quinta-feira, 21 de agosto de 2003

IRAQUE & OUTROS

A partir de um texto inicial - onde julgo, perdeu por completo a fina auto-disciplina intelectual que o caracteriza - perfeitamente "assassino" a propósito do acto vil, cobarde e hediondo lançado em Bagdad por terroristas, FJV lança palavras como metralha, para todo o lado, sem que se entenda o que quer dizer. Sabe-se o que lhe vai na alma, não fosse “o tempo um robusto deus castanho, taciturno, selvagem e intratável” (Eliot). E estes tempos assim são. Desconhece-se, porém, em que é que se baseia para indagar a outros a "verdade" das coisas, questionar o ensandecimento generalizado que a todos acomete, ou, mesmo, o que pretende afirmar quando se refere aos "idiotas úteis em todas as circunstâncias". De facto, a questão da cobarde invasão do Iraque, à revelia da condição humana e da sua inteligência, porque apregoada através de mentiras mil vezes repetidas, foi o golpe de misericórdia na luta legal e democrática contra o terrorismo, conduzindo a registos conflituosos. Aqui está um deles. Nunca tamanha e brutal submissão aos interesses de uma súcia de criminosos de um país com interesses geopolíticos e económicos evidentes, foi defendida em nome da santa liberdade. Alguns vêm nas críticas à "fascista" (Paul Auster) administração dos EUA, a nostalgia do vivido anti americano. O "bricoleur" (Lévi-Strauss) que tem essa estranha monomania é mais para a rapaziada liberal de extrema-direita, que para pessoas decentes, civilizadas e lúcidas. Quem se der ao trabalho de ler todas as argumentações a favor ou contra a invasão e colonização do Iraque, encontrará rapidamente respostas. Muitas e copiosas. Mas basta uma só, a saber: a ideia que a liberdade de um é a liberdade de todos. E não é isso que se trata no Iraque, perante a nossa vergonha.

Por outro lado, não está claro em que consiste essa "armadilha interpretativa" de que fala JPP. E, parece, que em questões de teor interpretativo, nomeadamente no que se refere à questão iraquiana, quem tem de explicar muita coisa (aos seus leitores, claramente) é o próprio JPP. Algumas nuances avançou no seu blog, mas foi curta a colheita para ser estimulante, face à trepidação dos factos recentes. Fica-se, assim, na espera da configuração dessas "qualidades" como a "firmeza" e a "persistência", chave que preconiza para "resistir" no Iraque. E já agora, é conveniente, à cause de ambiguidades possíveis, dar a interpretação do que entende por "resistir" a quê, a quem e como? Como diria EPC, de facto, "nenhuma leitura é inocente", e algumas, diremos nós, bem perigosas. Aguardemos.

POESIA EXPERIMENTAL - NOTA FINAL


"É preciso dizer rosa em vez de dizer ideia
é preciso dizer azul em vez de dizer pantera
é preciso dizer febre em vez de dizer inocência
é preciso dizer mundo em vez de dizer homem ..."

[Mário Cesariny]

"Toda a palavra começou por ser experimental. Toda a crítica começou por ser experimental. Toda a arte começou por ser experimental. Deveremos admirar-nos se agora nos vêm propor uma "poesia experimetal" - nós que, aliás, vivemos num tempo que se quer, como nenhum outro se quis, de purificações, de redescobertas, de restituições, de progresso, de aventura?" [Arnaldo Saraiva]

"Um poema concreto é para ver mais que para ler, no sentido convencional do verbo ler" [Melo e Castro]

" (...) vivemos numa época de investigação. E não é só isso: os resultados dessa investigação são objectivados pela experiência. É, pois, também uma época experimentalista. Ora a poesia tem de reflectir essa mentalidade, tem de ser experimental, entrar mais pelos sentidos que pelo sentimento. É precisamente esse o fim desta poesia. Preocupa-se do poema como objecto (...) Todo o processo poético tem de ser submetido a um despojamento de tudo o que é acessório. Assim a poesia experimental ergue-se contra a poesia convencional (...) O poeta convencional só se apercebe do espaço que o rodeia. O poeta experimental ocupa o espaço com a sua poesia, sendo muitas vezes o próprio poema quem faz a definição do próprio espaço que ocupa (...)" [Maria J. Mota Fonseca]

[Anotação] Cronologia pós período 1962/1969:

1973 - Antologia da Poesia Concreta em Portugal, Assírio & Alvim (14 autores + entrevista a Haroldo Campos, com prefácio de Melo e Castro e José Alberto Marques) // Exposição de Poesia Concreta Internacional, organizada pelo Goethe Institut, com uma secção portuguesa

1977 - Alternativa Zero (trabalhos de Ana Hatherly, Melo e Castro e Salette Tavares] // Anima – espectáculo-acção de textos visuais na SPA // Representação da Poesia Experimental (sob direcção de MC) na XIV Bienal de São Paulo

1978 - Ana Hatherly participa no 'Graz Meeting of Artists and Art Critics' // Série de programas sobre arte de vanguarda na RTP (19 programas) com realização de Ana Hatherly

1980 - Exposição Colectiva de Poesia Experimental na Galeria Nacional de Arte Moderna // Presença na Bienal de Veneza

"O meu trabalho começa com a escrita – sou um escritor que deriva para as artes visuais através da experimentação com a palavra. A Poesia Concreta foi um estádio necessário (...)" [Ana Hatherly]

"O utente do poema que se aperceba das informações de que for capaz. Por isso e para isso aqui se experimentam os objectos e as pessoas em actos vulgares muito simples deliberadamente fora do seu contexto organizado, quotidiano - redescobrindo o caos com as vossas mãos - experimentando" [Melo e Castro]

[in, PO-EX textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Ana Hatherly & E. M. de Melo e Castro, Moraes, 1981]

quarta-feira, 20 de agosto de 2003

SIGUR RÓS


SIGUR RÓS a banda Islandesa, que esteve já em Portugal, está de volta ... com novo album. Até lá, continuemos a ouvi-los.

AINDA ... SOBRE A POESIA EXPERIMENTAL

"Experimentais somos todos nós
ou ainda menos" [Mário Cesariny]

Alguma cronologia que marca a poesia experimental em Portugal : [in, PO-EX textos teóricos e documentais da poesia experimental portuguesa, Edições Moraes, 1981]

1962 – Ideogramas (E.M. de Melo e Castro - MC) // Objecto Poemático de Efeito Progressivo (idem)
1963 – Poema Primeiro (António Aragão) // Poligonia do Soneto (M.C.) // Plano de uma publicação de Poesia Experimental Colectiva, de Aragão e Herberto Helder
1964 – Electronicolírica (Herberto Helder) // Poesia Experimental 1 (colaboração de H.H., Aragão, António Ramos Rosa, MC, Salette Tavares, António Barahona da Fonseca)
1965 – Exposição VISOPOEMAS, em Lisboa (com Aragão, MC, ST, HH, ABF) e publicação das intervenções no Jornal do Fundão.
1966 – Exposição de Poemas Cinéticos (MC), na Galeria 111, Lisboa
1967 – Conferência Objecto (Galeria Quadrante, Lisboa), com a introdução de José Augusto França e participação de Ana Hatherly, MC, José Alberto Marques e Jorge Peixinho
1969 – Publicação de Hidra 2, na Galeria Quadrante

"(...) Em principio, não existe nenhum trabalho criativo que não seja experimental, nesse sentido de que ele supõe vigilância sobre o desgaste dos meios que utiliza e que procura constantemente recarregar de capacidade de exercício. A linguagem encontra-se sempre ameaçada pelos perigos de inadequação e invalidez. É algo que, no seu uso, se gasta e refaz, se perde e ajusta, se organiza, desorganiza e reorganiza – se experimenta. Como diria um poeta, essa é a própria lição das coisas (...)" [Herberto Helder]

" (...) Verlaine inventa novas ordenações em favor da musicalidade, ou seja,
destrói as ordenações existentes em proveito da música do poema.
Rimbaud modifica formas e sintaxes
Mallarmé, Paul Válery, Reverdy e muitos outros, estabelecendo novas
relações estruturais, intensificaram a palavra poética.
o surrealismo através da destruição e do automatismo desordenou
as palavras e o seu discurso (...) [António Aragão]

"a poesia começa onde o ar acaba. é qualquer coisa para depois da própria respiração. como o respirar é muito uma maneira nossa e (pre)vista da condição humana a que somos condenados, a poesia surge a partir desta condenação. mais justo ainda, a partir de toda a condenação. deste modo, só nos resta a queda no irremediável: a vertigem sem apelo, o jogo sem olhos, a ausência impecável de nós. (...) [António Aragão]

" (...) A mesa está pronta. Esta é a grande messe. Cada qual pode servir-se à vontade; intervir é possuir. As coisas que um faz pertencem a todos. Todos se comprometem nelas, usando-as e intervindo, tornando-as suas, indefinidamente (...) [António Aragão]

" (...) O poeta constrói os seus Poemas de materiais, tendo como fulcro as palavras. É pois necessário que sons e imagens (os materiais) se impliquem mutuamente, e se encontrem correlativamente nas palavras em que se articulam. Por seu turno as palavras surgem por imposição múltipla do jogo sonoro e rítmico e do fluxo imaginístico que o Poeta desperta e conduz dentro de si (...) [E. M. de Melo e Castro]

" O que pode ser mostrado não pode ser dito". [Wittgenstein]

[a continuar]

terça-feira, 19 de agosto de 2003

SÉRGIO VIEIRA DE MELLO



... um cidadão do mundo, que trabalhou e lutou em defesa dos refugiados, do cidadão sem terra e sem alma, na defesa dos Direitos Humanos, morreu hoje em Bagdade vítima de um cobarde e vil atentado terrorista. O seu exemplar e brilhante trabalho em defesa do processo democrático de Timor Leste foi a sua última batalha, ganha por todos os amantes da liberdade e do respeito pelos direitos do Homem. Doutorado em Filosofia e Ciências Sociais pela Sorbonne, SVM foi um exemplo de um trabalho que a ONU pode e deve fazer, sem vassalagens, nem tibiezas, com todo o espírito de tolerância. Que descanse em paz!

