domingo, 31 de agosto de 2003

AUGUSTO FERREIRA GOMES (1892-1953)



n. 31 de Agosto de 1892

"Jornalista, poeta e ecritor. Grande amigo de Fernando Pessoa. Companheiro e confidente de muitas obras (...) Era de baixa estatura, franzino, bigode aparado, mente viva e humor mordaz (...)" [Encontro Magick Fernando Pessoa Aleister Crowley, Hugin, 2001]

"Na vida dinâmica dos cafés, na tumultuosa discussão de literatos e jornalistas, costumava Augusto Ferreira Gomes marcar o seu lugar, deixando sobre o mármore polido duma mesa ou sobre uma cadeira, um volume de Edgar Poe. Os colegas e os amigos, chegados nos curtos intervalos da sua ausência, já o sabiam por perto (…) Quem o não conhecesse, ao vê-lo tomar assento, ficaria logo convencido de que seria ele o possuidor, o apaixonado admirador do artista dos «Contos Extraordinários», de tal modo se depreende da sua fisionomia uma sugestiva atracção pelos ambientes trágicos e uma decidida vocação para interpretar as maravilhas do Belo, mesmo quando ele atingia as culminâncias do horrível" [Mário Filipe Ribeiro (?) in, prefácio à "Múmia Assassina?", 1923, citado da obra "O Encontro Magick ... "]

"Augusto Ferreira Gomes foi poeta do Primeiro Modernismo, colaborador de "Orpheu" e das revistas "Contemporânea" e "Athena". Grande amigo de Fernando Pessoa, a quem o livro é dedicado e que o prefacia, partilha com este poeta o gosto pelo ocultismo e pelas ciências esotéricas. Foi ele, aliás, o autor do horóscopo de Álvaro de Campos (...)" [AMP]

Bibliografia: "Rajada Doentia, 1915 / Procissional (poesia), 1921 / O Cosme, 1922 / Múmia Assassina?, 1923 / QUINTO IMPÉRIO, AMP, 1934 (c/ Prefácio de F. Pessoa) / NO CLARO - ESCURO DAS PROFECIAS: S. Malaquias, Nostradamus, Bandarra, o Apocalipse de S. João, ...... Dedicado pelo autor à memória do astrólogo Fernando Pessoa, Lisboa, Portugália, s/d (1943)

M.E.C., POPMUSIC E ESCRÍTICA POP



Com natural curiosidade segui com a atenção merecida, a conversa (via Homem a Dias) entre O Comprometido Espectador, Terras do Nunca e o próprio Homem a Dias, sobre música e em particular em torno da questão de dois livros escritos pelo M.E.C, até porque em post de 23 de Maio já os tinha citado, esperando agora que o próprio M.E.C possa esclarecer a questiúncula bibliófila. No entanto, aqui deixo umas referências, do que (julgo) sei:

- o livro Popmusic-Rock de Philipe Daufoy & Jean Pierre Sarton (Popmusic/Rock na versão original francesa, Éditions Champ Livre, Paris 1972) saiu no ano de 1974 pela Regra do Jogo, com tradução de Carlos Lemos. Posteriormente foi publicado (pelo menos) uma segunda edição que data de 1981 (a que tenho), onde surge um texto muito importante para os amantes a pop, pelo Miguel Esteves Cardoso, denominado "Ovo e o Novo /(Uma) discografia duma década / de rock: 1970-1980", considerado como posfácio á obra, citada.

Se o texto do M.E.C. (na 2ª edição) é importante, menor não deixa de ser o valioso ensaio dos autores franceses citados, tendo em conta os registos afectivos do período de 1974, aqui em Portugal. Daí entender-se o recurso à terminologia marxista na análise da pop music, que partindo da velha questão, bem smithiana diga-se, da distinção entre o trabalho produtivo e improdutivo, estabelece uma arqueologia da pop music rock através de questões como: a neutralização do seu poder de rebelião ou da sua poesis messiânica que revelaria, o seu posterior controlo na lógica da relação mercantil ou a perda da sua força de radicalidade/revolta, numa submissão simbólica a partir da produção de mercadoria por mercadoria, que tudo submete. Velhos tempos, diremos. [nota: o livro faz parte da bibliografia sobre musica, da cadeira de Linguagens da Comunicação, da Univ. Federal da Bahia]

Diga-se, ainda, que a segunda obra publicada pela mesma Regra do Jogo (editora do Porto) foi o excelente Free Jazz Black Power, de Philippe Carles/Jean Comolli, de 1986.

De outro modo, seria interessante referenciar algumas revistas/jornais saídos sobre o fenómeno da pop rock. Um jornal essencial foi O Memória de Elefante, publicado antes do 25 de Abril, que é hoje raro e peça de colecção. Curiosamente, do ponto de vista ideológico o jornal estava perto do "jovem" JPP, desses tempos.

- o livro Escrítica Pop / ... / Um quarto da quarta década do Rock 1980-1982, saiu editado pela Editorial Querco, Junho de 1982, 365 p.

Trata-se, como nos é dito inicialmente, numa recolha de textos escritos em Portugal e Inglaterra e anteriormente publicados n'O Jornal, O Se7e, Música e Som, etc. É um fabuloso livro de memórias musicais, paixões e (des)amores com musica em fundo. Crítica pop importante e valiosa. De muita estimação.

sábado, 30 de agosto de 2003

MINIBIOGRAFIA


Não me quero com o tempo nem com a moda
Olho como um deus para tudo de alto
Mas zás! Do motor corpo o mau ressalto
Me faz a todo o passo errar a coda

Agora adoeço, envelheço, esqueço
O quanto a vida é gesto e amor é foda;
Diferente me concebo e só do avesso
O formato mulher se me acomoda.

E se a nave vier do fundo espaço
Cedo raptar-me, assassinar-me, cedo:
Logo me leve, subirei sem medo
À cena do mais árduo e do mais escasso.

