniciação», desconhecendo o seu futuro e encantando-se com a unidade mística que lhe oferece um presente ao abrigo da história (...)

Escravo estóico, o estudante julga-se tanto mais livre quanto o tolhem todas as grilhetas da autoridade. Tal como a sua nova família, a Universidade, ele supõe-se o mais «autónomo» dos seres sociais, quando, pelo contrário, depende directa e conjuntamente dos dois mais poderosos sistemas de autoridade social: a família e o Estado. O estudante é deles o filho bem comportado e reconhecido (...)

Por virtude da sua situação económica de extrema pobreza, o estudante é condenado a um certo modo de sobrevivência bem pouco invejável. Mas, sempre satisfeito por ser aquilo que é, eleva a sua miséria trivial à categoria de um «estilo de vida»: o miserabilismo e a boémia. (...)

Mas a miséria real da vida quotidiana estudantil encontra a sua compensação imediata e fantástica naquilo que é o seu ópio principal: a mercadoria cultural. No espectáculo cultural, o estudante encontra naturalmente o seu lugar de discípulo respeitador. Próximo do lugar de produção sem nunca a ele aceder - o Santuário mantém-se-lhe inacessível - o estudante descobre a «cultura moderna» na sua qualidade de espectador admirativo. Numa época em que a arte morreu, ele continua a ser o principal fiel dos teatros e dos cine-clubes, e o mais ávido consumidor do seu congelado cadáver, agora difundido, embrulhado em celofane, nos supermercados feitos para as donas-de-casa de abundância (...)"

[in Da miséria no meio estudantil & de alguns meios para a prevenir, edição portuguesa da Poverty of Student Life, escrito por membros da Internacional Situacionista, estudantes de Estrasburgo em 1966, publicado pela Fenda, Coimbra, 1983]

Locais: Da miséria no meio estudantil & de alguns meios para a prevenir [texto] / [Pamphlet] On the Poverty of Student Life: considered in its economic, political, psychological, sexual, and particularly intellectual aspects, and a modest proposal for its remedy / On the poverty of student life (...) [by Mustapha Khayati] / from Guy Debord To Mustapha Khayati Friday [9 September 1966] / idem [29 Setembro 1966] / idem [13 Outubro 1966] / idem [19 Outubro 1966]

Catálogo 11 da Livraria D. Pedro V

Acaba de sair o Catalogo do mês de Novembro da Livraria D. Pedro V (Rua D. Pedro V, 16). Excelentes peças. Algumas estimadas e raras.

Algumas referências: Mito Alegria Símbolo. Monólogo Autodidacta na Oficina de Pintura, de Almada Negreiros, 1948 / O Movimento dos Cine-Clubes, de Manuel de Azevedo, 1948 / Escriptos Humorísticos em Prosa e Verso do Fallecido José de Sousa Bandeira [colect. artig publicados pelo conhecido jornalista liberal J. Sousa Bandeira, no jornal Atalaia, Periódico dos Pobres do Porto e Braz Tisana], 1874 / Fado, Origens Líricas e Motivação Poética, de Mascarenhas Barreto [c/ disco de vinil] / Sermões e Praticas do P. Manoel Bernardez, 1733, II vols / Arquivo de Materiaes para um Monumento Literário ao Grande Escriptor Camillo Castello Branco, 1916, nº1 [revista única dir. de Alfredo de Faria] / Cancioneiro de Fernando Tomás (facsimilado), 1971 / Camilo Castelo Branco [O Visconde de Ouguella, 1873 / Obolo às Crianças (col de Francisco Martins Sarmento), 1887 / Cancioneiro Alegre de Poetas Portuguezes e Brasileiros, 2ª ed, 1887, II vols / Delictos da Mocidade, 1889 / A Sereia, 1900 / As Favas Negras [curioso e rara edição c/ ref. ao Instituto de Coimbra], 1924] / A Ribeira de Lisboa, por Júlio de Castilho, 1893 / Jornal do Gato Contribuição ao Saneamento do Livro Pacheco Versus Cesariny, 1974 / Jornal de Domingo. Revista Universal sob dir. de Manuel Pinheiro Chagas, Ano I (20 Fev 1881) a Ano III (30 Jan 1887), 156 nums [colab. de Brito Aranha, Bulhão Pato, Guerra Junqueiro, Júlio César Machado, etc] / Antologia de Poesia Erótica e Satírica, org. Natália Correia, Afrodite (1966) / idem, ed. chamada do Rio de Janeiro, sem as ilustrações de Cruzeiro Seixas / A Paixão, de Almeida Faria, 1971 / Folhas d'Ouro. Álbum Litterario com col de A. Lopes Vieira, Conde de Monsaraz, Alberto Pimentel, António Sardinha, Hipólito Barroso, 1917 / O Assalto ao Santa Maria, por Henrique Galvão, 1974 / Pátria, por Guerra Junqueiro, 1896 / Banhos de Caldas e Águas Minerais, por Ramalho Ortigão, Porto, 1875 / O Príncipe Real, de Hipólito Raposo, Ed. Gama, 1945 / Há Dois Mundos, de José Régio, 1963 / Horas Mariannas ou Oficio Menor da SS Virgem Maria Nossa Senhora ..., por Francisco de Jesus Maria Sarmento, Lisboa, 1782, 2ª ed. / Notas Vicentinas, de Carolina Michaelis de Vasconcellos, Coimbra, 1912, IV vols / Sermões, do Padre António Vieira, 1959, IV vols

terça-feira, 15 de novembro de 2005


René Guénon [n. 15 Novembro 1886-1951]

"Não temos que nos 'justificar' diante de quem quer que seja, sendo a nossa independência absoluta em todos os aspectos (...) as razões pelas quais agimos desta ou daquela maneira não dizem respeito senão a nós próprios; nao são, aliás daquelas que podem ser compreendidas pelo 'público' e não têm qualquer relação com as convenções que podem ter curso no mundo profano em geral e no meio dos 'letrados' em particular (...) se nós, em certa época, penetramos nestes ou naqueles meios foi por razões que só a nós dizem respeito"

[René Guénon, in pref. A Crise do Mundo Moderno, Janus, 1997]

Locais: René Guénon / Institute René Guénon of Traditional Studies / René Guénon [Articles] / The Speculative Mason / Les mystères de la lettre N?n / René Guénon: Vida e Obra / Livros Virtuais [Guénon et al, formato winzip]

Don't cry for me, Cavaco Silva!

