segunda-feira, 18 de setembro de 2006



"Criancinhas paregóricas de todos os países uni-vos" [W. Burroughs]

Paregórico: que suaviza ou acalma as dores; calmante; anódino || elixir ... antiga preparação opiácea da farmacopeia, também chamada tintura de ópio composta ou tintura de ópio benzóica [in Gr. Dic. L. Port, de JPM]

Mas que lindo menino ...

"... Não existe RTP. Existe a TV do José Eduardo Moniz. Está ali para se servir e o preço que tem de pagar é servir o poder, seja o PS (que o meteu lá, não esqueçamos ...), seja o PSD ou outro qualquer. Este tipo de gente serve todos os regimes. Mas ele não é eterno: não pode ir mais acima porque já está no topo da empresa, é quem manda mais. Portanto a esta hora já deve andar a namorar as privadas. E ainda vamos assistir ao cúmulo da imoralidade - que é o José Eduardo Moniz, o homem de mão, o homem que moldou a RTP à sua semelhança, depois de minar a TV pública e liquidar a sua credibilidade, sair para outro canal e passar a concorrer com a própria RTP ,,,"

[Miguel Sousa Tavares - entrevista à Kapa, Maio 1991]

Sol-e-dó

Por um lado o soltador arq. Saraiva não se saiu bem nas entrevistas televisivas a que se voluntariou. Esteve resinoso demais com Balsemão (soledades?), gracejou com o BCP (ou foi com os telespectadores?) e terminou incomodado com o surto de DVD's e publicidade do Expresso. Não se devia ter entretido em solapamentos antigos, nem caído como um qualquer infame soldadesco, na agitação do dr. Balsemão.

Por outro lado, o solevado arq. Saraiva ganhou a aposta. O jornal vendeu como pãezinhos quentes. Em qualquer soleira ou banca de jornais, o jornal esgotou. Será para solidificar? Veremos, mas seria bem melhor caminhar em solipé. Os rapazes do dr. Balsemão, sabe-se, andam soluçantes. Mas é de suspeitar. Soliamente bastaria ao dr. Balsemão enlaçar todas as semanas, ao seu jornal, uma qualquer iconografia de Scarlett Johansson (mesmo que estivesse ao colo do dr. Marques Mendes) para que o arq. Saraiva fosse para o desemprego. Há mulheres tão solarosas, que não têm perdão. Eu que o diga.

Por fim, o jornal soletreado letra-a-letra é uma alma gémea daquele feito pelo dr. Balsemão. Não inovou graficamente; apresenta textos como que solfejados do CM; tem uma revista de nome Tabu (a que propósito?) inenarrável, logo ali onde se deveria marcar a diferença com a Única (mãozinha do Rainho?); não tem uma secção dedicada à cultura (livros, música, cinema, teatro), o quer significar que não há clientes para tão estranha heresia. Será? Afinal que classes ou segmentos de público se pretende atingir? Que há de errado nisto tudo? Alguém nos diz? Agradecido.

sábado, 16 de setembro de 2006


Sol(e) mio ...

O regresso do arq. José António Saraiva às lides jornalísticas é uma saudade maior. A generosa prosa do arquitecto, afastado que está da ideia murmurada do Nobel, ressuscita a partir d'hoje no semanário Sol. O cidadão, mesmo que não espere nenhum milagre singular, agradece, tal o tédio e o desconchavo do actual Expresso. A virtude do jornal do dr. Balsemão, se é que alguma vez existiu, não dura sempre. E mesmo que o seu declínio político-cultural tenha começado já no tempo do arq. Saraiva, por muitas & variadas causas, a passagem de testemunho ao jovem Henrique Monteiro foi uma imensa e total cegueira. E que só o hábito e inércia de tantos anos recomenda a sua compra.

O embrulho do Expresso com DVD incluído, a súbita sedução por plataformas de blogs e fóruns, o cuidado presente na edição online, as profundas alterações ao corpo do jornal, constituem não apenas uma interessante mudança, que haveria de ser cumprida mais cedo ou mais tarde, mas pronuncia, principalmente, uma resposta enérgica à interpelação da concorrência. Só por isso o Sol está de parabéns.

E mesmo que o futuro venha a dar razão às objecções assinaladas pelo meu caro amigo Jorge Vasconcelos e Sá, como sempre demasiado absorvido na teoria dos jogos (que domina como ninguém mais) é possível que esta fase cinzenta, esfumada e pouco transparente que atravessa a imprensa dita de referência poderá, se os jornalistas do Sol nos surpreenderem, ser ultrapassada. Assim o esperamos. De todo.