Um poema deixo, ao retardador:
Meia palavra a bom entendedor

[Luiza Neto Jorge, Pravda, nº6, 1988]

À VOLTA DOS BLOGS, JORNAIS & OUTROS MAIS


- O texto (28/08) de Maria José Oliveira n'0 Público (Gazeta dos Blogues) é um exercício jornalístico curioso. A autora considera que há um debate político (e a modos que moderado ... tudo gente encantadora, é bom de ver) entre aqueles que apoda de "blogs politizados", todos bem intencionados a educar o mundo e que no seu mister esgrimem ideias para a crise, chaves e outras quinquilharias para acabar de vez com a crise da crise. Uma verdadeira e árdua "secção de pronto a pensar", digamos. Apesar de se saber que "tudo o que existe, não pode ser verdade", partimos, mesmo assim, em busca desse esperançoso corpus politikus que esses noviciados arautos proclamariam. Nada encontrámos que nos fizesse espanto, êxtase, gosto de olhar (em sentido freudiano), encantamentos redentores ou, mesmo lobrigámos, essa "crueldade lingual" que falava Pacheco. Apenas descobrimos uma "menopausa do espírito". O mito do debate/polémica nem "aparece nem desaparece: nunca acontece". Decididamente os Portas & Barrosos, os Guterres & Ferros, os Zé Fernandes ou os Graça Moura, não são de muita excitação, nem o novo melhoral contra o tédio da política caseira. Assim sendo - regressando ao texto - a prosa adocicada da jornalista leva, portanto, à consideração que o prazer displicente de outros "menos politizados", habitando na blogosfera lusitana, jaz estigmatizado à mesa do computador, pois muito mal armado está pelos Thomas Mann, Joyce, Dostoiewsky, Pessoa, Cesariny, Herberto, Gabriela Llansol, Derrida, Bourdieu, Espinoza, Giddens, Deleuze, O'Neill, Pacheco, que sei eu. Como as "massas" gostam de aparatchiks "politizados", temos de ter paciência, porque "nunca tivemos atados os tomates a nenhuma manjedoura" (Jorge de Sena). Vale!

- [sacado do Aviz]

"(...) Desconfio daqueles que vêm educar as massas e arrebanhar multidões (acho o proselitismo muito discutível). Desconfio ainda mais daqueles que se vêem investidos da missão de «acordar consciências» para pôr toda a gente a discutir e a «debater». Aqui deixamos o que queremos e só somos julgados por isso. Acho bem que existam blogs que citem, citem, citem, que exponham as suas paixões e que escondam os seus amores. Tudo se nota, quando é escrito. Escrever profundamente é mostrar os lugares da paixão (a paixão, a divergência, o ressentimento, o amor, a delicadeza, a tranquilidade), mas só quando se quer. Muitas vezes é só insónia. Só perguntas: e a noite, o que é? — por exemplo." (FJV)

- " (...) o factor mais importante para explicar muito do que se passa hoje no Iraque não é a "ocupação" americana do país, mas sim a verdadeira revolução social e política que esta provocou – o fim do poder hegemónico da minoria sunita face à maioria chiita". [in Abrupto, com o JPP em versão marxiana sobre "o poder". As saudades que eu já tinha!]

- "(...) Assim como grandes repórteres investigativos podem ser cronistas sofríveis, o facto de que tenho o poder de inaugurar minha página na Internet não deve me levar a concluir que tenha alguma coisa a dizer. Já vi ótimos comentaristas culturais que, deixados a sós com seu brinquedo, o blog, transformam-se em Narcisos pueris (...)". [via A Carta Roubada]

- um "blog optimista sobre o Benfica", eis o Nietzsche & Schopenhauer. Daqui, do castelo altaneiro nas margens do Mondego, mando um forte e caloroso abraço [via Aviz]

- para especialistas curiosos: "Schwarzenegger's Sex Talk", in The Smoking Gun

sexta-feira, 29 de agosto de 2003

28 DE AGOSTO

n. 1481 F. Sá de Miranda
n. 1749 Goethe

"Nem esqueçamos que à Maçonaria devemos, neste critério, a maior obra literária dos tempos modernos - o Fausto, do Ir. Goethe, que foi iniciado na Loja Amália de Weimar em 23 de Junho de 1780, passando a Companheiro em 23 de Junho de 1781 e feito Mestre em 2 de Março de 1782" [Agenda Centenário de Fernando Pessoa, Edições Manuel Lencastre, 1988]

Canção de Linceu

"Nado para ver,
Para olhar justado,
Consagrado à torre,
O mundo é um agrado,
Olho lá para o longe,
Vejo aqui pertinho:
A lua, as estrelas,
A mata, o corcinho.
E em todos vejo
O adorno sem fim,
E como me agradou,
Eu me agrado a mim.
Meus felizes olhos,
Tudo o que sentiste,
Fosse como fosse,
Em beleza o vistes!"

[J. W. Goethe,in POEMAS, versão portuguesa de Paulo Quintela, Coimbra, U.C., 1958]

quinta-feira, 28 de agosto de 2003

[HÁ NOITES ASSIM]


Neste dia de tédio, a noite poderia ser enternecedora. Lembrava-me de Plotino, sempre razoável, que dizia:"todos os seres estão juntos se bem que cada qual permaneça separado". Podia ser verdade. Aos 27 minutos, César caiu na maldição e eu, supinamente embriagado, lancei-me a ler catálogos, repleto de saudades de antanho. No Bessa continuava a festa e a paixão por coisas simples que a libido vence, porque o gosto de olhar não cansa. Por cá o Jack Daniels, da minha satisfação, estava uma miséria. Cá em casa nunca ninguém de embebeda, todos ao mesmo tempo. Que lindo conto.

