quarta-feira, 9 de julho de 2003

BOAS


De regresso, fico estupefacto com tantas novidades em tão poucos dias. Isto na blogosfera. Porque o país e o mundo estão na mesmíssima posição (perigosos à maneira de Pulido Valente).

- Direi que o fecho do Blogo não é aceitável. E como tal, proponho uma manif bloguista contra a decisão do(s) mentor(es) desse importante espaço que agora desaparece. Não há substituição possível. Volte ao work, já!

- Fiquei comovido pelo bestial figurino do amante de Berlin, o nosso caro MacGuffin. Rodeado de livralhada, a mão docemente segurando o peso da teoria liberal, o Carlos deu a cara no Contra a Corrente. Fez bem. Cada um dá o que pode. Só lamento que em vez de referir o ar “de puto” que supostamente tem, não termine o MacGuffin com a velha máxima de Baudelaire, “A verdade enfática do gesto nas grandes circunstâncias da vida”. Dava uma atmosfera mais erudita.

- Lemos com o recato possível, sem ousar corar por uma única vez, a crónica da Charlotte em estylo maviosamente Carlos Castro (como sugere o JPP) sobre a elegante e cuidada reunião da UBL. Post de impressões (in eternum manebit et ultra) é um curioso documento para a história da blogosfera. Ficámos sabedores da inteligência do Lomba (a juventude é um mystério), compreendemos a timidez Mexiana que depois é transposta para a poesis com sucesso, também concordamos que O Intermitente deve ser castigado, enquanto os giros De Direita não por serem giros. Até aqui tudo bem, mas quer no post da piedosa bloguista Charlotte, quer naquele outro do Pedro Mexia, nada nos é dito sobre os pormenores da desbunda gastronómica havida, nem nos é referido as sinopses das comunicações proferidas, pelo que suspeito deve ter ocorrido o que o narrador de Fradique Mendes nos diz: “Nada de ideias! Deixem-me saborear esta bacalhoada, em perfeita inocência de espírito, como no tempo do senhor D. João V, antes da democracia e da crítica».

quarta-feira, 2 de julho de 2003

O ALMOCREVE AUSENTA-SE POR CURTOS DIAS



Eis, mais acima, sob as vossas cabeças e clamores, o momento da partida. Serei nestes dias um mutante de barriga ao sol. Mas voltaremos quando reunirmos a saudade e em antiquíssimo cantar dos frescos campos do Mondego, faremos espaço de reflexão e de dizeres outros, retomando a nossa (e vossa) ventura.

Pretium laborum non vile. Até Segunda!

Vale

JOSE LAMEGO, O VIGILANTE DAS CIMENTEIRAS


Lamego ontem refutava os actos belicistas no Iraque. Hoje a mando da Secil corre alegremente para lá. Lamego quer ser o primeiro. Eis os últimos suspiros de um velho revolucionário a caminho da velhice. Não pode, o camarada Lamego, sacar das medalhas da sua luta contra o Estado Novo, exibindo o curriculum de ter sido barbaramente agredido nas cadeias da Pide se agora num perfeito golpe de rins, vacila no que é mais sagrado no Homem - ter espinha vertical. Lamego, manifestamente, não tem. A mando das Empresas da Construção Civil, o ex-maoista e actual socialista perdeu por fim o pudor. Afinal, a caminho da velhice, o vil metal está primeiro que a honra e a ética.

Começa a ser preocupante o papel que um conjunto de jovens oriundos da extrema-esquerda, versão maoista, começam a ter na política caseira e internacional. E acompanhar o seus percursos é lembrar o tempo, a lembrança. Não bastava o José Manuel Fernandes (travestido de mestre escola liberal), o João Carlos Espada (mais soft porque a vergonha persiste), o próprio José Pacheco Pereira (nas suas análises de política internacional - que na política lusitana desmarca-se quase sempre - embora se lhe reconheça algum fair play e inteligência política e cultural), o Pedro Baptista convertido agora em simples amador de futebol, versão Pinto-costista, o Henrique Monteiro a colunar expressivamente em defesa da nova pátria do tio Bush, o Vilaça agora literato e fazedor de canções, e muitos mais.