"Yo diría que el primero es hacer una agenda de derechos humanos que no divida los pueblos, los estados, sino una que los una. El tema de derechos humanos no puede generar separación entre pueblos y estados. Al contrario, los debe unir. Lo que conocemos como "Derechos Universales". No es materia fácil. Desafíos más específicos...hay muchos. El problema de los derechos económicos y sociales, en otras palabras el problema del desarrollo, de la pobreza, el fenómeno de las migraciones, que está causado por la pobreza, el problema de los derechos de la mujer...importantísimo y de la violencia contra la mujer; el problema de la discriminación racial; de las nuevas formas del antisemitismo que es un monstruo que siempre reaparece desgraciadamente y esta nueva tendencia a raíz de lo que pasó el año pasado, que yo llamaría de "Islamofobia," de generalizar y de acusar a priori grupos, sociedades, religiones, y muchos más. Lo que tendré que hacer es priorizar porque existe el peligro de diluir la atención y los pocos recursos de los que disponemos".

"Hay que recordar que lo que pasó el 11 de septiembre fue un acto abominable. Entonces la lucha contra el terrorismo es una necesidad y hay que respaldarla. Eso no debe llevar a ciertos excesos como por ejemplo el de definir cualquier forma de oposición, cualquier forma interna de distensión hasta de resistencia como terrorismo. En otras palabras, generalizar el concepto de terrorismo e incluir en él cualquier forma de divergencia de opinión política. Y en segundo lugar las medidas que se tomen para combatir el terrorismo, no deben nunca afectar lo que hemos alcanzado en estos últimos siglos en términos de democratización de nuestra sociedad porque es eso lo que los terroristas quieren: destruir las estructuras de los estados democráticos"

[Entevista da CNN a Sérgio Vieira de Mello, 20 de Agosto 2002]

"Até as guerras têm suas leis. Ninguém deve ser privado arbitrariamente da vida. Ninguém deve ser detido arbitrariamente e não se deve submeter ninguém à tortura. Todo indivíduo tem o direito à presunção de inocência" [Sérgio Vieira de Mello]

HORROR EM BAGDADE

O atentado terrorista que atingiu a sede das Nações Unidas no Iraque, é um acto bárbaro sem qualquer justificação e merece a mais viva repulsa. Sérgio Vieira de Mello e os seus companheiros têm toda a solidariedade de qualquer cidadão do mundo. O cobarde acto terrorista que atingiu a delegação das Nações Unidas, num país em perfeito desespero pela miopia política e a revanche criminosa da actual administração americana depois do 11 de Setembro, demonstra que o terrorismo não se combate meramente com estratégias militares e de ocupação, à revelia dos direitos humanos e da cidadania mundial. Ocupar um país nunca foi um política seria e honesta e só a estratégia belicista e imperial Bushiana não quer ver tal. Como bem disse Rohan Gunaratna ao Publico do dia 17 de Agosto último, "a luta contra o terrorismo tem de ser multidimensional, travada por múltiplas agencias e múltiplos países", sendo necessário "usar meios políticos, ideológicos, económicos, sociais e meios de informação" para esse combate. Dentro do respeito pelas diferenças de cultura, pela defesa da participação democrática e na mais estrita obediência aos princípios do humanismo e do direito internacional, afinal tudo aquilo que os EUA e a clique dos seus amigos não fazem nem pretendem seguir.

A POSSE



de repente
no país do
bacharel de cananéia
dos bacharéis de canudo e
anel no dedo e dos
doutores de borla e capelo
no país dos
coronéis
latifundiários de baraço
e cutelo (melhor
dizendo de serrote elétrico
corta-homens)
de nobres na curul e
pobres no curral
um
metalúrgico (sem
anel de grau sem
toga doutoral sem
sabença de papel passado) um
torneiro mecânico
formado na
universidade da vida
(severina) assoma
no altiplano de
brasília e toma
posse
da república numa
apoteose de povo
dando novo sentido à palavra
pátria

[Haroldo de Campos, A Posse, Folha de S. Paulo, 19/01/2003]

IN MEMORIAM HAROLDO DE CAMPOS [1929-2003]



No passado dia 16 de Agosto morreu o poeta, ensaísta, tradutor Haroldo de Campos. Funda (com Augusto de Campos e Décio Pignatari) em 1952 o Grupo Noigandres, de poesia concreta, que influencia a corrente concretista e experimental portuguesa, em especial E. M. de Melo e Castro [vidé PO-EX textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Ana Hatherly & E. M. de Melo e Castro, Moraes, 1981], e depois trabalha "como tradutor, crítico e teórico literário, além de Professor Titular do curso de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Literatura na PUC/SP" [Ver]. "O grupo formado por Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari usou pela primeira vez a expressão «poesia concreta» no Festival de Música de Vanguarda do Teatro Arena em 1955. No ano seguinte, o movimento Concretista seria definido com uma exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo." [idem]. Traduz Joyce, Dante, Mallarmé, Ezra Pound, Maiavóski ...

Morre aos 73 em São Paulo. Uma vida intensa de crítica ás ditaduras, uma resistência estética e literária exemplar. "Extemporâneo, nunca cedeu. Perspassou a média e a mediocridade dominante. Internacionalizou a literatura brasileira, ao tomar para sí, e reativar os valores da antropofagia rebelde de Oswald de Andrade, posta à margem, pelos mesmos epígonos sectários de sempre. Sem vacilos ou recuos, arriscou-se na continuidade, consciente, seguindo nas experiências e experimentações, do percurso desbravado antes pelo 'patriarca' de nossa modernidade literária. Comprou briga com tudo que era passado de todas as épocas e na rasteira deste combate, foram 'redescobertos' Sousândrade, Pedro Kilkery ,Gregório de Mattos,Mallarmé, Joyce , Maiackóviski, com Décio Pignatari e o irmão Augusto e Velimir Klebinikóv em parceria com Aurora Fornomi Bernadini. (...) Instigante, revolucionário, vigoroso na demolição de ranços e rancores incrustados em nossa literatura." (Thaelman Carlos 16/08/2003, CMI Brasil).

sábado, 16 de agosto de 2003

EPICUR Nº35


Acaba de sair a revista dirigida por Alfredo Saramago. Algumas dicas: entrevista com o enólogo Virgílio Loureiro (capa), onde nos fala do branco Quinta de Cabriz 99 e dos vinho em geral; a Garrafeira Soares - Albufeira oblige; um curioso texto de Saramago sobre Acúcares; um teste ao Upmann, Magnum 46, cubano claro!; uma bolsa dos puros; texto sobre cachimbos, por Carvalho Fernandes; a ganadaria de Francisco Romão; carros e relógios; um belo texto de Jorge Silva Melo, com excelentes fotos de Fernado Lemos; e um texto de Fernando António Almeida sobre a Citânia de Sanfins e Santa Luzia. A não perder.

PARA O S*


Saiu-me em oferta generosa alguns livros. Um de João Paulo Freire (Mário) intitula-se, "8 Dias de Liberdade ... Condicionada. Estarreja-Porto-Viana do Castelo de Relance". Edição da Sociedade Cooperativa "O Lar Familiar", Porto, 1945. Ora, é conhecido o autor pela obra vasta, camiliana até, que apesar de qualidade mediana é uma fonte excelente de pistas para trabalhos futuros. Neste seu livro há algumas notas sobre Estarreja, Avanca, Salreu, Murtosa, e arredores, que foram objecto de visitação na época, dando-nos um quadro curioso de impressões dessas terras e dos seus habitantes.

Assim há algumas notas a reter: a fábrica em Avanca, de Avelino Dias da Costa; a amizade com o Dr. Manuel Figueiredo, dr. António Pires Machado, dr. António Tavares Afonso e Cunha, dr. Alberto Vidal, o dr. António Madureira, dr. Francisco Moura; o cicerone ao Hospital Visconde Salreu, de nome Joaquim Marques Freire, que segundo JPF foi um dos sobreviventes da "Revolução de Setembro", era tipográfo e gráfico distinto (p. 56).

Surge referência a alguns topónimos, e para o seu esclarecimento cita o autor, além de A. Tavares Afonso e Cunha (familiar de José Tavares, que falamos em post anterior), o padre João Domingos Arêde, abade de Couto Cucujães, o padre Miguel de Oliveira (natural de Valega) - ver De Talóbriga a Laucóbriga pela via militar romana, Coimbra Editora, 1943.

LOJA DAS COLECÇÕES - MUDANÇAS D'AGOSTO


A Loja das Colecções, à rua da Misericórdia, desceu alguns prédios e refastelou-se em excelentes instalações no nº 115. O seu lugar primitivo (nº 147) foi ocupado pela Livraria Bizantina, do amigo Bobone, que aliás lançou o seu catálogo nº 61, com preços assombrosos.

Assim, cada vez mais, fica aquela zona bem fornecida de antiquários-alfarrabistas (Barateira, Camões, Mundo do Livro, Américo Marques, Antiga do Carmo, Santiago, Arquimedes, Artes e Letras, Histórica Ultramarina, Trindade), o que juntando os conhecidos restaurantes da zona, permite um dia feliz.

NÃO SEI QUE MUNDO É O VOSSO


... meus caros bloguistas! Nesta hora insana onde o fogo tudo consome, com os "lucros e perdas" do exercício de reflexão a ficar para as Calendas, por motivos, aparentemente, estético-políticos, a blogosfera portuguesa roça a insensibilidade pueril.

