segunda-feira, 10 de novembro de 2003

NOS 90 ANOS DE ÁLVARO CUNHAL



Cunhal é demasiadamente importante para ser esquecido. Goste-se ou não. Não é possível fazer a história politica, social e cultural da última metade do século XX em Portugal, sem encontrar a sua presença no debate das ideias estéticas e literárias que percorreram as principais correntes literárias e políticas portuguesas. Mesmo que, nalguns casos, não esteja aí presente. Mesmo que não tenha feito obra ou corpo maior. Ou até por isso mesmo. Não nos referimos, evidentemente, a Cunhal como teorizador da revolução democrática e nacional ou na luta pelo socialismo, mas das suas posições ideológicas face à arte e à sua universalidade.

Não esteve só nessa luta em torno de uma arte que exprima uma "tendência histórica progressista", numa arte e literatura que coloque o "social" muito antes do "estético", numa arte "útil" que acompanhe a natureza reflexiva dos movimentos sociais progressistas. Com ele, estiveram Mário Dionísio, José Bacelar, Manoel Mendes, Rodrigo Soares, António Ramos de Almeida, Joaquim Namorado, e outros mais, que n'O Diabo, Sol Nascente, Seara Nova ou na Vértice "fustigaram" presencista (vidé a critica ao suposto "umbiguismo" de Régio) e os que lhe seguiram. As denúncias e as polémicas constantes marcaram a partir dos anos 40 toda a matriz do denominado movimento neo-realista e o movimento estético português.

"... a arte está indissolúvel e inevitavelmente ligado à vida social, que a obra de arte é um elemento integrante da sociedade, e que numa obra de arte existem reflexos e significações da vida social explicitados ou não. Esta realidade tem sido sintetizada com a expressão «conteúdo» da obra de arte. Outra realidade objectiva é que na obra de arte a forma é um elemento básico do valor estético.
O mal é que a querela forma/conteúdo, que se trava ao longo dos anos no plano ideológico, na critica e no comportamento, cristalizou as mais das vezes em conflitos irredutíveis que dificultaram e impediram um debate suficientemente esclarecedor..." [AC, in A Arte, o Artista e a Sociedade, Caminho, 1996]

"... Quando alguns poetas presencistas cantavam, louvavam e enalteciam as cogitações, o isolamento individual, a mentalidade da burguesia, atribuindo-lhes o valor de serem «os verdadeiros problemas humanos», a poesia (segundo tais teorizadores e críticos) não estava sendo utilizada para quaisquer fins, era «o fim em si mesma» como «arte pura». Quando os poetas no Novo Cancioneiro transmitiam nos seus poemas aspirações e sentimentos de classes e camadas populares, estavam (segundo os mesmos teorizadores e críticos) a infringir os princípios da «arte pura» e cometiam o pecado de utilizar a poesia para fins políticos..." [ibidem]

Algum roteiro: Álvaro Cunhal ["Depõem Críticos e Artistas acerca da Génese e da Universalidade da Arte", in O Diabo (29/04/1939) / "Numa Encruzilhada dos Homens", in Sol Nascente (1/6/1939) / A Arte, o Artista e a Sociedade, Caminho, 1996] | António Vale (aliás Álvaro Cunhal) ["Cinco notas sobre forma e conteúdo", in Vértice, vol. 14, nº 131/132 (1954)] | Mário Dionísio [Ficha 14, 1944 / Autobiografia, 1987] | Joaquim Namorado ["Da dissidência Presencista ao Neo-Realismo", Vértice, 279, 1966] | Fernando Alvarenga [Afluentes Teóricos-Estéticos do Neo-Realismo Visual Português, Afrontamento, 1989]

domingo, 9 de novembro de 2003

ILUMINAÇÕES


 
Iluminações

"..., o anoitecer é para os camponeses um pesadelo de que procuram escapar reunindo-se nas humildes habitações em que uma simples candeia de folha ilumina todo o recinto do serão. Ao centro da casa juntam-se as mulheres que fiam e dobam o linho criado nos lameiros. É o ponto melhor iluminado e, por essa razão, ali se concentram aqueles que mais claridade precisam, se claridade se pode chamar à fraquíssima luz do azeite que arde no lampião ..." [Armando de Lucena, Usos e Costumes Portugueses]

"Petisco lume, e acendendo
A çuja negra candea,
Vi outra imagem da cea
Que há pouco estava tecendo
"

[Queixas dum estudante doente e sem dinheiro, in Manuel Chaves e Castro, Luminária Popular, Coimbra, 1963]

JOSÉ DÓRIA [1824-1869]



n. em Coimbra a 9 de Novembro de 1824

"Dotado de grande capacidade musical, foi afamado tocador de viola e o introdutor do fado em Coimbra, na opinião de Luís Moita, em O Fado, canção de vencidos

O fado de Coimbra, diz Joaquim de Vasconcelos, se célebre era, mais celebre ficou, pela viola de José Dória (...)

«Sobre a viola, denominada vulgarmente, de arame, é que ele começou a estudar, se concentrou a sua atenção. O seu alento artístico tinha encontrado o instrumento necessário ... Ouvimos a sua viola, as suas Canções Peninsulares, o seu Fado, enfim, tudo nos pareceu um sonho, uma coisa fantástica (Joaquim de Vasconcelos, Os Músicos Portugueses, vol. I, Porto, 1870).
[diz Luís Moita]

«O fado de Dória, que não conseguimos encontrar e que suponho esteja perdido para a reconstituição do alvorecer do Fado de Coimbra, seria, talvez, uma melodia agradável, debuxada por caprichosas variações, sabiamente dedilhadas na viola; ... Coimbra e a sua Academia, todo esse cenário onde Camilo concebera, em época pouco recuada, a figura estúrdia de Guilherme Lira, iam emprestar ao Fado, um manto de luar, certa aristocratização e elegância que, fortemente vincadas, com o rolar dos tempos, dariam à canção dolente uma característica formal tão distante, já, da feição lisboeta, que os fadistas da capital viriam a apelidá-la de ópera..." [in, O Despertar, 11/5/1966]

sábado, 8 de novembro de 2003

JOHN MILTON [1608-1674]


























Morre a 8 de Novembro de 1674

" ... The mind is its own place, and in it self
Can make a Heav'n of Hell, a Hell of Heav'n.
What matter where, if I be still the same,
And what I should be, all but less then he
Whom Thunder hath made greater? Here at least
We shall be free; th' Almighty hath not built
Here for his envy, will not drive us hence:
Here we may reign secure, and in my choyce
To reign is worth ambition though in Hell:
Better to reign in Hell, then serve in Heav'n..."

[Milton, in Paradise Lost]

A ALMA DAS COISAS




"Os antigos falavam da alma das coisas. A alma das formas e a alma dos materiais. A alma de cada objecto singularmente considerado e alma advinda da conjunção com os demais. O facto de uma coisa estar incorporada num conjunto dar-lhe-ia uma índole específica, correspondente às relações com as restantes partes do todo. Este forneceria um suplemento à alma individual ou retirar-lhe-ia algo que lhe pertencia, prejudicando-o. A partícula da alma universal correspondente a cada coisa era, assim, aquela com que ela nasceu e a que lhe foi emprestada pelas outras, pelas vicissitudes percorridas.
Esta crença, transmitida pelos filósofos estóicos aos juristas do II Século, há-de parecer, aos olhos de hoje, aos nossos olhos, carregados de positivismo, docemente irreal, de um idealismo ingénuo. E todavia (...)
Se as coisas têm alma, os modos de transmissão delas têm estilo (...). Por vezes obedecem a delongas, configurando-se muito lentamente, com uma serenidade que lembra a estética clássica. Não há a sensação de movimento. Predomina o hieratismo. Outras vezes, as negociações processam-se cerimoniosamente, contumeliosamente, com mesuras de um protocolo rígido, de forma que lembra a moda rococó. Frequentemente, joga-se nelas o ímpeto do barroco: forma, emergia, acção. E não falta o espectáculo romântico, a emoção e o sentimento, o lance rápido, voluntarioso, uma certa teatralidade que mais não constitui senão a exteriorização em atitudes de um sentimento interior de respeito pelos objectos, por excelência tão caro à época romântica. É o caso dos leilões (...)"

[Prof. Ruy de Albuquerque, in A alma das coisas - ou a dupla apologia à maneira de prefácio, Catálogo de uma Rara e Importante Colecção Particular, Silva's, 1988]

sexta-feira, 7 de novembro de 2003

O SENADO DA VERGONHA E OS DRIBLES DE SEABRA DOS SANTOS



"Um pé na margem direita, outra na margem
esquerda e o terceiro no rabo dos imbecis
" [J. Prevert]

Entre a romagem ao portal de S. Bento, abandonadas as aulas bafientas, e a miséria da vida quotidiana na Universidade de Coimbra, fiquemos pela excitação do seu Senado Universitário, tomado agora como altar de piedosos exercícios democráticos. Cante-se, pois, os inesquecíveis dribles de Seabra Santos perante o domesticado quórum do Senado, que a bola nunca esquece e o futebol é que educa. E anote-se este novo milagre cívico de votações à sorrelfa, pois que a paixão da educação tudo permite e a pedagogia assim o exige. E diga-se: se Coimbra é uma lição, o seu Senado é a oração sapientíssima, o compêndio do cidadão; e como redil doutoral, só pode encantar pelas liturgias nostálgicas do passado. Para que um dia vos lembreis.

