sexta-feira, 17 de junho de 2005


Eugénio de Andrade por ... Eugénio de Andrade

"Sou filho de camponeses, passei a infância numa daquelas aldeias da Beira Baixa que prolongam o Alentejo e, desde pequeno, de abundante só conheci o sol e a água. Nesse tempo, que só não foi de pobreza por estar cheio de amor vigilante e sem fadiga da minha mãe, aprendi que poucas coisas há absolutamente necessárias. São essas coisas que os meus versos amam e exaltam. A terra e a água, a luz e o vento consubstanciaram-se para dar corpo a todo o amor de que a minha poesia é capaz.

As minhas raízes mergulham desde a infância no mundo mais elementar. Guardo desse tempo o gosto por uma arquitectura extremamente clara e despida, que os meus poemas tanto se têm empenhado em reflectir; o amor pela brancura da cal, a que se mistura invariavelmente, no meu espírito, o canto duro das cigarras; uma preferência pela linguagem falada, quase reduzida às palavras nuas e limpas de um cerimonial arcaico - o da comunicação das necessidades primeiras do corpo e da alma.

Dessa infância trouxe também o desprezo pelo luxo, que nas suas múltiplas formas é sempre uma degradação; a plenitude dos instantes em que o ser mergulha inteiro nas suas águas, talvez porque então o mundo não estava dividido, a luz, cindida, o bem e o mal compartimentados; e ainda uma repugnância por todos os dualismos, tão do gosto da cultura ocidental, sobretudo por aqueles que conduzem à mineralização do desejo num coração de homem. A pureza, de que tanto se tem falado a propósito da minha poesia, é simplesmente paixão, paixão pelas coisas da terra, na sua forma mais ardente e ainda não consumada" [Eugénio de Andrade]

[Ali, sempre do lado esquerdo da pedra, pode ouvir a voz límpida e saudosa do poeta. Eugénio de Andrade por Eugénio de Andrade]

terça-feira, 14 de junho de 2005


Eugénio de Andrade [1923-2005]

"Sei onde o trigo ilumina a boca.
Invoco esta razão para me cobrir
com o mais frágil manto do ar.

O sono é assim, permite ao corpo
este abandono, ser no meio da terra
essa alegria só prometida à água.

Digo que estive aqui, e vou agora
a caminho doutro sol mais branco.
" [Eugénio de Andrade, 20/02/79

"O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul" [idem, in As Amoras]

Álvaro Cunhal [1913-2005]

"A primeira vez que fui preso, como me negasse a prestar declarações, algemaram-me, meteram-me no meio de uma roda de agentes e espancaram-me a murro, pontapés, cavalo-marinho, e com umas grossas tábuas com uns cabos apropriados. Depois de me terem assim espancado longo tempo, deixaram-me cair, imobilizaram-me no solo, descalçaram-me sapatos e meias e deram-me violentas pancadas nas plantas dos pés. Quando cansados, levantaram-me, obrigaram-me a marchar sobre os pés feridos e inchados, ao mesmo tempo que voltavam a espancar-me pelo primeiro processo. Isto repetiu-se numerosas vezes durante largo tempo até que perdi os sentidos, estando cinco dias sem praticamente dar acordo de mim" [palavras de A. Cunhal, em tribunal, in "A resistência em Portugal", de José Dias Coelho, Inova, Agosto 1974]

"... A realidade na arte começou por ser o mais próxima possível da realidade da vida - «imitação da natureza» (Aristóteles) tornada definição da arte e lei do naturalismo através dos séculos.
A criação artística não cabe porém numa representação neutra, igual para todos os artistas, além do mais porque cada artista vê a realidade de forma diferente. Arte é criação e recriação, é imaginação e é sonho. (...)
No retrato, a observação, a marca de traços físicos e de expressão específicos de cada indivíduo, a observação psicológica, a capacidade de discernir o cerne da personalidade, vale mais que o excesso de rigor na reprodução do pormenor ..."

