quarta-feira, 25 de junho de 2003

ARRUMAÇÕES & LIVRAVALHAS


Curiosa ideia esta de organizar papéis, revistas, livros, fotos, coisas que nem sei que nome devo dar, jornais velhos ... Organizar, mas como? Fico sempre depressivo quando me dizem como se deve arrumar todos esses papéis. Não tenho a fúria do bibliómano, confesso, e sempre persegui essa ideia assumida de Eluard: sem ordem, nem desordem. Hoje fiz mais uma tentativa para redesenhar o caos. Não o consegui. Aliás, suspeito que nunca o farei. Começo a ceder logo ao segundo ou terceiro livro. Miro-o com olhar de espanto, folheio com o vagar das coisas solenes e nunca mais me lembro o que estava ali a fazer. É que "há seduções tão poderosas que não podem ser senão virtudes". Diria Baudelaire. Eu subscrevo.

Fiquei-me, pois, pelas separatas e pelos opúsculos. Sempre tive essa mania das separatas das revistas (como do Instituto, a minha paixão suprema) e dos folhetos. Não consegui resistir a tamanho encantamento. Eis algumas tiradas, sacadas entre o segundo café da tarde e o fim de tarde.

- "A caricatura é uma das mais terríveis armas de guerra aplicadas ao ridículo humano. Pior do que o canhão! Porque o canhão mata - a caricatura mutila. Antes das duas linhas de legenda que são vitríolo atirado ao rosto da personagem, a caricatura despenteia-a, deforma-a, desarticula-a, fá-la dançar o S. Vito da desfiguração, até categoria, poder, majestade se tornarem bonecos de pasta sobre que caiu chuva em quarta-feira de cinzas" [Joaquim Leitão, O Poço que Ri - Conferência sobre Rafael Bordalo Pinheiro e o seu tempo, proferida por ..., na Sociedade de belas Artes na noite de 8 de Fevereiro de 1936 ..., Publicações do Anais da Bibliotecas, ..., Lisboa, 1936]

- "Não costumo fazer erratas ao que aparece deturpado nesta secção, mas hoje tem de ser para evitar equívocos. No eco que dizia respeito a um miserável que escreveu o folheto infame dos AZEITEIROS, saiu: para excremento da espécie, onde eu tinha escrito escarmento da espécie. Vai isto para que conste. Quanto ao biltre, apesar de andar meio mundo a querer saber quem é, ainda não se deu por achado. É de força o mastim, que nem puxado pela arreata deu de si. Ele aparecerá um dia ..." [ João Paulo Freire (Mário), Azeite Escaldado, Lisboa, 1946 - Trata-se de uma polémica entre João Paulo Freire e o autor do célebre opúsculo Os Azeiteiros de Camilo, da autoria de Manuel de Castro]

- "E o sr. M. B., [Nota: Miguel Bombarda] usando alimentar-se intellectualmente de bugiarias, à maneira das mulheres pejadas que, no sempre judicioso parecer, ao menos para mim ..." [J. Mendes Martins, Sacudindo um Psychiatra, Porto, 1903 – curiosa polémica do autor com o Prof. Miguel Bombarda]

- "Em Portugal, nos últimos tempos, a crítica literária parece-me oscilar entre um modo geralmente teorizante, como que perceptivo, recensivamente pouco exacto, - e uma erudição comparativa de passos e ávida de descobrir influências..." [Gaspar Simões, citado por Eduardo Lourenço, in A Conversação Crítica de Nemésio, Eduardo Lourenço, Separata de Revista da F. L. Lisboa, nº 2, 1978]