" ... Para o português, o coração é a medida de todas as coisas. Não temos tragédia mas história trágico-marítima. Os Lusíadas são o grande poema do mar. Os marinhos são filhos de sereia. Onde há movimento mais imóvel que as ondas a rolar nas areias de Portugal? Só nos empenhamos por simpatia. E salvamo-nos sempre pela extraordinária capacidade de improvisação: quando se aproxima a catástrofe, abrem-se-nos os olhos da razão ardente, à qual nos vergamos, então desenvolvemos, somos capazes de energia tanta e eficaz - a famosa investida lusitana sob a qual soçobrava tudo - que no vulgo escreve-se isso mesmo assim: milagre" [Francisco Palma Dias, in Via Latina, 1991]

quarta-feira, 27 de agosto de 2003

FIGUEIRA DA FOZ



"(...) Quantos se lembrarão de que, na Figueira, no antigo hotel Reis, nessa época, ao fundo da Praça Velha, estiveram hospedados, ao mesmo tempo, Guerra Junqueiro, Gonçalves Crespo, Cândido Figueiredo, Manuel de Arriaga, Bettencourt Rodrigues. Já não era um mero hotel de praia: era uma sucursal da Academia, uma espécie de Academia a banhos.
Foi num dos alegres jantares dessa estirpe de Júpiter que ocorreu, segundo se conta, este pitoresco episódio: na altura da sobremesa, entraram na sala de jantar duas senhoras ainda novas, bonitas, uma portuguesa, outra brasileira, que estavam com as respectivas famílias no hotel. Ao vê-las entrar, Gonçalves Crespo, levantou-se imediatamente, ergueu o copo e exclamou:
- Brindo ao belo sexo dos dois hemisférios!
Mas logo Junqueiro [Guerra ...], reparando que sob a blusa de seda de uma das senhoras arfavam dois seios rechonchudos, levantou-se, de súbito, bradando, de copo em punho, com a galante irreverência dos seus vinte anos [estava-se, portanto, em 1870]:
- E eu brindo aos dois hemisférios do belo sexo!"

[Luiz de Oliveira Guimarães, in, I Centenário da Figueira da Foz, 1882-1982]

"... Ter nascido à beira-mar é como ter nascido debruçado sobre a vida.. Tudo é irrevogável nos decretos do tempo. Aquelas águas sobre cuja placidez o homem é tão impotente como sobre a placidez das estrelas, revestem-se de uma majestade divina. Não há searas no mar. Não há sobre as águas do mar vestígios do trabalho do homem. Quando um navio passa ao longe é como o passar medroso de uma mão pelo dorso nervoso de uma fera. O mar tem vida. O mar é impenetrável como tudo quanto é vivo ... "

[Gaspar Simões, idem, ibidem]

ANOTAÇÕES

- o debate em torno do(s) terrorismo(s) cresce de tom, mas invariavelmente o maniqueísmo triunfa. Tenha-se em conta os editoriais do Expresso, Publico, DN, os artigalhos nos jornais pelos colunistas habituais (a propósito, Helena Matos continua a debitar, em demasia, opiniões peludas e assim sendo, só quem é contra a corrente pode lançar esgares de paixão pelos seus comícios no Publico) e alguns textos paridos pela blogosfera lusitana. Registe-se o debate entre Paulo Varela Gomes e Pacheco Pereira (um belíssimo post final), mas que não responde à questão: o que é o terrorismo (ou terrorismos) e como combatê-lo(s). Fazer uma bibliografia sobre o tema, disponível na Net, seria desejável ...

- Arnaldo Jabor no Estado de S. Paulo: "(...) Não se trata de uma guerra, pois o inimigo quer morrer. Se não há medo da morte, não há vitória possível. Portanto, não há guerra nem simétrica nem assimétrica. Só há uma grande psicose imunda, milenar, que tinha ficado retida no deserto miserável onde o mundo ocidental nasceu e que agora volta como um 'retorno do reprimido', um grande nojo da vida que tinha ficado esquecido. Talvez nossa origem nos mate, nossa placenta sangrenta volte para nos sufocar. A idéia de 'solução' iluminista já era. O que está acontecendo é da ordem da natureza, como os furacões ou terremotos. Podemos prevê-los, mas não evitá-los. Repito o óbvio: quanto mais ataques houver, mais homens-bomba nascerão, quanto mais retaliação, mais derrota. (...)
O islamismo fanático desmoralizou a Razão ocidental no 11 de setembro. Daqui para frente, seremos movidos por eventos aleatórios. Acaba o sonho de se alcançar uma harmonia política futura, um sonho de ordem qualquer. Michou a idéia de 'futuro redentor'. Outro dia, o Baudrillard, que é odiado pela Academia, mas que é inteligente, disse: 'Acabou o universal; só há o singular contra o mundial.' Perfeito. A genialidade de Osama consistiu em atacar isso: o sonho universal da civilização, a alma da razão. (...)
O Islã fanático pode fazer isso porque está fora da história, fora do compromisso com um futuro harmônico, fora da razão. Os fanáticos só têm certezas; nós estamos tontos de dúvidas. Nós achávamos que chegaríamos a um futuro sem perigos. Os fanáticos já estão lá. A guerra é assimétrica não só por absurdas esquadras contra um homem só, mas também porque só a América tem uma ideologia. (...)
Há um grande 'toque' na morte de Sérgio Vieira de Mello: Bush e o Ocidente deviam mudar sua estratégia de retaliação e 'solução'. Deveríamos acabar com essa 'cruzada' absurda, mas somos incapazes de entender a mensagem. Há uma sabedoria no fatalismo muçulmano não-fanático que seria educativo para o Ocidente: suportar o impossível, ter humildade diante do inevitável e querer menos esse 'progresso' incessante e bárbaro que só nos fará andar de costas até o ano 700. E, lá, seremos recebidos por Maomé, que terá a cara de Osama Bin Laden.

