" «É um pensamento que não conduz a parte alguma, uma matemática que nada estabelece, uma arte que não lega qualquer obra, uma arquitectura sem matéria; e, apesar disso, o xadrez provou ser mais duradouro, à sua maneira, que os livros ou qualquer outro tipo de monumento. Este jogo singular pertence a todos os povos e a todas as épocas, e ninguém sabe dizer que divindade presenteou a Terra com ele para matar o tédio, aguçar o espírito e estimular a alma». São palavras de Stefan Zweig e que nos colocam perante um problema ainda não resolvido, e que porventura o não será nunca: o da origem do xadrez.
Tudo leva a crer que a sua origem milenar está associado à magia e a práticas invocatórias. O teósofo H. S. Olcott, referindo-se aos habitantes da Atlântida, o hipotético continente perdido, refere que eles preenchiam os seus ócios manipulando uns pequenos símbolos com funções diferenciadas, os quais ocupavam um lugar cabalístico com oito faculdades, que percorriam segundo determinadas normas. Júlio Ganzo, um grande escritor espanhol de temas escaquísticos, quer ver nesta passagem a alusão a um autêntico jogo de xadrez, naturalmente adaptado ao ocultismo ambiental da época. Seja como for, a crença mais generalizada é que o jogo-ciência tem a sua origem na Índia, num jogo (chaturanga) praticado com 32 peças sobre um tabuleiro de 64 casas e em que participam simultaneamente quatro jogadores, cada um dispondo de um rajá, um elefante, um cavalo, um barco e quatro peões (...)
Ainda que em numerosas obras da Antiguidade encontremos referências aos diversos jogos precursões do moderno xadrez, só com a Alta Idade Média nos aparecem aqueles a que poderemos chamar os primeiros livros dedicados a este jogo: «Libat Alshatraj» («Livro de Xadrez»), de Al'Adli, por volta de 800; «Coisas Elegantes acerca do Xadrez», de Abrasi, em 850; «Livro de Xadrez: Primeiro Trabalho e Segundo Trabalho», de Alculi, em 905. Devemo-los aos Árabes, que terão aprendido a jogar com os Persas (por sua vez iniciados pelos Indianos) e exerceram posteriormente a sua influência na Península Ibérica.
(...) o xadrez foi introduzido entre nós pelos árabes, sabe-se que durante a 1ª e a 2ª dinastia ele era aqui muito prezado. Ao acaso das crónicas, descobrimos que D. Martim Sanches (filho do Rei D. Sancho I) jogava o acedreche com a Rainha D. Mécia. Garcia de Resende revela-nos que D. João II o praticava em viagem. D. Manuel I mandou de presente ao Preste João uma tapeçaria em que figuravam dois homens e duas mulheres jogando xadrez.
Não é impunemente que alguns historiadores referem uma época em que «os maiores jogadores de xadrez eram portugueses e espanhóis, por ser a Ibérica a terra clássica desse recreio». E foi justamente na Península Ibérica que se iniciou, em finais do século XV, a transformação estrutural do xadrez que o levou à forma por que nós hoje o jogamos. A pedra de toque dessa transformação foi um livro publicado em 1497 em Salamanca: «Repetición de amores e arte de axedres com CL juegos de partido», de Juan Lucena. Em 1512, um português, o boticário Damião, edita em Roma o «Libro da Imparare giocare a Sachi». (...) por volta de meados do século XVI, assistimos à instauração do roque tal como o praticamos na actualidade e à publicação do «Libro de la invención liberal y arte del juego del Axedrez», de Ruy-López de Segura, considerado o criador da teoria do xadrez ... “
[O Livro de Xadrez, in Notícias do Livro, nº 1, Editorial de Notícias, Novembro de 1978. Director Maximino Gonçalves]