Quando não se exige explicações e responsabilidades sobre a miséria que se abateu em tantas famílias, que o fogo e o desleixo do Homem originaram, é porque não a reconhecemos como tal. A inteligência politica nunca foi o nosso forte, quando se trata de coisas simples e reais. E, por isso, nunca tantos se engolfaram em pego que não saberiam voltarem. Fazemos incontáveis posts sobre arte, literatura, cinema, amores e desamores, paixões e afectos, guerra e paz, registos em espírito varonil com demandas e vigílias aos profanos, ou grandes canseiras poéticas que o coração permite. Temos facilidade em escrever, com paixão, sobre a "textura de um lábio", o sorriso da miúda do lado, a quietude de um lugar. Mas somos incapazes de comentar o horror que nos invade a alma, a incomodidade do tédio dos discursos oficiais, a vertigem da sociedade de espectáculo, a incapacidade de quem organiza e decide; somos todos cúmplices nesta enorme amnésia social de não haver culpados de coisa nenhuma; em nome da sedução intelectual, anulamos o pensamento da revolta face as assombrosas afirmações proferidas por governantes castrados, que nestas ocasiões aparecem, de todos os lados.

Esquecemos que "há mundo para além do círculo que se vê com os vossos óculos de teatro; há mundo maior do que os vossos sistemas, mais profundo do que os vossos folhetins; há universo um pouco mais extenso e mais agradável sobre tudo do que os vossos livros e os vossos discursos" (Antero de Quental). Por isso continuamos como se nada houvesse existido. E quando o espanto nos atraiçoa a crueldade dos tempos, refugiamo-nos numa melancolia do politicamente correcto, numa pretensa revolta encurralada - concha dos céus. Quando nos dizem que "os bons annos nam os dá quem os deseja, senão que os assegura", debatemos num charivari medonho, e as causas morrem sempre solteiras. Não temos emenda. Nunca!

«O MAIS BELO ESPECTÁCULO DE HORROR SOMOS NÓS.
Este rosto com que amamos, com que morremos, não é nosso; nem estas cicatrizes
frescas todas as manhãs, nem estas palavras que envelhecem no curto espaço
de um dia. A noite recebe as nossas mãos como se fossem intrusas, como se o
reino não fosse pertença delas, invenção delas. . Só a custo, perigosamente, os
nossos sonhos largam a pele e aparecem à luz diurna e implacável. A nossa miséria
vive entre as quatro paredes, cada vez mais apertadas, do nosso desespero. E essa
miséria, ela sim verdadeiramente nossa, não encontra maneira de estoirar as paredes.
Emparedados, sem possibilidade de comunicação, limitados no nosso ódio e no nosso
amor, assim vivemos. Procuramos a saída - a real, a única - e damos com a cabeça
nas paredes. Há os que ganham a ira, os que perdem o amor
».

[António José Forte, Antologia Surrealismo/ Abjeccionismo]

«Alma! Eis o que nos falta. Porque uma nação não é uma tenda, nem um orçamento um bíblia. Ninguém diz: a pátria do comerciante Araújo, do capitalista Seixas, do banqueiro Burnay. Diz-se a pátria de Herculano, de Camilo, de Antero, de João de Deus. Da mera comunhão de estômagos não resulta uma pátria, resulta uma pia. Sócios não significa cidadãos». [Guerra Junqueiro, Pátria]

domingo, 10 de agosto de 2003

QUE FAZER?


[Algures perto de Almodovar] A serra é de uma visibilidade estranha, fantasmagórica, mágica. "Aquilo que se vê não se aloja nunca naquilo que se diz" (Deleuze). Há decerto uma "disjunção" entre o que se vê atrás da serra e o que para além dela se diz. O Algarve nunca é mostrado, mas sabe-se que a sua luminosidade está por detrás daquele monte, que ao longe se vê. Muitos o dizem, velhos e novos, homens e mulheres, que partiram há muito pela estrada fora. Nada os retém no tempo que lhes resta. Eu tenho dúvidas, mas compreendo essa felicidade que lhes foi negada. Lembro-me como as noites serranas eram de uma acalmia arrebatadora, de um silêncio comprometido. Lembro-me ... Mas que valeu isso, se hoje tudo é memórias. Tal como uma personagem de Antonioni, que dizia que "não temos ideias, apenas memórias", também estes homens e mulheres gastaram há muito projectos, esperanças, cuidados. Debandaram todos.

[Portimão] Não fora convite estimável e irrecusável, não iria para estes lados. Não que fosse diferente de outro Algarve qualquer, mas apenas porque seria dolorosa a lembrança de antanho. Lamentavelmente, as coisas estavam, ainda, pior que supunha. A Praia da Rocha não existe, há muito que lhe limparam o corpo e o espirito. Fiquei lá em baixo, na Marina, longe da civilização e da alegria do veraneio. Ao barcos não se abatem, pensei eu. Seria "uma gaiola à procura de um pássaro". É certo que, por uma vez, não fui razoavelmente prudente. Quando dei por mim na piscina do Marina-Hotel, no meio das "tias", acabadas de chegar da festa da Kadoc, já era tarde. Bem sabia eu, que o mar seria de tormenta. Não tive coragem de lhes dizer que a tarde não se previa "estupenda". Acobardei-me. Zarpei imediatamente, com mil e uma desculpas, para o barco, pois sabia que é "no mar que a dor acalma e os alicerces da alma esquecem". Fui sensato.

quarta-feira, 6 de agosto de 2003

ALMOCREVE A CAMINHO

Mais para sul. Beja aqui tão perto. A estrada é de tormenta, mas Beja será retemperadora. Almodovar ali ... mesmo. Fim de tarde a lembrar as muitas da infância. Que será feito de ... ??!

"Por entre casas brancas
Sol e distância
Por entre oliveiras e vinhedos
Ânsias e medos
Por entre espigas e bolotas
A espuma dos olhos
Na terra seca e no calor
O sabor a suor
Nas almas sem mistério
A luz apenas como refrigério
E na dor das horas imoladas
Silêncio e nada."

José A. Palma Caetano

JOÃO PULIDO VALENTE [4 DE AGOSTO DE 2003]

Em Abril de 1964, surge a CMLP, fundada por João Pulido Valente, Francisco Martins Rodrigues e Rui d'Espinay, principalmente. Três meses antes tinha aparecido a FAP, resultante de uma cisão no PCP. Questão complicada, na doxa marxista-leninista, o existir a Frente sem o partido que a dirija. Foi sempre esse o ponto nodal de todo o movimento m-l, antes do 25 de Abril, no combate à ditadura.

Foi a partir desse debate que mil e umas organizações foram aparecendo e desaparecendo na textura politica de então. De entre as figuras marcantes, figura João Pulido Valente. O mito quase perfeito do verdadeiro combatente, que não se vergava à polícia politica, não era de trair os companheiros, mantendo-se, como então era dito, como "um revolucionário". Alguma juventude de então, sabia-o bem. E teve, sempre, enorme ternura e respeito por ele.

João Pulido Valente, poderia ter sido isso tudo, mas era tão só um homem singular, pela sua irrequietude, seu voluntarismo quasi anarquista, sua extrema ironia, e, principalmente, com um grande desejo de viver.

Até sempre João!.

terça-feira, 5 de agosto de 2003

CONTEMPLANDO NAS COUSAS DO MUNDO ...

Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa.
O velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa,
E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.
[Gregório de Mattos e Guerra]

MACGUFFIN - O PROF.


No dia 4 deste mês, o putativo MacBloguerGuffin pensou durante um jantar, esta extraordinária, mas acertada pérola de Nelson Rodrigues, o guru:"Há sujeitos que nascem, envelhecem e morrem sem ter jamais ousado um raciocínio próprio. Há toda uma massa de frases feitas, de sentimentos feitos, de ódios feitos". É bom durante repastos assim, tão confabulativos, pensar (suspirar) em Nelson Rodrigues.

MacGuffin o bloguista não é desses que fala Nelson. Nada disso. MacGuffin tem sempre opiniões sólidas, apessoadas, não assistenciais. Por vezes foge-lhe a chinela intelectual para esses pequenos ódios de estimação que existem dentro de cada um de nós. Mário Soares é um deles, como podia ser a viúva-alegre ou o Antunes da mercearia, é bom de ver. Nada de extraordinário. O que é espantoso são as tiradas a favor da corrente do liberal MacGuffin. Tomemos nota.

- "(...) tenho sérias dúvidas que em Portugal, um país que viveu durante 34 anos sob a doutrina castradora, proto-socialista e paternal de um homem de Santa Comba Dão (...)" [um verdadeiro incêndio literário, é bom de ver]

- "O que será, então, o Dr. Mário Soares? Depois de consultar vários compêndios, achei: o Dr. Mário Soares é um "quisto sebáceo". [uma reprimenda anatómica verdadeiramente liberal, claro]

- "Cara Maria Manuela: foi um prazer ler a sua carta e perceber que existe gente com espírito conservador, tal como eu o imagino. (...) O dogmatismo e a presunção de uma certa esquerda - sempre pronta a catalogar e fazer uso dos 'slogans' - não escolhe idades." [a arqueologia do tédio no pensamento MacGuffiniano]

- "Este ano já arderam 80.000 ha, dos quais 54.000 «apenas» na última semana. Leram bem: oitenta mil hectares. Ontem, combatiam-se 522 incêndios, espalhados um pouco por todo o país. Leram bem: quinhentos e vinte e dois." [a elegante matematização no seu esplendor filosófico]

PÃO & LIVROS

Agradeço a matinal sugestão de JPP. Pão & livros in matinas é sempre boa escolha. Não conhecia o livro [Among the Gently Mad Perspectives and Strategies for the Book-Hunter in the Twenty-First Century], nem o autor [Nicholas A. Basbanes].

Fiz a devida pesquisa no google, e, helás, lá encontrei uma referência que em tempos tinha lido num newsgroups da livraria Kosmos, mas que não dei qualquer relevância. Tratava-se (como agora posso dizer pela consulta) de "Patience & Fortitude"".. E é bem curiosa a biobibliografia do autor, e quem sabe se o seu último volume sairá em português, mesmo que no Brasil. Seja como for, já tomei nota.