A prestação televisiva do dr. Cavaco Silva, ontem na T.V.I. foi medíocre. O ilustre candidato da União Nacional apareceu velho e cansado (vá-se lá saber porquê), viciado em dizer coisa nenhuma, inebriado pela cadeira presidencial. Ninguém lhe tira uma única ideia, para além da banalidade costumeira sobre como evangelizou os indígenas, noutros tempos, e a mesmíssima propaganda dos cargos obtidos. O dr. Cavaco Silva, não mudou nada, em todos estes anos. A mesma pose colérica, quando é contraditado, a mesma arte de falar sem substância que se veja, a mesma ginástica de não se comprometer com coisa alguma. De facto, como diria o Vasco, "o homem não existe". Porém lá estava. Evidentemente, os debates futuros o confirmarão.

Sabe-se que a direita, em Portugal, é tendencialmente ignorante. Que por razões de "fé" (e trabalho, muito trabalho) tem a imp(r)udência bondade de ceder a cadeira da coisa pública a uns seus subordinados. Por vezes, no apuro da escolha, erram grosseiramente. E poucas vezes se deram bem. A direita portuguesa sofre, há muito, de iletrismo político e cultural. E só atinge o púlpito da felicidade por via de outrem. Mas, mesmo assim, é perfeitamente espantoso como os devotos apoiantes do candidato Cavaco, benignamente, pactuam com tamanha mediocridade. A meia hora de frivolidade televisiva enunciada pelo putativo candidato, não é indiferente a quem a ouve. Não torna alguém mais esclarecido. Mais sensato. Mais empenhado no que pode "dar" à nação e ao país. Mais cidadão. E, por isso, não autoriza, em nenhum momento que seja, aceder à bondade expressa pelo candidato de querer "salvaguardar o futuro dos portugueses". Que é, afinal, a única coisa que, pela sua própria voz, lhe ouvimos pronunciar. Haja decoro.

segunda-feira, 14 de novembro de 2005


Arrumações - Vynil, CD's e Cassetes Piratas

"... Rock fininho, como uma tapeçaria de algodão, tecendo sequências rítmicas elípticas que são a viola eléctrica libertada do terra-a-terra sorumbático do baixo. É rock à flor da pele, fantasia colorida e pura, transe cristalino e frágil. «Crazy Rhythms»» é o grande álbum instrumental de 1980 - uma visão privilegiada da New Wave como arte inocente, e arroubo" [Miguel Esteves Cardoso, in Pop Music-Rock, 1981]

Assim, no entremeado político da paisagem & fora da vista dos condottieri da coisa pública, em atracção única de fim-de-tarde, para ouvidores de missas celestiais e posts esforçados, ali do lado esquerdo da pedra

The Feelies - The Boy with Perpetual Nervousness

"There's a kid I know but not too well
He doesn't have a lot to say
Well this boy lives right next door and he
Never has nothin' to say
" [letra, aqui]

... e que a noute esteja obstinadamente convosco. Bom jantar!

Os «anõezinhos» do dr. Cavaco

"... No tempo do Eça, um estadista tinha algo que lhe dava, frente aos demais, uma forte e escandalosa dissemelhança: - a testa. Os ministros não tinham cara, nem termo, nem sapatos. Eram só testas." [Nelson Rodrigues]

Há alguns dias atrás, fomos ao "Portugal precisa de si". O génio solitário do candidato Aníbal, os milagres económicos do mestre, o charivari angariador dos "anõezinhos" do dr. Cavaco e a testa extraordinária do professor, a isso obrigavam. Subimos a escadaria lúgubre do "Portugal Maior", em piedoso e misericordioso passo, e acabámos numa espécie de colégio interno. Tal era a fé luminosa que daí brotava.

Lá no alto, pairando em eterna memória, foi-nos oferecido a biografia do mestre. Extensa, imponente, muito paternal. O quadro idílico do dr. Cavaco, oferecido aos voyeurs virtuais, e onde o mestre jaz, para a eternidade, em afectuosa companhia de Clinton, Filipe González e João Pulo II, foi um verdadeiro pão espiritual. O tom reflectido e sóbrio do candidato no segredo da solidão do seu escritório, anunciava o austero biografado. O remanso presidencial. A glória que a todos fulmina.

A devassa, generosa e benevolente, que o dr. Cavaco nos consentiu, é um tesouro escondido. Uma oferta inestimável. Um documento profundo. A lista dos emproados apoiantes, que se atropelam num arquejar extenuante nas escadarias e salões da mansão do dr. Cavaco, é assombrosa. Presume-se que o homenzinho não cabe em si de contente. A saudade da administração do dr. Cavaco, para os discípulos, aparentemente desocultou a figura do putativo "pai", passando a ser uma purgação (catharsis) pulsional. Por isso, a excitação bloguista do "Pulo do Lobo" põe fim à neurose traumática de todos estes anos. Anos de perversão libidinosa da esquerda, evidentemente. E que o "Pulo do Lobo", excitantemente, nos explica.

Siga-se, pois, o viço (de mocidade) na escrita de Pedro Lomba, apóstolo da "superstição" liberal; atente-se no inconformismo depressivo do Francisco, vassalando o dr. Cavaco em prol da luta psicótica contra o suposto Lula indígena, que esvoaça entre nós; consinta-se na originalidade superior e a dedicação melosa de João Gonçalves, que, com aprumo & em animado esforço, supervisiona o gentio e nos acorda para a educação sexual; tenha-se piedade cristã com a inteligência de Miguel Noronha & o seu "état de détresse" e não se permita que Chavez, Saramago, a revolução francesa, os comunistas e os loucos dos asilos do Estado-Social exacerbam mais a sua alma neoliberal (glória a ti dr. Cavaco!); e, por fim, embrulhe-se o escriba de política económica da Universidade do Minho, Fernando Alexandre - que com rigor cientifico faz a sua oratória em publicações económicas de referência como o Diário do Minho, o Interior, o Jornal de Negócios ou o Diário Económico -, com emoção curveteada, autorizando-se que leccione, em quantum de afecto, a política económica & orçamental dos bons tempos do dr. Cavaco às criancinhas do básico e secundário. O dr. Cavaco, paternalmente, agradece. E nós ficamos remoídos de inveja. Inteligentemente, claro!

"O Grande Mundo do dr. Cavaco"

"I - Como está, sr. primeiro-ministro?
Cavaco - Não vê? Jovem, bonito, bem conservado, inteligentíssimo, no pico da forma. Saiba que ando de bicicleta mais de 20 km por dia que o Presidente da Republica [Mário Soares] e faço 150 elevações de braços antes do pequeno-almoço e outras 150 antes do Conselho de Ministros. Desafio esse indivíduo do PS, de quem se fala, a fazer 10. A Esquerda é velha, coitada. Nasceu em 1968. Eu nasci ontem. Sou maravilhoso.

