segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006
Livros Proibidos [anotações do Censor(es) de serviço]
[sobre a "Seara do Vento", de Manuel da Fonseca] - "É um romance de análise critica da vida miserável dos rurais do Alentejo em época de falta de trabalho. Não é uma obra imoral ou pornográfica, mas sim uma obra de significado político, de especulação da mais pura ética comunista (...) Também faz um ataque indirecto aos esteios da ordem, no meio rural a 'Guarda Nacional Republicana', apresentando-a como estando às ordens dos lavradores gananciosos (...)"
[sobre "Vindima", "Bichos", "Diário", de Miguel Torga] - "Escritor de forte poder de aceitação por leitores de deficientes recursos espirituais. Procura motivos sugestivos, em prol da descrença, da aversão ao dirigente ou ao afortunado, fomentando o desrespeito social (...) As obras deste autor não devem ser consentidas em agremiações operárias, por razões várias"
[sobre "Nome de Guerra", de Almada Negreiros] - "A principal acção do livro é uma mancebia ilusória, baixa e reles, com uma pêga de cabaret (...)"
[sobre o livro "Comunicação", de Natália Correia] - "O intróito, a forma derrotista como apresenta o Poema (felizmente não na integra!), a sensualidade, a libertinagem e a falsa de senso moral bem verificados, levam sem sombra de dúvida, a não autorizar a sua circulação"
[sobre "O Vinho e a Lira", de Natália Correia] - "Apresentam-se no decurso da obra expressões eróticas imorais, algumas expressas em termos escatológicos e insinuações de ordem política com tendência dissolvente, o que é suficiente para se propor a sua proibição de circulação no País"
[sobre o livro "Canto Psicadélico", de Dórdio Guimarães] - "Por muito estranho que pareça este livro saído dos prelos de uma tipografia que pertence ao Patriarcado de Lisboa é uma publicação indesejável por ser obscena em grau excessivo e também anti-patriótica"
[sobre o livro "Lutas Operárias Contra a Carestia de Vida em Portugal", de José Pacheco Pereira] - "Esta obra é uma analise do movimento operário e sindical português durante a República (...)" / "Trata-se de uma compilação de textos do partido comunista do período entre 1917 e 1923. Os textos estão escritos de forma acessível e, como todas as proclamações de princípios, são aliciantes, sobretudo para espíritos pouco preparados"
[sobre o livro "O Dilema da Política Portuguesa", de Mário Sottomayor Cardia] - "Não se trata de um livro, trata-se de um panfleto político, talvez o mais violento que aparece de há muito tempo para cá. O tema é a luta entre o fascismo e a democracia"
[sobre "Um Auto para Jerusalém", de Mário Cesariny Vasconcelos] - "Esta obrinha de um dos próceres do surrealismo português parece-me absolutamente inaceitável, isto é: francamente censurável (digna da mais severa censura) não só pela irreverência em matéria religiosa ou de fé, como pela chocante intromissão satírico-política no tema filosófico-moral que o A. se propôs (...) A 'fala' de Jesus é absolutamente definidora do espírito achincalhante da obrinha, que, por isso, bastantemente por isso, me parece de proibir"
[sobre o livro "Mocidade, Vivei!", de Pinto Quartin] - "Trata-se dum panfleto de tipo anarquista, certamente muito apreciado pela mocidade vanguardista. Foi editado em 1907 e, portanto, deve estar completamente esgotado, o que não é razão para deixar de apreender os exemplares que apareçam. Em nossa opinião o panfleto não deve, pois, circular"
[sobre "Os Irmãos Karamazoff", de Dostoiewsky] - "Não se ignora que Dostoiewsky apesar do seu misticismo e fervor religioso foi um dos deformadores da consciência do povo russo na preparação para o bolchevismo. O romance e autor são bastante conhecidos entre as classes mais cultas do nosso país para ser necessário a sua tradução. As classes menos cultas julgo não tirarem qualquer vantagem da sua leitura"
[sobre o livro "Viagem", de Graciliano Ramos] - "A leitura diz-nos que o autor é comunista e que o livro não pode deixar de ter sido elaborado com o fim expresso da propaganda respectiva. Sou, pois, de parecer que seja proibida"
[sobre o livro "Mémoire d'une jeune Fille Rangée", de Simone Beauvoir] - "Estas memórias autobiográficas da Autora apenas se aceitam, como obra decente e válida, até aos seus 15 anos. Mas daí por diante começa o descalabro e a inconveniência, que atinge o máximo a partir de p. 334 (data do encontro com Sartre, seu actual amante). Da imoralidade (digamos: intrínseca) da Autora e de sua estadeada vida amoral colhemos traços, a p. 85-88, 102-103, 165, 189 (defesa, em tese, do aborto), 269, ..."
[pareceres dos censores, in Mutiladas e Proibidas, de Cândido de Azevedo, Ed. Caminho, 1997]