segunda-feira, 3 de abril de 2006


No Dia do Falecimento de Agostinho da Silva [m. a 3 Abril 1994]

"Não sei já, Caterina, se és chinesa
ou se Índia te tomou e és indiana
ou de ébano te vejo se africana
ou se és eternamente portuguesa
e sendo portuguesa a todas tens
porque em ti, Caterina, eu amo o mundo
e para assim te amar nele me fundo,
sabendo que o meu bem é não ter bens,
que a minha maior posse é não ter nada
e com tudo eu estar já sem saber
se morto vivo ou vivo de morrer
"

[Agostinho da Silva, De Camões a Natércia, in jornal Quinto Império, nº6, 1991]

quarta-feira, 29 de março de 2006


Hip Hip Hurra! E. P. C.

De 1944 até hoje, após longo espernear em desmandos de "sexo vertical" & outras "aulas de substituição" bem mais civilizadas, o nosso E.P.C. - alma falante e "enfant terrible" do corpus pensante indígena - está cada dia mais e mais divino. A presuntiva lenda, mesmo inebriante que seja entre os seus mais preclaros amigos, dessa "bolinha semiótica" rolando ao longo dos corredores universitários da Faculdade de Letras em demanda da concupiscência estética & cultural, entre o olhar ridente do eterno feminino e o pranto comovente da rapaziada, ainda hoje nos intimida e esmaga.

Não sabemos dizer quantas noites fantasiámos (com alguma vaidade, diga-se) na vil esperança do peso do corpo do génio, embriagado entre a litania de mestre Barthes e a récita esbraseada de Lacan, ceder no meio do cortejo oceânico feminino que agitadamente se formava, abandonando a tutela desse "continente negro" (está Freud a passar por aqui) aos nossos gratos corações. Tudo para que num golpe de asa, grave e manhoso (e decerto implacável!), desvanecêssemos num ombro feminino, culto e avisado. A fraqueza humana é admirável, mesmo em sonhos. Mas debalde! A inteligência doméstica de mestre E.P.C., qual "abelha industriosa", em esforço eréctil explicativo fazia-se ouvir: "Esta é a mulher, com suas ancas equilibradas na ciência do excesso". A vertigem da citação de Herberto Hélder era fatídica. E foi, desde sempre, assim. Eduardo Prado Coelho tinha (e tem) um dom meticulosamente providencial.

Faz hoje anos. Parabéns e muitas felicidades.

Apito tecnológico

Stephen Bennett é inglês. Amiudadas vezes, a léguas de distância daqui, apita mal para desespero dos submissos patrícios. O Manchester que o diga. E o Liverpool. E muitos mais. A sua folha de trabalho é abundante de efeitos colaterais. Pior que o sujeito a apitar um jogo de futebol somente o José Manuel Fernandes a defender a incursão no Iraque ou antever o regresso de Dias da Cunha a Alvalade. Apenas a benevolência da UEFA, essa multinacional da moralidade desportiva, o carrega de galanteios. E, presumidamente, o senhor Pinto da Costa. A ordem dos factores é arbitrária.

Ora acontece que por ser inglês, o senhor Stephen Bennett é um gentleman. Como tal, por instrução superior (quiçá do inquieto Blair), resolveu participar no programa de festas do eng. Sócrates: a batalha do "choque tecnológico". Era ver o juiz inglês, em orgulho socrático, correndo no relvado da Catedral da Luz com um extraordinário auricular, da última geração. A Luz tremeu de espanto. O nosso primeiro-ministro, no camarote presidencial, transbordava de felicidade tecnológica. Não vimos o dr. Pedro Silva Pereira errando por ali, mas é possível que sim. Tudo ardente de actualidade. Tudo em virtude tecnológica.

Foi, portanto, notável o choque dos espectadores quando aos 72 m (reza a Bola) a mão dum tal Motta do Barça afagou docilmente a bola, sem que a tecnologia definitivamente funcionasse ao ouvido do juiz de campo. Neste particular, a tecnologia inglesa feneceu. O penalty por marcar contradiz, decisivamente, a nossa convicção pela modernidade. O jogo de beneficência a favor do Ronaldinho & seus excêntricos companheiros de circo é o testemunho do milagre catalão. Mas ainda temos tempo do impossível. Esperem para ver.