Eis para que serve, também, um blog. Thks!

FOGO NA NOITE ESCURA

Não é o livro de Fernando Namora. É a situação indescritível do país, varrido pelo fogo. É a noite escura do nosso desassossego perante o que nos é dado ver e ouvir. É a população mais pobre, mais uma vez, a ser atirada para o guetto, de onde nunca saiu. É o politicamente correcto de alguns políticos, que não assumem responsabilidades. Que aparecem em discursos déjà vue, manhosos, quase todos por encomenda, sem pudor. Quem ouviu hoje, debate da RTP1 entende. Porque não podem ser ouvidos, com atenção, homens como o (salvo erro) Galacha. Acaso a etiologia desta doença dos fogos é irreal? É falso o que ele disse? Tenham vergonha. E sejamos solidários com as vitimas deste terror.

domingo, 3 de agosto de 2003

FOGOS & NOTAS VÁRIAS

- É sempre a mesma coisa todos os anos. Chega-se a Julho e Agosto, e de repente parece que fomos atirados para um outro país. Quem ouve o inefável ministro Figueiredo Lopes a dar ordens ao abrigo de um plano inexistente (ou que só na sua cabeça existia) fica na dúvida em que raio de país estamos. É que, afinal, fazem mil e umas leis, normas e planos que invariavelmente nunca são aplicados, ou quando o são imediatamente são colocados de lado para uma nova reformulação. Este ministro diz a mesma coisa que os seus anteriores diziam. E seguramente que os vindouros dirão a mesmíssima coisa. Triste país este, que é governado por tamanha gente.

- O Ministro da Defesaestá atirado para lume brando. E, de facto, merece-o. Nem se compreende como alguém com o perfil ético e político de Portas, conseguiu, um dia, ser ministro de alguma coisa. Não tem idade mental, estirpe democrática e humanidade para o desempenho do cargo. Quanto muito no Independente poderia mandar em alguma coisa, porque são todos bons rapazes. Mas no governo de um país, valha-nos Deus. Enfim, como diria Joyce"como não podemos mudar de país, mudemos de assunto".

- Estes dias em férias são óptimas para compras de livros, há muito esgotados ou desaparecidos. Não há concorrência nesta época do ano. A praia é um trabalho infinito e que requer tempo, mesmo para os mais audases. Ainda bem, para nós, que também somos praiantes de barriga ao sol, mas estamos atentos e cuidadosos sobre as insolações estivais. Et pour cause ...

Algumas das aquisições nestes dias de Agosto. [brevissima anotação]

* Catalogo da Valiosa e Interessante Livraria que pertenceu ao Ex.mo Snr. Dr. Pedro Augusto Ferreira (Continuador do Portugal Antigo e Moderno) por elle dispendiosa e pacientemente adquirida em leilões e vendas particulares, desde 1864 e que será vendida em Leilão, pelas 6 horas da tarde do dia 7 e seguintes no proximo mez d'Abril no Bazar de António Freitas, Rua de Passos Manoel, 199 - Porto s/d [Nota: contem todos os preços da arrematação, enc.]

* Catalogo // das // Obras mais raras, valiosas e estimadas // da // Livraria // do bem conhecido e afamado bibliophilo // Agostinho Vito Pereira Merello // ex-corretor do Numero da Bolsa. // Bibliotheca Particular a mais importante do paiz, constando 12:358 lotes // Catalogada por seu filho // Julio Roque Pereira Merello // Agente de leilões da Praça de Lisboa // Seguido de um catalogo dos valiosos quadros, estampas e jornaes // Precedido de um breve prefacio por // Theophilo Braga // Lisboa // Typographia da Companhia Nacional Editora // ... // 1898, VII-337 pgs

"Habent sua fata libelli. É este um antigo aphorismo em que está implicita toda a historia litteraria; os livros têm a sua sorte, e não é menos dramatica a série de peripecias que constituem a sua historia externa, como a dos conflictos theoricos ou doutrinarios que levantaram, actuando na corrente da civilização. O livro é um prestigio (...) Quem ousará condemmar a bibliomania, se é ella um meio indirecto de conservar muitas riquezas do passado que fatalmente se perderiam na voragem do tempo! Sem essa preoccupação de enthezourar todas as raridades e especialidades bibliographicas, seria impossivel construir a Historia litteraria, a grande creação entrevista no seculo XVII por Bacon (...)

A livraria, que esteve sempre occulta como um thezouro cubiçado, é conhecida emquanto á sua importancia pelo fervor, sacrificios e constancia com que o proprietario se batia em todos os leiloes e pesquizas para alcançar as mais invejaveis preciosidades litterarias e artisticas. Desde 1844 a 1895 gastou Pereira Merello a ajuntar livros, capitalisando na sua Bibliotheca a melhor parte dos seus rendimentos provenientes das sua funções de Corrector do Numero da Praça de Lisboa. (...) Pereira Merello, de origem italiana, cultivou as letras na sua mocidade; escreveu artigos sobre economia e commercio em alguns dos mais importantes jornaes de Lisboa (...) Começou a a collecionar livros, quando ainda andavam em dispersão as bibliothecas dos conventos, e prosseguiu, quando ao correr do martello do leiloeiro se espatifavam as livrarias pacientemente formadas como a de Pereira da Costa. Foi n'este campo de combate que Pereira Merello se encontrou com Innocencio Francisco da Silva (...) É certo que tornaram-se inimigos inconciliaveis; Merello fechou a sua livraria com os setes sellos do Apocalypse, e elle mesmo levado pela preoccupação do livro chegou ao ponto em que já se não dominava, tornando-se elle proprio victima de uma como vesania. Para adquirir as obras mais raras já não olhava a dinheiro (...) todo o seu capital adquirido foi gasto com enthusiasmo em livros, quadros e em curiosidades de bric-à-brac. Faz lembrar por vezes essa figura mysteriosa e sympathica do Cousin Pons do romance de Balzac. Os livros custavam-lhe o melhor do seu sangue, o dinheiro e odios profundos com os outros bibliomanos; guardava-os com as mesmas etiquetas dos leilões, em sacos e em caixas, de forma que perdia o conhecimento d'elles. Daqui resultava o tornar a comprar muitos exemplares do mesmo livro, tal como aconteceu com outro acerrimo bibliophilo do Porto o Dr. João Vieira Pinto (...) Ao fim de quarenta annos de trabalho estava formada esta grandiosa Bibliotheca particular (...)"

[Theophilo Braga, A Livaria de Pereira Merello, pag. V/VI]

* Catálogo de Quatro Importantes Livrarias que serão vendidas em Leilão sob a direcção de João Vicente da Silva Coelho organizado por José dos Santos e com um prefácio de Gustavo de Matos Sequeira. ... constituindo o fundo das livrarias que formam do Conselheiro Anselmo José Braamcamp, do dr. JoãoForjaz, do dr. José Pereira de Paiva Pita e da família Cunha Sotomayor. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1925, 354 pag. [Trata-se de catálogo onde participam o dono da Livraria Coelho de Lisboa, José dos Santos da Livraria Lusitana (Lisboa) e com prefácio do bibliófilo Gustavo de Matos Sequeira.]

"Nenhuma terra de Portugal possue como Coimbra a característica inconfundível da sua tradicional cultura erudita, artística e literária. (...) Abastada de livrarias, a cidade do Mondego marca assim esse logar e a cada uma que se dispersa outra se forma. Estas que agora se vão vender em almoeda reflectem bem nitidamente a feição originária, o ar erudito, na abundância de clássicos, na escolha castigada dos melhores autores e na variedade dos assuntos.
A primeira, que pertenceu ao estadista Anselmo José Braamcamp, recheada de curiosidades clássicas e de bons livros de sciência política, (...) Segue-se a livraria do dr. João Forjaz, de Bemcanta (...) Mais copiosa e mais variada do que as anteriores è a biblioteca que foi do lente dr. Paiva Pita abundantíssima de obras jurídica de mérito e de clássicos dos melhores como (...) Áparte estes excelentes livros mencionados, enriquecem a livraria uma porção considerável de manuscritos que forma pertença do bispo Azeredo Coutinho, que foi de Elvas e Pernambuco, manuscritos entre os quais se destacam alguns de interesse capital para a história eclesiástica e geral destas duas cidades, mormente de Elvas. (...) A última biblioteca que foi da família Cunha Sotomayor, de Coimbra, (...)"
[Gustavo de Matos Sequeira]

sexta-feira, 1 de agosto de 2003

O ALMOCREVE VAI DE PASSEIO



Para escusar a fadiga, vamos de passeio, rumando para o Sul.
É bom de ver que só retomaremos a nossa ventura quando tivermos vento de (a)feição. Porque "o lugar que ocupamos é o único temível, porque nos prende".

Dos frescos e saudosos campos do Mondego

Vale!

ANOTAÇÕES

- FJV pergunta “o que fazem as Câmaras com os livros?”. Decerto, depois da devida catalogação, os põem à disposição dos leitores. É isso que se espera. Compreende-se que algumas não têm apetência para tal. Mas, é sabido que nalgumas bibliotecas da província o cuidado e o conhecimento (andam sempre juntos) são excelentes. Caso de Cantanhede, Figueira da Foz. O que é revelador que alguma coisa mudou, e para melhor.
Uma outra questão, bem curiosa, era seguir a trajectória de doações de bibliotecas particulares, algumas com espólios interessantes ou mesmo de alguma raridade, a diversas instituições de utilidade pública, bibliotecas, etc. Pelo que sei, além de desaparecimentos suspeitosos, os felizes possuidores da doação, depositam os livros, quadros, fotografias, numa qualquer cave ou sótão, ficando por lá anos a fio, e quando por acaso alguém vai ver o seu estado, deparasse-lhe com o espolio doado completamente estragado. Como não podem vender, resta-lhes atirar para o caixote do lixo os livros e documentos. Afinal, quantos espólios se perderam dessa maneira?

