terça-feira, 7 de junho de 2005
A Catástrofe
"Ora deixai-me dizer
que vejo tudo ao contrário
do que era lícito ver" [M. Cesariny Vasconcelos]
O suplemento opinativo d'ontem no programa Prós e Contras, foi uma montra curiosa sobre o mal do "enfermo" (Europa) & a pregação do milagre, francamente útil nos seus aspectos rudimentares do politicamente correcto e um excelente exercício sobre a metanarrativa jurídico-política. Mas quis as circunstâncias (aliás bem previsíveis) que o painel assegurasse, com inabalável certeza, que a "catástrofe" (que vinha por aí) não só não comovia ninguém como nem sequer se deveria colocar. Temos santas dúvidas. Aliás, supomos que a perturbação (desde há algum tempo) intelectual de Miguel Beleza nestes eventos públicos, dado ser um sujeito não totalmente displicente, pode ser atribuível, em parte, à sua análise prospectiva sobre o futuro da Europa, que não lhe será conveniente aludir. Adiante.
Do discurso recitado, a virtude da argumentação esteve do lado de Vital Moreira e de José Pacheco Pereira, revelando ambos uma visão robusta da "sebenta" europeia, seja nos seus ornamentos processuais, que fazem a consolação de muitos neófitos da putativa inteligentzia partidária e enaltecem os "ruídos" da política, seja na defesa expedita do seu mundo ideológico, numa lógica doutrinária irrepreensível. Refira-se a admirável exegese do prof. Jorge Miranda em torno do conceito de "democracia", que revela uma bem nutrida energia pelo amparo à participação popular no construído da política.
Porém, no exame dos pregadores faltou alguma coisa mais. Entre o que, presumivelmente, se quer edificar para a Europa ficou-nos um amargo de boca. Afinal, que magnífico edifício querem construir? Os "Estados Unidos da Europa"? Uma União Económica e Monetária, tout court? Uma Zona de Comércio Livre, com as medidas de ministro italiano? Não sabemos! O santuário suspirado não nos foi concedido. A fadiga do debate não pareceu deslindar esta vexata quaestion. Ou estão todos de acordo e nós, cegos de imodéstia, não o entendemos ou o reparo tem sentido.
É que, se a excelência da construção europeia configurar um sumptuoso "Estados Unidos da Europa" então as virtudes de uma Constituição, cheia de graça evidentemente, têm razão de ser. E todos os olhares errantes sobre ela estão esclarecidos de fé. Mas, honrando os súplicas neoliberais & atendendo ao delírio da razão individual dessas almas, se se optar, na costumeira confusão entre a micro e macroeconomia; se não descobrimos, ainda, que a Nação-Estado, ou o que resta dela, escorreu-se-nos entre mãos; se teimarmos em não aceitar "um Estado construtor, edificador" (Lester Thurow, evidentemente), então fora o Tratado e a oportunidade de "transformar o agir em acontecer". Não há escolhas mais, mesmo dando de barato (seguindo Adorno) que a utopia para o ser "prescreve não ser realizada".