I - Como aprecia o sr. primeiro-ministro a actual situação política?
Cavaco - Perfeita. Mais do que perfeita, encorajante. Os médicos queixam-se, os professores queixam-se, os advogados queixam-se, os juízes queixam-se, os militares queixam-se, os contribuintes queixam-se, os trabalhadores queixam-se e os empresários queixam-se. Praticamente não há ninguém que não se queixe.

I - E que conclusões tira daí o sr. primeiro-ministro?
Cavaco - Primeiro, que não suporto queixinhas. Segundo, que tenho razão. Como toda a gente se queixa e como, comparada comigo, toda a gente é inferior, segue-se necessariamente que eu tenho razão.

I - Mas diz-se, por exemplo, que, segundo os números do Banco de Portugal, em 1988 os salários reais desceram dois por cento e os ordenados dos funcionários públicos três por cento.
Cavaco - E o sr. leva a sério esses números? O sr. com certeza não percebe o que sucedeu. O que sucedeu foi o seguinte: eles enganaram-se nas contas. Desde que eu deixei o gabinete de estudos, o Banco de Portugal engana-se nas contas. Como, alias, era de esperar. Fique sabendo que os salários reais subiram dois por cento e os dos funcionários públicos três por cento. Cálculos meus. Já alguma vez me enganei? (...)

I - Que pensa o sr. primeiro-ministro da Oposição?
Cavaco - Reconheço a dificuldade de fazer oposição a uma pessoa como eu. Eu não erro, eu sou - que me lembre - o maior estadista português de todos os tempos. O povo, como é natural, vive feliz e muito contente com o meu Governo. No entanto, eu, por bondade, dialogo com a Oposição. Quando nos encontramos nos jantares ou nas recepções, dialogo sempre uns minutos com ela. Mesmo se estou com pressa. E uma vez por ano, no Natal, vou ouvi-la ao Parlamento. Disseram-me que era uma tradição popular.

I - Como avalia estes primeiros 18 meses de mandato?
Cavaco - Já cumpri 12 páginas e 27 linhas do programa eleitoral. Vou amanhã cumprir a linha 28 e assim sucessivamente até ao fim. Quando chegar ao fim, volto ao princípio e torno a cumprir. Hei-de cumprir o programa tantas vezes quantas forem precisas para o programa ficar cumprido. Roma e Pavia não se fizeram num dia (...)"

[Vasco Pulido Valente, "O Grande Mundo do dr. Cavaco", O Independente-Vida3, 24/02/1989]

sexta-feira, 11 de novembro de 2005


Leilão de uma Biblioteca - 14, 15 e 16 Novembro

Biblioteca de um Historiador do Livro: eis como se apresenta a leilão a primeira parte (de um total, presumivelmente, de cinco) da copiosa livraria de um dos "mestres" da história do livro e bibliófilo alumiado, o dr. Artur Anselmo. Os seus estudos acumulados sobre o livro e a sua história, os seus trabalhos abundantes nesse domínio [ref. "Documentos para a história da tipografia portuguesa nos séculos XVI e XVII" (1988), "Origens da Imprensa em Portugal" (1981), "História da Edição em Portugal" (1991), "Estudos de História do Livro" (1997)] e a sua actividade na docência da cadeira de Cultura Clássica na UN Lisboa, tornam-no figura incontornável da cultura portuguesa. Se pensarmos, por um instante, que o dr. Artur Anselmo estará colocando em praça algumas peças, a mais ou que já não quer, da sua imensa e preciosa biblioteca, restando as mais estimadas, raras ou valiosíssimas à sua guarda, teremos ideia da magnificência da sua livraria e da sua devoção ao livro.

O leilão - dias 14, 15 e 16 de Novembro, pelas 21 horas, no Amazónia Lisboa Hotel (ao Jardim das Amoreiras) - estará a cargo de Pedro Azevedo, conceituado leiloeiro e profundo conhecedor da actividade do livro antigo, que, como sempre, apresenta um estimável catálogo que desafia os amadores de livros.

Algumas referências (I Sessão): Cartas de Affonso de Albuquerque, Lisboa, 1884-1935, VII vols / Almanach Portuguez, 1825 / Almanak d'O Mundo, dir França Borges, I ano (1908) ao 7 ano (1914) / Memorias arqueológicas-historicas do distrito de Bragança, pelo Pe Francisco Manuel Alves (Abade de Baçal), 1910-1948, II vols / [Applausos da Universidade a El Rey N. S. D. João o III] Invictissimo Regi Lusitaniae Joanni IV, Coimbra, 1641 [espécimen Restauração] / Conversaçaõ familiar, e exame critico, em que se mostra reprovado o Methodo de estudar, com o titulo de Verdadeiro ..., pelo Pe José de Araújo, Off Antono Balle (não indent.), 17750 (aliás 1751) [refutação ao verdadeiro Método de Estudar de Verney] / Archivo Nacional de Ex-Libris, Anno I, nº 1 a Anno II, nº 10, 1927-1934, XX nums / Argus (rev bi-mensal), dir Alexandre Albuquerque, 1986-87, VI nums / Ave-Azul (rev de arte e critica), dir Beatriz Pinheiro e Carlos de Lemos, 1899-1900, 24 fasc / Expulsion Justificada de los moriscos españoles, por Pedro Aznar Cardona, 1612 / Luz e Calor, do Pe Manuel Bernardes, 1758 (4º ed.) / Nova Floresta ou Sylvia ..., pelo Pe Manuel Bernardes, 1706-1747, V vols / Boletim da Academia de Ex-Libris, 1955-1989, 89 nums / Boletim da Sociedade de Bibliófilos Barbosa Machado, dir José Pessanha e Martinho da Fonseca, 1910-17, IV vols / Boletim de Bibliographia Portugueza, dir Annibal Fernandes Thomaz, 1879, XII nums / Pancarpia ou Capella Florida ..., por Frei António Lopes Cabral, 1694 / Cancionairo da Biblioteca Nacional (Colocci Brancuti), ed. facsimilada, BN, 1982 / Cancioneiro Portuguez da Vaticana, Lisboa, 1878 / Maria! Não me mates, que sou tua mãi! ..., de Camilo Castelo Branco, Typ. Ecco, 1848 / Os Pundonores Desagravados: poemeto ..., de Camilo Castelo Branco, Porto, Typ. da Revista, 1845 / Catalogue de la Bibliothèque de M. Fernando Palha, Lisbonne, 1896, IV vols / [Miscelâneas: pastorais] Manuel do Cenáculo Vilas Boas, II vols e VII folhetos / [Censura de Livros] Séculos XVIII e XIX, 33 doc legais e eclesiásticos, 1768-1816 sob censura da Real mesa Censória / Coleccção dos breves pontifícios, e leys regias, que foraõ expedidas, e publicadas desde o anno de 1741 sobre a liberdade das pessoas, bens, e commercio dos índios do Brasil ... [doc sobre os índios do Brasil], 1741-1759-1760 / Constituiçoens Synodaes do Arcebispado de Braga ..., Lisboa, 1697 / Constituiçoens Synodaes do Arcebispado da Goarda ..., Lisboa, 1686 / A Contra Mina, periódico moral e politico, dir Fortunato de S. Boaventura, 1831-1832, 52, 2 numes em 2 vols / Impressões Deslandesianas: divagações bibliographicas, por Xavier da Cunha, Lisboa, II vols