[Álvaro Cunhal, in A arte, o artista e a sociedade, Caminho, 1996]
Dias Aziagos

"Quando um amigo morre, que nos resta senão tentar ressuscitá-lo? Com palavras (...) com lágrimas" [J. Gomes Ferreira]

Há uma desordem no tempo. Uma escuridão de espírito. Uma comoção insuperável. Uma amargura serena. Homens, cujas acções e qualidades de alma são sublimes manifestações da inteligência humana, que as turbas moribundas veneram ou odeiam, em rude préstimo, faleceram quase de seguida. Ainda o suspiro da noite se manifestava desamparado em brando refúgio, já nos consumíamos outra vez. As marcas do passado são tão céleres que nos fogem. Nunca se repousa nos afectos. O tropel da vida é sempre uma virtude fraterna, um exercício de memória & uma cavada paixão. Hoje, seremos assombrados pelo poeta, "o poeta do corpo", o "poeta solar" que glorificou a liberdade, "sem ruído, mas também sem hesitar". Que a poesia faz amantes. Amanhã, o sonho e símbolo de muitos, o respeito de todos e a honra, essa "puta triste" nos homens d'hoje, serão o fervor que brotará em memória de um lutador convicto e sincero. Que a todos marcou. As homenagens, sentidas, serão depósitos de saudade e de memória. Como na vida.

segunda-feira, 13 de junho de 2005


Elogio dum modo de vida às avessas

"... O são principio dum modo de vida às avessas, no contexto duma ordem invertida do mundo, tornou-se-me visível em todas as situações. Eu também cumpria essa dificuldade que consiste em uma pessoa se levantar com o sol nascente e deitar-se ao sol poente (...) No tempo em que o dia se dividia ainda em manhã e tarde, era um prazer levantar-me ao cantar do galo e deitar-se ouvindo o pregão do guarda nocturno. Mas depois chegou a outra divisão: o do jornal da manhã e do jornal da tarde - e o mundo pôs-se à espreita dos acontecimentos (...)

Eis a razão por que durmo pelo dia fora. E quando acordo, a fim de saber o que me terá escapado, estendo à minha frente toda a vergonha em papel da humanidade, e sinto-me feliz. A estupidez ergue-se cedo; é a razão pela qual os acontecimentos adquirem o hábito de se dar de manhã. Muita coisa pode ainda acontecer até ao fim da tarde; mas, em geral, falta às tardes essa turbulenta actividade graças à qual o progresso humano se esforça por se mostrar digno da sua boa fama até serem horas da ração (...)

Os maiores desastres ocorrem todas as manhãs; por isso é que mantenho a minha fé na excelência das instituições humanas. Os jornais da tarde, porém, dão conta, não só do que se passou, mas também de quem estava presente; (...) O mundo tornou-se mais feio desde que começou a olhar-se todos os dias ao espelho; porque nos contentamos com a imagem, renunciando ao exame original. É edificante perdermos a fé numa realidade tal qual a descreve um jornal. O homem que durante a metade do dia dorme, ganhou já metade da vida.
Todas as maiores asneiras acontecem de manhã; a gente não deveria acordar senão quando fechassem os serviços públicos. E sair só depois da ceia, numa vida deste modo livre de política (...)

Em compensação, a tranquilidade reina de noite em todos os domínios da actividade pública. Nada se mexe. Não há nada de novo. Só o carro da limpeza se desloca pelas ruas, como símbolo da ordem invertida do mundo. É então que a poeira acumulada pelo dia se pode dispersar; e, quando chove, o carro-mangueira lá passa depois. Afora isto, é uma paz. A estupidez dorme, e eu ponho-me a trabalhar. Chega-me, de longe, um som como o do ruído das máquinas impressoras; é a estupidez que ressona. Espreito-a, furtivamente, colhendo ainda algum prazer das minhas pérfidas intenções. E quando o primeiro jornal da manhã surge no horizonte leste da civilização, deito-me ... Tais são algumas das vantagens dum modo de vida às avessas".