- MacGuffin regressou esplendoroso. O seu WITTGENSTEIN VS. POPPER estava uma delícia

- Um texto estimulante de Alexandre Franco de Sá sobre o conservadorismo. ("Porque, no conservadorismo, não há propriamente uma posição. Para a ter, ser-lhe-ia necessário ter um topos, um sítio, uma radicação num lugar, o que é justamente aquilo que lhe falta" ). Ficamos à espera da replica dos neocons. Talvez depois se possa, de uma vez por todas, estabelecer as destrinças entre o conservador e os seus neo. Espero é que não se esgrima a ideia, como hoje teve um conhecido analista da nossa praça (na Sic Notícias), de tentar definir o neoconservadorismo americano como um lugar de um "não-lugar", sabido que os seus profetas vieram da extrema-esquerda americana. Vamos esperar.

- Dois belíssimos textos no Reflexos: Indícios e Adulto. Copy-paste obrigatório.

quinta-feira, 31 de julho de 2003

BREVES


* Há coisas que não mudam - "Paulo Portas é hoje ministro. De Estado e da Defesa, condição dificilmente imaginável para quem o conhece. (...)
Acontece que Paulo Portas não é um ministro igual a outros. O próprio não aceitaria a paridade. É líder de um partido que usou em função de um interesse intransmissível, gosta de se sentar à direita, ou imediatamente à esquerda, do chefe. Por enquanto.
Sobra a ironia da peça escrita por Diogo Freitas do Amaral – que conhece o adolescente –, ainda por subir à cena. O enredo é simples e potencialmente verdadeiro: um ministro da Defesa trai o primeiro-ministro. Há, na vida, o subliminar que distingue comportamentos e determina pormenores de uma qualquer história.
Não é próprio de um ministro da Defesa as jogadas de bastidores que caracterizam a acção governativa do escorregadio Paulo Portas. Nessa azáfama com o acessório, Portas vai descurando o essencial e perdendo o respeito e a credibilidade junto das instituições, militares e civis.
Resta-lhe a inconsequência, em que muitos vêem sinais inequívocos de cobardia, com que evita a ida ao Parlamento.
Exactamente a mesma síndrome adolescente que o fazia dormir fora de casa para não ser citado nos processos contra O Independente.
Há coisas que não mudam.
" [Raul Vaz, Diário Económico, 30/07/03]

* Paulo Mendo no PJ, foi prudente e sensato ao falar de blogs. Diz-nos, tout court, que não se sabe se serão blogs ou blogues (aqui, é bom de ver que não frequenta o sacerdote Mexia), considerando que é supinamente mais benéfico para a saúde dos "mais velhos" essa modernista prática, que andar a subir e descer os escadotes equilibrando livros e revistas. Fica, assim, de parte o dizer de João Miguel Fernandes Jorge: «Importa que não haja ilusões sobre este ponto: é que podemos morrer de sede em pleno mar». Absolutamente de acordo.

* Pedro Mexia, depois de reiterados problemas informáticos regressou com rasgados elogios à sua pessoa, esperando-se um visual poetry em breve, com recurso a projectos multimédia. Eis um pequeno extracto da sua novíssima grande obra: «A técnica é a ética-ateórica. Tanto a técnica como a estética nos distraem do mundo do logos, do mundo da razão. A técnica do blog é uma arte onde a trajectória do corpo (despótico?) se impõe à enunciação. O mexianismo é a nova discursividade dissidente, que dedicamos a uma qualquer lumine nympha, sem empacho». O Professor Deleuze que se cuide, pois! Nós, continuamos a afiar a esferográfica.

* Eis a nossa modesta contribuição para o dito "meta-debate sobre se existe, ou não, amor na blogosfera":

- "Do amor não se pode dizer tudo, e se se tenta isso pela polivalência da glote, sai fracativo" (Maria V. da Costa ?) [será da MVC, não temos a certeza]

mas é sempre de notar, principalmente, que: "Toda a vulva é fechada como a expansão da noite" (Maria V. da Costa, Da Rosa Fixa)

CATÁLOGO DE LIVROS DE CARLOS DA SILVA CAMPOS - 1877

Catalogo // dos // Principaes Livros, Alguns Raros e Estimados // que se encontram à venda // Na Agencia Universal // de // Carlos da Silva Campos // Rua do Arco de Bandeira, 6, 2º // Lisboa // Imprensa de J.G.de Sousa Neves //65, Rua da Atalaya, 67 // 1877

Algumas notas do catálogo:

- Agostinheida, poema herói-comico em nove cantos. Londres, 1817, in-8.º - 700 réis
- Alcobaça illustrada, por Fr. Manuel dos Santos. Coimbra, 1710, in-fol.- 2$000 réis
- Arco (O) de Sant'Anna, chronica portuense, pelo visconde de Almeida Garrett. Lisboa, 1850, 2 vol. In-8.º, Encad.- 1$000 réis
- Asia portugueza de Manuel de Faria y Sousa. Lisboa, 1703, 3 vol. In-fol. – 8$000 réis
- Chronica de Cister, por fr. Bernardo de Brito. Lisboa, 1602, in-fol.- 5$000 réis
- Chronica d'el rei D. João I de boa memoria e dos réis de Portugal o 10.º Parte 1.ª e 2.ª por Fernam Lopes. Parte 3.ª, por Gomes Eannes de Azurara. Lisboa, 1644, in fol. Rara. – 18$000 réis
- Decadas da Asia, por João de Barros. Décadas I, II, III. Lisboa, 1628; década IV, reformada, etc. por João Baptista Lavanha. Madrid, 1645, 4 vol. In-fol.- 14$000 réis
- Historia geneologica da casa real portugueza, desde a sua origem até ao presente, por António Caetano de Sousa, etc. Lisboa, 1735-48, 14 vol. In-fol. Provas da Historia geneologica da casa real portugueza, etc. Lisboa, 1739-48, 7 vol.in-fol. O todo 21 vol.- 31$500 réis

BIBLIOFILIA - AQUILINO RIBEIRO


"Para Anatole France não havia leitura mais amena e sedativa que um Catálogo de livros. De facto, depois de ouvir um discurso nas Câmaras, dar-se o parecer sobre um relatório, sustentar uma polémica sobre existencialismo, não se pode encontrar entretimento mais repousador e edificante. É como estar debruçado à janela a ver passar, sem nos coagir a nenhuma forma de zumbaia, uma vistosa procissão à antiga."

[Aquilino Ribeiro, Ao Amador do Livro, Catálogo de Livros Seleccionados do Mundo do Livro, nº 3, Lisboa, 1955]

Pois, foi isso o que fizemos, Mestre. Depois de sermos esmagados por duas vezes no xadrez (a mania de ressuscitar a Portuguesa do António Ferreira foi fatal), ignobilmente esmifrados por uma irreverente jogadora, ainda para mais leitora de Augustina, deixou-nos à beira de um ataque de nervos. E ainda se diz que a mulher é "esse continente negro" ...

"Há ainda os lordes Byron da bibliofilia que apreciam um livro como apreciam uma mulher, primeiro pelo aspecto, beleza da mancha, tintagem, cores de título, boa ordenança do frontispício, depois pelo que encerra de recatado e supremo: o espírito. De facto há, não podia deixar de haver, uma certa voluptuosidade em roçar, cerebralmente, esses corpos sensuais, que são os livros bonitos, (...)"

[idem, ibidem]

quarta-feira, 30 de julho de 2003

SAUDADE


Saudade do fim das tardes de Verão, Torreira para trás que o corpo também cansa, e da obrigatória paragem na Murtosa para castigar umas enguias ou uma lampreiada. Murtosa sempre foi uma paisagem de paixão. Como Ovar e o Furadouro. Tempos outros em que reinventávamos caminhos, rostos, paixões. Doçura das coisas perenes.

"Como é vil o coração que, incapaz de amar, não pode conhecer o delírio da paixão! Se não amas, és indigno do sol que te ilumina, da lua que te consola"
(Omar Khayyam)

Nota: reler as Notas Marinhoas do Dr. José Tavares Afonso e Cunha. Julgo que são 5 volumes, mais um fascículo, que nos dá as noticias históricas do concelho da Murtosa e das duas freguesias marinhoas do concelho de Estarreja.

MURTOSA


"Os campinos de Garrett abateram a prôa, assim que ouviram falar duma luta de oito dias com o mar. Para lhes travar para sempre as campainhas, bondava agarrar-lhes pela jaleca e levá-los ali à Torreira, numa madrugada em que o búzio soasse e duas companhas arrancassem para a «recachía».

Os de Ílhavo são peixes de água salgada. Vivem no mar. O comando da nossa marinha mercante está nas mãos deles.

Os da Murtosa, esses não se contentam em ser mareantes. Acham aquilo monótono e, salvo horas naufragantes, luta branda. A pesca, sim, que é movimentada, que pede força, que tira de condição a coragem, que faz preço à audácia, que requere do homem a agilidade da onda e o segredo do ritmo. É a paixão dos murtozeiros. Não é este nem aquel'outro. Observem-os e verão que aprender um é conhecê-los a todos. (...)
"

[Joaquim Leitão, Pescadores da Murtosa. Extracto da Canção do Regresso, Ottosgráfica, Lisboa, s/d, ed. fora do mercado]

terça-feira, 29 de julho de 2003

VÁRIAS

* O Bridge dá cabo de um tipo. Quanto mais se joga (e perde) mais se quer continuar. No dia seguinte lá se anda a teorizar sobre as partidas, o maldito carteio, a não-voz do parceiro. Temo ficar a falar sobre bridge do mesmo modo que o Pedro Mexia discorre sobre o eterno feminino, tal o estado de neurose compulsiva verificada.