- The Danger of American Fascism, by Henry A. Wallace (The New York Times), 1944 [via American Samizdat]

- Ronald Reagan, 23 de Outubro de 1983: "Many Americans are wondering why we must keep our forces in Lebanon. Well, the reason they must stay there until the situation is under control is quite clear: We have vital interests in Lebanon, and our actions in Lebanon are in the cause of world peace."
Ronald Reagan, 7 de Fevereiro 1984: "I have asked Secretary of Defense Weinberger to present to me a plan for redeployment of the Marines from Beirut airport to their ships offshore. This redeployment will begin shortly and proceed in stages." [via Whiskey Bar ]

- " ... the Army [USA] is doing two things it has rarely done since the grim days of the Vietnam War. It has begun rotating officers and senior NCOs out of Iraq, which means replacing seasoned commanders with freshly arrived officers who don't know the country or the troops they are leading." [via The Agonist]

- Olavo de Carvalho, o show do Los Hermanos e Paulo Polzonoff. Um texto espantoso [blog Polzonoff]

- Baghdad Burning, blog Iraquiano. "Girl Blog from Iraq... let's talk war, politics and occupation". Lê-se: "We are seeing an increase of fundamentalism in Iraq which is terrifying."

- o meu Benfica não está bem. Contra os boavisteiros tiveram desculpa, tal a barbárie do jogo axadrezado. No último jogo pouco se viu. Hoje contra a Lazio, espera-se que jogue bem e ganhe. As duas coisas. E que a rapaziada anti-vermelha do Porto, core de vergonha. E que, logo depois, como cavalheiros, tratem de levar os italianos de regresso ao aeroporto. Para não perderem o hábito e a vergonha.

terça-feira, 26 de agosto de 2003

HOMENAGEM A MANUEL FERNANDES TOMÁS


A autarquia da Figueira da Foz, como em anos transactos, homenageou no passado dia 24 de Agosto Manuel Fernandes Tomás, figueirense ilustre, fundador do Sinédrio e um dos mentores da Revolução de 1820. Participou na elaboração das bases da Constituição que D. João VI jurou em 1821. Estiveram presentes na cerimonia, além do representante da Câmara Municipal, o Grão Mestre do GOL (António Arnault) e muitas figuras figueirenses.

Manuel Fernandes Tomás [1771-1822] nasceu na Figueira da Foz, foi síndico e procurador fiscal do município da F. Foz, vereador, Juiz de Fora em Arganil (1800), Superintendente das alfândegas e dos tabacos (comarcas de Coimbra, Aveiro e Leiria - 1805), provedor da comarca de Coimbra (1808). Logo após, "abandonou o cargo com a entrada de Junot" [A Maçonaria na Figueira (1900-1935), Isabel Henriques, Museu, Biblioteca e Arquivos da Figueira da Foz, 2001, cuja biografia seguimos ], tendo organizado a defesa da vila da Figueira da Foz ("Wellington nomeou-o Intendente Geral dos Viveres no quartel geral de Beresford"). Pelos feitos que se notabilizou foi-lhe atribuído o cargo de Desembargador Honorário da Relação do Porto (1812). "Em 19.8.1818 fundou o Sinédrio [com José Ferreira Borges, João Ferreira Viana e José da Silva Carvalho], sociedade responsável pelo eclodir da revolução liberal de 24 de Agosto de 1820, que lhe renderia a legenda de Patriarca da Liberdade" (idem, ibidem). Deputado pelas Beiras às Constituintes, participou na elaboração da Constituição de 1822.

Manuel Fernandes Tomás, foi iniciado na maçonaria em data desconhecida, tendo pertencido à Loja Patriotismo, nº7 de Lisboa da qual foi Venerável, com o nome simbólico de Valério Publícola.

Em 1900, por decreto maçónico nº16, de 10 de Junho, foi fundada a Loja Maçónica Fernandes Tomás, nº 212 na Figueira da Foz, sob o rito francês e pelos auspícios do GOLU [in, A Loja Fernandes Tomás, nº 212 da Figueira da Foz (1900-1935), Divisão de Museu, Biblioteca e Arquivo da Figueira da Foz, 2001]. Depois de um período conturbado, com separação do GOLU e correspondente trabalho irregular, regressa novamente à Federação do GOLU, Supremo Conselho da Maçonaria Portuguesa, não se sabendo por falta de documentação no seu arquivo (idem, ibidem) se a partir de Dezembro de 1932 teve qualquer actividade. Fizeram parte da Loja até 1932, 112 obreiros, sendo de referir: [in obra citada]