Eis pois um trabalho interessante, a fazer pelo nosso Estudos sobre o Comunismo, sobre a chefia e o percurso individual dos principais dirigentes dos vários movimentos à esquerda do PCP, antes e depois de Abril - desde os troskystas Lambertistas ou Pablistas, ou versões mais familiares, toda a tribo maoista que, dos URML, UCPML, UCMLP, OCMLP, PCPml (em todas as suas versões), O Bolchevista, a ORPCml, MRPP, ... - que contribuíram, de facto, para um Portugal melhor mas ao mesmo tempo instalaram a perplexidade nos tempos de hoje. Porque não acredito que o mundo tenha mudado e os intervenientes restassem na mesma posição. Como quer fazer passar o JPP quando diz que (ele, JPP) não mudou nada, mas sim o mundo. Suspeito que é mais, aquilo que diz Herberto Hélder - As palavras não fazem o homem compreender / é preciso fazer-se homem para compreender as palavras.

REVISTA EPICUR

Para os epicuristas, que os há ainda, a boa nova: acaba de sair o nº34 da EPICUR, superiormente dirigida por Mestre Alfredo Saramago. Logo na abertura podemos ver as fotografias do grupo de aprendizes dos puros, agora em terras da Figueira da Foz. Consta que castigaram várias Quintas dos Cozinheiros, o que me preocupa pois estou a ver que vai subir de preço, rapidamente, ali feita perto da Marinha das Ondas. Mas o tema de eleição é o whisky (assim mesmo escrito). A não perder: uma entrevista a João Paulo Martins, um vate do vinho em Portugal e que tem a ousadia de nos dizer que, "aí pelos 17 ou 18 anos" começou a calcorrear as tascas e mercearias velhas de Lisboa, tendo comprado a sua primeira Barca Velha a um extraordinário preço de 200$00, o que dá direito a ser seviciado imediatamente. Depois, um texto que me assustou, de título, " Garrafeira Guterres", o que seria fantástico: o nosso António abandonando os prazeres celestiais, caindo no pecado terreno. Mas, não é isso, podem ficar tranquilos. Trata-se de João Guterres, de Valença, que tem um autêntico "quartel-general" de vinhos e charutos - Aromas de Vinho. Por fim, uma prova de charutos: Juan Lopez (corona gorda) desta feita. Cubano claro. Refira-se uma entrevista a Jaime Gama, um praticante de puros, e as colunas habituais. Boa leitura a todos e em especial ao Fumaças.

FESTA DOS TABULEIROS OU FESTA DO ESPÍRITO SANTO - TOMAR


A serenidade incómoda, nunca explicada, que nos invade em Tomar, ruas a fugir de ruas, esguias, labirínticas, castelo ao fundo, é sentida por todos que lá vão em visita. O saber do corpo e da terra estão presentes num ritual mágico-religioso ao longo do rio Nabão, num enamoramento que o corpo responde com as doçuras das coisas perenes. Ao longo do ano, no solstício sem dúvida. Na Festa dos Tabuleiros também. Os agradecimentos à Divindade o produto das colheitas, em "acções de graça" de uma religiosidade pagã que se perde nos tempos, tem uma das suas expressões ritualistas mais poderosas em Tomar, nas festas em honra do Espírito Santo. Como nos Açores terá e tem. "É esse o nome do povo, o culto popular do Espírito Santo" [Agostinho da Silva].

"Talvez o povo, para que se atinja seu ideal de governo, de economia e de liberdade, saiba de Constituições mais adequadas do que aquelas que, talvez sempre com as melhores das intenções, lhe fabricaram os especialistas; talvez para um Portugal do Espírito Santo ... " [Agostinho da Silva]

Tomar, pois. "A Festa dos Tabuleiros é essencialmente constituída por um CORTEJO de oferendas, neste caso particular o PÃO, fruto da terra e dom de Deus. Quer a tradição que todos, indistintamente, recebam após a festa o seu Quinhão - a PÊSA - de Pâo Abençoado pelo Pároco - PÃO BENTO - e a CARNE, produto das rezes abatidas propositadamente e que, primitivamente, seriam imoladas em sacrifícios. Também, por vezes, se tem feito incluir na «Pêsa» o Quinhão de VINHO" [Programa Oficial das Festas, 1950].

Tomar, Teodomar dos Visigodos, lugar protegido pela Virgem Negra, presente na Igreja de Santa Maria do Olival (ou da Nossa Senhora das Oliveiras), mais tarde, ao que parece [O Ouro dos Templários. Gisors ou Tomar, Bertrand]" anexada por um convento de beneditino de quarenta e quatro frades? [note-se, 44], a lenda de Santa Iria [ou Ireia, vide Amorim Rosa, "Tomar"], a mixagem cultural, antropológica e etnográfica aí presente; o Castelo dos Templários, o Convento de Cristo, a Ermida da Conceição, a Igreja de S. João Baptista, a Sinagoga, todo uma via simbólica, arquitectónica por descobrir. Como em Sintra, Mafra, Batalha ou nos Jerónimos [vide o Jornal V Império, 1991]