In Memoriam de Joaquim Machado [Livraria Almedina]

No dia 10 de Novembro faleceu, na cidade de Coimbra, uma das suas maiores figuras, o editor-livreiro Joaquim Machado - o Machado d'Almedina. Profissional exemplar, de carácter nobre e grande cortesia, era um verdadeiro apaixonado por livros e revistas, que coleccionava com prazer. O ilustre Conimbricense, nascido em 1924 na cidade do Mondego, abriu a sua livraria às portas do Arco d'Almedina, em 1955, e rapidamente se tornou importante na edição de manuais académicos, em especial da área jurídica, onde era "rei". Mas também fornecia abundantes livros em língua estrangeira, da literatura à política, da arte à economia, quase sempre de difícil aquisição noutras livrarias e noutros tempos. O seu encanto pessoal e a amizade que mantinha com os seus clientes deixam eternas saudades.

quarta-feira, 9 de novembro de 2005


Da Matemática

"Não temos uma coisa genética contra a Matemática. Isso é coisa que não existe. O que existe é má preparação, má formação. A inteligência, em particular a inteligência matemática, é democrática. Mas é como uma planta. Tem de ser regada desde o princípio, um bocadinho todos os dias. Se isso não acontecer vai murchando (...)

Existem excelentes professores. Mas também existe este ambiente de que não é preciso aprender muito, de que o que é preciso e adquirir umas competências, uns saberes. Operou-se uma espécie de fluidificação do ensino [em Portugal] - é tudo mais ou menos. Trata-se de uma abordagem que ganhou terreno nos últimos 15/20 anos e que acabou por permear toda a cultura educativa entre nós. Hoje os programas de Matemática, aquilo que se aprende nesta disciplina, é quase uma caricatura grotesca do que existia há 20 anos.
Operou-se um nivelamento por baixo seja ao nível dos programas, do que se exige aos alunos, da preparação e até dos próprios manuais (...)

Em Matemática em particular é preciso, para se ser um bom professor, saber muito, mas muito mais do que aquilo que se ensina. É claro que se um professor está mal preparado, ensina com pouca segurança, ou ensina mal, nem tem condições para leccionar, nem consegue motivar (...)

Penso que o principal problema na formação dos alunos em Matemática está hoje no primeiro ciclo. Um miúdo que chega ao fim da antiga primária sem adquirir os conhecimentos essenciais, sem saber a tabuada, sem saber fazer contas com tabuada, sem saber fazer divisões, só muito dificilmente vai conseguir apanhar o resto. A questão cumulativa em Matemática é mito importante. É outra das coisas específicas desta disciplina que sofreu muito com esta desvalorização da componente científica, com o facilitismo que se instalou, com a ausência de exames nacionais ..."

[Jorge Buescu, in "O que se aprende nas escolas é uma espécie de Matemática pimba", entrevista à Publica, nº 493, de 6 de Novembro de 2005]

Boletim Bibliográfico 28 de Luís P. Burnay

De novo, saiu o costumado Boletim Bibliográfico do Livreiro-Antiquário Luís P. Burnay, sitiado na Calçada do Combro, 43-47, na cidade de Lisboa. São 533 peças curiosas e de estimação, algumas raras. Preços acessíveis.

Algumas referências: Os Acontecimentos de 10 de Abril, Lisboa, 1950 [doc. Condenatórios de alguns oficiais que conspiraram contra o Estado Novo, como Mendes Cabeçadas, Eduardo Corregedor Martins, Tavares Afonso dos Santos, Mendes de Magalhães] / Miscelânea de Miguel Leitão de Andrada, Lisboa, 1867 [reed. da edição de 1629, saída com o título "Miscelânea do Sítio de Nossa Senhora da Luz de Pedrógão Grande", onde existem abundantes dados sobre "alguns lugares de Portugal", bem como factos ocorridos nos sec. XVI e XVII] / Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, sel. de Natália Correia, il de Cruzeiro Seixas, Afrodite, s.d. / O António Maria, publ de Bordalo Pinheiro, Ano I a Ano VI , 1879-1885, VI vols / Grão Vasco ou Vasco Fernandes pintor Viziense, por Máximo d?Aragão, 1900 / A Arte e a Natureza em Portugal, 1908, VIII vols / A Terra da Maia (Monografia), pelo Pe Agostinho de Azevedo, 1939 / A Igreja de S. Pedro de Lourosa, pelo Pe Manuel d?Aguiar, 1934 / Opera Omnia do Académico Titular Fundador (1859-1952), por Joaquim Bensaude, 1955, V vols / Cadernos de Literatura, dir Andrée C. Rocha, Coimbra, 1978-1986, XXV nums / Francisco Câncio [Aspectos de Lisboa no Século XIX, 1939 / Lisboa de outros séculos: À sombra dos Paços Reais, 1940 / Lisboa. Temppos idos, 1957-58, II vols / Ribatejo: Casos e tradições, 1948-49, II vols] / Lisboa Antiga Bairros Orientais, de Júlio de Castilho, 1936 / Os Meus Vasconcellos, de Eugénio de Castro (geneol.), 1933 / A Volta ao Mundo, por Ferreira de Castro, 1944 / Pequenos Mundos e Velhas Civilizações, idem, 1937 / Os Povos Antigos da Lusitânea, de Mendes Corrêa, 1924 / Feiras e outros divertimentos populares de Lisboa, de Mário Costa, Lisboa, 1950 / O Chiado Pitoresco, idem, 1965 / Cartas de Portugal (1778-1779), por Arthur William Costigan, s.d., Ática, II vols / Pioneiros de Moçambique, Lourenço Marques, 1961 [com biografias de "pessoas proeminentes da época"] / Exame da Constituição de D. Pedro e dos direitos de D. Miguel ..., 1829 [obra apologética em defesa de D. Miguel, escrita por José Pinto Cardoso Beja, seg. Inoc.] / A Infantaria Portuguesa na Guerra da Península, de Ferreira Gil, 1912, II vols / Mobiliário Artístico de Portugal, por Alfredo Guimarães, 1924-35, II vols / A Ordem de Christo, de J. Vieira da S. Guimarães, 1901 / Inventario Artístico de Portugal, Distrito de Leiria, por Matos Sequeira, 1955 / Historia dos Caminhos de Ferro de Moçambique, por Alfredo Pereira de Lima, 1971, III vols / 17 Desenhos de Eduardo Malta, Porto, 1941 / Subsídios para o Inventario Artístico dos Açores, por Francisco Ernesto de Oliveira Martins, Angra do Heroísmo, 1980 / O Cavallo: seu ensino, de João de Mello, Lisboa, 1904 / Livro de Falcoaria de Pêro Menino, 1931 / Diccionario Geographico das Províncias e Possessões Portuguezas no Ultramar, por José Maria de Sousa Monteiro, Lisboa, 1870 / Privilégios da Nobreza e Fidalguia de Portugal, por Luís da Silva Pereira Oliveira, 1806 / A Parodia, rev humorística com colaboração de Bordalo Pinheiro, 1900-1907, VIII vols (completa) / Ilha da Madeira, de Eduardo Antonino Pestana, 1965-70, II vols / Almanach de António Maria para 1882 ( e para 1883-1884), Lisboa, II nums [almanaque pioneiro da BD. Completo, dois anos] / Portugal Artístico, dir Eduardo Sequeira, 1905 / Historia da Literatura Portuguesa Ilustrada, dir de Albino Forjaz de Sampaio, 1929-1942, IV vols (importante obra de referência] / A Maçonaria e a luta pelo poder (D. Miguel e a sua época), de Paulo Siebertz, 1944 [sociedades secretas e as lutas liberais] / Inventario da colecção de Registos de Santos, por Ernesto Soares, Lisboa, 1955