Aniversário d'A Montanha Mágica

"Mas pensai que esta noite a montanha enlouqueceu
E se um louco se oferecesse como vosso guia
Seria mais prudente não crer na fantasia ...
" [T. Mann]

Fez 3 (três) prodigiosos anos A Montanha Mágica. Ar puríssimo, luxo agasalhado, coração abraçado. O préstimo nocturno que se publica daquela montanha é continuamente sumptuoso. Um contar & cantar virtuoso. Uma antiquíssimo prática. Um remanso d'escrita. Obrigado! Muitos parabéns.

segunda-feira, 27 de março de 2006


A ledoras caprichosas ou elogio do carteiro

"Nestas notícias, que dou
Fofas expressões não digo,
Só vícios contando vou
" [J. D. R. C.]

O libertino devoto, presente & futuro, que imprudentemente envia admiráveis miudezas, em crespo português, para esta paróquia almocravada, não terá a protestação deste V. escrevente. Estamos em tortuosas viagens. Cheios de alegria e gozo. Em repouso literário, político & futebolístico. Em negócios financeiros. Em teimosia de "saias". Não respondemos, pois, a graças & vícios publicitários. Não "opamos" quem quer. Somos exclusivistas. Mas, por natural liberalidade, sorrimos às nossas pacientes & graciosas ledoras. Somos estremes na ocultação da luz. Vamos acertar no Euromilhões.

A modos que para fugir ao usurário de Bélem & ao "comboio do deficit" do eng. Sócrates (glória futura dos liberais domésticos), acabadas as graças natalícias & antes da Pascoela, eis que se anda "opando" por aí. Arrumamos bibliotecas, estorvamos mercenários dos livros, vamos de atravancar livrarias. Cobiçamos, equilibradamente, o mulherio. E espreita-se o novo-mundo. Embarcámos e desembarcámos. Docemente. Com o Infante D. Henrique como glória & a "caverna" de Belém no esquecimento. Vejam Vossas Mercês como o Rio está lindo!

Por isso, nem a última descoberta "sexy" do sr. Pires de Lima Filho nos esmorece, um pouco que seja, nem o subtil liliputiano Mendes nos apaixona a gramática. E, francamente, de modo algum o "contingente liberal" alapado chez dr. Cavaco, mesmo com a respeitável predicatória do inefável J. C. Espada ou o espírito de pastorícia de José Manuel Fernandes, nos tira do sério. O "raminho de cabeças pensantes", assim fermentando à do dr. Cavaco, não sugere qualquer desfenestramento semiótico. O mesmo não se diga do viçoso apito do sr. Olegário Benquerença. Ora, pois!

Assim, para a procissão prodigiosa & divertida que nos barrica o folgado mail, para senhoras magnificentes & cavaleiros d'alcova e para os indígenas instruídos da blogosfera, eis em jeito de soidade

Tom Ze - Sonho colorido de um pintorCastpost

"Sonhei que pintei minhas noites de amarelo
lindas estrelas no meu céu eu coloquei
o feio que era feio ficou belo
até o vento do meu mundo eu perfumei
" [letra, aqui]

Bom dia & bons influxos!

quinta-feira, 16 de março de 2006


Boa Noite ... Camilo! [n. 16 Março 1825]

"A opinião pública (...) é uma esfinge com cabeça de burro" [C.C.B.]

"Dizia um filósofo humanitário a certo povo infeliz: 'Sede melhores, e vós sereis mais felizes'. E o povo respondeu ao filósofo humanitário: 'Fazei-nos mais felizes, e nós seremos melhores" [C.C.B., in A Verdade, 1856]

"Que me importa a mim o futuro? Caído por este desfiladeiro da vida , com os olhos fitos lá em baixo na terá negra do túmulo, - que tenho eu contigo, futuro? (...)
Eu sou do passado: ficou-me lá o espírito; amo o tempo que foi: vivi então mil séculos num instante - amarguei-os, mas que importa?
" [C.C.B., in O Nacional, 1948]

"É inegável que somos europeus, e até podemos avançar que se fala de nós lá fora como um povo civilizado (...) Caminhamos airosamente na via láctea do progresso, porque as estradas cá em baixo o mais que podem é pôr-nos em contacto com o progresso dos antípodas por meio dos abismos insondáveis que o macadame aperfeiçoou (...)