Tomar, Ordem do Templo ou Ordem de Cristo. Gualdim Pais, vindo de Bragança, aluno dos Cruzios, símbolo da defesa desse lugares, mas também procurando "os conhecimentos" que o universalismo templário assumia. Dupla face: Esóterico (Igreja de S. João) versus exóterico (Igreja de S. Pedro). Daí a presença importante da comunidade judaica. O Castelo Templário, o ovo alquímico nas ruínas do castelo que nos diz que a Grande Obra se realizou. A Charola, templo dentro do castelo, octogonal, os medalhões da com a Cruz de Cristo nas abóbadas, edifício único da época, lendas sobre os subterrâneos ou câmaras de iniciação debaixo da sala; a Janela Manuelina do Convento de Cristo com traçados geométricos elucidativos, a Ordem da Jarreteira e do Tosão de Ouro aí presente, que nos leva ao claustro da Micha e do Corvo; e de novo surge Hermes de Trimegisto, lá no alto da abobada; o Olho de Boi Manuelino, com a presença (constante na arquitectura templária) de ângulos de 17 e 34 graus. Eis uma linguagem secreta por descobrir. Toda uma cosmogonia para estudar. Toda uma Terra para visitar.

[Há uma extensa bibliografia, em livros, brochuras, revistas sobre Tomar. Julgamos que é prossível começar por consultar o site Bibliomanias, onde pode aceder a um conjunto, imcompleto que o é, mas expressivo sobre a temática em causa]

terça-feira, 1 de julho de 2003

TOMAR



Ainda hoje
As constelações
São em ti esplendor,
Ponto vivo
De energia e de amor.

Quando batem as horas
No bronze alquímico
Os cavaleiros vigiam
No altíssimo segredo
O nosso inteiro destino.

Tomar,
Onde a neblina
Quando se forma,
É uma esfera armilar

[Eduardo Aroso, in Poemas do Arquétipo, 1990]

FESTA DOS TABULEIROS


Não me apetece escrever. A Net está tão bem nutrida que um tipo se perde nela, alegremente, enquanto cai a noute.

Poderia dar um bravo pelo texto do Daniel Oliveira no Público de hoje. Espantoso de força, pertinente nos argumentos. Arrasador. Ficámos, porém, preocupados dado a dama de Matos ser nossa cliente desde sempre. Nunca perdemos uma boa gargalhada com os paroquiais textos da senhora. E, também, suspeitamos que possa andar amancebada intelectualmente com o profeta César das Neves. Que tal um "Breve Tratado da Raiva", ó dupla maravilhosa?

Assim, fica para amanhã referir a FESTA dos TABULEIROS, ou FESTA DO ESPÍRITO SANTO, que acaba no próximo fim de semana. A não perder em Tomar. E, já agora, alumiadas as almas, será sempre útil castigar o corpo com a gastronomia local.

segunda-feira, 30 de junho de 2003

LIVROS DE CULINÁRIA

Tinha prometido ao Fumaças uma resma bibliográfica sobre livros de culinária. Desconhecia que o mestre José Quitério tinha prefaciado os "Livros Portugueses de Cozinha", com organização de Manuela Rêgo, edição Biblioteca Nacional, onde vem (suponho) um vasto conjunto bibliográfico sobre o tema. Como não o tenho, tomei nota de alguns livros que julgo importantes, nas minhas deambulações ...

- ARTE DE COSINHA [pref. Alberto Pimentel]
Matta (João da), Parceria A. M. Pereira, Lisboa, 1909, 416 p.

- ARTE DE COSINHA DIVIDIDA EM DUAS PARTES, ... [Primeiro tratado de cozinha portuguesa, escrito pelo chefe da cozinha de D. Pedro II, com oferta ao Conde de Vimioso. Inocêncio F. Silva considera que a melhor edição é a de 1765 (7ª ed., dividido em três partes, sendo a última o "preparar mesas em todo o ano"]. Saiu, ainda, mais edições sendo que a partir de 1836 trás mais uma quarta parte (fazer "pudinz, e preparar massas"]
Rodrigues (Domingos), Lisboa, 1693

- ARTE DO SALCHICHEIRO, OU METHODO DE PREPARAR E CONSERVAR AS DIFFERENTES PEÇAS DE PORCO, SEGUNDO ... .[obra traduzida do francês]
Typ. De G. M. Martins, Lisboa, 1856, 309 p.

- ARTE NOVA, E CURIOSA, PARA CONSERVEIROS, CONFEITEIROS, E COPEIROS, E MAIS PESSOAS QUE SE OCCUPAM EM FAZER DOCES , E ?
Off. de Jose Aquino Bulhoens, Lisboa, 1788, 203 p.