Manuel Gomes Cruz (Lassale), que foi Venerável e o "primeiro Administrador do Concelho da Figueira da Foz que a Republica nomeou" (id., ibid.), sócio da Associação Instrução Popular (como quase todos os outros obreiros), Bombeiros Voluntários, Santa Casa da Misericórdia da Figueira da Foz e da Cooperativa Fernandes Tomás, e um dos vultos de prestigio do Centro Republicano Cândido dos Reis; Fernando Augusto Soares (Napoleão), outro dos fundadores da LFT, da qual foi Venerável, Chanceler e Delegado à Grande Dieta, tendo tido papel importante no desenvolvimento da Figueira, como criar em Buarcos a Escola Nocturna Bernardino Machado, tendo sido sócio da Associação de Instrução Popular, da Associação Educativa da Mulher Pobre (fundou uma escola feminina), pensou e criou a Associação de Classe Marítima, construiu em Buarcos o Teatro da Trindade (replica do teatro da Trindade de Lisboa) tendo-o entregue ao Grupo Caras Direitas (hoje, ainda existente); José Gomes Cruz (Pasteur), um dos fundadores da Loja, onde exerceu os cargos de 1º Vigilante, Secretario e Chanceler, fez parte da Greve Académica de 1907 em Coimbra, pela qual respondeu em Tribunal Militar, foi vereador da Comissão Administrativa da Figueira da Foz, fundador do Centro Republicano Cândido dos Reis (Figueira) e um dos vultos culturais mais importantes da Figueira; José Alberto dos Reis (Descartes), um dos fundadores, foi lente de Direito em Coimbra e em 1923 pediu atestado de quite por razões profissionais, tendo sido mais tarde apodado de traidor (Oliveira Marques) dado o seu papel, na qualidade de Presidente da Assembleia Nacional (que o foi durante 12 anos), na celebre questão do Decreto de José Cabral de suspensão e proibição das Sociedades Secretas, e onde Fernando Pessoa interveio num conhecido artigo no Diário de Lisboa; Joaquim Figueira da Abreu (Tito), um dos fundadores; Joaquim da Silva Cortesão (Galeno), fundador da Loja, foi Presidente da Associação de Instrução Popular, da Cooperativa Fernandes Tomás e Presidente da Comissão Municipal Republicana da Figueira da Foz; José Joaquim de Abreu Fernandes (Bartolomeu Dias), um do fundadores; Adriano Dias Barata Salgueiro (Garibaldi), um dos fundadores da Loja; Henrique Raimundo de Barros (Barnave), fundador, foi professor de inglês na Escola Comercial e Industrial, secretário particular do Presidente Manuel de Arriaga, etc.; João dos Santos (Platão), filiado como um dos fundadores; José da Cunha Ferreira (Kruger), capitão da marinha mercante, tendo-se lançado na pesca do bacalhau, fundando e administrando a Atlântida Companhia Portuguesa de Pesca, fundador do Rotary Clube da Figueira da Foz; Bernardino Machado (Littré), filiado na LFT em 1903, "decorado com o grau 33º", foi-lhe concedido o cargo de Venerável honorário, tendo sido Presidente da Republica, exilado politico, Grão Mestre do GOLU, etc; João da Silva Rascão, foi um dos sócios fundadores e presidente da Naval 1º de Maio; José Bento Pessoa (Francisco Ferrer), grande desportista e ciclista do Ginásio Figueirense, era proprietário dos fornos de cal na Salmanha, tendo sido mais tarde atribuído o seu nome ao Estádio Municipal da cidade; Manuel Gaspar de Lemos (Voltaire), sócio da Misericórdia, impulsionou a construção do edifício da Escola Comercial e Industrial, influenciou a criação da Junta Autónoma do Porto e Barra, arborização da Serra da Boa Viagem, fundador da Sociedade Pesca Oceano e secretário da Associação Comercial da Figueira da Foz, preso politico e exilado na Bélgica; António Augusto Esteves (Francisco Brás), mais conhecido nos meios literários com o pseudónimo de Carlos Sombrio, foi jornalista e escritor, tendo sido director da Biblioteca Municipal, fez parte da celebre tertúlia, denominada "Coração, Cabeça e Estômago" de que fazia parte Joaquim de Carvalho, Salinas Salgado, Octaviano de Sá, Cardoso Marta, entre outros mais; José da Silva Ribeiro (João das Regras), jornalista, fundador do Jornal da Figueira, Voz da Justiça (encerrado pela PIDE em 1938), impulsionador da Sociedade de Instrução de Tavaredense, e doador da maior arte dos documentos que permitiu fazer a história desta Loja.
Actualmente, existem duas Lojas maçónicas na Figueira da Foz, sendo uma delas a Loja Fernandes Tomás.

sexta-feira, 22 de agosto de 2003

BUARCOS


O Verão é belo, manso, muito pombo. Algures num café matutino na Figueira da Foz, num qualquer sábado, pode-se folhear o Expresso, Publico, DN e ... o El Pais. Este acabadinho de arribar. Acabaram os tormentos de andar a ler o jornal da véspera. Este último suplemento do El Pais - Babelia - com mapa literário da América Central foi excelente. A entrevista de João Fernandes, director do Museu de Serralves, bem elucidativa do que pretende para Serralves ["Um museo es uma fábrica de experiências, no de legitimaciones de los artistas"]. A Europa e cidadania europeia é analisada a partir de Étienne Balibar, num belo texto de Josep Ramoneda. Falta muito para sábado?

"Ver o Sol nascer, ao alto da enseada de Buarcos - é espectáculo inolvidável. Não digo por faccionismo bairrista. Mas a alegre e irradiante sinfonia de oiro, púrpura e rosa, conquistando, removendo e vencendo a névoa e as sombra, da noite, banhando de luz imaterial as areias e casas da velha povoação (...); esse puro deslumbramento da paisagem matutina, ensina-nos uma vez mais o conceito de Baudelaire: - que na cor existe harmonia e melodia. A alvorada de claro Outono iluminando Buarcos, é um quadro de artista insigne (...)" [João de Barros, in, 1º Centenário Figueira da Foz, 1882-1982, BMFF]

Para que conste: "Das ruas, às mesas de café até aos corredores do poder da Figueira da Foz, tudo (mas mesmo tudo) o que se diz mas ninguém escreve. Até agora!", eis um blog Figueirense, de nome de culto - O Palhinhas. Havemos de regressar ao Palhinhas (antigo jornal figueirense) e a outras pérolas jornalísticas e literárias da Figueira. Até lá ...

"Eu sorrirei, calmo e contente
Se ouvir e vir, perto, bem perto
O mar fraterno, o mar eterno, o livre mar ...

[João de Barros]