Temos tudo quanto podem ambicionar os netos daqueles que civilizaram mundos novos. Só nos falta - diga-se a verdade sem presunção - falta-nos uma pequena coisa, que faça os homens bons: falta-nos a virtude e a moral; falta-nos o respeito à lei, e a lei que deva respeitar-se; falta-nos esse quasi nada que faz dum povo de traficantes e de corruptos uma sociedade de irmãos e amigos" [C.C.B., in O Portuense, 1853]

segunda-feira, 13 de março de 2006


Figueira da Foz & o seu Casino altaneiro

As variedades da noite passada na Catedral da Luz, supostamente artísticas e melodiosas, deviam ser admiráveis. Nobilíssimas. De bom gosto e farto recato. Nada de saraus dramáticos, como acontece aos impúdicos d'Alvalade. Absolutamente diferente do enxoval minguado da equipa do sr. Costa das Antas. Podiam até ser dançantes. Tanto se nos dava.

Meus amigos: este domingo presumia-se suavemente genial, mas, por ironia pungente do estimado juiz Carlos Xistra, demos em dar esmolas a andrades e lagartos. Não amoedámos. Mas fica (mais uma vez) essa chateza das prodigiosas "ilusões de óptica" ou inteligência notável do árbitro de Castelo Branco. O homem, conhecido por marcar penaltys, expulsar jogador e voltar atrás na decisão (FCP-Marítimo), ontem mostrou que tão bem norteado está. Quem estranhará o serviço!? E que bonito estava o Casino da Figueira da Foz.

sexta-feira, 10 de março de 2006


Boris Vian [n. 10 Março 1920 - 1959]

"J'suis snob ... J'suis snob
C'est vraiment l'seul défaut que j'gobe
Ça demande des mois d'turbin
C'est une vie de galérien
Mais lorsque je sors à son bras
Je suis fier du résultat
J'suis snob ... Foutrement snob
Tous mes amis le sont
On est snobs et c'est bon ...
" [ler aqui]

Boris Vian - J'suis snob Castpost

Catálogo 53 da Livraria Moreira da Costa

Acaba de sair o Catalogo do mês de Março da Livraria Moreira da Costa (Rua de Avis, 30, Porto). Peças curiosas, a preços bem acessíveis. Consultar on line.

Algumas referências: Portugal no Mundo, de Luís Albuquerque, 1989, VI+1 vols / Mistérios da Praia da Rocha, por Marcos Algarve, 1926 / O Movimento Monarchico, de Álvaro Pinheiro Chagas, 1913-14, II vols / Os Três Livros de Cícero. Sobre as Obrigações Civis, por Miguel António Ciera, 1784 / Auto-Biographia e Cartas, por Trindade Coelho, 1910 / O Portugal Vinícola, de B. C. Cincinato da Costa, 2000 (reeimp. 1900) / A Lanterna, por Paulo Emílio, 1909 / As Origens da Caravela Portuguesa, de Pedro Quirino da Fonseca, 2003 / Grandes Portugueses, ed. SPN, 1943 / Tratado do Jogo do Voltarete, de António Rodrigues Veloso de Oliveira, 1814 / Theoria do Discurso Applicada á Lingoa Portugueza em que se mostra a estreita relação, e mutua dependencia das quatro Sciencias intellectuaes, a saber Ideologia, Grammatica, Logica, Rhetorica, Offerecida a sua Alteza, por António Leite Ribeiro, 1819 / As Ditaduras. O Regímen Revolucionário, de Bazilio Telles, 1911

quinta-feira, 9 de março de 2006


Mircea Eliade [n. 9 Março 1907 - 1986]

"Passei cerca de cinco anos em Portugal (...) Parece-me que para os Portugueses (como aliás para os Romenos), o Tempo, a História, a Morte e o Amor conservam o caracter de mistérios" [Mircea Eliade]

" ... a revelação de um espaço sagrado permite que se obtenha um 'ponto fixo', e permite, portanto, a orientação na homogeneidade caótica, o 'fundar o mundo' e viver realmente. Pelo contrário, a experiência profana mantém a homogeneidade e portanto a relatividade do espaço. Já não é possível nenhuma verdadeira orientação, porque o 'ponto fixo' já não goza de um estatuto ontológico único; aparece e desaparece segundo as necessidades diárias. A bem dizer, já não há 'Mundo', há apenas fragmentos de um Universo fragmentado, massa amorfa de uma infinidade de 'lugares' mais ou menos neutros onde o homem se move, forçado pelas obrigações de toda a existência integrada numa sociedade industrial" [M. E., in O Sagrado e o Profano]