[a reprodução, acima, é do nº 1 do antigo semanário (de Estudo e Critica dos Acontecimentos Internacionais) Sol, publicado em Lisboa a 19 de Junho de 1942, cujo editor e director foi A. Lello Portella. Custava 1 escudo. Bons tempos]

sexta-feira, 15 de setembro de 2006


Liberais, vos papiers!

"Uma história não se inventa, encontra-se" [Peter Handke]

O último "Prós e Contras", que colocou frente a frente o dr. Soares e o dr. Pacheco Pereira, foi excelentemente pastoreado pelos "bons espíritos" da blogosfera lusa. A autoridade organizada - nova "doença" indígena entre alguns propagandistas liberais, neoliberais ou generosos reaccionários - mobilada pelo "velho" conceito Schmittiano sobre a política caseira, segundo a qual todas as matérias da paróquia configuram, obrigatoriamente, a antítese "amigo/inimigo", foi esclarecedora e bem viciosa. Portanto, os bons espíritos da blogosfera obraram, corporativamente, um ror abundante de impropérios & outros castigos menores sobre o "inimigo" anti-americano e, na hora, desancaram o dr. Soares. O terrorismo é, para a inteligência doméstica, um mero fenómeno de cordel, que nalguns dos seus argumentos lembra a "autoridade" de Goering quando afirmava: "Eu é que determino quem é judeu!". E a que os nossos insignes teóricos liberais contrapõem: "Nós é que determinamos quem é terrorista e como se deve combatê-los". Evidentemente!

A trovoada de fantasias sobre o "perigoso" esquerdista Soares (pai) é, por demais, conhecida: um perigoso anti-americano, entusiasta preclaro das Nações Unidas, um "mendigo" inconformista, artificioso "poeta" do direito internacional, um adepto da teoria conspirativa do "mas", um residente de Porto Alegre. O costume, que o farnel não acaba nunca. A novidade da época, impudentíssima, é a presença dum caceteirismo blogosférico, assente curiosamente em relatos aparentados a Gabriel Alves, sem nenhum provimento, modéstia intelectual e de imensa insensatez. O estrondo da denúncia foi duma loquacidade devota, bem ao espírito do velho Botas de S. Comba.

Neste particular, o espadachim mais prestimoso, pelo que ficará entronizado para todo o sempre, foi o nosso estimado politólogo, agora curiosamente avesso ao dialogismo & demais "realismos", que zurziu inopinadamente no "delirante" dr. Soares. A feroz reprimenda, mesmo que feita à la Gabriel Alves, espanta pelo vigor e, procedente de quem vem, surpreende muito. Quer-nos parecer, afinal, que a ressaca teórica exibida não é mais que a mistura de algum [Rohan] Gunaratna com uma pitada de [Robert] Dreyfuss, nada de Ms Mowlam, nenhum [Kenneth] Waltz ou [Richard] Rorty e muito [Joseph de] Maistre à mistura. A teoria anda perigosa. Mas não se percebe como. Acontece, apenas. E para pior.

Catálogo LV da Livraria Moreira da Costa

Acaba de sair Catálogo do mês de Setembro da Livraria Moreira da Costa, Rua da Avis, 30, Porto. Apresenta livros de muita estimados, alguns raros. Pode ser consultado on line.