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

[Mário Cesariny Vasconcelos]

"Haverá gente com nomes que lhes caiam bem.
Não assim eu.
De cada vez que alguém me chama Mário
de cada vez que alguém me chama Cesariny
de cada vez que alguém me chama de Vasconcelos
sucede em mim uma contracção com os dentes
há contra mim uma imposição violenta
uma cutilada atroz porque atrozmente desleal.

Como assim Mário como assim Cesariny como assim ó meu deus
de Vasconcelos? ...
"

[Mário Cesariny de Vasconcelos, A Antonin Artaud, in Pena Capital, 1957]

Gripe na Catedral da Luz!

Dias aziagos na Catedral! Mas que raio de enfermidade! Fora os incrédulos, sem imaginação & sem esperança de casar, nós ... não nos resignamos. A malapata que tombou sobre a Catedral é um desvario burguês. Uma bizarria pátria. Um habilidoso expediente. Uma inverosímil trama, manhosa & bafienta, das forças das trevas. Um amotinamento. Nunca vimos semelhante.

Ora, desde que o dr. Cavaco se reservou ao trabalho de suspender a filiação no PSD e "por um imperativo de consciência" passou a ser a alma tímida & muda das presidenciais, que não ganhámos uma. Desde que o libertino holandês d'Oporto, imitando o ediltarreco Rui Rio, não presta declarações aos jornalistas, que andamos providos de maleitas. E, é ou não verdade, que desde que o cismado Dias da Cunha deixou a meio o sistema & a alma dos infelizes do horto d'Alvalade, os nossos domingos estão inconsoláveis? Percebem!?

Entretanto, à socapa, e com o olhar entaramelado de emoção presidencial, o gentio assiste às mais extraordinárias defesas Ricardianas de sempre & ao depósito saudoso de penáltis lá para os lados da tribo das Antas. O dedinho presidencialista não dorme. A maldição está lançada, Ó povo pérfido. Não esquecer que o futebol ... é muito traiçoeiro. Como as presidenciais. Disse.

Do Mulherio: anotações espirituais & cavalheirescas

"Pergunto-me se nos podemos interessar pela alma de uma mulher que tem as pernas irremediavelmente curtas" [Henry Montherlant] / "Deus! Como estavas bonita hoje ao telefone" [Sacha Guitry] / "Quando as velas se apagam, todas as mulheres são bonitas" [Plutarco] / "Como sexo, as mulheres são insuportáveis, mas, na hora do sexo, não têm nada de melhor" [Millôr Fernandes] / "As mulheres não são senão órgãos genitais articulados e dotados da faculdade de gastar todo o dinheiro que nós possuímos" [William Faulkner] / "A virtude da mulher é a melhor invenção do homem" [Cornélia Otis Skiner] / "Os homens amam o que os demove de serem sublimes" [Agustina Bessa-Luís] / "Pobre mulherzinha! Boceja depois do amor como uma carpa saída da água sobre a mesa da cozinha" [Flaubert] / "Nunca consegui ver os ombros de uma jovem sem pensar em fundar família" [Larbaud] / "Abstenha-se de contar à sua mulher as infâmias que lhe fizeram as que a precederam. Não vale a pena dar-lhe ideias" [Sacha Guitry] / "Na adolescência amamos as outras mulheres porque elas são mais ou menos parecidas com a primeira. Mais tarde, amamo-las porque elas diferem entre si" [Flaubert] / "Ser-se primeiro amante de uma mulher não significa nada: o segredo está em ser-se o seu último amante" [Maurice Donnay] / "As mulheres seriam mais encantadoras se pudéssemos cai-lhes nos braços, sem lhes cairmos nas mãos" [Bierce] / "Algumas mulheres coram quando são beijadas. Outras chamam a policia. Outras insultam. Outras mordem. As piores são as que se riem" [Aron] / "Eu sei que a mulher é um prato para os deuses, se o diabo não o temperar" [Shakespeare] / "A mulher será sempre o perigo de todos os paraísos" [Paul Claudel] / "Não sabemos o quanto as mulheres são uma aristocracia. Não há povo nelas" [Michelet] / "O perigo de fechar as mulheres nos museus é que elas começam logo a endireitar os quadros" [Aron]

Et ... pour cause: "Tão cheios de homens, os homens" [Maria Velho da Costa] / "Gosto de duas espécies de homens: os domésticos e os estrangeiros" [Mae West] / "Um homem ... fica tão bem numa casa" [E. Gaskell] / "Macho não quer dizer mucho" [Zsa Zsa Gabor]