- COZINHEIRO MODERNO, OU A NOVA ARTE DE COZINHA, onde se ... [3ª ed.]
Rigaud (Lucas), Off.de Simão Thaddeo Ferreira, Lisboa, 1798, 461 p.

- GUIA DA DONA DE CASA [Pref. Curioso do prof. Eduardo Pimenta]
Lopes (F.), Typ. da Empresa Litteraria, porto, s/d [1895], 240 p.

- ... O DOCE NUNCA AMARGOU ... Alguns motivos ornamentais de doçaria portugueza
Ribeiro (Emanuel), Tip. Sequeira, Porto, 1923, 51 p.

- O ESPÊTO. Sociedade conhecida, de responsabilidade limitada a ... ceias e piqueniques [peripécias culinárias de Beja]
Carvalho (Ernesto), Tip. Universal, Lisboa, 1914, 222 p.

- TRATADO COMPLETO DE COZINHA E DE COPA
Maia (Carlos Bento) (pseud. de Carlos Bandeira de Melo], Ed. Guimarães, Lisboa, 1904, 748 p.

... e já agora este curioso folheto com a participação de Fernando Pessoa:

- QUAKER OATS. Receitas [famoso folheto sobre os flocos de aveia Quaker Oats, em versão de Fernando Pessoa, saindo sobre anonimato]
[Pesoa (Fernando)], Lisboa, s/d [1930], 32 p.

[a continuar]

À VOLTA DOS BLOGS

- Memória Inventada é assim: abriu as portas do seu blog a "desenhos, vinhetas, pequenas animações e aguarelas” dos leitores. Boa malha! Ficamos à espera de revelações.

- Rui Knopfli em Obra Completa. Leio no Aviz que leu no Desejo Casar que ouviu no Acontece. Nestas coisas é bom passar palavra. Les bons esprits …
On line: "O tema da escrita em Memória Consentida de Rui Knopfli", por José Maria Aguiar Carreiro; Bibliografia na "À Esquina do Mundo", page de António Cardoso Pinto, onde pode ouvir poesia dita por A.C.P. do livro de R.K. , “O Monhé das Cobras”.

- José Mário diz-nos:"quem esperava sangue a correr pelas ruas, rasgar de vestes ou gritaria" na resposta, publicada no DNA a Pedro Rolo Duarte pode ficar desiludido. Homessa! Quem esperava tal? Nós sempre pensámos, como Karl Marx, que a "humanidade não põe questões que não pode resolver". Pode-se é ficar a pensar que, e afinal, os nossos revolucionários revelam que "já não há senhores, apenas escravos comandam outros escravos". Bem nos dizia Deleuze & Guattari.

- O esteta da Contra a Corrente, título assombroso e excelente paradoxo da pós-modernidade dado os interstícios ideológicos onde navega, anda cada vez menos Berlin e criativamente mais pela poesis. O problema é que entre as politicamente correctas reflexões sobre toiros e tourada e a arte poética avassaladora que posta, fica o vazio liberal. Estamos a ficar preocupados.

- Simplesmente genial a "INTRIGA NO MUNDO DOS DOURADINHOS".

domingo, 29 de junho de 2003

SEMANA LUSITANA


- "Luís Delgado, eis uma banha-da-cobra com que a direita ignorante gosta de se enganar" [Eduardo Cintra Torres]

- "No seu mais profundo nexo, a invocação sexual em Monteiro [César Monteiro] é também necessariamente um acto blasfematório e sacrílego (é a conversa com a puta numa associação religiosas). Mas talvez que a blasfémia seja ainda temente, e temente da punição; e, afinal, não é um instrumento como o seu, um falo, a causa letal?" [Augusto M. Seabra, sobre o filme "Vai e Vem" de João César Monteiro]

- Futebol: Al Zawraa do Iraque 11 – Militares dos E.U.A 0.
"Os jogadores americanos não são rivais, são inimigos e espero que saiam do nosso país o quanto antes" [comentário de Mohamed Nasrlla, treinador da equipa iraquiana, após a vitória]

- "Estivemos a ver se entrávamos num campeonato a sério. Como aquilo é a III divisão B, nós, pura e simplesmente, não fomos a esse campeonato" [palavras de Belmiro de Azevedo, questionado sobre o processo de privatização da Portucel]

- "A mensagem de Orwell, 50 anos depois, ainda não foi devidamente interiorizada" [José Manuel Fernandes, o direktor do Público, em editorial sobre os 100 anos de Orwell, lembrando-se (dizemos nós) quando há 24 anos atrás andava desvanecido a ler as Obras Completas do camarada Hoxha e do camarada José Estaline. Desde esse ano até hoje, o nosso direktor ainda não conseguiu entender patavina. Os textos hoxhianos eram mais legíveis … decerto.