Na vida admirável do estudante, "o ser mais universalmente desprezado" depois de colunista, deputado, futebolista e bloguista, a crise da universidade reside na sempre eterna poeira das propinas, um recreio de grande excitação. Incapaz de propor algo de perfeitamente noviciado, a actividade radical do estudante universitário assenta nesse moinho de vento do "não pagamos", o pronto a carpir do estudantariado. Julgando-se tanto mais livre quanto maior o simulacro das suas preces e clamores, o estudante cede às grilhetas da autoridade e "chega tarde demais a tudo".

É, pois, com admirável condescendência e uma ingenuidade enternecedora que, amortalhados entre as quatro paredes da sala de aulas, atentos e veneradores ao desfiar da cultura dos mestres, nunca ousam denunciar o enorme tédio das inenarráveis aulas dadas por cavalheiros que tem do pedagógico a noção de um discurso às mulas da parada.

Em paga dessa respeitabilidade, eis o declarado desprezo dos Seabras Santos no seu Senado e as pragas dessa eminência parda da Nação que dá pelo nome de José Manuel Fernandes. Para que um dia vos lembreis.

quinta-feira, 6 de novembro de 2003

MUITOS PARABÉNS SOPHIA!



MUITOS PARABÉNS Sophia!

n. Sophia de Mello Breyner [Porto, 6 de Novembro de 1919]

Sophia é poetisa. Sem desesperos nem maldições. Fiel de Amor, Sophia canta o mundo dos deuses entre o quotidiano dos homens. A sua força telúrica está no encantamento e no mistério que só as mulheres o sabem merecer. Sophia é sabedoria. Canto materno, desejo intenso, corpo trabalhado. Sophia sussurra em antiquíssimo cantar até se perder no reino dos homens. E ... nós com ela.

"........
Sofia vai de ida e de volta (e a usina);
ela desfaz-faz e faz-desfaz mais acima,
e usando apenas (sem turbinas, vácuos)
algarves de sol e mar serpentinas.
Sofia faz-refaz, e subindo ao cristal,
em cristais (os dela, de luz marinha)" [João Cabral de Melo Neto]

"Faz da tua vida em frente à luz
Um lúcido terraço exacto e branco
Docemente cortado
Pelo rio das noites

Alheio o passo em tão perdida estrada
Vive, sem seres ele, o teu destino.
Inflexível assiste
À tua própria ausência." [SMB, inDual]

"... Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do amor e da luz, evoluiu, evoluiu sempre dentro dessa busca atenta. Quem procura uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem. Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. Aquele que vê o fenómeno quer ver todo o fenómeno. É apenas uma questão de atenção, de sequência e de rigor..." [SMB, in Arte Poética]

"Ia e vinha
E a cada coisa perguntava
Que nome tinha
" [SMB, in Coral, 1950]

"Perfeito é não quebrar
A imaginária linha

Exacta é a recusa
E puro é o nojo" [SMB, in Mar Novo, 1958]

"Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
" [SMB, 25 de Abril]

quarta-feira, 5 de novembro de 2003

RAÚL BRANDÃO [1867-1930]




Morre em Lisboa, 5 de Novembro de 1930

Raul Germano Brandão, nasce na Foz do Douro, filho de pequenos proprietários, neto de pescadores [in Quem é Quem, de Álvaro Manuel Machado, que seguiremos de perto], frequenta o Curso de Letras que abandona para entrar na carreira militar ("O Inferno deve ser uma retrete de soldado em ponto maior" - diz). Amigo de António Nobre (participa na autoria do folheto Os Nefelibatas, sob o pseudónimo de Luís Borja, pertencendo, pois, ao grupo dos nefelibatas, de influência simbolista), Columbano e de Teixeira de Pascoes, tem uma obra vasta (contos, livros de viagens, peças de teatro e estudos históricos) mas cujo livro de referência maior será sempre Húmus, uma das pérolas da literatura portuguesa. Colabora em jornais (Correio da Manhã de Pinheiro Gomes), O Dia, a Republica (onde foi chefe de redacção), em várias revistas, como a importante Revista Portugal (de Eça de Queirós), A Águia, Seara Nova, A Arte, Revista de Hoje (com Júlio Brandão e D. João de Castro).

Algumas Obras: Impressões e Paisagens (1890), Historia de um Palhaço (1896), A Farsa (1903), Os Pobres (1906), El-Rei Junot (1912), Húmus (1917), A Conspiração de Gomes Freire (1917), Memórias (vol. I, 1919), Os Pescadores (1923), O Doido e a Morte (1923), Memórias (vol. II, 1925), A Morte do Palhaço e o Mistério da Arvore (1926), O Pobre de Pedir (1931), O Vale de Josafat ((vol. III das Memórias, 1933)

"A ternura é húmida" (RB)

[Das Memorias - que diga-se, seria talvez a escrita mais memorialista, perturbante e intimista de toda a blogosfera, se tal fosse possível ...]

"Hoje acordei com este grito: eu não soube fazer uso da vida! O que me pesa é a inutilidade da vida. Agarro-me a um sonho; desfaz-se-me nas mãos; agarro-me a uma mentira e sempre a mesma voz me repete: - É inútil! Inútil! (...)
A vida antiga tinha raízes, talvez a vida futura as venha a ter. A nossa época é horrível porque já não cremos - e não cremos ainda. O passado desapareceu, de futuro nem alicerces existem. E aqui estamos nós sem tecto, entre ruínas, à espera ..." [Set. 1910]

"... [Guerra] Junqueiro dizia de Latino [Coelho]:
- Sim, é um homem admirável, que em lugar de c... tem duas castanhas piladas!" [Dez. 1900]

"G..., antigo companheiro de Fialho [de Almeida], sepultado hoje o fundo duma biblioteca, diz assim a propósito da livraria do grande escritor:
«Eu chamo a estes livros as onze mil virgens. São apenas quatro mil volumes, ou pouco mais, mas - vão surpreendê-lo esta minúcia - estão aqui todos por abrir. Há aqui Balzac e Zola, Eça e Ibañez, os Goncourt e Ponson du Terrail. Fialho tinha muito Ponson na sua biblioteca. Esta literatura de costureiras e guarda-portões era para as grandes horas amarguradas.
Era. A ele e a outro grandes espíritos basta-lhes o próprio drama. Antero, nos dias aziagos de Vila do Conde, deitado num sofá, só lia Gaboriau. Para tragédia chegava-lhe a sua ... [Março 1903]

"Venho da casa de Fernandes Tomás. Teve um ataque apopléctico. Está hemiplégico, deitado num sofá, sonolento e trémulo. Nunca encontrei bibliófilo que tivesse prazer em indicar, em ensinar, senão este? Á beira do túmulo ainda pede que lhe arranje um catálogo da guerra peninsular ..." [1 de Fev. 1911]

"O que custa a largar na vida não é a esplêndida natureza, as grandes ideias, a luta ou as paixões? é o que fazemos todos os dias, é o hábito. Um médico meu conhecido do Porto, o dr. Frias, acabou com estas palavras: - E os meus doentes? Que vai ser dos meus doentes?... E, a mim, uma das coisas que me vai custar a deixar são os meus papéis. A vida leva-nos e aturde-nos. Lutamos. Debatemo-nos. Mas, quando chegamos ao fim, estamos todos docemente maníacos. O cúmulo é o caso acontecido com Alfredo Guimarães, cuja vida se passou na constante preocupação do bric-à-brac e que na agonia recomendava ainda:
- Olhem lá se esses homens, quando descerem com o meu caixão, vão partir as jarras da Índia que estão no patamar das escadas ..." [Dez. 1916]

"José Sampaio (Bruno), conversador extraordinário, corria altas horas as ruas denegridas e húmidas do Porto, com dois ou três amigos, falando, parando, discutindo até alta madrugada. Vinha tudo à baila: Deus, o universo, os filósofos e a politica. Agregavam-se às vezes àqueles homens alguns rapazes, que os ouviam fascinados. Eu era um deles, e ouvi-lhe, uma noite, estas palavras que nunca mais me esqueceram:
- Escusam de procurar ... a nossa ruína não vem dos políticos nem do regime. Mudaremos de regime e ficaremos na mesma. O nosso mal é mais profundo ? o mal é da raça.
- A raça? Mas, com esta raça, descobrimos o Mundo! (...)
- O mal é da raça. Se quisermos modificar o País, temos de fazer exactamente o mesmo que se faz com os cavalos, temos de mandar vir homens do Norte, ingleses, escandinavos ou suecos, e de montar aqui e além postos de cobrição..." [O Sangue, Memórias III]

terça-feira, 4 de novembro de 2003

MARTINEZ ESTRADA [1895-1964]



Morre em Bahía Blanca, 4 de Novembro de 1964

Ezequiel Martinez Estrada ou Don Ezequiel, nasceu na Argentina, foi poeta, ensaísta, professor de literatura, biógrafo (Balzac, Nietzsche,...), Presidente da Sociedade Argentina de Escritores, polemista (celebre a polémica com Borges sobre o peronismo). Com influências de Poe, Leopoldo Lugones, Rubén Darío, publica poesia e depois lança-se no ensaio com a sua obra mais polémica - Radiografía de la Pampa (Buenos Aires, 1933) - que é, afinal, um importante testemunho da cultura argentina de então.