[retirado da revista Vida, O Independente, org. & recolha de Inês Pedrosa, 16/06/1989]

Das Revistas

Las Revistas Literárias y Políticas del Franquismo (I) [Magazine Littéraire] / El mensaje oculto de Hypnerotomachia Poliphili [Magazine Littéraire] / Les belles parures [Magazine Littéraire] / L' «ultra-gauche», histoire et confusion [A Contretemps] / Albrecht Dürer and Nicholas Cusanus: the Real, the Ideal, and the Quantification of the Body / Écrivains & Enquêteurs [Alibis] / Surréalisme et révolution [Astu] / Le dialogue entre Octavio Paz et Benjamin Peret [Astu]

domingo, 6 de novembro de 2005

[Os novos escritores e o movimento chamado «neo-realismo»]

Curioso escrito de Jaime Brasil, "Os novos escritores e o movimento chamado «neo-realismo»", separata da Revista Afinidade, nº12, 1945, reimpressa por "erros de composição", onde o autor nos diz que "a jovem literatura portuguesa, grávida de todas as influências externas e internas, deu à luz entre as dores do mundo e as sua próprias, algumas obras que não serão definitivas, mas deixam entrever grandes esperanças". Considera, ainda, que "os jovens escritores beberam nesses antepassados [geração de 70] a seiva da rebeldia, a ânsia de renovação conceptual e formal". Porém, Jaime Brasil, salienta "o impulso decisivo" da "jovem literatura brasileira que, desordenada, e ainda bárbara na forma, brotou, com vigor da flora tropical, nos começos do segundo quartel deste século". E que "mais do que um estimulo, parece ter havido uma emulação. Dir-se-ia que o facho da criação literária ia passar de mão, para a outra margem do Atlântico" e que "num supremo esforço, sem acordo prévio e, repetimos, sem ambiente favorável, a juventude intelectual da margem de cá retomou o facho de erguer ao alto".

Depois, Jaime Brasil considera necessário "remontar às correntes que polarizaram a inteligência portuguesa do começo deste século para cá", referindo a ?"corrente progressiva" nascida sob o domínio republicano, seguida de uma outra inspirada pelo "doutrinarismo político da Action Française", de cunho "regressivo". Diz que feito o balanço dessas forças, passe alguns valores individuais brilhantes? a sua "acção na vida mental portuguesa foi nula", assumindo que "arte e política são valores não só diferentes, mas antagónicos". Passa depois a apreciar a revista "Orfeu", referindo Fernando Pessoa e a "renovação poética operada", para saltar para a revista "Presença" ["trouxe uma rajada de ar do largo"], de onde considera que "surgiu a querela 'da arte pura e da arte social', do individualismo do artista - interiorístico, todo em desfibrações psicológicas - e do artista preocupado com o colectivo, com o bem comum, de olhos abertos perante as duras realidades da vida".

O texto prossegue em busca dessa "juventude inquieta", quer na sua atitude estética ou "simplesmente literária", para considerar Ferreira de Castro ["o primeiro que, em língua portuguesa, tratou dos problemas sociais"] como precursor dessa nova corrente, inclusive antecedendo "os modernos romancistas brasileiros". Segundo Jaime Brasil, os mais dotados desses jovens escritores, são a saber: Alves Redol, Soeira Pereira Gomes, Afonso Ribeiro [ver "Aldeia"], Manuel da Fonseca ["Cerromaior"], Fernando Namora, Carlos de Oliveira, Vergílio Ferreira [romance "O Caminho fica longe" que não saiu e que retrata a vida académica em Coimbra e "Onde tudo foi morrendo"], Manuel do Nascimento ["Eu queria viver" e "Mineiros"], José Loureiro Botas ["Litoral a Oeste" e "Frente ao Mar"], António Vitorino ["Gente da Vieira" e "A Vida Começa Assim"], Ramos da Cunha ["Lá fora o sol brinca"], Assis Esperança ["E a noite não acaba"], Joaquim Ferrer ["Ilha Doida"], Roberto Nobre ["Jardim Fechado"], João Falcato ["Fogo no Mar"], Julião Quintinha, Fausto Duarte ["Auá" e "Revolta"] e, evidentemente, os jovens poetas do "Novo Cancioneiro", com sede em Coimbra.

quinta-feira, 3 de novembro de 2005


Wilhelm Reich [1897 - m. 3 Novembro 1957]

"... Diferes dos grandes homens que verdadeiramente o são apenas num ponto: todo o grande homem foi outrora um Zé Ninguém que desenvolveu apenas uma outra qualidade: a de reconhecer as áreas em que havia limitações e estreiteza no seu modo de pensar e agir. Através de qualquer tarefa que o apaixonasse, aprendeu a sentir cada vez melhor aquilo em que a sua pequenez e mediocridade ameaçavam a sua felicidade. O grande homem é, pois, aquele que reconhece quando e em que é pequeno. O homem pequeno é aquele que não reconhece a sua pequenez e teme reconhecê-la; que procura mascarar a sua tacanhez e estreiteza de vistas com ilusões de força e grandeza, força e grandeza alheias. Que se orgulha dos seus grandes generais mas não de si próprio. Que admira as ideias que não teve mas nunca as que teve. Que acredita mais arraigadamente nas coisas que menos entende, e que não acredita no que quer que lhe pareça fácil de assimilar

(...) Eu sei que não és apenas medíocre, Zé Ninguém. Sei que também tens as tuas grandes horas na vida, momentos de «júbilo» e «exaltação», de «voo». Mas falta-te a coragem para subir cada vez mais alto, para manter a tua própria exaltação. Tens medo de altos voos, medo da altura e da profundidade. Nietzsche já te disse isto muito melhor, há muitos anos já. Só que não te disse porque é que és assim. Tentou transformar-te num super-homem, um Übermensch que superasse o que tens de humano. O Übermensch tornou-se «Führer Hiltler». Tu permaneceste Übermensch. Eu gostaria apenas que fosses tu próprio ..."

[Wilhelm Reich, Escuta Zé Ninguém!, Dom Quixote, 1972]

Locais: Wilhelm Reich / Wilhelm Reich (1897-1957) / Wilhelm Reich / Quem é Wilhelm Reich? / Fundácion Wilhelm Reich [Espanha] / Escuta Zé Ninguém!

terça-feira, 1 de novembro de 2005


Alfred Jarry

"Alumiai, irmãos, o caminho de vosso senhor, grande peregrino. Seguimo-lo alegres sem dúvida: fechados em grandes caixas de lata durante toda a semana, só ao domingo podemos respirar o ar livre. Palafreneiros das Serpentes de Bronze, nós somos os Pa, nós somos os Pa, nós somos os Palotins.