quinta-feira, 21 de agosto de 2003

IRAQUE & OUTROS

A partir de um texto inicial - onde julgo, perdeu por completo a fina auto-disciplina intelectual que o caracteriza - perfeitamente "assassino" a propósito do acto vil, cobarde e hediondo lançado em Bagdad por terroristas, FJV lança palavras como metralha, para todo o lado, sem que se entenda o que quer dizer. Sabe-se o que lhe vai na alma, não fosse “o tempo um robusto deus castanho, taciturno, selvagem e intratável” (Eliot). E estes tempos assim são. Desconhece-se, porém, em que é que se baseia para indagar a outros a "verdade" das coisas, questionar o ensandecimento generalizado que a todos acomete, ou, mesmo, o que pretende afirmar quando se refere aos "idiotas úteis em todas as circunstâncias". De facto, a questão da cobarde invasão do Iraque, à revelia da condição humana e da sua inteligência, porque apregoada através de mentiras mil vezes repetidas, foi o golpe de misericórdia na luta legal e democrática contra o terrorismo, conduzindo a registos conflituosos. Aqui está um deles. Nunca tamanha e brutal submissão aos interesses de uma súcia de criminosos de um país com interesses geopolíticos e económicos evidentes, foi defendida em nome da santa liberdade. Alguns vêm nas críticas à "fascista" (Paul Auster) administração dos EUA, a nostalgia do vivido anti americano. O "bricoleur" (Lévi-Strauss) que tem essa estranha monomania é mais para a rapaziada liberal de extrema-direita, que para pessoas decentes, civilizadas e lúcidas. Quem se der ao trabalho de ler todas as argumentações a favor ou contra a invasão e colonização do Iraque, encontrará rapidamente respostas. Muitas e copiosas. Mas basta uma só, a saber: a ideia que a liberdade de um é a liberdade de todos. E não é isso que se trata no Iraque, perante a nossa vergonha.

Por outro lado, não está claro em que consiste essa "armadilha interpretativa" de que fala JPP. E, parece, que em questões de teor interpretativo, nomeadamente no que se refere à questão iraquiana, quem tem de explicar muita coisa (aos seus leitores, claramente) é o próprio JPP. Algumas nuances avançou no seu blog, mas foi curta a colheita para ser estimulante, face à trepidação dos factos recentes. Fica-se, assim, na espera da configuração dessas "qualidades" como a "firmeza" e a "persistência", chave que preconiza para "resistir" no Iraque. E já agora, é conveniente, à cause de ambiguidades possíveis, dar a interpretação do que entende por "resistir" a quê, a quem e como? Como diria EPC, de facto, "nenhuma leitura é inocente", e algumas, diremos nós, bem perigosas. Aguardemos.

POESIA EXPERIMENTAL - NOTA FINAL


"É preciso dizer rosa em vez de dizer ideia
é preciso dizer azul em vez de dizer pantera
é preciso dizer febre em vez de dizer inocência
é preciso dizer mundo em vez de dizer homem ..."

[Mário Cesariny]

"Toda a palavra começou por ser experimental. Toda a crítica começou por ser experimental. Toda a arte começou por ser experimental. Deveremos admirar-nos se agora nos vêm propor uma "poesia experimetal" - nós que, aliás, vivemos num tempo que se quer, como nenhum outro se quis, de purificações, de redescobertas, de restituições, de progresso, de aventura?" [Arnaldo Saraiva]

"Um poema concreto é para ver mais que para ler, no sentido convencional do verbo ler" [Melo e Castro]

" (...) vivemos numa época de investigação. E não é só isso: os resultados dessa investigação são objectivados pela experiência. É, pois, também uma época experimentalista. Ora a poesia tem de reflectir essa mentalidade, tem de ser experimental, entrar mais pelos sentidos que pelo sentimento. É precisamente esse o fim desta poesia. Preocupa-se do poema como objecto (...) Todo o processo poético tem de ser submetido a um despojamento de tudo o que é acessório. Assim a poesia experimental ergue-se contra a poesia convencional (...) O poeta convencional só se apercebe do espaço que o rodeia. O poeta experimental ocupa o espaço com a sua poesia, sendo muitas vezes o próprio poema quem faz a definição do próprio espaço que ocupa (...)" [Maria J. Mota Fonseca]

[Anotação] Cronologia pós período 1962/1969:

1973 - Antologia da Poesia Concreta em Portugal, Assírio & Alvim (14 autores + entrevista a Haroldo Campos, com prefácio de Melo e Castro e José Alberto Marques) // Exposição de Poesia Concreta Internacional, organizada pelo Goethe Institut, com uma secção portuguesa

1977 - Alternativa Zero (trabalhos de Ana Hatherly, Melo e Castro e Salette Tavares] // Anima – espectáculo-acção de textos visuais na SPA // Representação da Poesia Experimental (sob direcção de MC) na XIV Bienal de São Paulo

1978 - Ana Hatherly participa no 'Graz Meeting of Artists and Art Critics' // Série de programas sobre arte de vanguarda na RTP (19 programas) com realização de Ana Hatherly

1980 - Exposição Colectiva de Poesia Experimental na Galeria Nacional de Arte Moderna // Presença na Bienal de Veneza

"O meu trabalho começa com a escrita – sou um escritor que deriva para as artes visuais através da experimentação com a palavra. A Poesia Concreta foi um estádio necessário (...)" [Ana Hatherly]

"O utente do poema que se aperceba das informações de que for capaz. Por isso e para isso aqui se experimentam os objectos e as pessoas em actos vulgares muito simples deliberadamente fora do seu contexto organizado, quotidiano - redescobrindo o caos com as vossas mãos - experimentando" [Melo e Castro]

[in, PO-EX textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Ana Hatherly & E. M. de Melo e Castro, Moraes, 1981]

quarta-feira, 20 de agosto de 2003

SIGUR RÓS


SIGUR RÓS a banda Islandesa, que esteve já em Portugal, está de volta ... com novo album. Até lá, continuemos a ouvi-los.