Algumas referências: Liber Utilissimus Judicibus, et Advocatis, por António Cardoso do Amaral, Universitatis Typographum. Anno Dñi 1695 / Annuaire Universel de tous les Rites de la Maçonnerie Française er estrangère par F. Pinon, s.d. / Escriptos Humorísticos. Em prosa e Verso do faleccido José de Sousa Bandeira [artig. Publicados na Atalaia, Periódico dos Pobres e Braz Tisana], Porto, 1874 / Alma Portugueza, de Teófilo Braga, 1893 / História Trágico-Marítima, de Bernardo Gomes de Brito (direc. De Damião Peres), 1936-37, V vols / O Bico de Gaz, de Camilo Castelo Branco [Reprodução comemorativa do leilão da livraria do Exmo. Sr. Carlos de Macedo Branco, em que se vendeu um exemplar dessa raríssima espécie camiliana. Lisboa. Livraria Moraes. 1927] / O Romance de um Homem Rico, de Camilo C. Branco, Viúva Moré, 1863 / Os Ratos da Inquisição. Poema Inédito do Judeu Portuguez, por António Serrão de Castro (pref. de Camilo), Porto, 1883 / Excerptos Históricos e Colecção de Documentos. Relativos à Guerra Denominada da Península e às anteriores de 1801 ..., 1863 / Férias com Salazar (2ª ed.), de Christine Garnier, AMP, 1952 / Historia do Cerco do Porto. A guerra civil em Portugal, o sitio do Porto até à morte de D. Pedro IV, Porto [suplemento ao nº 36 do Pyrilampo] / Inauguração do Caminho de Ferro do Valle do Vouga. Espinho-Vizeu-Aveiro [Álbum de 25 fotografias de Emílio Biel], 1908 / Junta Patriótica do Norte. Sinopse da sua obra até 30 de Setembro de 1918, Porto / Verdades Cruas [5 opúsculos de Gomes Leal], Lisboa. S.d / Elementos da Arte Militar, pelo Major D. Luiz da Câmara Leme, 1874-79, II vols / A Virgem e Portugal [iconografia e textos], direc. Fernando de Castro Pires de Lima, 1967, II vols / Matosinhos, por Maria Alves Lima, 1963 / Taboa Geográfico. Estatística Luzitana ou Diccionario Abreviado de todas as Cidades, Villa e Freguezias de Portugal ..., por Fr. Francisco dos Prazeres Maranhão, Porto, 1842 / D. Carlos, de Rocha Martins, Off. ABC, 1926 / A Pátria a Luiz de Quillinan, Porto, 1884 [valioso conjunto de reacções e homenagens prestadas ao Major Quillinan, pela reacção deste aos insultos proferidos no Parlamento Inglês, pelo deputado Jacob Bright, contra Portugal. Editado por José da Fonseca Lage e organizado por Affonso Taveira Cardoso. Contém listas de assinaturas de personalidades, cartas, eventos, etc., provenientes das mais diversas regiões do País] / Questão Portugueza Traduzida de um Jornal Inglez, por um Verdadeiro Patriota, 1827 [problema da sucessão de D. João VI] / O Príncipe com Orelhas de Burro, de José Régio, Inquérito, 1942 / Sol, revista Portuguesa, dir. Fernando C. Pires de Lima de Virgílio A. Dantas, 1971-72, X nums / Nobiliário da Ilha Terceira, de Eduardo de Campos de Castro de Azevedo Soares, Porto, 1944, III vols / Colecção de Listas, que contem os nomes das pessoas que ficarão pronunciadas nas devassas, e summarios a que mandou proceder o Governo Usurpador depois da heróica contra revolução, que arrebentou na mui nobre, e leal Cidade do Porto em 16 de Maio de 1828 ..., Porto, 1833

quarta-feira, 13 de setembro de 2006


Salvé Natália Correia [n. 13 Setembro 1923]

"... Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis
" [Auto-retrato]

"Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na Deusa com olhos de diamantes.
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes.
...
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen" [A Véspera do Prodígio]

Natália Correia - AutogéneseCastpost

Boa noite, Natália!

Catálogo de Setembro da In-Libris

Saiu o Catálogo do mês de Setembro da In-Libris (Porto). A consultar on line

terça-feira, 5 de setembro de 2006


Arrumações - Vynil, CD's e Cassetes Piratas

"There's an evenin' haze settlin' over town
Starlight by the edge of the creek
The buyin' power of the proletariat's gone down
Money's gettin' shallow and weak
Well, the place I love best is a sweet memory
It's a new path that we trod
They say low wages are a reality
If we want to compete abroad

My cruel weapons have been put on the shelf
Come sit down on my knee
You are dearer to me than myself
As you yourself can see
While I'm listening to the steel rails hum
Got both eyes tight shut
Just sitting here trying to keep the hunger from
Creeping it's way into my gut ..." [letra aqui]

Bob Dylan - Workingman's Blues #2Castpost

Ribeiro de Melo - Um Editor na Banheira

Ricardo Jorge, colhendo o testemunho de gratidão de todos nós, fabricou um blog sobre a invulgar Editora Afrodite, de boa memória. O mérito é evidente. Satisfaz a nossa agitada memória livresca e contribui com preciosas anotações para a história do livro, que tem tratado (e bem!) do ofício do livreiro-editor em épocas de antanho (caso dos trabalhos de Artur Anselmo, Fernando Guedes, da Revista Portuguesa da História do Livro e da Revista da Biblioteca Nacional), mas tem descurado o estudo de "pequenas" editoras, fora do mainstream e outras mais "robustas", que fizeram história por diversos motivos. É o caso da Afrodite, mas poderia ser da Contraponto, da & ETC, da Fenda, ou até mesmo da Delfos, da Lux, da Ulisseia, da Arcádia, da Portugália, da Cosmos, da J. Rodrigues, da Moraes, da Atlântida, da Ática, Artis, Centro Bibliográfico, Edições SEN, Edições Gama, Estúdios Cor, Editora Argo, Edições Ágora, Limiar, Inova, Editorial Inquérito, Cadernos de Poesia, Lumen, C.E.P., Afrontamento, etc.

