quarta-feira, 23 de agosto de 2006


Nelson Rodrigues [n. 23 Agosto 1912 - 1980]

"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha óptica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico" [N. R.]

"Segundo Bernard Shaw, o inglês fala muito mal o inglês. Eu acrescentaria que o americano fala pior. Portanto, não seria exagero afirmar-se que a língua inglesa não existe, ou por outra, não existe como língua falada. Mas há pior e. repito, há pior. O inglês, tal como o imaginamos, também não existe. Sim, nós o vemos como um sujeito de nobilíssimo porte, de nobilíssimas maneiras, de nobilíssimos sentimentos. É uma figura quase irreal de tão melíflua. Eu disse "quase irreal" e já rectifico: absolutamente irreal.

Com o mínimo de lucidez critica, verificamos que o comportamento passado, presente e futuro do Império Britânico e do homem que o fez não corresponde à nossa furiosa idealização. Em vez de estar isento de paixões, o inglês é, inversamente, vítima das paixões. Na História e na Lenda, age e reage como passional. E, como todo passional, é capaz do sórdido e do sublime, do heróico e do abjecto, da generosidade e do saque. Tais contradições explicam a eternidade do inglês. Foi ele que salvou o mundo. Não fosse sua resistência, estaríamos hoje engraxando as botas nazistas ..."

[Nelson Rodrigues, A Insuportável Delícia Auditiva, in O Remador de Bem-Hur]