Links: Ezequiel Martinez Estrada / Biografia / Martinez Estrada / Martínez Estrada, en la frontera de la modernización / Martínez Estrada

"Para encontrar la salida a las tragedias argentinas, deberíamos conocer el mapa de la cárcel donde estamos confinados. Si lo tuviéramos, podríamos matar al gendarme. Pero no hay mapas. Quizá ni siquiera hay gendarmes. Todo lo que nos queda es sentarnos a la puerta de nuestra celda y ponernos a llorar." [M. Estrada]

"El libro de Camus El hombre rebelde, expone mi tesis de que es indispensable el «enemigo de las leyes» para que la ley se depure y vigorice sin estancarse y corromperse. Los que gobiernan tienen el deplorable derecho de perseguirlos y ejecutarlos, pero nosotros tenemos el derecho de representar frente a ellos la fuerza que exige ascender y avanzar, otra vez y siempre, si la democracia es, como pensaba Whitman, ese anhelo insaciable." [idem]

"La noche concierta con el estado de ánimo de Buenos Aires. La animación nocturna es una euforia de droga espiritual; la santa noche, infinitamente anterior al desembarco de don Pedro de Mendoza, envuelve materialmente la ciudad en un regazo. Entonces surge de la febril y fría ciudad la otra más verídica y duradera. Las formas que la ciudad destaca de noche coinciden muy poco con las del día; tan poco como el alma nocturna con la de las vigilias o como la ancestral con la actual nuestra. El alma nocturna de Buenos Aires es muchísimo más rica de contenidos vitales y patéticos, y muchísimo más antigua, más arcaica que el día. Noche campesina que toma su desquite de la opresión y la insensatez de una faena jadeante sin objeto. " [M. Estrada, La cabeza de Goliat]

"En el silencio de la casa en sombras,
a medianoche, cuando todo duerme,
repaso viejos temas
- la belleza, la muerte -
y ultimo un vino añejo
voluptuosamente...
"

segunda-feira, 3 de novembro de 2003

É A ECONOMIA, ESTÚPIDO!



É já no próximo dia 31 de Novembro, às 13.00h, na FNAC junto à estante dos modernistas, ao Chiado, que decorrerá um ciclo de encontros "É a Economia, Estúpido!". Os participantes vão poder, finalmente, debater a economia libidinal, poesia sobre o deficit, luxúria de desemprego, neoliberalismo na comunidade primitiva, no que se seguirá um painel para aumento de ordenados, emagrecimento do Estado, luta por um caviar bolsista, em frente pela Barca Velha para todos, etc. Das comunicações a debate ao longo da jornada, refira-se as seguintes:

- Summa de casos de consciência, con advertencias muy provechosas para confessores, à cargo da Mercearia Ferreira Leite
- Descrição económica do eurobeatismo no território da comarca do Chiado, e próxima à margem direita da Benard, por Pedro Lomba
- Depois de Marx Abril, contributos para uma nova esquerda, por José Mário Silva
- Discursos sobre los comercios de havanos, donde se tratan materias importantes de gastronomía, y guerra, pelo Fumaças
- Uma seara nos dentes. Descobrir Berlin, pelo MacGuffin
- Genuína exposição das relações internacionais na Praça da Republica, ou o marasmo em que caiu a U. Coimbra e os seus lentes, por Ivan Nunes
- Alphabeto da malícia das mulheres com deficit ou dicionário de ardis, estratagemas e caprichos que o liberalismo combate, pelo Pedro Mexia
- O priapismo orgástico do proletariado na 1ª metade do Barrosismo, pelo Meu Pipi
- Este deficit é seu, estime-o, por NMP
- M. Oakeshott e a maligna engenharia social. Estórias de assombramento, por J. P. Coutinho
- Manual prático da cultura das batatas, e do seu uso na economia socialista, pelo Comprometido Espectador
- O deficit na hora da nossa morte. Contributos escatológicos, pelo Almocreve
- Modas e Bordados ou a Saliva Americana, pelo Homem a Dias

Dança de cadeiras na F. Foz

Absolutamente encantadora está a movida de cadeirais na Câmara Municipal da Figueira da Foz. O extraordinário Presidente Duarte Silva - segundo nos informa o jornal O Publico - "abichou" nada menos que 12 pelouros, anteriormente subtraídos a ilustres vereadores, mas num gesto despretensioso e altruísta atribuiu, de imediato, o pelouro das obras municipais nas freguesias a dois cidadãos figueirenses. Assim, a zona urbana foi graciosamente cedida ao inefável Lídio Lopes (chefe de gabinete), enquanto José Elísio (assessor de Lídio Lopes e presidente da concelhia do PSD) irá fazer a gestão da parte rural. Pouco interessa saber que nenhuns desses cidadãos foram eleitos, ou mesmo se a Lei nº169/99 configura tal desvelo presidencial. Apenas se regista que esse ávido leitor de BD e Presidente da localidade, assume com brilho e sapiência este novo período pós-moderno e santanista figueirense. Afinal, como diz a cantiga popular: Pilriteiro, dás pilritos / Porque não dás coisa boa? / Cada qual dá o que tem, / Conforme a sua pessoa. Os nossos aplausos!

"LICENÇA DE CAÇA ... COM PERDIGÃO"



"Procedia-se a um julgamento, em tribunal cível do porto, presidindo o distinto magistrado Dr. Albuquerque D. F. C., e intervinham como advogados os considerados causídicos Drs. A. Perdigão e A. César. Estes não se davam bem, chegando a beliscar-se publicamente, embora muito cordialmente sempre. É usança aborrecida, mas ainda mais vincada na classe médica, como facilmente se observa na grande maioria das comarcas. «Adlante com los faroles...»
Neste processo de agora, os comentários em volta da discussão azedaram demasiado, rapidamente se alvejando com voz e gestos exaltadíssimos! O inteligente e simpático Juiz Albuquerque Dias interveio, com justo receio da progressão do aumento dos tempestuosos arrufos:

- Os Colegas, permitam-me uma observação; entendo que por vezes excedem-se sem necessidade alguma, parecem capazes de se fulminar! Bem sei que depois da tempestade vem a bonança, mas há imprevistos …
- Perdão, atalhou rapidamente o Dr. César, fixando de soslaio o colega «Perdigão», ao mesmo tempo que puxava pela carteira …
- Comigo, senhor Dr. Juiz, escusa V. Exa. de preocupar-se, por que «tenho licença de caça ...»" [Montalvão Machado, in O Bom Humor nos Tribunais, 1967]

domingo, 2 de novembro de 2003

JORGE DE SENA [1919-1978]



n. em Lisboa, 2 de Novembro de 1919

"... Olhe que não sou brasileiro apenas pelo sentimento. Sou cidadão brasileiro desde 1963 (...) Por isso é que sempre me apresento como escritor português, cidadão brasileiro e professor norte-americano. Mas as minhas lealdades não são triplas e sim duplas, no que não vejo incompatibilidade alguma (para lá do respeito que devo às instituições do país em que me emprego e onde vivo). No plano cultural e de amor aos países (amor bastante infeliz, porque a luso-brasilidade é uma raça danada), já que no plano político não a devo tecnicamente a Portugal. Este é que me deve a mim." [Carta a Drummond de Andrade, 1972]

"Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso? ... " [J. de S., No País dos Sacanas]

"Como pode um homem carregado de filhos e sem fortuna alguma
ser poeta neste tempo de filhos só da puta ou de putas sem filhos?...
" [J. de S., in Quarenta Anos de Servidão]

"... Esclareça-se: uma coisa é literatura
Comprometida ou não, e uma outra coisa
É literocambada, ou seja uma pandilha
Ou várias assaltando à naifa e gritos
De a bolsa ou a vida. Inútil é fingirem
Que são das letras ou qualquer política:
Vieram para elas, baba da afluência,
Por não haver já viela onde as facadas rendam." [J. de S.]

"... A autentica actividade poética, porém, empenhada em transformar e realizar em si própria o mundo, tem o direito de rir-se da sua própria situação precária e triste. É que a actividade poética sabe-se dupla: e conhece, daqueles que são seus, quais os que a visitam e quais gosta de visitar. E de sempre os maiores forma os que a receberam mal, sem delicadeza alguma ... (vide Baudelaire), Interesse da poesia pela poesia?... A poesia vive-se e suporta-se." [J. de S., in O Reino da Estupidez I]

"... Por certo que a poesia é a coisa mais importante do mundo, tão importante que nem coisa é. Mas a verdade é que é tal o meu amor pela poesia, que me repugna deixar-me pensar assim. A importância da poesia é mínima: a importância de algo que, no mais puro e interiorizado sentido, não serve para nada, nem sequer para nos encher de mais humanidade ou de mais beleza. Só a poesia dos outros nos poderá momentaneamente encher de serenidade, de comovida alegria, daquela esperança lacrimosa que é a recompensa de termos vivido, por instante, fora de nós e do mundo que, visto por nós, ainda nós próprio é (...) O mundo é precisamente esse desperdício, esse empobrecimento de cada hora, a cada papel que se rasga, cada memoria que passa, cada morte que há. A humanidade um somatório imenso do que não chegou a ser, e do que se supõe que foi..." [idem, ibidem]

"... Vamos rasgar, ó poetas, esta mentira da alma,
vamos gritar aos homens que os enganam,
que não é a força, que não é a glória,
que não é o sol nem a lua nem as estrelas,
nem os lares nem os filhos, nem os mares floridos,
nem o prazer nem a dor nem a amizade,
nem o indivíduo só compreendendo as causas,
nem os livros nem os poemas, nem as audácias heróicas,
- a redenção sou eu, se formos nós sem forma,
sem liberdade ou corpo, sem programas ou escolas!" [J. de S.]