Assim, para o Ricardo, em agradecimento pelo seu utilíssimo trabalho, daqui lhe envio um fabuloso texto sobre Ribeiro de Melo:

"... dezenas de entendidos assistiram ontem à noite [dia 15 de Dezembro de 1971] ao entremez 'Um editor na banheira', representado por Fernando Ribeiro de Melo (Edições Afrodite) no seu rés-do-chão da Rua do Cabo, a dois passos de Santa Isabel. Quatro obras novas foram pretexto para a mais líquida conferência de imprensa de que temos memória ... [in Diário Lisboa, 1ª pàg. Do dia 16 de Dezembro de 1971]

"Porque pode ser Melo mas sobretudo porque é Ribeiro, o editor Fernando Ribeiro de Melo deu ontem à noite mais uma prova da sua compatibilidade com os líquidos ao fazer de dentro de uma banheira o lançamento de novas obras. Quando lhe perguntaram de ele sempre era ao Dali português, respondeu naturalmente:

'Cada povo tem o Dali que merece, embora alguns Dalis (é o meu caso) não tenham o povo que merecem. Mas enfim ...'

Neste 'enfim' ia uma banheira de sugestões (...) O editor entra na banheira, senta-se (leva calções pretos para obviar á pergunta 'vestiu calções?'), acende um cigarro, deita as primeiras cinzas num bacio (este branco, por contraste) e perora assim:

'Meus senhores, com a vossa colaboração espero a eficiência de uma comunicação ao público sobre estas obras que o público deve ler!'

Sabe-a toda, e sabe que a sabe toda (...)

A cena passou-se ontem, à noite, como dizíamos, numa banheira. Para sermos precisos, a banheira estava (e está) na Rua do Cabo, nº 10, rés do chão esquerdo, à direita de quem sobe. Quanto aos presentes, eram cerca de quatro dezenas, mas incluíram representantes de quase todos os órgãos de Informação da capital e até mesmo gente da Rádio, do Cinema e da Televisão. Se fosse no S. Carlos de Há cem anos teria sido um inapagável 'sucesso de binóculo'.

Algumas palavras acerca do editor: é de facto editor (edita livros), não sobressai pela estatura (relativamente meã), usa bigodes de ponta retorcida, anda pelos trinta, trinta e pico. Perde dinheiro, ganha dinheiro. Agora está interessado em ganhar, de onde a conferência de Imprensa na banheira com permissão de traje de passeio: era o que rezava o convite. Os livros são giros, anotamos o primeiro volume da História Trágico-Marítima de Bernardo Gomes de Brito (...)

Dois diabos ensonados misturavam-se com a assitência, enquanto duas beldades do conhecido editor (Palola e Eugénia) iam servindo e retirando o alvo bacio de louça. Num requinte de malvadez publicitária Ribeiro de Melo pintara 'slogans' editoriais sobre a cútis das raparigas.

'Sinto que há entre nós muita falta de alegria', comenta ele (...)

Fui comido pela máquina fotográfica, casquina um verso de Mário Cesariny de Vasconcelos. A propósito, estava presente o Cesariny. E estava o Cruzeiro Seixas. E o Júlio Moreira. Entre as muitas outras pessoas que deixaram cartões ou de algum modo se fizeram representar anotámos os nomes dos srs. António Palouro, António José Forte, Vítor da Silva Tavares, José Vaz Pereira, Cuna Telles, António Damião, Nuno Júdice, Manuel Gusmão, Sam, João Paulo Guerra e Fernando Ribeiro de Melo. Que estava a ler (ler mais acima) dentro de uma Grande banheira circular forrada a preceito pelo artista plástico João Vieira. De calções pretos"

[F.A.P. (Fernando Assis Pacheco?), Diário de Lisboa, pag.2, 16/12/1971]

Trabalhos domésticos

"os sentimentos atrasam ..." [Artaud]

Andamos alvoroçados na lide doméstica. Os trabalhos, bem agitados, de (re)organizar a livraria caseira priva-nos de aceder à "política de farmácia" indígena & outras emulações curiosas. O expediente está, pois, atrasado. Mesmo os deveres de leitura & ofícios virtuais, que sempre nos alimentaram a paixão, estão sem ritual algum. Estamos, praticamente, assalariados. Os sintomas da fadiga são graves, face à papelada, revistas e jornais amontoados. Estes últimos, mesmo que encadernados, fazem-nos perder umas horas na mais doce das excitações (é a vida!). E os livros, meus senhores? Os livros são despóticos. Nunca estão acomodados como queremos. Daí que jamais entenderemos os bibliotecários & outros teóricos do papel.