- "Gestão dos serviços públicos passa a ser feita por objectivos" [Durão Barroso dixit. Lá se vai a educação, a cultura … e o resto, dizemos nós. A não ser que se descubra um liberal neoconservador para traçar objectivos e linhas de orientação para essas áreas. Pode alguém ajudar? Fica candidato ao Nobel … já pensou?

- "Os ideólogos bombistas oriundos da extrema-esquerda que se arrependeram de o ser, excedem-se de zelo a reclamar bom senso, disputam à direita mais reaccionária o privilégio de exigir sacrifícios aos outros e são os mais lestos a proclamar o fim das ideologias" [Alfredo Barrroso]

- "Aos males físicos há ainda que juntar os psíquicos. Estes proliferam por ciclos. Ora é o stress, ora a depressão, ora a depressão gerada pelo stress, ora a solidão a que se junta o stress e a depressão … " [Helena Matos, colunista no Público. Desconhece-se qual o ciclo actual da senhora]

- "Buraco supera perdão" [extraordinário título de um artigo de Joana Mateus, no Expresso, sobre essa tragi-comédia em torno das receitas fiscais e do deficit de Manuela Ferreira Leite]

- "O ministro da defesa, o impoluto de dedo erguido Paulo Portas, tomou à letra o que nenhum ministro tomara nas últimas décadas: que tinha a tutela de uma organização como a Cruz Vermelha. (...) De facto, a intervenção na Cruz Vermelha é própria de um ministro aparolado que desconhece limites ..." [Henrique Monteiro, Expresso. Estás perdoado desta vez Ó Henrique …]

sábado, 28 de junho de 2003

NOITE ORDINÁRIA



"Que bela noite ordinária que eu passei!
.............................
Gritei por calculado amor
por brilhantina
por miséria
gritei até por vitória
(supremo humor!)
dos que se batem contra a Cara - Alegre
gritei p'ra não parar de gritar
gritei «Chapultepec!» e «Oaxaca!»
(nomes por excelência afrodisíacos)
gritei até descobrir
o sítio em que te «escondias»
e então deixei-te gritar ..."

[Alexandre O'Neill + fotografia do filme de Robert Bresson, «Le Diable Probablement»]

sexta-feira, 27 de junho de 2003

OCULTO [POR F.P.]

"A grande regra do Occulto é aquella do Pymandro de Hermes: «o que está em baixo é como o que está em cima». Assim, a organização das Baixas Ordens copia, guardadas as differenças obrigatorias, a organização das Altas Ordens; reproduzem-se os mesmos transes, por vezes as mesmas especies de symbolos; o sentido é outro e menor, mas a regra da similhança tem de ser mantida, pois, de contrario, a ordem menor não vive e abatem, por si, as columnas do seu templo."

[in Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, por Y. K. Centeno, Presença, 1985]

FERNANDO PESSOA PELO REPÓRTER X


FERNANDO PESSOA - in Semanário X (de Reinaldo Ferreira)

Reinaldo Ferreira (1897-1935), ou o famoso Repórter X, nascido em 1897 em Lisboa, foi jornalista, escritor de livros policiais e de peças de teatro, fundador de semanários e jornais, mais ou menos sensacionalistas ou curiosamente extravagantes, argumentista e realizador de filmes, aventureiro e ex-morfinómano (Memórias de um Ex-Morfinómano é um testemunho notável do jornalista).

Do X - Semanário de Grandes Reportagens, cujo director e jornalista era Reinaldo Ferreira, número 13 de 7 de Fevereiro de 1935, nos "Homens da Semana" (pag. 4), vem o seguinte sobre Fernando Pessoa:

"O nome Fernando Pessoa surgiu, bruscamente, ao som de uma imprevista pancada de gongo, como um Mefistófeles de Opera (...) e assim, à la minute, duma noite para o dia (...)
Fernando Pessoa que, há dez dias a esta parte é dos indivíduos mais discutidos, não só nos cafés, nas esquinas, nas tertúlias da capital, como em todo o pais, é também dos nomes mais ignorados, das personagens menos conhecidas. (...)
Fernando Pessoa é uma incógnita. (...) Antes de mais nada, é preciso que se saiba que a especial e sempre admiravelmente estranha actividade mental de Fernando Pessoa dura há vinte e tal anos. Já na aurora desta geração, Fernando ocupou um posto marcante de chefe, de orientador fleumático, oculto, desprezando glórias e troféus (...)