Links: Jorge de Sena (Projecto Vercial) / Bio-Bibliografia (Instituto Camões) / Exposição Sinais de Jorge de Sena / Homenagem a Jorge de Sena (Fac.Eng.da U.P.)

TEIXEIRA DE PASCOAES [1877-1952]



n. 2 de Novembro de 1877

"... Eu chamei Saudosismo ao culto da alma pátria ou da Saudade erigida em Pessoa divina e orientadora da nossa actividade literária, artística, religiosa, filosófica e mesmo social. E a Saudade, com a sua face de desejo e esperança, é já a sombra do Encoberto amanhecido, dissipando o nevoeiro da legendária manhã." [in , A Arte de Ser Português, T. P.]

" A tristeza lusitana é a névoa duma religião, duma filosofia e dum Estado, portanto. A nossa tristeza é uma Mulher, e essa Mulher é de origem divina e chama-se Saudade; mas a Saudade no seu mais alto e divino sentido, não é a saudade anedótica do Fado e de Garrett ... A Saudade é o amor carnal espiritualizado pela Dor, ou o amor espiritual materializado pelo desejo: é o casamento do Beijo com a Lágrima: é Vénus e Maria numa só Mulher: é a síntese do Céu e da Terra: o ponto onde todas as forças cósmicas se cruzam: é o centro do Universo: a alma da Natureza dentro da alma humana e a alma do homem dentro da alma da Natureza: a Saudade é a personalidade eterna da nossa Raça: a fisionomia característica, o corpo original com que ela há-de aparecer entre os outros Povos ... A Saudade é a eterna Renascença, não realizada pelo artifício das artes, mas vivida, dia a dia, hora a hora, pelo instinto emotivo dum povo: a Saudade é a Manhã de Nevoeiro: a Primavera perpétua: é um estado de alma latente que amanhã será a Consciência e Civilização Lusitana. Eis a nossa tristeza: o seu espírito são e divino ..." [T. P., in, A Águia, nº 8, Ano I]

"O homem representa de homem, nada mais, porque sonha, idealiza, concebe-se como um ente superior. É só gesto, tom de voz, mímica, - um macaco esperto. Como ele discursa à mesa dum Café! Os outros, mais da selva e da banana, ouvem-no, embasbacados! Proclamam-no um ser sobrenatural. É agradável haver um deus da nossa espécie. O homem representa sempre, ou quando pensa e logo existe, ou quando entoa o cantochão, todo um com o espantalho da morte. É sempre um actor inconsciente, ou vestido de negro eclesiástico ou envolto na púrpura pagã" [in Cartas a uma Poetisa, T. P.]

" Admitimos que haja muito de literário na forma da poesia de Pascoaes, como talvez de toda a poesia. Todavia, é irrecusável a evidencia de um conteúdo terrivelmente sério, experimental, operativo, iniciático. Os seus elementos essenciais, o poeta di-lo muitas vezes, são o silêncio e a solidão e a lua, essa caveira astral. É algo que corresponde, em termos de iniciação maçónica, à solenidade absoluta da «câmara escura», que Fernando Pessoa representou na primeira parte do poema A Múmia. (...)

Pascoaes vê naquele que foi iniciado nos «mistérios« da saudade o «ser duplo», uma espécie de «Jano Tetrafonte», tornado senhor da rebis - a coisa dupla. No homem comum, a saudade é apenas um sentimento, mas o que inquieta, perturba e entusiasma o poeta é verificar que há um povo, o seu, a quem foi dado a graça sem o saber, do sentimento do centro do mundo. Tão espontaneamente como a vista foi dada aos homens de todo o mundo. Por isso defendeu a iniciação poética pela saudade e nela viu o carro de fogo capaz de nos transportar de novo ao Paraíso ..." [António Telmo, História Secreta de Portugal]


"O luar prateia o nosso berço
e a aurora doira-nos o túmulo.
Túmulo e berço, luar e aurora,
principio e fim, quem os distingue?
Mas, nesta confusão
eu adivinho
que tenho em vida, a Eternidade
e o Infinito"

[Últimos Versos, T. P.]

sexta-feira, 31 de outubro de 2003

EZRA POUND [1885-1972]

  [Morre em Veneza, 1 de Novembro de 1972]
 
Oh! geração dos afectados consumados
e consumadamente deslocados,
Tenho visto pescadores em piqueniques ao sol,
Tenho-os visto, com suas famílias mal-amanhadas,
Tenho visto seus sorrisos transbordantes de dentes
e escutado seus risos desengraçados.
E eu sou mais feliz que vós,
E eles eram mais felizes do que eu;
E os peixes nadam no lago
e não possuem nem o que vestir 

[Ezra Pound, Saudação]

EM LOUVOR DO PROF. MARCELO


[Em Louvor do Prof. Marcelo] – "Quando em Lisboa já toda a gente dorme e até os noctívagos mais foliões e retardatários tomaram o caminho da cama, algures, num bairro qualquer da cidade, numa rua uma casa portuguesa, uma luz está alerta. Alguém ali trabalha ainda, trabalha e vela, atento e esforçado, com os olhos a arder, vencendo o sono a poder de profaminas e café, estorcendo o intelecto, arruinando a saúde, o cabelo a encanecer-lhe gravemente (...)

E que faz ele? Lê; lê e lê catadupas de livro que lhe chegam diariamente às mãos, com dedicatórias nobres, estimulantes, ou aquele antipático carimbo 'Homenagem do Editor'; livros que vai abrindo; incapaz de dominar o caudal de espessa prosa ou a grácil espuma da versalhada que lhe despejam em cima. Lê, mas não só isso. Depois de ler diariamente bons centos de paginas (...) inda tem tempo para formar opinião delas, seja poesia (clássica ou novíssima), ficção filosofia ou colecção de policiais e, quase, miraculosamente, sobejam-lhe algumas horas para escrever essa dita opinião que é para os leitores, na quinta-feira, saberem e escusarem de ler os livros de que gostou. A pensar nos leitores, na sua cultura, no seu porvir, a esforçar-se por todos, o bom e querido ..."

[Luiz Pacheco, O Salema Sucateiro, in Textos de Guerrilha, 1ª série, 1979]

[Salazar e Armindo Monteiro] – "Uma vez (há muitos anos felizmente) estava o Salazar descansado a palestrar com a senhora Maria sobre assuntos de Moral e Religião (e, também, certas praticas sexuais, mas em voz baixinha), quando apareceu lá em casa um intriguista qualquer, talvez o Bissaya Barreto, e disse:

- Ó Tóino, sabes que há por aí um tipo que percebe muito de Finanças?
- Ah, sim?...
- Ó Tóino, olha que é muito inteligente, quinté sabe inglês, e ambicioso que se farta.
- Ah, sim!?...
Nessa noite, o Totocas não dormiu nada e às 5 ouviu o canto do galo, que lá em casa tanto servia de despertador como para canja. Desceu à secretária, com as duas ceroulas que usava sempre e já trazia do seminário, para proteger o pirilau, e nunca as tirava. Despachou assim:

Armindo Monteiro, Embaixador em Londres, já!

(a) António Oliveira Salazar”

[Luiz Pacheco, Tratem-no por Luisito, in Textos de Guerrilha, 2ª série, 1981]

FIGURAS PITORESCAS



"Quando eu, rua, per vós vou
Todolos traques que dou
São suspiros de saudade!
" [Gil Vicente]

O Especialista – Eis o talentoso profissional da análise politica. As suas sabatinas nos telejornais, de muito atrevimento, são avidamente soletradas pelos indígenas, que vêm nele um enxerga democracia de muita estimação. Oh clemência! Quando investe à desfilada sobre a coisa pública, esbanjando nonchalance, o terror invade as quatro assoalhadas de um qualquer professo ministro, secretario, guarda-nocturno ou, mesmo, um simples Tribunal. O seu pensamento íntimo está prenhe de descomposturas aos prevaricadores. Que o diga Madame Catalina. Como "em cada português esconde-se ou tresanda um inquisidor" [Pacheco, o Luiz], o especialista é sempre um facundo crítico de qualquer coisa, e o bom e nobre cidadão não se inibe de participar, porque muito matutou no que o especialista pensou.

O Psi - Analisa as misérias do Ego, observa cenas infantis patogénicas, descreve histerias de defesa e perversões outras. Viciado em pulsões de autoconservação, profundo conhecedor da inveja do pénis, o especialista frequenta por vezes o Tribunal, a TV e os jornais. Quando entrevistado o especialista boceja de tédio. Têm a monomania, o Psi, de se recomendarem uns aos outros em rituais ruidosos. Por vezes não trazem o canudo, o que não os impede de serem muito felizes. E darem muitas consultas.

O Xico Esperto – Ouve com atenção o Mister pregar antes, durante e após os jogos. Já bichanou que estava zangado com o mundo, a cidade e a relva. Está na moda, o que o faz dar reprimendas aos colegas, adversários de preferência. É tratado com toda a ternura filial pelo Mister-Pregador, que capricha em sua defesa, mesmo fora da sacristia dos balneários. O Xico Esperto alarda certezas. Eis a última atribulação do Xico Esperto, contada pelo próprio: «O processo disciplinar é injusto, pois não se tratou de uma agressão. Com a expulsão, limitei-me a dar-lhe a chuteira porque já não iria precisar dela, mas a minha intenção nunca foi a de agredir». Disse!