[Karl Krauss, 1908, in Pravda nº4, Verão de 1986, trad. de Júlio Henriques]

domingo, 12 de junho de 2005


Vasco Gonçalves - Militar de Abril [1921-2005]

"a Vasco Gonçalves

Nesses dias era sílaba a sílaba que chegavas.
Quem conheça o sul e a sua transparência
também sabe que no verão pelas veredas
da cal a crispação da sombra caminha devagar.
De tanta palavra que disseste algumas
se perdiam, outras duram ainda, são lume
breve arado ceia de pobre roupa remendada.
Habitavas a terra, o comum da terra, e a paixão
era morada e instrumento de alegria.
Esses eras tu: inclinação da água. Na margem
vento areias lábios, tudo ardia.
"

[Eugénio de Andrade, O Comum da Terra, 14/5/76, in Companheiro Vasco, Inova, Set. 1977]]

"... A paixão de Vasco Gonçalves não é para esquecer. Ninguém poderá esquecer a enorme dignidade deste Homem, a sua transparência, a força que o seu mirrado corpo irradiava: Desfeito, desgrenhado, coberto de escarros, caluniado e traído; Vasco Gonçalves cumpriu-se até ao fim, sem um desvio, sem uma quebra, inteiro, igual a si mesmo, simples e generoso, exemplar ..."

[Bernardo Santareno, A Paixão, ibidem]

"... Gonçalvismo serve para referir a um só homem o que de mal sucedido (?) ou canhestro terão feito os nossos militares, os nossos economistas, os nossos políticos, os nossos diplomatas. Serve para fazer de Vasco Gonçalves o bode expiatório do evitável e do inevitável, assim amnistiando os que, ao abrigo duma concepção maniqueísta, continuam a desejar fruir o estatuto de bons. Manejo do termo gonçalvismo: variedade de racismo transposto para a esfera politico-ideológica, velha receita (depois de tantos outros ismos que correram mundo...) para colocar o irracional ao serviço da politica, pois dizer gonçalvismo é convidar a não pensar, a não analisar, é produzir uma espécie de choque eléctrico ..."

[Jacinto do Prado Coelho, Vasco Gonçalves e o Gonçalvismo, ibidem]

sábado, 11 de junho de 2005


A leitores ociosos ... prazeres ociosos

"Querem saber acerca do que nós falamos?
«de litteris et de armis, prestantibusque ingeniis»
sobre os tempos antigos e modernos; livros, armas,
homens de génio desigual,
dos tempos antigos e modernos, em suma dos objectos correntes
de conversação entre homens inteligentes ..."

[Ezra Pound]

Sabadus ou "Moral Abreviada" da vida

"Uma nuca de loura e de graça inclinada,
Um colo que arrulha, belos, lascivos seios,
Com medalhões escuros na mama afogueada,
Esse busto se assenta em baixas almofadas
Enquanto entre duas pernas para o ar, vibrantes,
Uma mulher se ajoelha - ocupada com quê?
Amor o sabe - expondo aos deuses a epopeia
Singela de seu cu magnífico, um espelho
Límpido da beleza, que ali quer se ver
Para crer. Cu feminino, que vence o viril
Serenamente - o de efebo e o infantil.
Ao cu feminino, supremo, culto e glória!"

[Paul Verlaine, in Moral Abreviada, trad. José Paulo Paes]

[Rotativismo parlamentar]

"... Imaginem meia dúzia de almocreves sequiosos que acham na estrada um pipo de vinho. Como nenhum deles tem mais direito que os outros a beber do pipo, combina-se que cada um ponha a boca ao espicho e beba enquanto os pontapés dos outros o não contundirem até ao ponto de o obrigarem a largar as mãos da vasilha para as apertar na parte ferida pelos golpes aplicados pela companhia. É exactamente o que há muito tempo tem sido feito pelos partidos portugueses com relação ao usufruto do poder que eles acharam na estrada, perdido.
Chegou finalmente a vez de pôr o pipo à boca a um partido excepcionalmente valoroso de sede e incontundível de fibra. Este partido não desemboca o pipo por mais que lhe façam. Protestações escandalizadas, de almocreves, retroam.
- Este partido abusa!
- Isto não vale!
- Isto não é um jogo!
- Ele esvazia o pipo!
- Larga o pipo, pipa!
- Larga o pipo, pimpão!
- Larga o pipo, ladrão!
E incitam-se uns aos outros até à ferocidade:
- Chega-lhe rijo!
- Mais! Que lhe doa bem!
- Rebenta-me esse odre!
- Racha-me esse tonel!
- Ah! cão!
O partido, porém, continua sempre a beber, e é insensível a tudo: à dor, ao insulto, ao chasco, ao impropério, à graça pesada, à insinuação pérfida e à alusão venenosa!
Em vista de uma tal pertinácia, que nós mesmos somos forçados a taxar de irregular, os partidos, em expectativa do pipo, confederam-se, ferem o pacto da Granja, constituem-se num só partido novo - numa só boca para o pipo. Fazem um programa, redigem um manifesto, vão de terra em terra pedindo ao País que intervenha. Precisamente lhe ocorreu nesse momento que o pipo tem dono! Que é do País o pipo!..."