AINDA ... SOBRE A POESIA EXPERIMENTAL

"Experimentais somos todos nós
ou ainda menos" [Mário Cesariny]

Alguma cronologia que marca a poesia experimental em Portugal : [in, PO-EX textos teóricos e documentais da poesia experimental portuguesa, Edições Moraes, 1981]

1962 – Ideogramas (E.M. de Melo e Castro - MC) // Objecto Poemático de Efeito Progressivo (idem)
1963 – Poema Primeiro (António Aragão) // Poligonia do Soneto (M.C.) // Plano de uma publicação de Poesia Experimental Colectiva, de Aragão e Herberto Helder
1964 – Electronicolírica (Herberto Helder) // Poesia Experimental 1 (colaboração de H.H., Aragão, António Ramos Rosa, MC, Salette Tavares, António Barahona da Fonseca)
1965 – Exposição VISOPOEMAS, em Lisboa (com Aragão, MC, ST, HH, ABF) e publicação das intervenções no Jornal do Fundão.
1966 – Exposição de Poemas Cinéticos (MC), na Galeria 111, Lisboa
1967 – Conferência Objecto (Galeria Quadrante, Lisboa), com a introdução de José Augusto França e participação de Ana Hatherly, MC, José Alberto Marques e Jorge Peixinho
1969 – Publicação de Hidra 2, na Galeria Quadrante

"(...) Em principio, não existe nenhum trabalho criativo que não seja experimental, nesse sentido de que ele supõe vigilância sobre o desgaste dos meios que utiliza e que procura constantemente recarregar de capacidade de exercício. A linguagem encontra-se sempre ameaçada pelos perigos de inadequação e invalidez. É algo que, no seu uso, se gasta e refaz, se perde e ajusta, se organiza, desorganiza e reorganiza – se experimenta. Como diria um poeta, essa é a própria lição das coisas (...)" [Herberto Helder]

" (...) Verlaine inventa novas ordenações em favor da musicalidade, ou seja,
destrói as ordenações existentes em proveito da música do poema.
Rimbaud modifica formas e sintaxes
Mallarmé, Paul Válery, Reverdy e muitos outros, estabelecendo novas
relações estruturais, intensificaram a palavra poética.
o surrealismo através da destruição e do automatismo desordenou
as palavras e o seu discurso (...) [António Aragão]

"a poesia começa onde o ar acaba. é qualquer coisa para depois da própria respiração. como o respirar é muito uma maneira nossa e (pre)vista da condição humana a que somos condenados, a poesia surge a partir desta condenação. mais justo ainda, a partir de toda a condenação. deste modo, só nos resta a queda no irremediável: a vertigem sem apelo, o jogo sem olhos, a ausência impecável de nós. (...) [António Aragão]

" (...) A mesa está pronta. Esta é a grande messe. Cada qual pode servir-se à vontade; intervir é possuir. As coisas que um faz pertencem a todos. Todos se comprometem nelas, usando-as e intervindo, tornando-as suas, indefinidamente (...) [António Aragão]

" (...) O poeta constrói os seus Poemas de materiais, tendo como fulcro as palavras. É pois necessário que sons e imagens (os materiais) se impliquem mutuamente, e se encontrem correlativamente nas palavras em que se articulam. Por seu turno as palavras surgem por imposição múltipla do jogo sonoro e rítmico e do fluxo imaginístico que o Poeta desperta e conduz dentro de si (...) [E. M. de Melo e Castro]

" O que pode ser mostrado não pode ser dito". [Wittgenstein]

[a continuar]

terça-feira, 19 de agosto de 2003

SÉRGIO VIEIRA DE MELLO



... um cidadão do mundo, que trabalhou e lutou em defesa dos refugiados, do cidadão sem terra e sem alma, na defesa dos Direitos Humanos, morreu hoje em Bagdade vítima de um cobarde e vil atentado terrorista. O seu exemplar e brilhante trabalho em defesa do processo democrático de Timor Leste foi a sua última batalha, ganha por todos os amantes da liberdade e do respeito pelos direitos do Homem. Doutorado em Filosofia e Ciências Sociais pela Sorbonne, SVM foi um exemplo de um trabalho que a ONU pode e deve fazer, sem vassalagens, nem tibiezas, com todo o espírito de tolerância. Que descanse em paz!

"Yo diría que el primero es hacer una agenda de derechos humanos que no divida los pueblos, los estados, sino una que los una. El tema de derechos humanos no puede generar separación entre pueblos y estados. Al contrario, los debe unir. Lo que conocemos como "Derechos Universales". No es materia fácil. Desafíos más específicos...hay muchos. El problema de los derechos económicos y sociales, en otras palabras el problema del desarrollo, de la pobreza, el fenómeno de las migraciones, que está causado por la pobreza, el problema de los derechos de la mujer...importantísimo y de la violencia contra la mujer; el problema de la discriminación racial; de las nuevas formas del antisemitismo que es un monstruo que siempre reaparece desgraciadamente y esta nueva tendencia a raíz de lo que pasó el año pasado, que yo llamaría de "Islamofobia," de generalizar y de acusar a priori grupos, sociedades, religiones, y muchos más. Lo que tendré que hacer es priorizar porque existe el peligro de diluir la atención y los pocos recursos de los que disponemos".

"Hay que recordar que lo que pasó el 11 de septiembre fue un acto abominable. Entonces la lucha contra el terrorismo es una necesidad y hay que respaldarla. Eso no debe llevar a ciertos excesos como por ejemplo el de definir cualquier forma de oposición, cualquier forma interna de distensión hasta de resistencia como terrorismo. En otras palabras, generalizar el concepto de terrorismo e incluir en él cualquier forma de divergencia de opinión política. Y en segundo lugar las medidas que se tomen para combatir el terrorismo, no deben nunca afectar lo que hemos alcanzado en estos últimos siglos en términos de democratización de nuestra sociedad porque es eso lo que los terroristas quieren: destruir las estructuras de los estados democráticos"

[Entevista da CNN a Sérgio Vieira de Mello, 20 de Agosto 2002]

"Até as guerras têm suas leis. Ninguém deve ser privado arbitrariamente da vida. Ninguém deve ser detido arbitrariamente e não se deve submeter ninguém à tortura. Todo indivíduo tem o direito à presunção de inocência" [Sérgio Vieira de Mello]

HORROR EM BAGDADE

O atentado terrorista que atingiu a sede das Nações Unidas no Iraque, é um acto bárbaro sem qualquer justificação e merece a mais viva repulsa. Sérgio Vieira de Mello e os seus companheiros têm toda a solidariedade de qualquer cidadão do mundo. O cobarde acto terrorista que atingiu a delegação das Nações Unidas, num país em perfeito desespero pela miopia política e a revanche criminosa da actual administração americana depois do 11 de Setembro, demonstra que o terrorismo não se combate meramente com estratégias militares e de ocupação, à revelia dos direitos humanos e da cidadania mundial. Ocupar um país nunca foi um política seria e honesta e só a estratégia belicista e imperial Bushiana não quer ver tal. Como bem disse Rohan Gunaratna ao Publico do dia 17 de Agosto último, "a luta contra o terrorismo tem de ser multidimensional, travada por múltiplas agencias e múltiplos países", sendo necessário "usar meios políticos, ideológicos, económicos, sociais e meios de informação" para esse combate. Dentro do respeito pelas diferenças de cultura, pela defesa da participação democrática e na mais estrita obediência aos princípios do humanismo e do direito internacional, afinal tudo aquilo que os EUA e a clique dos seus amigos não fazem nem pretendem seguir.