O Pregador – Com pose de passar à posteridade, o Pregador recita as melhores produções do seu reportório, em constantes conferências de imprensa e entrevistas a desoras, que aprendeu na estranja enquanto emigrante. Quando fustigado, confessa que gosta. É masoquista assumido. Por vezes diverte o público com palhaçadas, sempre com ar expressivo, queixando-se deste "mundo vil e suado" que não o sabe merecer, o que não o impede de bramir o bastão cultural futebolês. Aqui, choram as desvalidas peixeiras da Ribeira, enquanto conhecidos desordeiros tecem as mais belas florações ao talento do Mister. Este abalizado teórico é um Mouro de trabalho, entre o riso e o tédio do País. Bem-haja!

Blog d’arromba – O arreabátapageviews está de volta. Zelador da sanidade intelectual da praça, pretende correr a pau e tecla os mendigos da blogosfera. Traz consigo um homem-a-dias, para entrevistas de circunstância, que lhe distribui os prospectos, enquanto se apresta a vender, agora, os últimos figurinos de literatura liberal ao povo cão. Servente de uma "escrita [que] é um exercício onde" comunica "algo de muito profundo", o regressado apóstolo tacteia, ainda, o campus da lide literária em prosa de pé quebrada, encontrando-se, por ora, a medir a dureza da posição de escriba virtual. Sentimentalão nas suas croniquetas escrituradas, atrevido nos seus cariciosos borrões, vai ser um florilégio encantador para debutantes de literatura para ociosos. Assim se espera. Para que haja sempre um intelectual insuspeito por detrás de cada blog. É dar-lhe para a frente, Dom Coutinho!

quarta-feira, 29 de outubro de 2003

O PASTELEIRO

"Em 1590 o pasteleiro Diogo Delgado estabelecia-se em Coimbra, depois de ter aprendido a arte em Lisboa e ter prestado aí as sãs provas práticas e teóricas perante os dois juízes do ofício Mateus Rodrigues e António Alvares, tendo o escritor respectivo redigido a acta, por onde ficámos sabendo como decorrera o exame:

«Foram requeridos os juízes do oficio dos pasteleiros por parte de Diogo Delgado, dizendo que se queria examinar, os quais juízes, Mateus Roiz e António Alvares, determinam de se ajuntarem em casa de mim escrivão para ser feita a dita examinação, os quais juízes comigo escrivão fomos juntos em 26 dias do mês do Outubro de 1689 e logo foi examinado de prática e de pasteis e empadas e de todas as obras conteudas no regimento e acostumadas e lhe foi lido o regimento para que usasse do seu oficio conforme a consciência e qualidades dele. Feito em Lisboa, ano de nascimento de nosso senhor Jesus Cristo de 1589 anos ...»

(...) O pasteleiro abriu a sua tenda, isto é, a sua pastelaria e dispoz-se a acatar o regimento, que devia ser semelhante ao de Lisboa e se encontra publicado pelo Prof. Vergílio Correia. Diogo Delgado tinha de apresentar no seu estabelecimento pasteis de cinco, dez, vinte e cincoenta reis; empadas no tempo do pescado; pasteis reais; pasteis de frangão e de pombinho. Havia de saber quais os adubos e temperos para o Verão, quais para o Inverno, e como se temperava o carneiro, a vaca ou o pôrco. Nada de falsificar os pasteis com bode, cabra ou pòrca e muito menos com carne que não fosse fresca ou de animal que se não usasse. Nada de vender pasteis de véspera, nem ter vendedeiras ambulantes, nem dar de comer na tenda a escravos cativos, e ainda menos de beber. O regimento proibia os ofícios a mouros, mesmos forros, porque não eram fieis e verdadeiros como exigia a profissão. As mulheres podiam ser pasteleiras. As infrações ao regimento eram severamente punidas com multas e cadeia ou mesmo com a suspensão do ofício se houvesse reincidência. (...)

Até Dezembro de 1604 os pasteleiros de Coimbra estavam encorporados na Bandeira dos marchantes, carniceiros, tripeiros e vendeiros, uma das 12 da Casa dos 24 e com eles figuravam na Procissão do Corpus Cristi ou outras em que eram obrigados a colaborar as Bandeiras dos mesteres (...) Mas naquele ano subiu-lhes o brio à cabeça e acharam que lhes não ficava bem acamaradar com os antigos companheiros (...) e forma requerer à Câmara que os deligasse dos colegas e os anexasse aos ... Adivinhem a quem! Pois aos luveiros ... E foram atendidos."

[A. Da Rocha Brito, in Gazeta de Coimbra, 1944 ? - gravura de William Hogarth]

terça-feira, 28 de outubro de 2003

BOLETIM Nº 9 DA LIVRARIA OLISIPO (OUTUBRO 2003)



Saiu há dias, um Boletim Bibliográfico da Livraria Olisipo (Largo Trindade Coelho, Lisboa) com 106 peças de excelente qualidade, muitas raras ou, mesmo, muito raras, e que faz a felicidade do amador de livros, passe o preçário elevado.

Algumas referências: Relaçam Svmaria da Vida do Illustrisimo, et Reverendíssimo Senhor Dom Theotonio de Bragãca ..., por Nicolao Agostinho, 1614 (rara) / Árvore. Folhas de Poesia (Revista sob direcção de Ramos Rosa, José Terra, Luís Amaro e Raul de Carvalho, c/ colaboração de Manuel da Fonseca, Sophia, Cesariny, Cabral do Nascimento, Vergílio Ferreira), 4 num, 1951-53 / Arte Portuguesa. As Artes Decorativas, de João Barreira, Ed. Excelsior, 2 vols / Lucta de Gigantes, por Camilo Castelo Branco, Typ. Commercio, 1865 (raro) / La Creacion. Historia Natural, 1880 (a 1883), 9 vols / Memoria Genealogica e Bibliographica sobre Martinhos Falcões, Porto, 1904 (raro) / ... Mais e Mais ... versos de Saul Dias (desenhos de Júlio), Presença, 1932 / Mudança, de Vergílio Ferreira, Portugália, 1949 / Genealogias da «Casa da Tapada», fundada pelo insigne poeta Sá de Miranda e da «Casa de Castro» dos Machados antigos senhores de entre Homem e Cavado, Famalicão, 1923 (Muito raro, tiragem de 50 expls) / Relação do Castello e Serra de Cintra e do que há que ver em toda ella, de Francisco de Almeida Jordam, Coimbra, 1874, 2ª ed., rara / Música, por Júlio e José Régio, Presença, 1931 / Cintra Pinturesca ou memoria descriptiva das Villas de Cintra e Collares e seus arredores, pelo Visconde de Juromenha, 1905 / Historia da Arte em Portugal, por Aarão de Lacerda e tal, Porto, 1942-56, 3 vols / Uma Mão Cheia de Nada Outra de Coisa Nenhuma, por Irene Lisboa, Portugália (1ª ed.) / Livro dos Brazões de Armas de Portugal, sob direcção de A. de Gusmão Navarro, desenhos de Cardoso Martha, 1930 (raro) / O Pórtico e a Nave (Conferências), de Joaquim Manso e ilustrações de Almada, Ática, 1943 / As Setes Partidas do Mundo, por Fernando Namora, Coimbra, 1938 (1º livro do autor) / Leitos e Camilhas Portuguesas, de Silva Nascimento, 1950 / Deseja-se Mulher, por Almada Negreiros, 1959 / Desenhos Animados. Realidade Imaginada. Escrito expressamente a convite da Empresa do Cinema Tivoli para a apresentação do filme de Walt Disney "Branca de Neve e os Sete Anões", Almada Negreiros, Ática, 1938 (1ª ed.) / O Nome de Guerra, de Almada Negreiros, Romance, 1ª ed. / Clepsydra. Poemas de Camilo Pessanha, Ed. Lusitânia, 1920 (1ª ed., rara) / A Chaga do Lado, por José Régio, 1954 / Terra do Pecado, por José Saramago, Minerva, 1948 (1ª ed., rara) / Estampas Coimbrãs, por Carneiro da Silva, 2 vols / O Trage Popular em Portugal nos séculos XVI e XVII, por Alberto Sousa / Arte Românica em Portugal, texto de Joaquim de Vasconcelos, Porto, 1918 (estimado e valioso)

PASSA POR MIM NA CATEDRAL ...



"Todo o sentimento poderoso provoca em nós a ideia do vazio" [Artaud]

Passa por mim na Catedral, disse meu pai. Assim fiz, nunca se deve contrariar os progenitores. Nem a saudade. Muito menos, os investimentos do nosso imaginário. E fazia sentido, que os "homens não têm com o mito uma relação de verdade, mas de uso" [Barthes dixit]. O luto estava longo. O seu caminho, desde a noite negra que o dito Presidente do Benfica vendeu o clube a um partido político, tinha sido feito. Passar a espera, quedar-me na margem, eis o sortilégio cometido. Depois? Depois, entrou-se na Catedral, devagar, entre o mundo dos homens. Na memória o esquecimento incapaz. Já assim tinha sido, in illo tempore, de mão dada com o meu pai. "Le centre du monde est partout et chez nous" [Eluard].