Orelhas ao vento, em fileiras apressadas, marchamos num passo guerreiro, e as pessoas que nos vêem passar tomam-nos por militares.
Nós somos os Palotins! Vivemos dependentes de uma dobradiça, mijamos por uma torneira, e o ar chega-nos por um tubo em U! Nós somos os Palotins!" [A. Jarry, in &ETC, nº16, 31/10/1973]

"... Sim meus senhores, espevitem bem as orelhas e não façam muito chinfrim ... nós massacramos uma infinidade de gente ... o nosso sonho é fazer sangrar, esfolar, assassinar; arrancamos os miolos, publicamente, todos os domingos, algures nos arredores, em cima de um estrado com cavalinhos de madeira e vendedores de coco à volta ... peripécias antigas, que se aqui estão arquivadas é porque nós somos muito ordenados ... e por isso mesmo ordenamos agora aos senhores Juízes que nos condenem à maior pena que lhes passe pela cabeça, para que ela seja proporcional connosco; mas não à morte, isso não ... Estamos já a ver-nos como forçados, com um belo boné verde, todos repimpados à custa do Estado, e ocupando os nossos ócios com qualquer trabalhinhos leves" [A. Jarry, in Antologia do Humor Negro, Afrodite, 1973]

Alfred Jarry [1873 - m. 1 Novembro 1907]

"Como ele próprio disse: «Redon - o que misteria» ou «Lautrec ? o que cartaz», há que dizer: Jarry, o que pistola. «E - escreveu ele no ano em que morreu, a Mme Rachild ? é grande a felicidade de ... proprietário poder dar tiros de pistola no nosso quarto de dormir»" [pref. a Alfred Jarry, in Antologia do Humor Negro, Afrodite, 1973]

"Esse pão com fome de polacos e de bicicleta com a poesia com as tripas de fora atravessando incólume etra de Ubus, o amoroso voador de diamante em visita ao absoluto, Alfred Jarry de seu nome incandescente, que eu conheci estava no meu primeiro solo de ranger de dentes e ele atirava ao alvo - ó cabecinhas - , esse Pão que todos os dias nos rebenta na boca logo de manhã, e depois na mesa, e na cama à noite, e sempre, enquanto este tempo de Ubus não for empurarrado para o alçapão, Alfred Jarry de seu nome de letras crepitando no sonho e escrito no espelho de perigos de cada um.

Este poeta e a vida, paixão e morte da sua vida não devem sofrer homenagens para além do palito, que é, supõe-se, o que todos aqui vêm trazer, cada um à sua maneira, e visto que desviar as balas que continuam a passar alegremente em direcção ao inimigo ainda vivo seria o mesmo que desarmar o franco-atirador que foi Alfred Jarry - e ficarmos desarmados (...)

A vibrante canção de recusa e de degolação que é a vida e a obra de Alfred Jarry colocam a poesia, e ele, na primeira linha dos grandes atiradores da passagem do século. Cabe aos poetas não esquecê-lo e passar a palavra" [António José Forte, in &ETC, número especial dedicado a Alfred Jarry, nº16, 31/10/1973 ]

Locais: Alfred Jarry / Alfred Jarry (1873-1907) / Alfred Jarry / Alfred Jarry (Francia, 1873-1907) / Alfred Jarry 1873-1907 / Alfred Jarry et la littérature de son temps / Ubu Roi ou les Polonais / Alfred Jarry Corbeil, Paris / alfred jarry: absinthe, bicycles and merdre / 5 poemas / Un precursor desconocido de heidegger: Alfred Jarry (Gilles Deleuze) / Ubu vous salue bien

O Terramoto de Lisboa de 1755

"Perto das 8 horas, um leve tremor. Às 9 e 3 quartos, quando as ruas e as igrejas estavam cheias de gente, sentiu-se no ar um fragor como um desfilar de um carro, seguido levíssimo tremor de terra que a pouco e pouco foi aumentando durante seis a sete minutos com força horrível e agitação espantosa de todos os edifícios sagrados e profanos. A terra tremia debaixo dos pés, depois subia e descia, ondeava, oscilava e as casas bailavam como navios no meio das ondas, perdendo o centro da gravidade, enfraquecendo-se nos alicerces, desconjuntando-se, desarticulando-se e caindo fragorosamente. Depois outro som, à guisa de trovão, com outro tremor de terra mais violento que antes, agitando com mais ímpeto os edifícios que tinham ficado de pé, e pelo espaço de três minutos. Seguiu-se outros: a 8 e 11 de Novembro, na noite de Natal, Quinta-Feira Santa e 'Ordinariamente depois de cada quarto de Lua'

O terramoto chegou menino a Lisboa e ficou gigante em poucos momentos; sacudiu com tal força e duração que parece não ter havido outro igual depois da morte de Cristo. Abatidos estátuas e arcos, pórticos e baluartes, torres e igrejas, casas e palácios; e a terra abriu-se, rasgou-se em vários lugares. O cais da Rocha foi engolido, o mar ficou mais profundo. Os prédios, caindo sobre outros, derrubaram também estes. Era a derruba da floresta onde umas arvores arrastam na queda as outras arvores. E tudo de surpresa numa cidade de casas altas, de ruas estreitas, desprovidas de praças, numa hora tardia, num dia solene, com as igrejas repletas. O povo ficou gelado e estúpido de espanto. Julgaram uns que o castigo fosse particular da sua pessoa ou da sua família, e quedaram-se de joelhos, mãos cruzadas no peito, cabeça inclinada como réus no patíbulo. Onde o terramoto os apanhou, aí se mantiveram, ou no alto das paredes ou traves, que, agitadas espantosamente, estalavam, ou debaixo dos pavimentos, ou ao lado das paredes a inclinar-se violentamente, esperando da divina justiça o golpe final (...)

E o mar, o manso e lindo mar de Lisboa? Embraveceu, esbravejou e rugiu pela foz do Tejo. Roncava mais e mais à medida que subia; subia para lamber primeiro, abocanhar depois e arrebatar em seguida arvores, mesas, traves, dando em troca à terra apavorada as barcas que as ondas lá deitaram (?)