A POSSE



de repente
no país do
bacharel de cananéia
dos bacharéis de canudo e
anel no dedo e dos
doutores de borla e capelo
no país dos
coronéis
latifundiários de baraço
e cutelo (melhor
dizendo de serrote elétrico
corta-homens)
de nobres na curul e
pobres no curral
um
metalúrgico (sem
anel de grau sem
toga doutoral sem
sabença de papel passado) um
torneiro mecânico
formado na
universidade da vida
(severina) assoma
no altiplano de
brasília e toma
posse
da república numa
apoteose de povo
dando novo sentido à palavra
pátria

[Haroldo de Campos, A Posse, Folha de S. Paulo, 19/01/2003]

IN MEMORIAM HAROLDO DE CAMPOS [1929-2003]



No passado dia 16 de Agosto morreu o poeta, ensaísta, tradutor Haroldo de Campos. Funda (com Augusto de Campos e Décio Pignatari) em 1952 o Grupo Noigandres, de poesia concreta, que influencia a corrente concretista e experimental portuguesa, em especial E. M. de Melo e Castro [vidé PO-EX textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Ana Hatherly & E. M. de Melo e Castro, Moraes, 1981], e depois trabalha "como tradutor, crítico e teórico literário, além de Professor Titular do curso de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Literatura na PUC/SP" [Ver]. "O grupo formado por Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari usou pela primeira vez a expressão «poesia concreta» no Festival de Música de Vanguarda do Teatro Arena em 1955. No ano seguinte, o movimento Concretista seria definido com uma exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo." [idem]. Traduz Joyce, Dante, Mallarmé, Ezra Pound, Maiavóski ...

Morre aos 73 em São Paulo. Uma vida intensa de crítica ás ditaduras, uma resistência estética e literária exemplar. "Extemporâneo, nunca cedeu. Perspassou a média e a mediocridade dominante. Internacionalizou a literatura brasileira, ao tomar para sí, e reativar os valores da antropofagia rebelde de Oswald de Andrade, posta à margem, pelos mesmos epígonos sectários de sempre. Sem vacilos ou recuos, arriscou-se na continuidade, consciente, seguindo nas experiências e experimentações, do percurso desbravado antes pelo 'patriarca' de nossa modernidade literária. Comprou briga com tudo que era passado de todas as épocas e na rasteira deste combate, foram 'redescobertos' Sousândrade, Pedro Kilkery ,Gregório de Mattos,Mallarmé, Joyce , Maiackóviski, com Décio Pignatari e o irmão Augusto e Velimir Klebinikóv em parceria com Aurora Fornomi Bernadini. (...) Instigante, revolucionário, vigoroso na demolição de ranços e rancores incrustados em nossa literatura." (Thaelman Carlos 16/08/2003, CMI Brasil).

sábado, 16 de agosto de 2003

EPICUR Nº35


Acaba de sair a revista dirigida por Alfredo Saramago. Algumas dicas: entrevista com o enólogo Virgílio Loureiro (capa), onde nos fala do branco Quinta de Cabriz 99 e dos vinho em geral; a Garrafeira Soares - Albufeira oblige; um curioso texto de Saramago sobre Acúcares; um teste ao Upmann, Magnum 46, cubano claro!; uma bolsa dos puros; texto sobre cachimbos, por Carvalho Fernandes; a ganadaria de Francisco Romão; carros e relógios; um belo texto de Jorge Silva Melo, com excelentes fotos de Fernado Lemos; e um texto de Fernando António Almeida sobre a Citânia de Sanfins e Santa Luzia. A não perder.

PARA O S*


Saiu-me em oferta generosa alguns livros. Um de João Paulo Freire (Mário) intitula-se, "8 Dias de Liberdade ... Condicionada. Estarreja-Porto-Viana do Castelo de Relance". Edição da Sociedade Cooperativa "O Lar Familiar", Porto, 1945. Ora, é conhecido o autor pela obra vasta, camiliana até, que apesar de qualidade mediana é uma fonte excelente de pistas para trabalhos futuros. Neste seu livro há algumas notas sobre Estarreja, Avanca, Salreu, Murtosa, e arredores, que foram objecto de visitação na época, dando-nos um quadro curioso de impressões dessas terras e dos seus habitantes.

Assim há algumas notas a reter: a fábrica em Avanca, de Avelino Dias da Costa; a amizade com o Dr. Manuel Figueiredo, dr. António Pires Machado, dr. António Tavares Afonso e Cunha, dr. Alberto Vidal, o dr. António Madureira, dr. Francisco Moura; o cicerone ao Hospital Visconde Salreu, de nome Joaquim Marques Freire, que segundo JPF foi um dos sobreviventes da "Revolução de Setembro", era tipográfo e gráfico distinto (p. 56).

Surge referência a alguns topónimos, e para o seu esclarecimento cita o autor, além de A. Tavares Afonso e Cunha (familiar de José Tavares, que falamos em post anterior), o padre João Domingos Arêde, abade de Couto Cucujães, o padre Miguel de Oliveira (natural de Valega) - ver De Talóbriga a Laucóbriga pela via militar romana, Coimbra Editora, 1943.