A vantagem deste trabalho doméstico, a nossa douta alienação, é que não fomos surpreendidos pelas novíssimas excentricidades, partilhadas pelo "belo" canto conservador, do (neo)revisionismo histórico e do neo-barbarismo. E que, pelo que se lê, o senhor Rui Ramos & o inefável Luciano Amaral, duas autoridades sobre o "mundo administrado", andam a propinar aos fiéis. Compreende-se, assim, que não respigássemos na putativa autobiografia política de José Luís Pinto de Sá (Conquistadores de almas). Desleixo nosso. Mas coisa que o admirável José Manuel Fernandes não deixou passar, embora a memória (do e do JMF, evidentemente) não se recomende.

Daí, também, que não nos maçámos com a sombra de Sócrates a pairar sobre a Imprensa e os seus funcionários. Temos, naturalmente, a opinião que a (in)discrição da "boa imprensa" lusa é o novo "melhoral" da escolástica socrática. E do governo rosáceo & sua justiceira espada. Além disto, fora o futebol dos senhores Valentim, Madail e Cunha Leal a que não damos importância, vamos sobrevivendo. Entre papéis avulsos, jornais e recortes impalpáveis, que nos alimentam os dias. Quando acabar a ofensiva doméstica, voltaremos ao mundo & finezas habituais. Até já!

quinta-feira, 31 de agosto de 2006


Catálogo (Especial) Monografias da In-Libris

Saiu um Catálogo extra da In-Libris (Porto) de temática monográfica. A consultar on line.



"... salut, vieux livres, mês amis, mês consolateurs, mês plaisirs et mês espérances"

[Bibliophile Jacob]

García Lorca 70 anos depois

"Era de izquierdas, tenía gran éxito
como escritor y era homosexual
" [Ian Gibson]

"... Federico García Lorca ha sido uno de los poetas más y peor leídos de nuestra lengua. Quizás deba su gloria también a su muerte absurda. Pero, contrario a tantos otros poetas militantes igualmente prestigiosos, nunca perteneció a partido alguno, ni asumió principios políticos e ideológicos de los cuales desdecirse una vez pasado el triunfalismo de atroces dictaduras. Como Esenin, Maiakovski y Vallejo, fue uno de los verdaderos espíritus libres del siglo XX?"

[ler aqui]

quarta-feira, 30 de agosto de 2006


Naguib Mahfouz [1911-2006]

"La mort! La mort, quand j'ai perdu mon père, je ne m'y faisais pas. Maintenant, je la regarde comme une partie intégrante de la vie. Je l'ai acceptée et je peux même dire que je me suis réconcilié avec elle en tant que réalité. Bien plus, si l'on avait proposé à l'homme de vivre éternellement, je l'aurais, quant à moi, refusé, car l'éternité est insupportable"

"En vérité, j'ai toute une histoire avec le roman policier (...) Le roman policier est en vérité une forme très séduisante, à tel point qu'il suffit de se rappeler que le roman d'avant-garde, ce qu'on désigne par «anti-roman» ou «a-roman» a eu recours à la forme policière pour alléger son hermétisme ..."

"Dire que la littérature est un jeu avec les mots est une idée avec laquelle je ne suis pas tout à fait d'accord. La littérature est une quête de mots, une quête du mot juste pour exprimer ce qu'imagine ou ce que sent l'auteur. Et comme toute quête, elle s'accompagne de douleur. Mais une fois le but atteint, on sent une grande joie.

C'est donc une opération qui comporte jouissance et douleur en même temps. Les motivations profondes de cette quête, sa pratique, sa prise de possession de tout l'être de l'écrivain, c'est tout cela qui fait qu'il persévère, malgré toutes les épreuves, jusqu'aux ultimes limites de ces forces. Il n'y a ni jeu avec les mots, ni manipulation des mots. C'est une quête ... Une quête du mot juste"

"Quant au rôle des intellectuels, je crois qu'ils doivent être le porte-parole de la pensée éclairé, de la modernité et des valeurs supérieures. Ils ont à les propager, chacun selon ses moyens. L'écrivain avec sa plume, le journaliste avec sa voix, le militant politique à travers les partis et les syndicats ... Toute voie consolidant l'humanisme doit être utilisée. C'est en cela que réside l'espoir"