[Ramalho Ortigão, in Farpas, tomo IV]

quarta-feira, 8 de junho de 2005

PÉS NUS POR CAMINHOS DE BRASAS




[Pés nus por caminhos de brasas]


"O incêndio na floresta
começa muitas vezes pelas cinzas
impacientes.

As labaredas vêm sempre no fim
Quando as arvores sentem falta de asas
Ou de flores ausentes.

Pés nus por caminhos de brasas"


[José Gomes Ferreira]

Fogos

Continua o inferno. Todos os anos somos abrasados pelo fogo. Sem saber bem qual o nosso pecado. O nosso infortúnio. O que fazer. Todos os anos a história se renova como uma profanação. Uma maldição. Não sabemos se o desprezo deva ir inteiramente para nós, quando num abandono indigente cedemos a vigilância e a prudência, que devia ser de todos, à inteligência de outros ou se deva ir directamente para essas luminárias da protecção civil, do poder local e do governo. A indiferença com que abraçamos tudo isso não tem piedade alguma. A responsabilidade é sempre nossa, mesmo que os Lidios Lopes, os Paulos Pereira Coelhos, os Antónios Costas e os Jaimes Soares, deste mundo, insistam que a culpa é deles e só deles. O que se passou nas Alhadas ou em Vila Verde é indescritível. E assustador. Triste país o nosso.

terça-feira, 7 de junho de 2005

[Pedido]

"Um dia, em S. Lourenço da Montaria,
uma rã pediu a Deus para ser grande como um boi.
A rã foi. Deus é que rebentou
"

[António Pedro]

A Catástrofe

"Ora deixai-me dizer
que vejo tudo ao contrário
do que era lícito ver
" [M. Cesariny Vasconcelos]

O suplemento opinativo d'ontem no programa Prós e Contras, foi uma montra curiosa sobre o mal do "enfermo" (Europa) & a pregação do milagre, francamente útil nos seus aspectos rudimentares do politicamente correcto e um excelente exercício sobre a metanarrativa jurídico-política. Mas quis as circunstâncias (aliás bem previsíveis) que o painel assegurasse, com inabalável certeza, que a "catástrofe" (que vinha por aí) não só não comovia ninguém como nem sequer se deveria colocar. Temos santas dúvidas. Aliás, supomos que a perturbação (desde há algum tempo) intelectual de Miguel Beleza nestes eventos públicos, dado ser um sujeito não totalmente displicente, pode ser atribuível, em parte, à sua análise prospectiva sobre o futuro da Europa, que não lhe será conveniente aludir. Adiante.

Do discurso recitado, a virtude da argumentação esteve do lado de Vital Moreira e de José Pacheco Pereira, revelando ambos uma visão robusta da "sebenta" europeia, seja nos seus ornamentos processuais, que fazem a consolação de muitos neófitos da putativa inteligentzia partidária e enaltecem os "ruídos" da política, seja na defesa expedita do seu mundo ideológico, numa lógica doutrinária irrepreensível. Refira-se a admirável exegese do prof. Jorge Miranda em torno do conceito de "democracia", que revela uma bem nutrida energia pelo amparo à participação popular no construído da política.

Porém, no exame dos pregadores faltou alguma coisa mais. Entre o que, presumivelmente, se quer edificar para a Europa ficou-nos um amargo de boca. Afinal, que magnífico edifício querem construir? Os "Estados Unidos da Europa"? Uma União Económica e Monetária, tout court? Uma Zona de Comércio Livre, com as medidas de ministro italiano? Não sabemos! O santuário suspirado não nos foi concedido. A fadiga do debate não pareceu deslindar esta vexata quaestion. Ou estão todos de acordo e nós, cegos de imodéstia, não o entendemos ou o reparo tem sentido.

