segunda-feira, 20 de outubro de 2003

MERCEARIA FERREIRA LEITE OU "E TUDO O DEFICIT LEVOU"


No tempo em que se estudava economia política, tudo era simples: os modelos macroeconómicos (ou modelos de equilíbrio geral) existiam, confirmavam-se ou não, mas eram "reais" porque, tão só, simplesmente existiam. Era sublime o opinioso protestatório dum monetarista, de uma qualquer geração, contra a cartilha keynesiana. Ou as batalhas intermináveis entre os neo-keynesianos e neoclássicos, com neo-marxistas e sraffianos sempre atentos e participativos. Como era doce a confusão em torno da "teoria monetária" ou sobre a "teoria do ciclo económico".

Hoje, subitamente, estamos em tempos de desconstrução teorética. Numa mundialização e globalização que tudo alterou, com a chegada ao debate de gente de várias matrizes - de economistas a escritores, de poetas a agricultores, jornalistas e bloguistas - a politica económica torna-se numa incontornável narrativa, de fracassos e êxitos que a (des)legitimam, com uma pluralidade de jogos de linguagem, onde por vezes o narrador - como nos diz Lyotard - é ele mesmo o herói da narrativa. Coisa estranha essa, mas só assim se entende o que dizia Ferreira Leite na oposição ["Não se pode aceitar a venda de património, mesmo que essa opção seja correcta sob todos os pontos de vista, se a receita que daí advém se destinar ao pagamento de despesas correntes. Se o Governo o fizesse seria uma enorme irresponsabilidade, por que sabia que estava a obter receita que não mais se repetia para poder fazer despesas que se repetirão todos os anos"] e o que faz e pratica agora, como ministra. Ou de como se governa na Mercearia Ferreira Leite com esse extraordinário slogan (do gaélico "Scluagh-chairm") do deficit, que é muito mais um grito de guerra provinciano que uma medida de politica orçamental (que lhe perdoe o prof. Cavaco).

Que modelo usa Ferreira Leite na mercearia económica? Para além da utilização da esferográfica, para o deve e haver, mais nada. Suspeita-se que, por patriotismo, nunca se pensou em tal, muito embora seja dito por um naipe de curiosos economistas - caso desse assombroso Nogueira Leite, do esforçado Carrapatoso, ou desse inolvidável Carp, de boa memoria - que existe sim senhor, que eles sozinhos ou em grupo excursionista já lhe puseram os olhos em cima e, num acto de pura modéstia, até nos disseram que se trata de um modelo assente nas exportações, que arrastaria a economia portuguesa para patamares invejáveis de crescimento e bem estar. Daí que na Mercearia Ferreira Leite, fiel à máxima fiat iustitia pereat mundus (em honra do deficit), se encontrem sentados, um ror de economistas e jornalistas em amena cavaqueira esperando a retoma, enquanto lá fora, nos passeios, os indígenas comentam que "e tudo o deficit levou". Serão imprudentes, por acaso?


Até quando Ferro Rodrigues?

O país está excelente. O governo desgoverna à sua maneira, em meritória acção pedagógica, enquanto a oposição desapareceu de vez. Minto, ficou o jovem Louçã, e ainda bem, senão seria prudente fechar o país e assinar de cruz essa Constituição Europeia de que muito se fala (parece que o prof. Barreto fez mea culpa sobre o assunto, mas não se entende bem o porquê da excitação). E, mesmo assim, ainda é de pensar duas vezes no assunto. Ferro Rodrigues está agrilhoado, de vez, aos desenvolvimentos do caso Casa Pia e nada pode fazer, dado a pressão mediática. O PS, por arrasto, desaparece da cena politica e é inútil lutar contra isso. Está tudo dependente desse sinistro caso, dado até as ultimas intervenções histriónicas havidas em sede do Parlamento. Portanto, nem o Ferro Rodrigues pode sair, nem ninguém estará interessado a herdar esse seu fa(r)do. Não conseguindo passar à opinião pública a teoria da urdidura politica (o que pode provar, afinal, que as cunhas politicas rosa não funcionam), deixando-se envolver em registos afectivos imprudentes, numa estratégia sinuosa que ninguém entendeu, Ferro Rodrigues e o PS estão condenados a restar na espera. A não ser que, num esforço colectivo, se procure dar uma resposta firme e credível, utilizando métodos democráticos e legais, ao lento degenerar da situação politica. Até porque a crise económica e social existente, aliada à crise de desconfiança face às instituições (Tribunais, Parlamento, Partidos, etc.) que se manifesta em força, está a levar os cidadãos deste país a uma "depressão" que tudo contamina. Não se pode esperar muito mais, porque as suspeitas matam qualquer conversa/debate público ou privado. E o exercício da cidadania vai se consumindo na fogueira do tempo presente. O que é perigoso e fatal.