* Tenho ideia, que vi a Charlotte na TV. Se foi, então a Bomba faz parte daquela beleza convulsiva que falava Breton, isto é, está entre a erótico-velada e o mágico-circunstancial. E o gato Varandas, que saberá disso?

* Voltando ao Mexia, o porfiado crítico da poesis está decididamente reaccionário. Aquele post sobre a TSF é subscrito integralmente pelo Alberto João. Tal como ele, o Mexia vê vermelhos em todo o lado. Suspeito que a falta de pratica na sua confessada heterossexualidade, resulta tão somente de um excesso de investimento sádico-oral das palavras, no seguimento da analogia em Melanie Klein, entre o investimento genital e a fala, o canto ou a pena. Ora essa crueldade lingual (Luiz Pacheco dixit), por sinal ferozmente reaccionária, será decerto uma luxúria na crítica literária, mas não deixa de ser um forte obstáculo a praticas bem mais libidinosas.

* Como almocreves, somos sensíveis a textos sobre azémolas, ou gado asinino. Temos especial ternura pelos equus asinus. É que os jumentos são a nossa perdição, principalmente se forem bem aprumados. Temos almocrevados alguns, bem preciosos, sabendo sempre que é mais difícil ser livre do que puxar uma carroça (Virgílio Ferreira dixit). Assim, perante prosa tão adocicada no Publico sobre o burro mirandês, ficámos extasiados. Celeste Pereira, a jornalista do nosso encantamento estará para sempre nos nossos corações. E, já agora, viva a AEPGA e a associação cultural Galandum.

* Mário Nunes, vereador da Cultura da Câmara de Coimbra, é uma excelente pessoa, mas excede-se por vezes. Aquela de afirmar que a Feira de Antiguidades de Coimbra, "é uma das melhores a nível nacional" porque tem "qualidade" e é "onde se vende mais", é demasiadamente excessivo. A Feira de Coimbra é uma feira franca curiosa, mas frequentada por um grupo de vendedores (?) que em momento algum sabem o que estão a fazer, a não ser tentar enganar o neófito das velharias. Então a rapaziada dos livros, todos bem iletrados, é de uma tristeza infinita. Nessa feira, como se calhar noutras ao longo do país, qualquer soit-disant vendedor de papéis velhos se julga um antiquário de prestimosos e devotados favores. E assim, atiram-nos com 75 E por um qualquer Campos Júnior, todo esfarelado e maltratado. Dizem que é muito antigo e raro. Ora nem uma coisa nem outra sequer sabem o que é. Esse rol de gente que vende gato por lebre, com ar de intelectual assumido, destrói o mercado do livro antigo. Como alguns verdadeiros antiquários-alfarrabistas o fazem, também. Afinal, porque haveria de existir excepções? Não estamos em Portugal?

JOHN CALE



JOHN CALE nas noites-ligadas-a-noites, que o Verão está cá. 5 tracks para as tardes acaloradas ou para as noites vadias. John Cale ... sempre!

segunda-feira, 28 de julho de 2003

ENTRE MARES E MARÉS

Entre mares e marés na busca
da coluna do equilíbrio, pormenores
e gestos são o dia da casa, olhos
passando pela linha das paredes.
Farás ainda um derradeiro sorriso,
esboçarás o lance da misericórdia
primeiro, o do rigor depois.
Na casa reparas como as coisas
são as tuas coisas, no vidro
um espelho de dois lados, o teu
domínio. É uma paz que vai
do chão ao ar e volta pelas
vértebras ao lado de fora da pele.


[Helder Moura Pereira, Fenda, Coimbra, 1982]

domingo, 27 de julho de 2003

À VOLTA DOS BLOGS


* Pacheco Pereira e as "Criticas que (me) levam a pensar duas vezes" - Dizia Raul Proença que "na critica nunca vai um ataque a pessoas; divergir em ideias não é sentir a raiva no coração; é sentir a independência do nosso juízo". Nada mais exacto.

E ao ler o que um leitor do Abrupto (Carlos Queirós), citado no blog, considera em torno do comentário de JPP ao "caso Berlusconi", tive a certeza que essa independência de que fala RP não pode resultar em pessoas, que de modo mais ou menos subtil, "se entricheiraram num campo, e que ficam inibidas de pensar, ou de se expressar com total liberdade" (CQ). Como me parece ser o caso de alguns escritos de JPP. Do mesmo modo que CQ, também eu parti para a leitura do artigo tentando saber como é que JPP o ia defender. E, como em escritos de outros colunistas, "mete impressão" tal exercício. Pode ser estimulante, mas não devia acontecer.

Confesso que alguns articulistas fazem parte da "nossa" família. Acompanhamos as suas intervenções, estamos atentos ao que nos sugerem, seguimos-lhes o percurso, o jogo e a vida. Todas as semanas nos jornais, rádio ou TV. Os registos afectivos são sempre assim. Por isso os lemos. Não há nenhuma dedicação especial no facto, mas tão só a constância da presença de uma revelação comunicacional que desvela a gramática da vida: aquilo sobre que falamos com o outro. Que passa sempre por essa ponte sólida entre o saber e a liberdade. Ora, à primeira vista o horizonte de JPP esbate-se contra essa assumpção, mesmo que sugira um saber contra o(s) poder(es). O caso da invasão do Iraque e seus contornos imperialistas, que conduziu a administração americana a uma situação de violação total dos direitos e garantias do ser humano, mesmo no seu próprio país, foi o culminar dessa apologética argumentativa utilitarista que JPP esgrimiu, para nosso desprazer. Nem é preciso recorrer a exemplos da política caseira para afirmar a nossa preocupação relativamente a essa inibição de falar e (des)dizer em liberdade, que nos fala CQ, e que está presente em muitos dos nossos analistas. Basta saber quem são e do que falam.

Verdade seja dita que JPP é um caso à parte. Parece-nos existir dois JPP: um que é militante do PSD e outro que fala e escreve de coisas que gosta e ama, referidas com paixão no seu blog e nalguns textos de jornais. O que nos levou a sorrir, quando no penúltimo Expresso o vimos caricaturado daquele modo (e que não resistimos a publicar), em isolamento suspicaz, perante o anedotório de outras personagens. JPP é dos nossos, mas de qual falamos quando falamos de JPP?

[A ilustração de JPP é de António Martins (com Mário Ramires), retirada do Expresso, 19/07/2003]

"Sim, meus senhores, a Imprensa portuguesa, a grande Sacerdotisa, já não acha sabor algum neste verbo: orientar, o seu verbo hoje é outro; é seguir.
Seguir! Eis a grande descoberta que eles fizeram. Seguir, ser transportado no fluxo dos acontecimentos, como um folha que redemoinha ao vento. Não sentir dentro de si nenhuma espécie de resistência espiritual, nenhum centro de gravidade, nenhuma obstipação sagrada e profunda, mas ser como a pena que obedece ao sopro quási insensível dum bebé, e aí vai na atmosfera (...) Seguir, não ser autónomo, ser massa, prazer supremo, - ir na corrente que leva os outros ...
Não pergunteis, pois, aos jornalistas de grande «circulação» o que é que eles pensam. Eles não pensam - circulam. Circulam, vão com os outros, seguem. De aqui em diante não lhes pergunteis mesmo: «Como vai o senhor?», mas: «Como segue o senhor?». Porque na maneira de seguir é que está toda a higiene do espírito. Almas sem nenhuma espécie de profundidade, que passam a vida a fazer gestos vãos, cabriolas, retórica, lindezas, jogos de palavras, - almas sem paixão, almas sem existência séria, grave, profunda, almas áridas e pobres onde as ideias, os sonhos, as paixões não criaram raízes, - almas de contrabando, de prostíbulo, de quem-mais-dá, de aluguer, eles só possuem hoje um instinto: o do desfile; um prazer: o do acompanhamento; um espectáculo em que desejam colaborar e fundir-se: o da procissão. Nem por um só momento eles poderiam vislumbrar a pureza da atmosfera que respira uma rude alma solitária. Fundem-se os sinos, tocam os sinos - e ei-los na rua, à primeira badalada, a caminhar em série, a ir com os outros, a seguir. Neste sentido, que é o mau sentido da palavra, o jornalismo português é o mais «democrático» de todos os homens - quere dizer, o mais desprezível
."

[Raul Proença, O Ultra-romantismo politico do Diário de Noticias, Seara Nova nº 265, 1/10/1931]

sábado, 26 de julho de 2003

MONTE MAIOR



Tu, que ora vees de Monte maior,
tu, que ora vees de Monte maior,
digas-me mandado de mia senhor,
digas-me mandado de mia senhor,
ca, se eu seu mandado
non vir, trist'e coitado
serei, e gran pecado
fará se non val,
ca en tal ora nado
foi que, mão-pecado!
Amo-a endoado
E nunca end'ouvi al!


[Gil Sanches, citado na monografia "Terras de Montemor o Velho", de A. Santos Conceição, Coimbra, 1944. No dizer de Santos Conceição, trata-se da "mais antiga poesia que a Montemor se refere". Gil Sanches, "bastardo do Rei Povoador e da famosa Ribeirinha", "perdeu-se de amores por D. Maria Garcia de Sousa", que vivia em Montemor (pag.45)]

sexta-feira, 25 de julho de 2003

CITEMOR

Começou o CITEMOR. Oh! Montemor e o seu castelo altaneiro, e a Figueira ali tão perto. Não ir comer ao Ramalhão é imperdoável, mas se preferir dê um salto a Ereira, terra de Afonso Duarte, ao Bernardes, castigar uma marinada de lampreia. Ou mesmo ao Carrocel, na Gala, Figueira da Foz.

Se a proposta gastronómica fica por sua conta e risco, no que diz respeito ao 25º Festival de Montemor-o-Velho já está a perder. Começou ontem e vai até ao dia 14 de Agosto. Venha daí!