É que, se a excelência da construção europeia configurar um sumptuoso "Estados Unidos da Europa" então as virtudes de uma Constituição, cheia de graça evidentemente, têm razão de ser. E todos os olhares errantes sobre ela estão esclarecidos de fé. Mas, honrando os súplicas neoliberais & atendendo ao delírio da razão individual dessas almas, se se optar, na costumeira confusão entre a micro e macroeconomia; se não descobrimos, ainda, que a Nação-Estado, ou o que resta dela, escorreu-se-nos entre mãos; se teimarmos em não aceitar "um Estado construtor, edificador" (Lester Thurow, evidentemente), então fora o Tratado e a oportunidade de "transformar o agir em acontecer". Não há escolhas mais, mesmo dando de barato (seguindo Adorno) que a utopia para o ser "prescreve não ser realizada".

Catálogo 70 da Livraria Bizantina

Saiu mais um Catalogo de Carlos Bobone, da Livraria Bizantina (Rua da Misericórdia, nº147, Lisboa), como sempre com peças (479) notáveis. Pode-se consultar on line.

Algumas referências: História de Portugal, de João Ameal, 1974 / O Integralismo Lusitano, por Leão Ramos Ascensão, 1943 / Contra resposta dada ao velho liberal, pelo Visconde d'Azevedo, s.d. / Educação Republicana, de João de Barros, 1916 / Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas, por Bocage (ed. destinada ao Brasil), 1964 / Historia da Luzitania e da Ibéria, de João Bonança, 1887 / O Tiro de Caça, por José Mattos Braamcamp, s.d. / Contos Phantasticos, de Theofilo Braga, 1894 / Agulha em Palheiro, de Camillo Castello Branco, 1865 / Os Modernos Publicistas Portuguezes, de Sampaio Bruno, 1906 / As minhas memorias de jornalista, de António Cabral, 1949 / Descripção Geral de Lisboa em 1839, por P.P. da Camara, 1839 / Lisboa de Outrora, por João Pinto de Carvalho (Tinop), 1938, III vols / Historia do Fado, idem, 1903 / Os Pelourinhos, por Luiz Chaves, 1938 / A Ilha da Madeira, pelo Marquez de Jacome Corrêa, 1927 / Manual do Viajante em Portugal, de L. de Mendonça e Costa, 1907 / O Diário de Noticias, por Alfredo da Cunha, 1914 / Tufão sobre Portugal, de Humberto Delgado, Rio de Janeiro, 1962 / Historia dos Lanifícios, por Luís Fernando de carvalho Dias, 1958-65, III vols / A Relação das Fábricas de 1788, idem, 1955 / Infâmias da Carbonaria, por Eduardo Pinheiro Domingues, Rio de Janeiro, 1912 / Camilo e Silva Pinto, por António Ferrão, 1936 / Historia da Civilização, de Tomás da Fonseca, Coimbra, 1929 / Sermões da Montanha, idem, Ed. Germinal, 1947 / Descripção minuciosa do monumento de Mafra, por Joaquim da Conceição Gomes, 1871 / A Minha Luta, de Adolf Hitler, ed. Fernando Ribeiro de Mello, 1976 / O Theatro em Coimbra, de José Pinto Loureiro, 1959 / A Maçonaria desmascarada ou colecção dos artigos do Echo de Roma, 1872 / Manifesto de Sua Magestade Fidelíssima El-Rei Nosso Senhor, O Senhor D. Miguel I, Impressão Régia, 1832 / Manual do Direito Administrativo Parochial, de António Xavier de Sousa Monteiro, 1876 / Cartas do Japão, de Wenceslau de Moraes, 1927, III vols / Exilados, por Vitorino Nemésio, s.d. / Notas para a Historia do Socialismo em Portugal, de César Nogueira, 1964-66, II vols / Jornais, Homens e Factos de Portimão, por Joaquim António Nunes, 1962 / De Ombro na Ombreira, de Alexandre O?Neill, 1969 / Páginas Minhotas, por Alfredo Pimenta, 1950 / Livro da Fundação do Mosteiro de Salzedas, pelo Fr. Baltasar Reis, 1934 / Minha Alma Gentil (Antologia de Poesia, org. José Régio e Alberto de Serpa), 1957 / Camões no Maranhão, por Mário Saa, 1922 / Discuros, de Oliveira Salazar, VI vols / O Celibato Clerical, e religioso defendido dos golpes da impiedade e da libertinagem dos correspondentes de Astrea, Typ. Bolhões, 1830 / Real Casa Pia de Lisboa, por César da Silva, 1896 / Tintin (revista BD), Ano I (1968) a Ano XV (1982), 28 vols encad.