Primeiro a terra com os abalos, depois com o mar com a fúria das ondas e ainda depois o céu com o fogo, que não deu prejuízo inferior ao terramoto (...) Oito dias durou o grande incêndio e durante semanas e meses não deixou de arder e fumegar, calcinando, incinerando Lisboa ..." [in O Cardeal Nacional, pp.212-215 (aliás, in nota 4. no capitulo XXIV, de Portugal A Corte e o País nos anos de 1765 a 1767, de Giuseppe Gorani, trad. e notas de Castelo-Branco Chaves, 1989]

Locais: 1755 Terramoto no Algarve / A Gazeta de Lisboa e o terramoto de 1755: a margem do não escrito (André Belo) / Colóquio Internacional. O Terramoto de 1755 / Inquisition (Edward Peters) / Lisbon in the Renaissance: A New Translation of the Urbis Olisiponis Description (Damiao de Gois) / O sismo de 1755 / O Terramoto de Lisboa, os judeus e a Inquisição (Rua da Judiaria) / Pequeno Blogue do Grande Terramoto (Rui Tavares) / Poèm sur le désastre de Lisbonne (Voltaire) / Terramoto de Lisboa

segunda-feira, 31 de outubro de 2005


Arrumações - Vynil, CD's e Cassetes Piratas

"Desenvolvi um método segundo a qual não faço as pazes com as coisas que me perturbam, apenas vou-me embora" [David Berman, in O Morto está vivo, de João Bonifácio, Publico 21 /10/2005]

Exactamente. E, assim, David Berman rouba-nos o destino com este trabalho de erudição e purgação que é "Tanglewood Numbers". Respeitavelmente sem escrúpulos. A evocar desalentos. Decerto "não é uma obra de arte" mas é seguramente "o disco mais denso, orquestrado e acabado dos Silver Jews" [João Bonifácio, ibidem].

"You might as well say fuck me / cause I'll keep on loving you" [D. Berman]

Para ouvidores de linguagem murmurosa, para aqueles que se aposentam das fantasias e destes nefandos dias do pré-cavaquistão, a frescura de espírito & o meneio "belo e comovente" dos

Silver Jews - I'm Getting Back Into Getting Back Into You,

ali, do lado esquerdo da pedra. Boa semana. Ite missa est.

O Anibalismo

"Cavaco Silva não têm programa ou sequer discurso de ideias" [Proença de Carvalho, Rev. Expresso, 29/04/1989]


"... Nunca li uma biografia de Aníbal [lynk da gerência & fora do texto], pelo que tenho de me cingir ao acervo de intuições populares que definem o anibalismo como doença decorrente de um excessivo apego aos elefantes. Mas, segundo a tradição popular, o anibalismo gera, em doses preocupantes, uma conduta pesada e pouco grácil, mais orientada pelo sentido do vento do que pela vista, que é tosca; incapacidade para o subtil e terror das «nuances», o que costuma minar o sentido do humor; uma memória persistente mas grossista; e uma grande dificuldade em sociabilizar fora do ambiente restrito da manada [lynkagem pela gerência, fora do texto de NBS]..." [Nuno Brederode Santos, Anibalismo, in Revista Expresso, 14/10/1989]

"O Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (SINTAP) emitiu ontem uma nota de imprensa em que considera "impróprias e injuriosas" as afirmações de Cavaco Silva, ao abordar a necessidade de diminuição de funcionários públicos, numa conferência proferida na passada quarta-feira, na Faculdade de Economia do Porto. "Como nos vamos livrar deles? Reformá-los não resolve, porque deixam de descontar para a Caixa Geral de Aposentações e diminui as receitas de IRS. Só resta esperar que acabem por morrer", afirmou o antigo líder do PSD.
Tal declaração mereceu por parte do SINTAP "contestação e mesmo indignação". O sindicato considera que "este professor de Economia esquece-se das obrigações que tem como antigo primeiro-ministro deste país, esquece-se deliberadamente do que fez enquanto governante com a criação dos 'disponíveis' e esquece-se também da forma como 'resolveu' (?!) os problemas dos trabalhadores da administração pública no seu tempo de governo". Lembrando ainda que "o professor Cavaco Silva" é "ele próprio trabalhador da administração pública"", o sindicato pergunta: "Qual a sua moralidade para dizer hoje o que diz? ..."

[reflexão notável do prof. Cavaco, que em boa hora nos foi lembrado via mail por M. Pires, e publicada no Público, "Sindicato da Administração Pública Contesta Declarações de Cavaco" - no dia 2 de Março de 2002]

Curtas & grossas

Os deploráveis indigentes que assentam extraordinários rabos no cadeiral de S. Bento, animados pelos sublimes discursos da governação & folgados que estão dos trabalhos parlamentares, deliberaram adestrar uma "greve de zelo" e, assim, não despacharam em tempo útil a "nova lei do fim das regalias dos políticos" (curiosamente a lei, que foi aprovada na AR a 28 de Julho último, tem um "trânsito" sinuoso e fatigante, em comparação com a publicação célere de igual pronúncia face ao funcionalismo público). O privilégio que estas criaturas têm, o contentamento íntimo com que ludibriam os indígenas, é absolutamente notável. Quem nos salva desta corja é que ninguém sabe. Umas valentes bengaladas dadas, com infinita graça e furtivo amor pátrio, nos costados emproados dessa gentinha, eram sugestão recomendável. No mínimo exigia-se a requisição civil à moda do Sócrates.

Quando se assiste à corrida vigorosa dos autarcas às tomadas de posse, para usufruir dos infectos privilégios com que se brindam, compreende-se como a ignóbil classe política é tão lesta no reparo e achincalhamento dos funcionários públicos - a seus olhos, os únicos meliantes deste Portugal. Que do inenarrável Carmona de Lisboa ao não menos inefável Rui Rio (Cavaquista de primeira fila), passando pela rapaziada festivaleira da província (rosa, laranja ou vermelha), até arribar ao camarada e vate inspirado Carlos Marques (até tu ... Louçã!), e com esse artista Osvaldo Castro à batuta, o "consenso" seja generalizado não nos espanta. Estivéssemos nós em Espanha, fossemos nós por um dia cidadãos espanhóis, que a munição de manguitos & outros vigorosos "aplausos" seriam notáveis. Mas não estamos nem somos! Infelizmente!

sábado, 29 de outubro de 2005


Rua da Judiaria - II assombrosos anos

A memória encantatória trazida a todos nós pela Rua da Judiaria, o tempo lembrado, nunca descansado, ou a fraternidade, assim tão necessariamente luzente, são um amparo para todos nós. Os lugares, as vozes, os rostos & alma que se reconhecem no mais singular de todos os blogs em língua lusa, é um luxo que devoramos cada dia. Uma imensa soidade que faz parte da nossa portugalidade e desse mysterio de ser português. Um olhar de passos idos, uma viagem muy encoberta. Essa força espiritual é um fado em todos nós. Um chamamento velado. Um reencontro. Obrigado Nuno. Saúde e fraternidade.