ADIVINHAÇÕES


1. Quantos Nokias, Siemens, Alcatel, Motorola, tem na pasta o Senhor Procurador-Geral da Republica?
2. Para onde vai trabalhar, proximamente, Emídio Rangel?
3. Onde está Pedro Roseta?
4. Porque é que a direcção do INE têm de levar palmatoadas do Governo?
5. Quantos GNR são aprovados na disciplina de Estudos Árabes?
6. Quem disse, pela milésima vez, que "não há nenhuma derrapagem orçamental"?
7. Quantas namoradas tem no cardápio, para a próxima semana, Pedro Mexia?
8. Porque é que Celeste Cardona não é ministra da Justiça?
9. Quantos canais de TV estão a soldo de Morais Sarmento?
10. Porque foi José Manuel Fernandes, o primeiro a escrever um editorial sobre os blogues?

LIVRARIAS NO PORTO


"A tornejar do Largo dos Lóios para a Praça Nova, situava-se a antiga livraria do francês Moré. Primava pelo luxo, nessa ocasião. No entanto, seria classificada de modesta se a compararmos ao aparato das modernas. Juntava-se aí, então, a fina flor dos literatos e sábios da época. Entre esses recordo: Camilo, visconde de Vilarinho de S. Romão, Pedro de Amorim Viana, Dr. Albuquerque, que então era rapaz; Eduardo Allen, Eduardo Sequeira, Gonçalo Sampaio, Sampaio Bruno, escritor republicano e de robusto talento; Dr. Magalhães Lemos, médico e enciclopedista; Alberto de Aguiar, Rocha Peixoto, Severo, etc. Ainda outros ali assentavam pousio, como o Arnaldo Gama, Júlio Dinis, Ricardo Guimarães, visconde de Benalcamfôr, Pedro Ivo, Coelho Lousada, Ramalho Ortigão, José Gomes Monteiro.
....................
Afora a livraria Moré, ostentavam os seus mostruários no Porto outras que foram das mais produtivas do país: a Chardron, mais tarde de António Leite, livreiro arrojado, homem honesto e patriota; a de Magalhães e Monis; a da Companhia Portuguesa Editora; a da Empresa Literária e Tipográfica, de Joaquim Antunes Leitão, alma cheia de luz e de bondade e que tão martirizadamente se finou. Algumas mais de que não me lembro a firma sob que giravam. Nessas livrarias, como sucedia na Moré, cavaqueavam, dissertavam, criticavam e mordiscavam os frequentadores.
" [continua]

[Eduardo Noronha - Escritores, Poetas e Jornalistas - O Primeiro de Janeiro, 4 Set. de 1942]

quinta-feira, 24 de julho de 2003

OS LUSÍADAS NO EXPRESSO


Temos Outono camoniano n'O Expresso, com a publicação de Os Lusíadas. Luiz Vaz em fascículos, debates e exposições. Com textos dos habitués nestas andanças, o que significa um enorme bocejo literário, o Expresso não esconde que o sistema funciona. Eis a perfumaria Balsemão a trabalhar para todos nós. Salvé!

"Ah Camões! Luiz Vaz, se visses
Como os vermes pastam a tua glória!
Por um que ame apenas a tua obra
Quantos te inventam a vida passada
Para explicar versos que não sentem
Ou sentem tão à epiderme
Que precisam doutra história
Que não a das palavras que escreveste!
"

[José Blanc de Portugal, in Camões 1980, Loreto 13, nº 6, 1980]

"Ai, Luiz Vaz, retrai-te. Querem fazer de ti um departamento de líricos, uma comissão nacional de épicos, um cortejo histórico de teses académicas, o imaginativo febril de uns quantos alucinados pela porta sagrada das vitalícias chamas."

[Armando Silva Carvalho, in Atado à Grão Coluna, Loreto 13, nº 6, 1980]

quarta-feira, 23 de julho de 2003

ARRUMAÇÕES E JORNAIS - GAZETA DO MÊS (cont.)

Referimos a existência de uma revista, a Gazeta do Mês. No primeiro número (Maio de 1980), a revista apresenta textos de:

- Fernando Belo (A Nova Aventura): «... As massas é que fazem a história, era um dos nossos slogans. As massas são os nossos corpos e desejos, é por aqui que temos de recomeçar a fazer história ... É disso que fala o discurso ecológico, o discurso das mulheres, o discurso do quotidiano ...»

- João B. Serra e José Manuel Sobral (A Política e a História): «... Assistiu-se, assiste-se, ao investimento da matéria histórica por duas vulgatas como guias de leitura preferenciais. Uma vulgata marxista, que desfigura o próprio marxismo, reduzindo-o a uma mera filosofia da história, válida "urbi et orbi". E uma vulgata literária, assente em interpretações que se fundam numa suposta transparência entre o literário e o social ...»

- Sérgio Campos (A Crise do Estado Keynesiano): «... importa não interpretar as "crises" do sistema como o produto de erros de gestão, ou insuficiências de natureza técnica, que bastaria prevenir, ou bastará suprimir, para fazer reentrar a "economia" nos bons caminhos do equilíbrio (tal é a visão liberal do fenómeno), nem como acto agónico, sintoma ou expressão do fim catastrófico do sistema (concepção digamos leninista). È provável que ganhemos em claridade se explorarmos interpretativamente a "crise" actual como o propõe Attali (...): processo complexo e violento de regeneração biológica, de "desordem criadora" (na acepção destes termos em termodinâmica), graças ao qual o sistema faz pele nova, líquida, na instabilidade, os pesos mortos do seu passado e rompe caminho à implementação de condições apropriadas - sociais, económicas, politicas - a uma lógica renovada de reprodução ...»

- João Martins Pereira (O Militantismo e os Movimentos Colectivos): «...Como lançar uma ponte sólida entre o saber muito localizado mas muito profundo (...) do militante popular e o saber globalizante mas "estranho" do militante politico?...»

- José António Salvador (No tempo em que os soldados falavam a liberdade dormia nas casernas): «Que se passa hoje entre os muros dos quartéis das forças armadas portuguesas? ...»

- Jorge Almeida Fernandes (Duas ou três coisas que eu sei do "República") [Notas sobre os acontecimentos no jornal "República"]

- José António Salvador (Anos de 1970)

- Adelino Gomes (RCP em auto-gestão ...) [reflexão sobre o Rádio Clube Português]

- Nuno Teixeira Neves (Aqui não se matam cobras): «... Se os democratas portugueses só tivessem indignação para opor aos reaccionários não mereciam vencer. A indignação tende a tirar realidade aos adversários, porque é a ditadura do Valor sobre o Real. Ora a primeira regra para vencer um adversário é aceitá-lo no espaço e tempo de uma batalha. A segunda é separá-lo da sua serpente, fazendo que ela venha para nós, de aliada. Mas um grande número de pseudolutadores fazem o contrário: deixam ao adversário a serpente dele e ainda lhe atiram, por projecção, a sua própria ...»

- Teresa Joaquim e Fernando Belo (Roland Barthes) [Na morte de Barthes]:

«... Estar com quem se ama e pensar noutra coisa: é assim que tenho os melhores pensamentos, é assim que invento melhor o que é necessário ao meu trabalho. O mesmo se passa com o texto: ele produz em mim o melhor prazer quando consegue fazer-se ouvir indirectamente; quando ao lê-lo, sou levado a levantar muitas vezes a cabeça, a ouvir outra coisa. Não fico necessariamente cativado pelo texto de prazer; pode ser um acto ligeiro, complexo, ténue, quase irreflectido: movimento brusco da cabeça, como o de um pássaro que não ouve o que nós escutamos, que escuta o que nós não ouvimos ...» [R. B., in, O Prazer do Texto]

- António Sena (A Arte Photográphica) [Texto sobre a Revista "A Arte Photographica", primeiro periódico na Península Ibérica no domínio da fotografia. Anos de 1884/1885, Porto, Photographia Moderna]

- Maria Carlos Radick (Nos nomes das ruas e dos heróis Nas estatuas, as escolas e nos mitos)

- Carlos H. Silva (A propósito do "Hitler" de Syberberg): «... o esteticismo romântico de muitas cenas, inegavelmente de extraordinária beleza, não chega a produzir a impressão singular dado a multiplicidade de acrescentos, ou então, a monotonia do próprio texto utilizado. E assim, Hitler vai-se esbatendo no próprio texto e o medo de tratar deste tema transforma-se em Syberberg no prazer de continuar dizendo ...»

- Augusto Abelaira (O Burujandu) [Fragmentos do romance "O Triunfo da Morte"]

terça-feira, 22 de julho de 2003

CHAVELA VARGAS


CHAVELA VARGAS

4ª feira - People & Arts. A não perder!

EUGÉNIO DE ANDRADE

Sei onde o trigo ilumina a boca.
Invoco esta razão para me cobrir
Com o mais frágil manto do mar.

O sono é assim, permite ao corpo
Este abandono, ser no meio da terra
Essa alegria só prometida à água.

Digo que estive aqui, e vou agora
A caminho doutro sol mais branco.


20.2.79

[Eugénio de Andrade, in Loreto nº4, 1979]

VOX POPULI



* Faz-se saber ao publico que José Manuel Fernandes prepara copioso ensaio, com prefácio desse exegeta blairiano Pedro Lombas, intitulado: "BBC não foi económica com a verdade ou as 3 Fontes". Á venda na Typ. Liberal.

* Avisam da Catedral da Luz que está em curso a subscrição a favor da compra do undécimo jogador para os necessitados de Alvalade. Basta de miséria!