Poeta de ritmos preciosos, os seus versos, como a sua prosa, são forjados num ineditismo de concepções que, para muitos significa ânsia audaciosa de sensacionalismo, mas que é apenas uma disciplinada, premeditada e sábia expressão do seu pensamento e dos seu gosto estético. A literatura, para ele, é a sobremesa, o doce da vida. Não exibe as suas produções; raramente as publica. São para ele só, e para alguns amigos. A sua missão na vida, missão mental, espiritual, parece oculta-la como um segredo, e cumpri-la fervorosamente como um desígnio de Deus. Do mistério da sus intimidade apensa se transparenta o seu ar místico, a sua sede de estudo, a orientação complexa das suas leituras, duma biblioteca, da sua cultura. (...)
O seu contacto com a vida, fora da faina profissional é regateado : uma hora, todas as tardes, no Martinho da Arcada, no Terreiro do Paço, cercado por meia dúzia de jornalistas, poetas, escritores, artistas (...) é o menos palrador; mas quando fala, esgota a crítica ao objecto de discussão com um critério estranho, dir-se-ia que filtrado por um cérebro, uma mentalidade, um espírito doutro planeta. Esse estilo das sua expressões críticas, esse seu sistema de análise aos factos ou de profecias às consequências, criou-lhe a vaga fama de "ocultista", ou pelo menos de um mergulhador de textos misteriosos (...)
Fisicamente Fernando Pessoa é magro, tem os lábios sempre comprimidos, como os de uma criança, e como uma criança esbugalha os olhos, atrás dos óculos, numa expressão de pasmo infantil quando escuta algo que o surpreende ou quando fixa a sua atenção numa conversa (...)"

AINDA ... SOBRE UM POST

O excelente Socio[B]logue de João Nogueira refere-se a nós num texto intitulado "Socioblogosfera: um Retrato Singular". Estamos gratos por isso. E, porque julgamos que não fomos esclarecedores em post anterior, voltamos a replicar para que se não instale entre nós qualquer "cisma na alma" (Tonynbee) e no desejo de se saber do que se fala nestes dizeres por nós enunciados sobre a blogosfera, agora tomada como locus de inscrição de outras cumplicidades e de novas problemáticas.

Trata-se de reflectir, a partir do espaço que a Internet (novo espaço antropológico por excelência) veio preencher, num conjunto de questões que a dita blogosfera (e o seu discurso) enuncia e da contribuição (modesta que seja) para a reinvenção de uma "racionalidade comunicativa" que permita aceder à "desconstrução" do paradigma. De outro modo, diria que é necessário referenciar alguns aspectos que a especificidade da blogosfera transporta e veicula enquanto confluência de uma intensa rede de interdependências (onde a blogosfera é, de facto, uma pequeníssima parte), tomada como novo topos de comunicabilidade, mas onde se entrecruzam, sempre, diferentes discursos (da tecnociência à sociologia, da economia à política) e sujeitos.

Não sendo nosso mister descortinar qualquer linha de água conceptual nesta área, até pela nossa impreparação científica, pode-se no entanto alinhavar duas questões, que julgo pertinentes, a saber:

- seguindo o trabalho de Lídia Silva (citada anteriormente), assume-se que a Internet "veio introduzir a metamorfose do conceito de território", com "mudanças estruturais potenciadas pelos suportes tecnológicos" (duplicação e divulgação de informação; bidireccionalidade; emissão multiponto; dimensão planetária da comunicação;...) que de algum modo "tem conduzido a uma reorganização dos fluxos de informação e dos procedimentos comunicacionais". Ora essa nova territorialidade urge compreender para descodificar, já que se pensa sempre a partir de um território interiorizado e familiarizado (geografia telemática). Como se nota, está já longe a controvérsia entre os apocalípticos e os integrados em U. Eco. E mais perto do corpo, território despótico, lugar do poder e da sua sedução.

- de outro modo, inútil referir o dizer de Lacan quando nos diz que "o sujeito está lá onde não tem consciência de estar", remetendo para que o "sujeito da comunicação" (Beneviste) está envolto num campo de teoria de jogos comunicacionais onde a circulação da palavra tem uma função reguladora. Assim sendo, o "jogador" deve perder-se nele (jogo) e o "jogo ultrapassar o jogador". Isto é, "jogar é sempre ser jogado" (Gadamer). Donde, pode-se estabelecer a articulação entre o sistema comunicacional e as estruturas do poder, isto se aceitarmos que no "reino das mercadorias" a utilidade (felicidade) dos sujeitos e do seu bem estar, é quantificável (a informação, a cultura perdem conteúdo na apropriação) e logo o consumo legitimado pelo manuseamento das NTI é, em si, factor de prestígio e de poder. Ora, é reconhecido que, no seu campo específico, o investigador/docente não domina a linguagem tecnológica (linguagem-máquina) o que é um sério obstáculo que o impede de partilhar o poder (académico/simbólico) que detém no campo do saber. E é aí que tudo se joga. Percebe-se, pois, as reticências reveladas por quase todos os docentes e investigadores no manuseamento das NTI. E daí o meu espanto quando se pretende que os docentes/investigadores "migrem" para este novo espaço comunicacional e ao mesmo tempo possam manter intacto o seu poder.