Locais: Mircea Eliade (1907-1986) / Mircea Eliade / Mircea Eliade em Portugal (1940-1944)

Óscares 2006: guardando a estatueta

Eis-nos em probidade amestrada & em virtuoso, quanto infernal, trabalho de guarda. Podem ver-nos, ali ao lado, em ilustríssimo ajuntamento, resguardando a estatueta da noute dos Óscares. Minuto a minuto, hora a hora. Não há estatuetas grátis (lá dizia mestre César das Neves). Admirai o sorriso da sublime escultura. Deixai correr o vício da vossa indiscrição em tamanha manufactura. Conhecei, por uma vez que seja, a submissão. E sede felizes.

Cardeal Jules Mazarin [1602 - m. 9 Março 1661]

"Consulta amiúde os tratados dos grandes retóricos, pois sabem não apenas gerar o ódio mas também voltá-lo contra os que o geraram, sendo capazes de atiçá-lo ou atenuá-lo. Ensinar-te-ão igualmente como acusar ou como defender-te com maior eficácia. O mais importante é aprender a manipular a ambiguidade, a proferir discursos que tanto possam ser interpretados num sentido como noutro, de modo a que ninguém seja capaz de decidir"

[J. M., in Breviário dos Políticos, Guimarães]

Catálogo de Março da In-Libris

Acaba de sair o Catalogo do mês de Março da In-Libris (Porto). A consultar.


Lindoooooooooooooooo! Sir Benfica!

sábado, 4 de março de 2006


Antonin Artaud [1896 - m. 4 Março 1948]

"A tragédia no palco não me basta mais, vou transportá-la para a minha vida". [A.A.]

"Quem sou eu?
Donde venho?
Sou Antonin Artaud e mal digo isto
como só eu o sei dizer
imediatamente vereis o meu corpo actual
voar em estilhas
e refazer sob dez mil formas
um corpo
no qual jamais
me podereis esquecer
" [Antonin Artaud]

"Pai, pátria, patrão - a trilogia que serve de base à sociedade patriarcal e à canzoada fascista (...) os homens hão-de erguer-se e hão-de arruiná-la, fundarão a sociedade fraterna dos companheiros de trabalho, do poder e da solidariedade humana"

[in Manifesto do Surrealismo, e citado por Artaud em Mensagens Revolucionárias, & Etc]

Locais:Antonin Artaud / Antonin Artaud (1895-1948) / Antonin Artaud / A. Artaud / Antonin Artaud, el más grande entre los malditos del pasado siglo / Artaud / Antonin Artaud: Loucura e lucidez, tradição e modernidade / Antonin Artaud / O Teatro Político de Antonin Artaud / Jacques Derrida évoque Artaud

4 - Aniversário - 4

Dois (2) blogs liberais que se agitam nos abismos disciplinados da blogosfera e outros dois (2) de luz especial, ou qualidade abraçada da vida, cumpriram os seus aniversários.

Das apreciações ponderosas do Blasfémias ou sobre o preito da superstição liberal do Insurgente, já muito se disse. Os primeiros analisam as bulas da paróquia e os tempos infectos da relaxação estadual. Fazem epístolas fervorosas aos crentes indígenas. Os seus letreiros políticos são (dizem!) uma regeneração espiritual & um encantamento dedicado ao apostolado. Estão de parabéns.

Os segundos são o nosso almanaque de todos os dias. A aventurança de Um Blog Sobre Kleist é uma amparo de rebeldia, como a história profana do nosso/vosso Michael Kohlhass. As festividades, uma cintilação das belas letras. Com xadrez ao fundo. Do Memória Inventada, onde salta a tesoura do Vasco sobre a moléstia dos comentadores desenganados, a sua pena fulminante não tem custódia. Daí o nosso proveito, o nosso tributo. E que não se apaguem as letras. Graças!
Revistas & Arrumações

[Mário Saa. Notícia breve de um espólio]