A nova Luz, o "grande perturbador" ou a sua metáfora. "Eu" torno-me "tu", e todos manos, por isso não podes entender. Compreende-se. Para vós, o futebol sempre foi "decoração", "ópio do povo", mito maior das "massas", alienação. Outros referem, que reproduz o mundo do trabalho, et pour cause ... Porém, "o futebol tem uma alma" [Peter Handke]. E, assim, talvez o "homem necessite do mito e do símbolo" [Gert Hortleder, in Humboldt, nº 29], que os tempos estão "perigosos" e as palavras metem medo. Os intelectuais, em todas as versões, sempre ficaram à sua margem, numa estranha lamentação, mortos por não terem "corpo", nesta "cultura foot", muito "light". Outros (Cardoso Pires, Mário Zambujal, Lobo Antunes, Assis Pacheco, Drummond de Andrade, Nelson Rodrigues, João Cabral de Melo Neto, Lins do Rego, Ubaldo Ribeiro, Vinicius de Moraes, Oswald de Andrade, Philippe Soupault, Camus, Eco, Valdano, ...) deram-lhe a devida importância, numa paixão que alguns, hoje, contestam face a uma (real, diga-se) era da futebolização da sociedade, de facto, preocupante. "Tudo que sei sobre a moral e as obrigações do homem, devo ao futebol" - dizia Camus - terá, hoje, algum sentido?

Aparte isso, a Catedral estava bela. Como sempre.

sexta-feira, 24 de outubro de 2003

BLOGALIZAÇÃO


 
"Eu nunca aderi às comunidades práticas de pregar com pregos
as partes mais vulneráveis da matéria
" [M. Cesariny]

Blogalização! - diz a Maria, com voz doce.
- Oh não, agora que um Outono desvairado de chuvas e ventos se insinua, surpreendi tiques de vernissage.
- Questão de marketing patriótico, disse ele, sussurrando.
- Dizias tu, que ali na Avenida Manning, à direita de quem sobe a Dundas vindo de Bellwoods Park, está uma alma sensível, um mestre poeta que consegue tanger as mais delicadas sensações com esse «barro» que são as letras. Afinal, "a ternura é húmida" [Raul Brandão]
- Olha, hoje ao esfregar o corpo banhado, saiu-me o Verão da epiderme e arrastei-me para o trabalho com a ligeira ressaca da praxe e imenso sono - continuava ele. "Lisbon is a bum's nightmare: you can only survive it by getting drunk" [M.V.Costa].
- Dizem que não haverá nunca um espaço que nos seja comum e isto porque parece que há cada vez menos amor pelas palavras. É que o "destino é como a guitarra, quem tem unhas toca, quem não tem é tocado" [MVC]
- Eu não. Estou feliz porque desconfio que terei um grande natal. Eu é que sou o Pipi. Have you ever been cheated?
- Praqueja, olha que o "timbre de honra é morar limpo no espanto eu pessoalmente morto" [Nemésio]. "I try to be as progressive as I can possibly be, as long as I don't have to try too hard".
- Porém, todos os sinais estão por aí, dispersos. "Toda a vulva é fechada como a expansão da noite" [MVC]
Era Outono, o cheiro a mar, o cheiro a rio, a cidade à beira mar, paisagem meritória, digna de figurar em qualquer colecção de postais ilustrados, passa em revista parte do seu repertório num piano tocado com ambivalente delicadeza.
- Também o Alberto o mete nos píncaros, gritou o homem, anda a desbravar Nelson Rodrigues. Que inveja!
- Eu já suspeitava que dali só podia vir a mais sólida clarividência. O homem não só tem conhecimento do que fala como não paro de me espantar com a forma como, dia a dia, hora a hora, minuto a minuto, jorram os discursos que mais munições dão aos populistas.
- Ora adeus, "a revolução é o permanente retrocesso do sim ao seu princípio, deslumbrado" [MVC]. E, com tanta confusão mediática, alguns de nós poderiam ser levados a dar toda a atenção ao acessório e cagar-se para o essencial.
- Trogloditas ou cavernícolas, eis o que são. E, vendo bem, é muito mais proveitoso ouvir o Santana Lopes: "Ó Rodrigo, esta semana estou perplexo. E estou perplexo com quê? Estou perplexo com esta flatulência que me atacou depois do almoço.". Eis, dois "pesos-pesados" da área da mercearia fina.
- Mas a maior parte das vezes mistura 5 mentiras, duas suposições e três ilações erradas, leva tudo ao shaker e apresenta-nos uma verdade irrefutável Bestialidades, Ginástica dos maxilares, «amiguinhos» do costume. Não ponho lá os pés.
- Mas isso não é um resultado ... tão brilhante como o Benfica com o La Lumiére da semana passada, mas foi o que se conseguiu arranjar. A música até pode ser boa, mas o homem, definitivamente, não é nada cool.
- É a blogalização, repete a Maria, com "o ouvido tenso de rumor numa flor de pedra" [A. Ramos Rosa]

quarta-feira, 22 de outubro de 2003

MOMENTUS POLITIKUS


 
Momentus Politikus

[Nota da Presidência] – O senhor Presidente da República falou hoje ao País. Não é pacífica a leitura da comunicação. Argumentam alguns, que Sampaio se está a acautelar contra "tempestades" que aí vêm (Luís Delgado dixit, Mata-Mouros segue atrás. Curiosamente Mata-Mouros na posta pós-comunicação (20.10h) considera que Sampaio "não disse nada de novo, de interessante ou de relevante". Enfim a noite fê-lo reflectir melhor). Ora, estão no seu direito. Aliás será o corolário lógico, o passo seguinte, do infame ataque ao Estado de Direito que, já hoje, se verifica e que alguns tentam esconder, desviando atenções para uma putativa politização do caso Casa Pia. De repente, fazendo tábua rasa de todos os pecadilhos deste processo (porquê será?), fazendo um branqueamento total sobre as fugas de informação havidas e de quem delas é refém, descobriram os nossos preocupados "analistas", que as pressões feitas a figuras institucionais (e dá-se de barato que existiram, para que não se pense coisa diferente) desvela mentes tortuosas e uma conduta ilegítima e, suspeita-se, absolutamente criminosa. Não pondo em causa tal protestatório, apenas se regista que a "coisa" se começa a compor, vislumbrando-se, assim, os reais objectivos políticos desta insana intentona. Mais, lentamente, começa-se a visualizar as doutas cabeças que podem estar por detrás desta manobra diversionista. A TVI sempre atenta, Santana esclarecedor em demasia onde outros, prudentemente, não se fazem ouvir ... diz muita coisa sobre os dias que vão cair sobre as nossas cabeças. Quanto ao discurso de Sampaio, aguarde-se as reacções e ... as próximas deixas jornalísticas. A novela segue dentro de momentos.

[Manuela Moura Guedes, brinde TVI] "Um diabo extraiu-lhe um alfinete da língua, no sítio de onde sai a saliva, e depois um segundo, e a seguir outro e mais outro ainda. Havia alfinetes de todos os tamanhos e feitios, alfinetes de oiro e outro dos vulgares. «Era um maledicente variado», disse o diabo" [Max Jacob]

[Jornais e coisas tais, oferta CM e 24h] "Queira o céu que o leitor, tornado audaz e momentaneamente feroz à semelhança do que se lê, encontre, sem se desorientar, o seu caminho abrupto e selvagem através dos lodaçais desolados desta páginas sombrias e cheias de veneno; pois que, a não ser que utilize na sua leitura uma lógica rigorosa e uma tensão de espírito pelo menos igual à sua desconfiança, as emanações mortais deste livro irão embebedar-lhe a alma, como a água ao açúcar. Não convém que toda a gente leia as páginas que se seguem; só alguns hão-de saborear sem perigo este fruto amargo. Por consequência, ó alma tímida, antes de penetrares mais longe em tais domínios inexplorados, dirige os teus passos para trás e não para a frente ..." [Lautréamont]

[Havia um Procurador, estórias para crentes] "... Primeiro julguei que era qualquer zunzum nos ouvidos como o que às vezes dá a quem se embebeda; vendo melhor, achei que era um barulho parecidíssimo com o que sai de uma pipa vazia quando se lhe dão por cima umas pauladas: era isto e por aqui me teria ficado se, pelo meio, não tivesse também ouvido sílabas e até palavras. Como , por temperamento, não sou nervoso e como os tais copos de laffitte que tinha estado a bebericar não me davam entusiasmo suficiente para me mexer de onde estava, não me impressionei ... Limitei-me só a olhar à volta da sala a ver se via o intruso, mas sem ter alma de ver fosse o que fosse ..." [Edgar Allan Poe]

"As coisas são simples.
Claro claro - disse o segundo -
porque não podiam ser doutro modo.
Mordes o pão
a faca brilha
o sol entra pela janela
gritam na rua
a vendedeira de fruta o pescador o amola-tesouras
cada um com sua voz
o terceiro com o silêncio.
Eu escuto" [Giánnis Ritsos]

[Ao Escuta, pela contribuição para a teoria do sinal]

terça-feira, 21 de outubro de 2003

XADREZ

















No seu grave recanto, os jogadores
Deslocam os peões. O tabuleiro
Tem-nos até à alva no altaneiro
Âmbito em que se odeiam duas cores.