* Top Posts - Foi o máximo o Top Posts do Valete Frates. 6 Posts 6 estimulantes. Como cortesia aqui deixamos pistas para próximas novidades: "Onde canta o bloguista, gagueja o jornalista"; "Força! Força companheiro Bush"; "Pedimos desculpa por este post, o blog sai dentro de momentos"; "Blair & Campbell com batatinhas fritas"

* Mata-Mouros pretende conhecer inconformistas liberais para troca de impressões sobre fadas, génios e encantamentos. Traz camionetas do país profundo.

segunda-feira, 21 de julho de 2003

DA PROVÍNCIA



Esta gente parece ter alma
Porque a música está a tocar


[José Gomes Ferreira, Cabaret, 1933]

sábado, 19 de julho de 2003

SEMINARE SEMEN



Como está admirável a blogosfera. Como são tão delicadamente militantes e de muita estimação, os nossos bloguistas. Não se trocam contra reclamações. Hoje rumei por todos eles. Cá no burgo e na estranja. Fomos bem aventurados. Ficámos com um rasto luminoso na alma. Fomos felizes.
Não nos apetece dizer o que quer que seja. Hoje ficámos com a "emoção presa na garganta". Presumimos, depois, que a hora era de companhia. Fomos cavalheiros.

Diremos sobre a blogosfera, tendo em conta o que o Aviz e o Abrupto incomodamente referiram, o que noutro contexto Herberto Helder escreveu:

"Era uma vez um lugar com um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam
de um lado para o outro, e encontravam-nos, a eles, ao inferno e ao paraíso, e tomavam-nos
como seus, e eles eram seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído.
E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso. E não devemos malquerer às mitologias assim, porque
são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-las é que é bom. E então a gente ama as mitologias
delas. À parte isso o lugar era execrável.
"

[Herberto Helder, in Revista Via Latina, Coimbra 1991]

sexta-feira, 18 de julho de 2003

ARRUMAÇÕES E JORNAIS - GAZETA DO MÊS

Começamos a limpeza e resguardo dos periódicos. Por mero acaso, a coluna de hoje de JPP no Público é um registo elucidativo de alguma apetência que alguns têm por guardar jornais e revistas. Dantes era usual recortar as noticias que se queria e cola-las em folhas de papel, que depois de encadernava modestamente. Tenho alguns volumes curiosos, desde as eleições de Norton de Matos, Arlindo Vicente, Humberto Delgado, vários Primeiro de Janeiro, Diário de Lisboa e um sem fim de jornais, que comprámos em bom tempo.

No cimo do monte, salta-nos a Gazeta do Mês, de Lisboa. Só possuímos 3 números. O primeiro data de Maio de 1980 e o 3º e suponho último, de Julho do mesmo ano. O director era o João Martins Pereira, chefe da redacção Jorge Almeida Fernandes. Alguns colaboradores do 1º número: Adelino Gomes, António Lima (gráfico), António Sena, Augusto Abelaira, Eduarda Dionísio, Fátima Bonifácio, Fernando Belo, Helder Moura Pereira, João Miguel Fernandes Jorge, João Santos, Joaquim Manuel Magalhães, José António Salvador, Leonor Pinhão, Mário Botas, Pedro Saraiva, Rodrigues da Silva, Rui Oliveira, Teresa Ferrand, Teresa Joaquim, Vasco. A propriedade era de José Manuel Cortês. Custava 60$00.

Nº1 : Capa: SOS Estarreja. Primeiro Caderno e Revista.

No 1º Caderno, na critica de Livros, temos: "Ligeiras coisas:objectos principais" de A. Franco Alexandre, por Helder Moura Pereira; Joaquim Manuel Magalhães escreve sobre Augustina Bessa Luís e o livro Conversações com Dmitri e outras Fantasias; Jorge Roza de Oliveira sobre Ruy Belo (Despeço-me da terra da alegria) e, curiosamente, João Miguel Fernandes Jorge, num bonito texto, fala-nos sobre Ruy Cinatti, Lembranças de S. Tomé e Príncipe, 1972.

" ... Ruy Cinatti neste seu goso pelas terras do português não nos dá um movimento, dá-nos uma direcção: S. Tomé e Príncipe é uma direcção que não pertence a ninguém, mas é de todos; é um pouco como nos contasse o ritmo próprio do português no mundo ...

«É preciso viver entre os vivos». A frase do começo deste pequeno guia a um livro de Ruy Cinatti destrói-se com esta pratica de Montaigne. Contradizer a aventura seria contradizer a vida. Vida e aventura são estes falares das ilhas atlânticas ...

Inauguro a ilha. Vivo-a inteiro
sem receio de me estar sonhando
navegador heróico de outras eras.
Os frutos que me oferecem desalteram.
Sinto-me capaz de endoidecer
Mas de alegria só, mas deslumbrado
............... "

[continua]

BARROSO E A ECONOMIA POLÍTICA


A prestação do PM na TV foi um enorme bocejo. Já se esperava ouvir tão melodiosa discursata, alias inserida numa «petição de princípios» (que corresponde a falta de argumentação, no dizer de Perelman) por um Portugal a recuperar da tanga em que foi metido, a caminho de novo oásis paradigmático. Para época de veraneio até não foi mal pensado. Ainda olhámos de soslaio para o faccis do nosso PM quando chamado a dar explicação para a aparente contradição entre a vacina da empresarialização contra o monstro insano referido por Cavaco Silva e a desbunda da gestão da Amadora-Sintra. Ou mesmo quando foi chamado à pedra para analisar a consolidação orçamental, ou o celebre PEC e a evasão fiscal. Atento, o nosso PM não foi na cantilena Juditiana. Afinal não estávamos na fase de open mindedness. Não havia riscos a correr. Barroso não é definitivamente uma open-minded person (H. W. Johnstone, Jr.). Eis o estilhaçar da teoria da argumentação, em todo o seu esplendor. Talvez José Bragança de Miranda nos possa elucidar sobre esta costumeira pragmática do discurso televisivo do poder. Por mim, essa personagem conceptual do governante em conversas ao país é mera ficção retórica.

Mas o que é preocupante são as afirmações sobre a performance económica do governo. Compreendemos que governar, hoje em Portugal, seja "alta competição", como refere o PM, mas que sobre a economia e os economistas nos atire com lapalissadas, é constrangedor. Se o PM se refugia numa exercício escolástico baseado em que "a economia não é uma ciência exacta" ou que "não há nenhum economista que possa prever" o que pode acontecer, então não se pode entender a sua convicção na prestação da politica económica e orçamental, nem se pode defender o cunho fundamentalista da senhora ministra das Finanças em torno da problemática do deficit. E muito menos se pode falar no putativo modelo económico escolhido, porque não se sabe muito bem o que isso representa. Não era esperado que o PM esgrimisse ideias em torno da controvérsia neoclássica versus pós-keynesianos. Nem que explicasse as diferenças substantivas entre o grupo constituído por Miguel Cadilhe, Silva Lopes ou Cavaco Silva, e o outro onde fazem parte Miguel Beleza, o inefável Tavares Moreira e Ferreira Leite. Não era obrigado a tal. Mas apenas que tivesse em conta que em "alta competição governativa" não ter em conta os dados estatísticos, manipulando-os conforme as estratégias, se pode pagar caro a ousadia. É que, quem se mete com a economia ... leva!

quinta-feira, 17 de julho de 2003

AY! HAVANA ME MATA!



Uma delícia o daiquiri com Compay Segundo sugerido pelo O Cozinheiro. Eu acredito que só pode ter sido um barman (Ribalagua) do El Floridita e não um engenhocas americano, a inventar o daiquiri. No Floridita ou na Bodeguita del Medio, a mesma perdição.

Lá dizia Hemingway: "My daiquiri in the Floridita and my mojito in the Bodeguita".

quarta-feira, 16 de julho de 2003

RAUL LINO (1879-1974)



Exposição "Raul Lino, Cem anos Depois" no Museu Machado de Castro em Coimbra. Até 14 de Setembro.

O CEDRO DE GUERNICA [sobre a Guerra Civil Espanhola]



No fragor da batalha
- que era como um troar de tempestade -
a árvore da metralhadora.
..............................
Todo o Euzcádi chorou
no cedro assassinado a morta liberdade.
..............................
Mas que importa perder o cedro de Guernica,
por momentos não ter ao sol o seu lugar,
Se a luta que travais, gentes de Euzcadi, implica
Que cada «pueblo» tenha um cedro de Guernica
Para não mais tombar?!


Novembro de 1938

[Álvaro Feijó - in, A Guerra Civil de Espanha na Poesia Portuguesa. Antologia por Joaquim Namorado, Centelha, Coimbra, 1987, pag. 41]

BREVES


*O Governo acaba de mudar, pela quarta vez em menos de dois anos, a sua orientação quanto à construção de um novo aeroporto internacional na Ota. Convenhamos que já é demais para não ser demasiado rude e acrescentar que já passámos da fase da trapalhada à da palhaçada (Nicolau Santos, EXPRESSO)

* [Nicolau Santos e o melhor Governo desde 1986 - Expresso]

PRIMEIRO-MINISTRO: Aníbal Cavaco Silva.
MINISTRO DAS FINANÇAS: Miguel Cadilhe
MINISTRO DA JUSTIÇA: António Costa
MINISTRO DA INDÚSTRIA - Mira Amaral
MINISTRO DA SAÚDE - Correia de Campos
MINISTRO DA EDUCAÇÃO - David Justino
MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS - Jaime Gama
MINISTRO DAS OBRAS PÚBLICAS - João Cravinho
MINISTRO DA AGRICULTURA – Nenhum
MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - Dias Loureiro
MINISTRO DA DEFESA - Fernando Nogueira
MINISTRO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA - Mariano Gago
MINISTRO DA CULTURA - Manuel Maria Carrilho

* Artigo de Vital Moreira no Publico, com exigência de uma simples explicação, a saber: porque razão os bestiais belicistas portugueses, travestidos de jornalistas e/ou pensadores liberais, estão calados nesta patranha que foi a Guerra do Iraque? Um bloguista que por mero escapismo é jornalista avança com a sugestão de o mesmo Vital Moreira pedir desculpas sobre as suas (do Vital) mentiras. Extraordinário, este putativo jornalista. Aprendeu depressa as metodologias da administração neoconservadora americana. Temos homem!