domingo, 5 de junho de 2005


[Memória descritiva ou Conselho de Ministros]

Neste dia que de negro se fez branco, a caminho do mar para refutar o drama pátrio, depois de afazeres campestres, oferecemos à fidalguia da blogosfera que soube dizer que "o lugar do rei é ao lado do seu povo", a bênção arrebatada da voz, novamente, de José Mário Branco & o seu estandarte de palavras, ali ao lado. Atendei e cantai, em nobre soidade, enquanto nos refrescamos em súplica báquica, aqui ao lado.

"Capote preto ... capote branco
Quem dá o flanco nunca se defende bem.
Capote branco ... capote preto
O Chico-esperto usa a cor que lhe convém ...
"

Os folhetos do companheiro Vasco

O repositório de curiosidades do devoto Vasco Pulido Valente no Público é um tratado de raiva, entaramelado por discursos recitados à paróquia liberal, mais ou menos condoído em testemunhos de gratidão poética & de alegria poupada, que nos faz sorrir de felicidade moral e quietação intelectual. A última vítima do literato militante é essa "construção utópica" de nome Europa, claro está, "inventada à revelia do eleitorado" indígena pelos domésticos de Bruxelas ou, em rigor circunspecto e espírito chorado, esse curioso "modelo social" europeu que ameaça os incréus do neoliberalismo. O Tratado Constitucional Europeu estaria, portanto, refém desses malsins eurocratas possuídos de pecados horripilantes e em desarmonia com os escritos agastadiços do piedoso companheiro Vasco. É bom de ver que não podemos ficar indiferentes e por aqui, ofegando à charamela do senhor Pulido Valente. O argumento do dr. Vasco é deveras fastidioso. E tresvariado, bem entendido.

As minúcias presentes no "Não" (com aspas) francês, holandês ou noutros afadigados referendos que se lhe seguem podem ser lidas, de facto, como uma recusa total das políticas económicas e sociais entoadas pelo directório europeu. Que o francês solte um brejeiro libelo contra o "canalizador polaco", que proteste sobre a frontaria da libérrima deslocalização do factor capital ou que os protestantes holandeses fiquem atormentados pela presença do ímpio árabe, não espantam por aí além. Na essência, os pacientes europeus, fiéis ao seu sentimento instintivo de bem-estar, estremecem nas desvantagens que o modelo neoliberal lhes acena.

O incómodo que a eficiência da globalização conduz, nivelando por baixo poder de compra, estilo de vida e bem-estar social, excedeu o inimaginável. Pretender a classe política e suas famílias que as massas exprimam sentimentos de afectuosidade ás prometidas virilidades económicas de Bruxelas, quando se verifica uma economia abaixo da fronteira de possibilidades de utilidade e se constata uma ineficiência das políticas seguidas, é mero desejo impotente. Não há razão alguma para acreditar nas "graves" decisões dos governos europeus.

Estes, sem politica monetária, cambial ou orçamental para manipular, com taxas de juros baixas, sofrendo os efeitos da violenta abertura dos mercados mundiais, assistindo, castrados, à deslocalização e consequente perequação dos factores de produção, não podem esperar, daí, qualquer aumento de receitas, ou melhoria do comportamento da tributação, para cumprir a bondade da PEC. E, portanto, incapazes de recitar a oração fúnebre ao modelo neoliberal, tomam medidas para "emagrecer" o Estado-Social, que passa a ser doravante motivo de todos os males.