Dentro irradiam mágicos rigores
As formas: torre homérica, ligeiro
Cavalo, alta rainha, rei postreiro,
Oblíquo bispo e peões agressores.

Quando os jogadores se houverem ido,
Quando o tempo os tiver já consumido,
Nem por isso terá cessado o rito.

A leste se ateou uma tal guerra
Que hoje se propaga a toda a terra
Como o outro, este jogo é infinito.

[Jorge Luís Borges, in Poemas Escolhidos, Dom Quixote, Cadernos de Poesias, 1971]

LIVRO DE XADREZ: HISTÓRIA E BIBLIOGRAFIA



" «É um pensamento que não conduz a parte alguma, uma matemática que nada estabelece, uma arte que não lega qualquer obra, uma arquitectura sem matéria; e, apesar disso, o xadrez provou ser mais duradouro, à sua maneira, que os livros ou qualquer outro tipo de monumento. Este jogo singular pertence a todos os povos e a todas as épocas, e ninguém sabe dizer que divindade presenteou a Terra com ele para matar o tédio, aguçar o espírito e estimular a alma». São palavras de Stefan Zweig e que nos colocam perante um problema ainda não resolvido, e que porventura o não será nunca: o da origem do xadrez.

Tudo leva a crer que a sua origem milenar está associado à magia e a práticas invocatórias. O teósofo H. S. Olcott, referindo-se aos habitantes da Atlântida, o hipotético continente perdido, refere que eles preenchiam os seus ócios manipulando uns pequenos símbolos com funções diferenciadas, os quais ocupavam um lugar cabalístico com oito faculdades, que percorriam segundo determinadas normas. Júlio Ganzo, um grande escritor espanhol de temas escaquísticos, quer ver nesta passagem a alusão a um autêntico jogo de xadrez, naturalmente adaptado ao ocultismo ambiental da época. Seja como for, a crença mais generalizada é que o jogo-ciência tem a sua origem na Índia, num jogo (chaturanga) praticado com 32 peças sobre um tabuleiro de 64 casas e em que participam simultaneamente quatro jogadores, cada um dispondo de um rajá, um elefante, um cavalo, um barco e quatro peões (...)

Ainda que em numerosas obras da Antiguidade encontremos referências aos diversos jogos precursões do moderno xadrez, só com a Alta Idade Média nos aparecem aqueles a que poderemos chamar os primeiros livros dedicados a este jogo: «Libat Alshatraj» («Livro de Xadrez»), de Al'Adli, por volta de 800; «Coisas Elegantes acerca do Xadrez», de Abrasi, em 850; «Livro de Xadrez: Primeiro Trabalho e Segundo Trabalho», de Alculi, em 905. Devemo-los aos Árabes, que terão aprendido a jogar com os Persas (por sua vez iniciados pelos Indianos) e exerceram posteriormente a sua influência na Península Ibérica.

(...) o xadrez foi introduzido entre nós pelos árabes, sabe-se que durante a 1ª e a 2ª dinastia ele era aqui muito prezado. Ao acaso das crónicas, descobrimos que D. Martim Sanches (filho do Rei D. Sancho I) jogava o acedreche com a Rainha D. Mécia. Garcia de Resende revela-nos que D. João II o praticava em viagem. D. Manuel I mandou de presente ao Preste João uma tapeçaria em que figuravam dois homens e duas mulheres jogando xadrez.

Não é impunemente que alguns historiadores referem uma época em que «os maiores jogadores de xadrez eram portugueses e espanhóis, por ser a Ibérica a terra clássica desse recreio». E foi justamente na Península Ibérica que se iniciou, em finais do século XV, a transformação estrutural do xadrez que o levou à forma por que nós hoje o jogamos. A pedra de toque dessa transformação foi um livro publicado em 1497 em Salamanca: «Repetición de amores e arte de axedres com CL juegos de partido», de Juan Lucena. Em 1512, um português, o boticário Damião, edita em Roma o «Libro da Imparare giocare a Sachi». (...) por volta de meados do século XVI, assistimos à instauração do roque tal como o praticamos na actualidade e à publicação do «Libro de la invención liberal y arte del juego del Axedrez», de Ruy-López de Segura, considerado o criador da teoria do xadrez ... “

[O Livro de Xadrez, in Notícias do Livro, nº 1, Editorial de Notícias, Novembro de 1978. Director Maximino Gonçalves]

segunda-feira, 20 de outubro de 2003

MERCEARIA FERREIRA LEITE OU "E TUDO O DEFICIT LEVOU"


No tempo em que se estudava economia política, tudo era simples: os modelos macroeconómicos (ou modelos de equilíbrio geral) existiam, confirmavam-se ou não, mas eram "reais" porque, tão só, simplesmente existiam. Era sublime o opinioso protestatório dum monetarista, de uma qualquer geração, contra a cartilha keynesiana. Ou as batalhas intermináveis entre os neo-keynesianos e neoclássicos, com neo-marxistas e sraffianos sempre atentos e participativos. Como era doce a confusão em torno da "teoria monetária" ou sobre a "teoria do ciclo económico".

Hoje, subitamente, estamos em tempos de desconstrução teorética. Numa mundialização e globalização que tudo alterou, com a chegada ao debate de gente de várias matrizes - de economistas a escritores, de poetas a agricultores, jornalistas e bloguistas - a politica económica torna-se numa incontornável narrativa, de fracassos e êxitos que a (des)legitimam, com uma pluralidade de jogos de linguagem, onde por vezes o narrador - como nos diz Lyotard - é ele mesmo o herói da narrativa. Coisa estranha essa, mas só assim se entende o que dizia Ferreira Leite na oposição ["Não se pode aceitar a venda de património, mesmo que essa opção seja correcta sob todos os pontos de vista, se a receita que daí advém se destinar ao pagamento de despesas correntes. Se o Governo o fizesse seria uma enorme irresponsabilidade, por que sabia que estava a obter receita que não mais se repetia para poder fazer despesas que se repetirão todos os anos"] e o que faz e pratica agora, como ministra. Ou de como se governa na Mercearia Ferreira Leite com esse extraordinário slogan (do gaélico "Scluagh-chairm") do deficit, que é muito mais um grito de guerra provinciano que uma medida de politica orçamental (que lhe perdoe o prof. Cavaco).

Que modelo usa Ferreira Leite na mercearia económica? Para além da utilização da esferográfica, para o deve e haver, mais nada. Suspeita-se que, por patriotismo, nunca se pensou em tal, muito embora seja dito por um naipe de curiosos economistas - caso desse assombroso Nogueira Leite, do esforçado Carrapatoso, ou desse inolvidável Carp, de boa memoria - que existe sim senhor, que eles sozinhos ou em grupo excursionista já lhe puseram os olhos em cima e, num acto de pura modéstia, até nos disseram que se trata de um modelo assente nas exportações, que arrastaria a economia portuguesa para patamares invejáveis de crescimento e bem estar. Daí que na Mercearia Ferreira Leite, fiel à máxima fiat iustitia pereat mundus (em honra do deficit), se encontrem sentados, um ror de economistas e jornalistas em amena cavaqueira esperando a retoma, enquanto lá fora, nos passeios, os indígenas comentam que "e tudo o deficit levou". Serão imprudentes, por acaso?


Até quando Ferro Rodrigues?

O país está excelente. O governo desgoverna à sua maneira, em meritória acção pedagógica, enquanto a oposição desapareceu de vez. Minto, ficou o jovem Louçã, e ainda bem, senão seria prudente fechar o país e assinar de cruz essa Constituição Europeia de que muito se fala (parece que o prof. Barreto fez mea culpa sobre o assunto, mas não se entende bem o porquê da excitação). E, mesmo assim, ainda é de pensar duas vezes no assunto. Ferro Rodrigues está agrilhoado, de vez, aos desenvolvimentos do caso Casa Pia e nada pode fazer, dado a pressão mediática. O PS, por arrasto, desaparece da cena politica e é inútil lutar contra isso. Está tudo dependente desse sinistro caso, dado até as ultimas intervenções histriónicas havidas em sede do Parlamento. Portanto, nem o Ferro Rodrigues pode sair, nem ninguém estará interessado a herdar esse seu fa(r)do. Não conseguindo passar à opinião pública a teoria da urdidura politica (o que pode provar, afinal, que as cunhas politicas rosa não funcionam), deixando-se envolver em registos afectivos imprudentes, numa estratégia sinuosa que ninguém entendeu, Ferro Rodrigues e o PS estão condenados a restar na espera. A não ser que, num esforço colectivo, se procure dar uma resposta firme e credível, utilizando métodos democráticos e legais, ao lento degenerar da situação politica. Até porque a crise económica e social existente, aliada à crise de desconfiança face às instituições (Tribunais, Parlamento, Partidos, etc.) que se manifesta em força, está a levar os cidadãos deste país a uma "depressão" que tudo contamina. Não se pode esperar muito mais, porque as suspeitas matam qualquer conversa/debate público ou privado. E o exercício da cidadania vai se consumindo na fogueira do tempo presente. O que é perigoso e fatal.

domingo, 19 de outubro de 2003

JOAQUIM MARTINS DE CARVALHO


Joaquim Martins de Carvalho [1822-1898]