quarta-feira, 25 de junho de 2003

ARRUMAÇÕES & LIVRAVALHAS


Curiosa ideia esta de organizar papéis, revistas, livros, fotos, coisas que nem sei que nome devo dar, jornais velhos ... Organizar, mas como? Fico sempre depressivo quando me dizem como se deve arrumar todos esses papéis. Não tenho a fúria do bibliómano, confesso, e sempre persegui essa ideia assumida de Eluard: sem ordem, nem desordem. Hoje fiz mais uma tentativa para redesenhar o caos. Não o consegui. Aliás, suspeito que nunca o farei. Começo a ceder logo ao segundo ou terceiro livro. Miro-o com olhar de espanto, folheio com o vagar das coisas solenes e nunca mais me lembro o que estava ali a fazer. É que "há seduções tão poderosas que não podem ser senão virtudes". Diria Baudelaire. Eu subscrevo.

Fiquei-me, pois, pelas separatas e pelos opúsculos. Sempre tive essa mania das separatas das revistas (como do Instituto, a minha paixão suprema) e dos folhetos. Não consegui resistir a tamanho encantamento. Eis algumas tiradas, sacadas entre o segundo café da tarde e o fim de tarde.

- "A caricatura é uma das mais terríveis armas de guerra aplicadas ao ridículo humano. Pior do que o canhão! Porque o canhão mata - a caricatura mutila. Antes das duas linhas de legenda que são vitríolo atirado ao rosto da personagem, a caricatura despenteia-a, deforma-a, desarticula-a, fá-la dançar o S. Vito da desfiguração, até categoria, poder, majestade se tornarem bonecos de pasta sobre que caiu chuva em quarta-feira de cinzas" [Joaquim Leitão, O Poço que Ri - Conferência sobre Rafael Bordalo Pinheiro e o seu tempo, proferida por ..., na Sociedade de belas Artes na noite de 8 de Fevereiro de 1936 ..., Publicações do Anais da Bibliotecas, ..., Lisboa, 1936]

- "Não costumo fazer erratas ao que aparece deturpado nesta secção, mas hoje tem de ser para evitar equívocos. No eco que dizia respeito a um miserável que escreveu o folheto infame dos AZEITEIROS, saiu: para excremento da espécie, onde eu tinha escrito escarmento da espécie. Vai isto para que conste. Quanto ao biltre, apesar de andar meio mundo a querer saber quem é, ainda não se deu por achado. É de força o mastim, que nem puxado pela arreata deu de si. Ele aparecerá um dia ..." [ João Paulo Freire (Mário), Azeite Escaldado, Lisboa, 1946 - Trata-se de uma polémica entre João Paulo Freire e o autor do célebre opúsculo Os Azeiteiros de Camilo, da autoria de Manuel de Castro]

- "E o sr. M. B., [Nota: Miguel Bombarda] usando alimentar-se intellectualmente de bugiarias, à maneira das mulheres pejadas que, no sempre judicioso parecer, ao menos para mim ..." [J. Mendes Martins, Sacudindo um Psychiatra, Porto, 1903 – curiosa polémica do autor com o Prof. Miguel Bombarda]

- "Em Portugal, nos últimos tempos, a crítica literária parece-me oscilar entre um modo geralmente teorizante, como que perceptivo, recensivamente pouco exacto, - e uma erudição comparativa de passos e ávida de descobrir influências..." [Gaspar Simões, citado por Eduardo Lourenço, in A Conversação Crítica de Nemésio, Eduardo Lourenço, Separata de Revista da F. L. Lisboa, nº 2, 1978]

terça-feira, 24 de junho de 2003

JMF 1 - PRD 0

O director do Público não é completamente desprovido de inteligência, mais a mais se segue com religiosidade a máxima de, "se não podes vencê-los junta-te a eles". Hoje apresentou 3-explêndidas-3 páginas do jornal que dirige, sobre os blogs e a blogosfera, e em lugar de destaque. Arrasou tudo e todos. Fez o que devia, pensam alguns, nada de estranho. Não é certo. É que o PRD do DNA, sobre o mesmo assunto, não só discursou sobre o que nunca entenderá como acabou a sua bestial prosa com uma enigmática “esperem pela pancada”. Assim sendo, declaramos que para sermos justos e sensatos, concedemos ao JMF um dia de tréguas. Para que conste.