[in Entretien inédit avec Naguib Mahfouz, par Rachid Sabbaghi]

quinta-feira, 24 de agosto de 2006


Arrumações - Vynil, CD's e Cassetes Piratas

"le nom des passages devint comme un filter qui ne laissait passer que l'essence la plus intime, l'essence la plus amère de l'Autrefois. Ce pouvoir étrange de distiller le présent comme l'essence la plus intime de l'Autrefois est ce qui confère au nom, pour les vrais voyageurs, sa puissance mystérieuse et excitante" [Walter Benjamin, Le Livre des Passages]

Jane Birkin - Sans ToiCastpost
BLOGS [Libano e Israel]

All Kinds of Writing / Angry Arab / Bassem Mroue [Beirute] / Beirut Spring / Biur Chametz [Israel] / Bob's Blog [Libano] / Chercheuse d'or / Cold Desert [Beirute] / CoNsCiEnCe TrAnQuIlLe / Dovbear / Dove's Eye View / From Beirut to the Beltway / Israel Matzav [Jerusalem] / Jerusalem Diaries / Kerblog [Beirute] / Lebanese Blogger Forum / Letters Apart / Life, or Something Like It... [Libano] / Life in the Styx / Me, myself, and my Lebanon / Medad's Words / Muqata / My Right Word [Samaria] / On the Face / Rampurple / Ramzi Blah Blah / Realm of R / Shiloh Musings / The Lebanese Bloggers / The Perpetual Refugee / Tikun Olam / Welcome to My Lebanese Dream / Zionist Conspiracy

Anotações [Revisão da matéria ...]

Bush: U.S. at War with "Islamic Fascists" [Anthony Arend] / Death to Yuppiestan, or, Nasrallah was right [Haaretz] / Former diplomats and retired generals letter to president Bush. Words not War, A Statement on Iran [August 2006] / From Mania to Depression [Uri Avnery] / Guerre en Orient ou paix en Méditerranée? [Etienne Balibar e Lévy-Leblond, Le Monde] / Israël à l'heure des révisions stratégiques [Le Monde] / L'échec de la stratégie Bush [Le Monde] / Let's declare victory and start talking [Zeev Sternhell, Haaretz] / "Notre famille a perdu la guerre" [David Grossman] / Only democracy stood the test [Zeev Sternhell, Haaretz] / Texte de la résolution 1701 / The most unsuccessful war [Zeev Sternhell, Haaretz] / What Next? [sobre o Iraque, via Washington Post] / You are terrorists, we are virtuous [London Review of Books] / 'Your son was killed in action. We're sorry' [Times]


"If you have ten thousand regulations you destroy all respect for the law"

[Winston Churchill]


"Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando"

[Fernando Pessoa, Tabacaria]

quarta-feira, 23 de agosto de 2006



Certa vez, um erudito resolveu fazer ironia comigo. Perguntou-me: «O que é que você leu?» Respondi: «Dostoievski». Ele queria me atirar na cara os seus quarenta mil volumes. Insistiu: «Que mais?». E eu: «Dostoievski». Teimou: «Só?».

Repeti: «Dostoievski». O sujeito, aturdido pelos seus quarenta mil volumes, não entendeu nada. Mas eis o que eu queria dizer: pode-se viver para um único livro de Dostoievski. Ou uma única peça de Shakespeare. Ou um único poema de não sei quem. O mesmo livro é um na véspera e outro no dia seguinte. Pode haver um tédio na primeira leitura. Nada, porém, mais denso, mais fascinante, mais novo, mais abismal do que a releitura"

[Nelson Rodrigues]

Nelson Rodrigues [n. 23 Agosto 1912 - 1980]

"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha óptica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico" [N. R.]

"Segundo Bernard Shaw, o inglês fala muito mal o inglês. Eu acrescentaria que o americano fala pior. Portanto, não seria exagero afirmar-se que a língua inglesa não existe, ou por outra, não existe como língua falada. Mas há pior e. repito, há pior. O inglês, tal como o imaginamos, também não existe. Sim, nós o vemos como um sujeito de nobilíssimo porte, de nobilíssimas maneiras, de nobilíssimos sentimentos. É uma figura quase irreal de tão melíflua. Eu disse "quase irreal" e já rectifico: absolutamente irreal.