Da Revista da Biblioteca Nacional, vol 1, nº2, Julho-Dezembro 1981, um artigo de António Braz de Oliveira sobre Mário Saa, onde nos é apresentado uma curta nota biográfica do escritor (refere a controvérsia sobre a data e local do seu nascimento). Salienta-se a problemática sobre os escritos astrológicos de Saa, a partir do seu espólio (onde e a propósito da sua obra sobre Camões, é considerado a sua preocupação de "interpretação" e não qualquer intuito ocultista, o que não deixa de ser curioso), analisa a obra complexa do Evangelho de S. Vito (ms. completo no espólio), "escrito filosófico peculiar", cujo primeiro título intitulou-o M. Saa por «Pégadas», decerto a sua primeira versão. Encontra A. B. Oliveira paralelismo dessa obra com a notável Explicação do Homem, e refere a existência de "uma outra obra ainda inédita e enquadrável nos escritos filosóficos", "um conjunto de pequenos blocos de notas onde o escritor recolheu pensamentos para uma obra que chegou a anunciar em 1917 e que intitularia Infinitismo". Depois, A. B. O., relata os trabalhos genealógicos e "sobre geografia antiga" de Saa, salientando a expressiva existência de manuscritos sobre tais assuntos no seu espolio, tais como um "Dicionário de Camões" (1925), "Família Pires - Coruche" (1923), "Memória histórica acerca da herdade de Pêro Viegas" (1923) e "Compêndio genealógico dos Paes Teles da Província do Alentejo" (1970). Como curiosidade, A B. O. , diz-nos que não encontrou o original da "célebre obra A Invasão dos Judeus (1925) nem quaisquer apontamentos que, directa ou indirectamente, se ligassem com tão controverso escrito". Finalmente, é apresentado um conjunto de trabalhos de escrita sobre grafologia, entre os quais se encontram "curiosos autógrafos de Fernando Pessoa" e os escritos poéticos.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006


Livros Proibidos [anotações do Censor(es) de serviço]

[sobre a "Seara do Vento", de Manuel da Fonseca] - "É um romance de análise critica da vida miserável dos rurais do Alentejo em época de falta de trabalho. Não é uma obra imoral ou pornográfica, mas sim uma obra de significado político, de especulação da mais pura ética comunista (...) Também faz um ataque indirecto aos esteios da ordem, no meio rural a 'Guarda Nacional Republicana', apresentando-a como estando às ordens dos lavradores gananciosos (...)"

[sobre "Vindima", "Bichos", "Diário", de Miguel Torga] - "Escritor de forte poder de aceitação por leitores de deficientes recursos espirituais. Procura motivos sugestivos, em prol da descrença, da aversão ao dirigente ou ao afortunado, fomentando o desrespeito social (...) As obras deste autor não devem ser consentidas em agremiações operárias, por razões várias"

[sobre "Nome de Guerra", de Almada Negreiros] - "A principal acção do livro é uma mancebia ilusória, baixa e reles, com uma pêga de cabaret (...)"

[sobre o livro "Comunicação", de Natália Correia] - "O intróito, a forma derrotista como apresenta o Poema (felizmente não na integra!), a sensualidade, a libertinagem e a falsa de senso moral bem verificados, levam sem sombra de dúvida, a não autorizar a sua circulação"

[sobre "O Vinho e a Lira", de Natália Correia] - "Apresentam-se no decurso da obra expressões eróticas imorais, algumas expressas em termos escatológicos e insinuações de ordem política com tendência dissolvente, o que é suficiente para se propor a sua proibição de circulação no País"

[sobre o livro "Canto Psicadélico", de Dórdio Guimarães] - "Por muito estranho que pareça este livro saído dos prelos de uma tipografia que pertence ao Patriarcado de Lisboa é uma publicação indesejável por ser obscena em grau excessivo e também anti-patriótica"

[sobre o livro "Lutas Operárias Contra a Carestia de Vida em Portugal", de José Pacheco Pereira] - "Esta obra é uma analise do movimento operário e sindical português durante a República (...)" / "Trata-se de uma compilação de textos do partido comunista do período entre 1917 e 1923. Os textos estão escritos de forma acessível e, como todas as proclamações de princípios, são aliciantes, sobretudo para espíritos pouco preparados"

[sobre o livro "O Dilema da Política Portuguesa", de Mário Sottomayor Cardia] - "Não se trata de um livro, trata-se de um panfleto político, talvez o mais violento que aparece de há muito tempo para cá. O tema é a luta entre o fascismo e a democracia"

[sobre "Um Auto para Jerusalém", de Mário Cesariny Vasconcelos] - "Esta obrinha de um dos próceres do surrealismo português parece-me absolutamente inaceitável, isto é: francamente censurável (digna da mais severa censura) não só pela irreverência em matéria religiosa ou de fé, como pela chocante intromissão satírico-política no tema filosófico-moral que o A. se propôs (...) A 'fala' de Jesus é absolutamente definidora do espírito achincalhante da obrinha, que, por isso, bastantemente por isso, me parece de proibir"