Morre em Coimbra - 18 de Outubro de 1898

Joaquim Martins de Carvalho nasceu em Coimbra, frequentou aulas de latim nos jesuítas, fez parte do movimento da "Maria da Fonte" (1846), tendo por isso sido preso e levado de Coimbra para a Figueira da Foz e daí, num barco, para o Limoeiro em Lisboa. Foi um notável jornalista, talvez o mais admirável do seu tempo, colaborou no Liberal do Mondego, Observador (de que, posteriormente, foi proprietário) e principalmente nesse incontornável jornal, O Conimbricense [nº 1, 24 de Janeiro de 1854, ao nº 6230, de 31 de Agosto de 1907]. "Não tendo ele sido verdadeiramente um escritor, na acepção estilística do termo, foi um jornalista ardoroso e intemerato, arrostando tão corajosamente os perigos como afrontava sobranceiramente chufas e arruaças, em luta permanente contra tudo e contra todos pelo Progresso, pela Ordem e pela Verdade." [José Pinto Loureiro, in Índice Ideográfico de O Conimbricense, Coimbra, 1953]

"... A collecção do Conimbricense, escripto da primeira columma à última por Martins de Carvalho, é um repositório interessante da nossa historia pátria, em que o fallecido jornalista era aprofundadíssimo e excavador extremado de factos históricos ..." [Portugal Moderno, Rio de Janeiro, 1901]

"É preciosa a collecção do Conimbricense. Mais vasto repositório de história não é possível encontrar-se em nenhum jornal politico dos muitos que se tem publicado no paiz. É um arquivo inestimável de factos e documentos valiosíssimos, uma bússola indispensável a todos os cavouqueiros da história pátria. Quando mais não seja a história contemporânea de Portugal não pode fazer-se com segurança sem a consulta previa da collecção do Conimbricense ..." [Marques Gomes, in O Conimbricense e a História Contemporânea. Publicação comemorativa do 50º aniversario do nosso mesmo jornal, Aveiro, 1897]

De facto, como se pode ler pelo Índice Ideográfico de O Conimbricense (sob direcção de Pinto Loureiro), a vastidão e a importância dos assuntos publicados no jornal ao longo dos anos, faz dele uma fonte inultrapassável sobre os acontecimentos económicos, políticos, sociais e literários de finais do século XIX. São curiosas e estimadas as referências sobre Garrett, Arqueologia, Lutas Académicas, Bibliografia e Bibliofilia, Jornalismo, Cabralismo, Costumes, Duelos, Tauromaquia, Teatro, Tipografia, Viticultura, Eleições, Epistografia, Évora, Manuel Fernandes Tomás, Freire de Andrade, Guerra Peninsular, Herculano, Iberismo, Índia Portuguesa, Lisboa, Macau, José Agostinho de Macedo, Mosteiros, Mutualismo, Operariado, Marquês de Pombal, etc .

Absolutamente notável as inúmeras e preciosas referências que se dispõe sobre Coimbra, Inquisição, Ordens Religiosas, Invasões Francesas, Lutas Liberais, Miguelismo, Jesuítas, Maçonaria e Carbonária, Sociedades Secretas (como S. Miguel da Ala). Diga-se, que o próprio Martins de Carvalho pertenceu à Carbonária Lusitana de Coimbra (1848), ao que se julga fundada pelo Padre António Maria da Costa e dissolvida em 1850, e que foi diferente da denominada Carbonária Portuguesa (1896/7 ?), de origem académica, do maçon (Loja Montanha) Luz de Almeida, Machado de Santos, etc., que aparece mais tarde, e que não se pode confundir com a denominada Carbonária Lusitana, de pendor anarquista - daí ser conhecida pela Carbonária dos Anarquistas - muito sigilosa, a que pertenceram os anarquistas José do Vale, Ribeiro de Azevedo, entre outros [vidé a Carbonária em Portugal, por António Ventura, Museu Republica e Resistência, 1999].

Ao longo da sua vida, Joaquim Martins de Carvalho, fundou ou pertenceu a inúmeras Sociedades: fez parte da Loja Maçónica de Coimbra, Pátria e Caridade (1852-53), fundou a Sociedade de Instrução dos Operários (1851), o Montepio Conimbricense, Associação Comercial de Coimbra, Sociedade Protectora dos Animais, Sociedade de Geografia, Associação dos Arqueólogos Portugueses, Voz do Operário, etc. Refira-se que a sua livraria era extraordinária, com um conjunto raríssimo de jornais, revistas e publicações várias, sendo que o seu leilão foi um dos acontecimentos mais excepcionais entre os bibliófilos portugueses.

Algumas Obras: Apontamentos para a Historia Contemporânea, Imp. da Univ., 1868 / Novos apontamentos para a História contemporânea os assassinos da Beira, Imp. Univ., 1890 / A Nossa Aliada! Artigos publicados pelo redactor do Conimbricense, Porto, 1883 / Homenagem a Joaquim Martins de Carvalho, Typ. Operaria, 1889 / O Retrato de Venus. Edição Comemorativa do nascimentos de Garrett, Coimbra, 1899 / Os assassinos da Beira, Coimbra, 1922 / Catálogo da ... livraria que pertenceu ... a Joaquim Martins de Carvalho e ... Francisco Augusto Martins de Carvalho, Imp. da Univ., 1923

sexta-feira, 17 de outubro de 2003

[A HORA]

 
[A Hora]

"A Hora, a derradeira hora do tempo, aquela onde não há literalmente nem rei nem lei, nem paz nem guerra, nem se sabe o que é mal nem o que é bem, não está, como finisterra, longe. A manhã levou já o seu zénite, e a tarde há-de trazer o seu nadir. Tudo o que nos resta é esperar pelo nevoeiro, esse tempo emblemático e alheio onde se acaba o tempo e se diluem as coisas, como síntese adequada que é de tudo o que existe. Ocultámo-nos no sol e revelar-nos-emos na sombra

Neste trânsito para a consumação final dos séculos, uma única coisa interessa reter : a morte de Portugal. Existir é ser finito, morrer é devir infinito. A morte é que prolonga sem limites a vida. Hoje, depois do mar perdido e do Império desfeito, a morte de Portugal é aquilo que falta na verdade cumprir. Façamos fé. Depois dela nada no mundo será, pela primeira vez, como dantes"

[António Cândido Franco, in Panfleto Contra Portugal, Ed. Arauto & Jorge Cabrita, 1989]

O PARACLETIANISMO E O QUINTO IMPÉRIO


[O Paracletianismo e o Quinto Império]

"O Paracletianismo, doutrina filosófica formada a partir da interpretação dos textos bíblicos, no ponto em que se anuncia a vinda do Espírito Santo, o assistente congregador de uma nova era, a quinta, segundo a letra do Livro de Daniel (II, 44 e VII, 9), representa-se actualmente em Portugal pela voz profética de Raul Leal (...) É na Águia e no Orpheu que se adivinham os prenúncios desse renovo de forças genuinamente portuguesas, embora só mais tarde se realizem literariamente as contribuições para a gradação messiânica de um entendimento de historia pátria como fulcro de atenção temporal da nova idade. Os exemplos de Fernando Pessoa, na Mensagem, de Ferreira Gomes, no Quinto Império, de Duarte de Viveiros, na Obra Poética (...), e Raul Leal, no Anthéchrist et la Gloire du Saint Espirit, para lembrar apenas alguns dos nomes mais proeminentes, voltados para o messianismo português, são a prova flagrante do cuidado posto na reabilitação de ideias entre nós não envelhecidas.

(...) Fundamentalmente , a base do Sebastianismo de Pessoa era a interpretação medieval do texto bíblico, a ideia do translatio imperial que é a primeira evidencia da filosofia politica do Quinto Império. E, na comunhão unitária da translatio com as revelações da astrologia, do exemplarismo, das profecias sebásticas, está, com exactidão, o porquê da superioridade universalista da obra de Raul Leal ou Fernando Pessoa sobre incipientes balbucios de patriotismo, que formam a literatura sebástica dos séculos XVII, XVIII, XIX e XX.

Ora, partindo da verificação desta estrutura mental, aceitando, com premissas do Paracletianismo, tais dados filosóficos, explicar-se-à a filiação do Messianismo português (...) realce de uma verdadeira plêiade de construtores do Quinto Império, assim escalonada cronologicamente em Portugal: Bandarra, D. João de Castro, Padre António Vieira, D. Francisco Manuel de Melo, António Pereira de Figueiredo, Oliveira Martins, Sampaio Bruno, Fernando Pessoa, Ferreira Gomes e Duarte Viveiros - selecção que, recentemente, em estudo antológico sobre o Quinto Império, me pareceu a mais acertada, entre os autores não vivos.

O caso especifico de Raul Leal, sedutora amostra de compreensão do Paracletianismo, tem, sobre todos os outros escritores portugueses, a superioridade original da sua não filiação directa, imediata, no tradicionalismo sebástico - o que o aproxima, naturalmente, da obra quinto-imperial de alguns autores estrangeiros, como Papini ou Bloy. Recorde-se, a propósito, a extraordinária aceitação que as ideias de Império futuro, de translatio imperial, de Paracletianismo, de Império ideal, obra de alquimia, de Unidade, tiveram em autores como S. Agostinho, S. Bernardo, Joaquim de Flora, S. Boaventura, Raimundo Lúlio, Dante, Margílio Ficino, Pico delle Mirandola, Paracelso, Nostradamus, Bobeme, Goethe, Kleist, etc. ..."

[Artur Anselmo, in Diário da Manhã, 12/11/1960]