Com o mínimo de lucidez critica, verificamos que o comportamento passado, presente e futuro do Império Britânico e do homem que o fez não corresponde à nossa furiosa idealização. Em vez de estar isento de paixões, o inglês é, inversamente, vítima das paixões. Na História e na Lenda, age e reage como passional. E, como todo passional, é capaz do sórdido e do sublime, do heróico e do abjecto, da generosidade e do saque. Tais contradições explicam a eternidade do inglês. Foi ele que salvou o mundo. Não fosse sua resistência, estaríamos hoje engraxando as botas nazistas ..."

[Nelson Rodrigues, A Insuportável Delícia Auditiva, in O Remador de Bem-Hur]

terça-feira, 22 de agosto de 2006


Catálogo de Agosto da In-Libris

Saiu o Catálogo do mês de Agosto da In-Libris (Porto). A consultar on line.

Folheto da reentré

"Com orelhas direitas como livros amados,
eu ouvia a chegada ...
" [Herberto Helder]

Depois de afagos de veraneio pendurámos a lembrança, em local decente. Nas muitas noites-ligados-a-dias sem novelas da paróquia, sem ambição de coisa alguma e em salutar "metafísica do ócio", a iluminação teria de ser total. E, na verdade, foi a nossa abastança virtuosa. A "estrita" observância a paixões deliciosas e sentimentos d'ócio peculiares, fez prolongar a visitação extraordinária, assim a modos "como gatos espapaçados ao sol" [M. Bandeira]. As instruções, os preceitos e as exortações do vate Sócrates & sua imprensa amestrada, não nos importunaram. Fomos piedosamente poupados à erudição doméstica. E, claro está, podemos dizer, humildemente ... que "cumprimos"!

Feito o devido reparo a ledores atentos e a outros mais ditosos, que bem alegres estão na cobiça do "lava-pés" algarvio ou em convivência bloguística continuada, diremos que, apesar do macio dos lábios, do coração pulsando e da mentira dos homens, não nos perdemos das correntezas da infame humanidade.

E lembrando Jorge de Lima:

"... A vida está malograda.
Creio nas mágicas de Deus.
Os galos não cantam,
A manhã não raiou.
Vi os navios irem e voltarem.
Vi os infelizes irem e voltarem.
Vi homens obesos dentro do fogo.
Vi zigue-zagues na escuridão ...
"

espero que tenham uma agradável ceia e ... café gostoso. Até lá, aguçamos o teclado. Gratias!

sexta-feira, 28 de julho de 2006


Em trânsito de veraneio

Estamos por aqui, distraídos, sem quaisquer trabalhos de vida. O bloganço assim interrompido é um sossego precioso. Não há saudades. Do lado de cá do mar a noite circula, choradinha de arrufos. Não se vê ministro nem candidatos carnais ao ofício (tá descansado, ó A. Costa!). Ao longo do dia, cada vez mais rectos e espirituosos, "havemos de supliciar livros / e nas piscinas roubar velhotas". Temos braços vigorosos e a mão firme. No resto ainda temos talento & arte para a luminosa que nos tem cativa. Não há queixas à gerência, dizem-nos. Estamos de sentinela. Copacabana é um túmulo.

Pelo que se descobre nestes idos de Julho, aí na paróquia Socrática & cousa para durar nos dias estrelados do ISCTE (a velha corporação que lava melhor) ou até nos puxa-saco dos jornais, a efusão dos amigos da Ministra da Educação nessa bem-aventurança dos exames em eduquês, tem sido de choro desvalido. Mesmo anteriormente avisados, os amigos da Ministra juram que da incompetência sai sempre a linha justa, aprumada, responsável, séria. Eis a doença infantil do eduquês. E mesmo que a bagunça seja total nas Escolas, os devotos admiradores da Ministra acreditam. Coisa sublime!

Entretanto, os mesmos & os outros activistas militantes persistem numa retórica sobre o ódio e no discurso do fascínio da guerra. Em nosso nome, a palavra vazia, a loucura do presente e a barbárie, presentes no Líbano e em Israel, e que esses escribas indígenas reinventam entre a angústia do espectáculo mediático e a soberba ideológica, asseguram-nos que "o mais belo espectáculo de horror somos nós". Não têm emenda. O nosso inferno é esta insanidade da estética de guerra, é este cansaço de tanta comunicação, é esta vida ser, sempre, um eterno vídeo-game. Mas que queiram, em nosso nome, incendiar corações, instalar pesadelos, exigir caminhadas vilmente desfraldadas de um lado contra o outro ou vice-versa, não o podemos consentir. Aprendemos há muito que as noites já não são de luar e o "futuro já não é aquilo que era". E sim, ainda há olhares envergonhados em cada manhã. Os nossos.


"Deixem-na trabalhar, deixem-na trabalhar ..."