[sobre o livro "Mocidade, Vivei!", de Pinto Quartin] - "Trata-se dum panfleto de tipo anarquista, certamente muito apreciado pela mocidade vanguardista. Foi editado em 1907 e, portanto, deve estar completamente esgotado, o que não é razão para deixar de apreender os exemplares que apareçam. Em nossa opinião o panfleto não deve, pois, circular"

[sobre "Os Irmãos Karamazoff", de Dostoiewsky] - "Não se ignora que Dostoiewsky apesar do seu misticismo e fervor religioso foi um dos deformadores da consciência do povo russo na preparação para o bolchevismo. O romance e autor são bastante conhecidos entre as classes mais cultas do nosso país para ser necessário a sua tradução. As classes menos cultas julgo não tirarem qualquer vantagem da sua leitura"

[sobre o livro "Viagem", de Graciliano Ramos] - "A leitura diz-nos que o autor é comunista e que o livro não pode deixar de ter sido elaborado com o fim expresso da propaganda respectiva. Sou, pois, de parecer que seja proibida"

[sobre o livro "Mémoire d'une jeune Fille Rangée", de Simone Beauvoir] - "Estas memórias autobiográficas da Autora apenas se aceitam, como obra decente e válida, até aos seus 15 anos. Mas daí por diante começa o descalabro e a inconveniência, que atinge o máximo a partir de p. 334 (data do encontro com Sartre, seu actual amante). Da imoralidade (digamos: intrínseca) da Autora e de sua estadeada vida amoral colhemos traços, a p. 85-88, 102-103, 165, 189 (defesa, em tese, do aborto), 269, ..."

[pareceres dos censores, in Mutiladas e Proibidas, de Cândido de Azevedo, Ed. Caminho, 1997]

Olha a Censura!

"O alarme na opinião pública, provocando a desordem nos espíritos, gera a indisciplina e perturba a ordem as ruas. A Imprensa que o provoca abusa do seu direito e esquece o seu mais instante dever".

[Circular de 28/08/1931 da Direcção Geral de Censura à Imprensa, ponto 17º, in Mutiladas e Proibidas, de Cândido de Azevedo, Ed. Caminho, 1997]

"Urge (...) acalmar as paixões que dia a dia se vêm manifestando em certo número de jornais, quer adversos quer não, uns debatendo-se e dispersando opiniões, outros alegando os perigos já conhecidos de carácter político, religioso e social, todos esquecendo o que devem à Nação.
Aos serviços de Censura pertence o encargo de corrigir o ambiente político"

[A. Salvação Barreto (director da D. G. Censura, ibidem]

"A Censura era um preservativo do 'velho regime' (...) Não havia Exame Prévio. Nem presos políticos. Nem suicídios. Nem barracas. Nem cólera. Nem aumentos de preços. Nem abortos. Nem guerra. Nem hippies. Nem greves. Nem droga. Nem gripes. Nem homossexuais. Nem crises. Nem massacres. Nem nudismo. Nem inundações. Nem febre amarela. Nem imperialismo. Nem fome. Nem violações. Nem poluição. Nem descarrilamentos. Nem tifo. Nem Partido Comunista. Nem fraudes. Nem poisos extraconjugais. Nem racismo.
E os governantes (impávidos, serenos, luminosos) não viajavam, não adoeciam, não sofriam acidentes de viação, não comiam, não improvisavam e, quando eram exonerados, faziam-no sempre 'a seu pedido'. Era o país-ficção contra a evidência do país-real"

[César Príncipe (Os Segredos da Censura), ibidem]

Obrigado, Vítor Baía!

Meus amigos, que impetuoso frango. Aquele esvoaçar do grande Baía - em boa hora regressado do viveiro das Antas - ao remate de Robert, tem o fulgor delicado e tenro de um galináceo. Olhai as suas encorpadas asas, o seu peito amplo, os seus esporões bem armados. Jamais se criou tão mimoso galináceo, em tempo assim tão invernoso. Não há homenagem possível que resista a uma noite destas. Só a inquebrantável claque do F. C. P., munida astutamente contra a guerra das galinhas, proporcionou tamanho espectáculo. E de graça.