Por seu lado, a população europeia, não entendendo a suposta falência do seu modelo social, laboriosamente construído ao longo de gerações, questiona, o óbvio: quem ganha e quem perde com a liberalização selvagem? Fora o José Manuel Fernandes, ainda em expiação do seu delito de maoísta envergonhado, poucos têm a ganhar na Europa. O prodígio da auto-ilusão que o modelo social europeu é fonte do mal, é uma bravata que fica bem aos zeladores de uma certa Europa, mas que não diz nada ao "povo", que por isso retirou utilidade da situação de voto. A incursão europeia, descansem, não acabou de vez. Não capitular ao regaço do liberalismo serôdio do dr. Barroso, não pode querer significar estar-se contra o Tratado Constitucional Europeu, não beneficiar das virtudes de um espaço único, cultural, social, económico e politico, que estabeleça as necessárias imposições para a livre troca no comércio internacional. Estamos disso certos.
[O mundo dos soberbos]

"... Bandidos, ébrios, mendigos, ladrões! Chama-vos isso o mundo dos soberbos que vos repulsa, e que todavia não vale mais, nem tanto. Porque, não sendo menos feroz, é mais hipócrita e mais covarde. Porque faz da impostura um paládium, da lei um manequim, da justiça um sofisma ou uma teoria. Porque se arreia com os espólios do menos forte. Porque pleiteia baixas competências com lastimosa vilania. Porque tudo, família, crenças, amigos, tudo sacrifica a impudentes vaidades e a ambiciosas conveniências. Indagai e vereis que tais são as principais qualidades dos felizes da terra, dos virtuosos, dos queridos da multidão, dos honrados. Sejamos então nós os apóstatas da honra. E bebamos! Escárnio à sociedade madrasta, que exclui do festim universal, como se não fora filho do homem, o pária ou o proletário! Bebei. Sou eu que pago ..."

[Álvaro Carvalhal, in Contos, 1868 (aliás 1978)]
[Preguiçar ao meio dia ...]

"Preguiçar ao meio dia, absorto,
ao pé do muro em brasa do horto,
escutar entre silvas e espinhos
roçar de cobras, estalar de ninhos
...
Observar por entre ramos o palpitar
longínquo de escamas de mar
enquanto se ouve a trémula algazarra
nos montes escalvados das cigarras

E andando sob o sol que ofusca
Perceber com melancólico espanto
O que é toda a vida e a sua busca,
O nosso dia-a-dia: um muro de horto
Que tem no alto cacos de garrafas ,,,"

[Eugenio Montale, trad. de Maria José de Lancastre, in Critério]

quinta-feira, 2 de junho de 2005


In Memoriam Eduardo Teixeira Coelho [1919-2005]

Eduardo Teixeira Coelho (ETC), um dos maiores ilustradores da Banda Desenhada Portuguesa faleceu em Florença, no dia 31 de Maio do corrente ano. "A simultânea firmeza e leveza do seu traço, a força sugestiva da pincelada, a mestria no jogo de luz e sombra, de preto e branco, as arquitecturas fosterianas, a composição dinâmica, os cavalos, os espaços abertos, a perfeição da técnica, a subtileza dos rostos?" [João Boléo & Carlos Pinheiro, 2000] revelam a presença de um grande desenhador e fazem parte da "história aos quadradinhos de expressão realista". O grande sucesso da revista "Mosquito" a ele se deveu. Merecidamente.

Nasce ETC em Angra do Heroísmo a 4 de Janeiro de 1919, parte para Lisboa para "frequentar um curso comercial", publica o seu primeiro trabalho no "Sempre Fixe" (nº 517, 1936), labora em anúncios publicitários, cartazes de praia, "reclamos de imprensa", faz ilustrações para a revista "Foco" (1941). A partir daí o seu progresso é "surpreendente", não só pelo contacto com outros ilustradores (Álvaro Duarte de Almeida ou João Rodrigues Alves) mas "pela busca isolada e teimosa de um processo interpretativo pessoal" [António Dias de Deus, 1997] aliada a "uma grande liberdade criativa íntima" [ibidem]. Participa em diversas revistas infantis, e é principalmente no "Mosquito" (1943) que "alcança a mestria total na ilustração de novelas com carácter histórico, moderno ou fantástico". A colaboração com a escrita de Raul Correia, "pela clareza e vivacidade" e criatividade "marcaram uma época".