Le bibliophile Octave Uzanne

"L'Échelle de Jacob, un éditeur de Dijon, vient d'avoir l'heureuse idée de rééditer en fac-similé Nos amis les livres d'Octave Uzanne [Nos amis les livres, Octave Uzanne, éd. L?Échelle de Jacob (29, rue Berbisey, 21000 Dijon), 318 p., 27 ?], un volume publié une première fois par la maison Quantin à Paris, en 1886, et préfacé ici par le libraire parisien Christian Galantaris.

Pour tous les collectionneurs, Uzanne (1852-1931) est «l'homme-livre par excellence», c?est-à-dire un érudit qui a passé la majeure partie de son existence à écrire des ouvrages sur l'édition, l'illustration, la reliure, la lecture, les écrivains oubliés ou méconnus, la bibliophile et, il va sans dire, les bibliophiles.

Son imposante bibliographie comporte d'ailleurs des titres qui ne sont pas du tout démodés et auxquels les érudits et les chercheurs actuels se réfèrent toujours comme Caprices d'un bibliophile (1878), La Reliure moderne artistique et fantaisiste (1887), Les Zigzags d'un curieux (1888), Physiologie des quais de Paris (1892), Contes pour bibliophiles (1894), en collaboration avec Albert Robida, ou encore La Nouvelle Bibliopolis (1897). Sans oublier L'Art et l'Idée qui date de 1892 et qui est à coup sûr une des plus belles revues jamais publiées sur le «dilettantisme littéraire» - dilettantisme au sens le plus noble du terme. Tous ces ouvrages ne sont pas vraiment rares, mais leur prix est en général fort soutenu, surtout lorsqu'on les trouve en tirage de tête et bien reliés.

[ler mais - Magazine Littéraire]

sexta-feira, 14 de julho de 2006


Panfleto

"Os poetas, esses idealistas em valores de bolsa, destruíram a sagesa do homem simples: enterraram-lhe na cabeça proletária o seu impacto educador, a sua fictícia mais-valia de palavras rimadas. Estes representantes comerciantes do reino do direito da idiotia moral deveriam ter impregnado as consciências com a vigilância do riso, da ironia e do inútil - com o grito de alegria do não-senso órfico (...)

Que é a democracia? A vida no trabalho para o pão-nosso-de-cada-dia-nos-dai-hoje. Nós, queremos rir, rir ... e fazer o que quizermos. Não queremos nada de democracia, do liberalismo, desprezamos o coturno do consumo intelectual, não trememos diante do capital. Nós, para quem o intelecto é uma técnica, um auxiliar, o nosso, e não um lavar de mãos airosas na reforma, não talharemos escrupulosamente noções, não nos inclinaremos perante a razão pura (...) queremo-nos amigos do chicote que fustiga o homem sentado. Vivemos pela incerteza, não queremos nem o sentido nem os valores que lisongeiam o burguês, queremos os não-valores e o não-sentido ..."

[Raul Hausmann, Panfleto contra o ponto de vista de Weimar, Berlim, 1919, in Textos de Afirmação e Combate do Movimento Surrealista Mundial, P&R, 1977]


"A fala não é o único meio de expressão. A fala é incapaz de significar as experiências mais profundas. A destruição do órgão da palavra pode ser uma forma de disciplina pessoal. Quando o contacto é interrompido, quando cessa a comunicação, começa o mergulho em nós mesmos, o desprendimento, a solidão. Cuspir palavras - linguagem vácua, entorpecente, da sociedade. Simular modéstia, ou loucura, e permanecer tenso. Atingir uma zona incompreensível, imarcescível" [Hugo Ball, Zurique, 1916]

"Eu me aborreço muito atrás do meu monóculo de vidro, me visto de caqui e combato os alemães - A máquina de embrutecer ... marcha com grande fragor e eu não estou longe, no curral de tanques - um animal bem ubíquo, mas sem alegria" [Jacques Vaché]

"... O Exercito Britânico, que é preferível ao Francês, tem muita falta de Umor. - Já por várias vezes avisei um coronel que me é muito delicado de que lhe enfio um pauzito nos oibidos. Duvido que ele tenha atingido o que queria dizer = ainda por cima nem francês compreende ..." [idem]

"... Sou contra os sistemas, o mais aceitável dos sistemas é o de, por princípio, não ter nenhum. Completar-se, aperfeiçoar-se dentro da pequenez própria até encher o vaso do eu, coragem de combater a favor e contra o pensamento, mistério do pão explosão súbita duma hélice infernal em lírios económicos ..." [Tristan Tzara]