COWBOYADAS AMERICANAS

Com muitos filmes visionados e total impunidade face aos crimes praticados, a soldadesca americana lá vai mostrando o que vale. Duas situações esclarecedoras: a primeira foi o ataque selvagem (já se perdeu a conta a estes actos criminosos, totalmente branqueados pelos nossos liberais lusitanos) a uma coluna (civil ou militar não se sabe) perto da fronteira com a Síria, com a explicação que lá se encontrava Saddam. Por ora, os criminosos americanos ficam pacientemente à espera dos resultados do DNA, para confirmar se era ou não o ditador Saddam que mataram, que nada os perturba. Até à próxima chacina.

A segunda é a extraordinária notícia da última página do Público, sobre a ocupação da piscina olímpica da cidade de Bagdad pelos soldados americanos que dela fazem veraneio, não permitindo que os atletas iraquianos possam utilizá-la, a não ser duas horitas por dia. Querem treinar - pensou o amigo americano - então que vão para as águas do rio Tigre, que por cá o calor é tanto que só apetece estar ... à beira da piscina. E assim continua a implantação da democracia no Iraque.

segunda-feira, 23 de junho de 2003

CAPABLANCA E O XADREZ

Alexandre Monteiro dá-nos a conhecer esta frase de José Raul Capablanca sobre o xadrez (onde foi exímio jogador). Obrigado AM.

«O Xadrez é algo mais do que um jogo. É uma diversão intelectual que tem algo de arte e muito de ciência»

MACHADO DE ASSIS


«Ah! indiscreta! ah! ignorantona! Mas é isso mesmo que nos faz senhores da Terra, é esse poder de restaurar o passado, para tocar a instabilidade das nossas impressões e a vaidade dos nossos afectos. Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.»

Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas

DO PRINCÍPIO DA REALIDADE AO PRINCÍPIO DO PRAZER

«(…) seria interessante ler blogues de outros cientistas sociais como António Barreto, Manuel Villaverde Cabral, Paquete de Oliveira ou Boaventura de Sousa Santos, não?» [JN, Socio[B]logue]

Acabo de ler no blog de João Nogueira, um curioso exercício laudatório ao blogar enquanto um noviciado espaço sociológico a não perder, que permitiria o construído de uma nova «gramática» discursiva a partir dos espaços ou dos interstícios presentes na blogosfera. Está, assim, assumido que os blogs (e a sua sedução) podem ser um campus de analise «cientificamente analisável», novo investimento sociológico que, a partir de registos conceptuais de rigor, possa aceder aos liames de uma problemática sociológica dita interessante. Daí que João Nogueira acredite, piedosamente, que a overdose de blogs caída sobre as nossas cabeças, permita que os cientistas do social deixem a parcimónia dos seus maples escolásticos, saiam do seu altar iluminado e iluminante, e corram para a desconstrução do real e do seu simulacro.
Mas nós tememos que esta nova comunicabilidade, expurgada da «ideologia dos dons» escolásticos que os cientistas sociais interiorizariam, levaria ao abando da constante acção de controlo social disciplinar, onde a confusão entre o trabalho curricular e não-curricular surgiria, o que seria manifestamente perigoso e, logo, de pouca aceitabilidade.

É evidente que blogs de António Barreto, Manuel Villaverde Cabral, Paquete de Oliveira ou Boaventura de Sousa Santos, seriam «socialmente úteis» e espaços conversáveis por excelência. Mas a questão é bem outra: porque razão os docentes universitários portugueses e as Universidades em geral, manifestam o mais completo desprezo pela utilização das novas tecnologias de informação, sendo raro encontrar páginas (ou blogs) sobre os seus docentes e os seus trabalhos académicos? O que no estrangeiro é absolutamente normal, por cá, a resistência aos novos modelos comunicacionais que as NPI permitem é elucidativo da não aceitação desse novo «espaço público», ou nova Àgora (Lídia da Silva, U.A.). E, assim, é de louvar essa «moral de prazer» que, ao comportar riscos vários e muitas vezes «iniciações» conflituosas, alguns bloguistas como JPP, JN, FJV, NM, VA, bem como os nossos jornalistas bloguistas, souberam defender, sem submissões.

Ou como diria René Char, é verdade que «o desejo de saber, é sempre o desejo de saber sobre o desejo».