Em 1953, ETC vai para França "em ruptura com o Estado Novo" [Carlos Pessoa, in jornal O Público], onde colabora no "semanário infanto-juvenil do Partido Comunista Francês" [ibidem], depois Inglaterra, dando início a uma "carreira internacional" notável [utilizou pseudónimos, como o de Martin Sièvre], radicando-se posteriormente em Florença [é ao mesmo tempo um "especialista de alguns aspectos da iconografia histórica" local, organizando "uma exposição sobre armaduras, que constituía uma das suas paixões"], onde veio a falecer.

Bibliografia de ETC: O Senhor Doutor, Engenhocas e Coisa Práticas, Filmagem, Colecção de Aventuras (1942), Mosquito a partir de 1943 [O Feitiço do Homem Branco, Os Guerreiros do Lago Verde, Os Náufragos do Barco sem Nome, Falcão Negro, O Caminho do Oriente, A Lei da Selva, Trilogia das Louras, Lobo Cinzento], rev. Chicos (1943/4), desenhos no Século, Diário de Noticias, Almanaque Alentejano (1946), revista Eva, Olá (1948), Auditorium, Diabrete (1950), Cavaleiro Andante (1953), Gente Moça (1953), Portugal Ilustrado (1953), O Rei Triste (1955), rev. O Pardal (1961), Histoire de France en Bandes Dessinés (1970), Jornal do Cuto, O Mundo de Aventuras, reimp. O Caminho do Oriente (ed. Futura), A Morte do Lidador, A Torre de D. Ramires, etc.

Referências a ETC: Os Comics em Portugal, Bedeteca, 1997 / E.T. Coelho: a Arte e a Vida, Ed. Época de Ouro, 1997 / Eduardo Teixeira Coelho: quadriculografia portuguesa ilustrada, ver. BML, 1998 / Dicionário dos Autores de Banda Desenhada e Cartoon em Portugal, NonArte, 1999 / Das Conferências do Casino à Filosofia de Ponta, Bedeteca, 2000

Locais: Eduardo Teixeira Coelho / ETCoelho / Galeria de Eduardo Teixeira Coelho / La mort d'Eduardo Teixeira Coelho / Um nome maior da BD portuguesa Eduardo Teixeira Coelho

segunda-feira, 30 de maio de 2005


Tempos difíceis

Quantas saídas tem uma "crise"? Quantos defeitos têm a paixão dos "separados noivos"? Como enterrar este espectro da não-"coisa" europeia, quando o discurso e a geografia eleitoral sobre o Tratado Constitucional Europeu neutralizam o próprio "lugar"?

A vitória do "Não" em França é um rude golpe sobre o "corpo recantado", construído no imaginário de homens e mulheres para quem a solidariedade e a fraternidade não pode ser uma memória perdida. Um "lugar" sem desejo nunca pode edificar sujeitos activos. O perigo da vitória do "Não" é a embriaguez que se lhe segue. A dissidência, assim extremada, pode não redundar em trabalho colectivo, democraticamente participativo e solidário. Como alguns pretendem. E é o reverso disso que atemoriza. Aquilo que qualquer cidadão, assumidamente europeu, mais teme: o enclausuramento de cada um e de cada qual em defesa dos seus próprios interesses nacionais, cedendo de barato à ideia, bem liberal, que o interesse particular dá solidez a qualquer organização social.

A "crise" que se vai desenrolar, mesmo que resulte num diferendo ultrapassável, não pode fazer esquecer a impostura de vários posicionamentos ideológicos, mesmo se a argumentação tenha a ilusão do politicamente pertinente. Mais, o "olhar que respira" não pode estar aliado a essa maldição da extrema-direita, pseudo nacionalista e perversamente xenófoba, que os sobressaltos da história há muito julgaram. Onde a clivagem?

E, que dizer, quando se sucumbe, ali mesmo na praia, à obedecida Ordem Mundial neoliberal, que alguns julgam ingenuamente combater, tomando cegamente o partido do "Não"? Esperam, isoladamente, num qualquer bunker, mudar assim a vida e o seu trajecto normal? Transformar o mundo não será, também, registar experiências anteriores de rupturas, conceber o passado? Acaso o combate contra o modelo neoliberal, necessariamente político, não é mais eficaz e certeiro num colectivo único, mesmo que tenha agora a forma de um texto constitucional uniforme e o nome Tratado Constitucional Europeu? Não sabemos de todo. Mas vocês ... sabem-no?