quarta-feira, 7 de março de 2007


Miguel Baptista Pereira (1929-2007)

"... Miguel Baptista Pereira, uma das grandes referências do século XX português na área da Filosofia, professor jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, faleceu segunda-feira com 77 anos. Em câmara ardente na capela da Universidade de Coimbra desde ontem [dia 6], o seu funeral sairá hoje, às 10H30, para o cemitério de Bagunte, Vila do Conde, de onde era natural.

Personalidade marcante para todos os que com ele conviveram, Miguel Baptista Pereira cultivou durante toda a sua vida uma postura de afastamento das 'grandes tribunas da fama pelas quais nutria um explícito e assumido desprezo', como fez questão de sublinhar João Maria André, seu discípulo e depois seu par no Instituto de Estudos Filosóficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

E só por essa razão, como todos reconhecem, o professor de Filosofia que nunca abandonou colegas ou alunos, mesmo em tempo de repressão e sob a ameaça de represálias, não tem hoje direito à mais larga mediatização da sua influência e pensamento.

Nascido a 10 de Maio de 1929 em Bagunte, Vila do Conde, Miguel Baptista Pereira fez os seus primeiros estudos estudos no Seminário de Braga, onde foi ordenado sacerdote. Ingressando alguns anos depois na Universidade de Comillas, em Santander, Espanha, chegou a Coimbra para concluir a licenciatura em Filosofia. Já na Faculdade de Letras, Miguel Baptista Pereira foi o arguente da tese de José Afonso.

Tendo prosseguido os seus estudos na Alemanha, defendeu a sua tese de doutoramento em 1967, num texto - 'Método e Filosofia em Pedro da Fonseca' - que foi um 'ajuste de contas com todo o pensamento ocidental'.

Contratado como professor na Faculdade de Letras, na década de 60 tomou sempre o partido dos estudantes contra a repressão instalada, à semelhança de amigos como Orlando de Carvalho, Victor de Matos ou Paulo Quintela, o que viria a valer-lhe um forte travão na carreira.

Após o 25 de Abril, Miguel Baptista Pereira pertenceu aos órgãos directivos da Faculdade de Letras e a sua obra passou por publicações como a Biblos e a Revista Filosófica de Coimbra. Conselheiro da Gulbenkian, o professor deu nome a um prémio anual da Fundação Engenheiro António de Almeida. Aquando da sua jubilação, foram publicadas duas obras: 'Ars Interpretandi - Diálogo e Tempo' e 'O Homem e o Tempo'.

[Lídia Pereira, in Diário das Beiras, 06/03/07 - sublinhados nossos]

Na Morte de Miguel Baptista Pereira (1929-2007)

A surpresa da morte de Miguel Baptista Pereira, quando o céu da manhã de ontem era medonho e o delírio do mundo porfiava, rasgou de vez qualquer virtude ou entusiasmo que tivéssemos para o dia. A morada solitária do filósofo, o seu génio luminoso, a dignidade moral e intelectual do dr. Miguel Baptista Pereira era uma evocação dolorosa. Inultrapassável. A sua perda deixa-nos mais sós, mesmo que a sua vida e obra (profunda, reveladora e perturbante) seja inigualável de atenção e vigorosa de esperança. A nobreza intelectual do dr. Miguel Baptista Pereira será, para todos os que o conheceram e o leram, sempre eterna.

«Na 'insuportável leveza do ser' calcorreada pelo caçador contumaz, que trocou a experiência cusana de sabedoria pela sofreguidão iluminista das evidências e sacrificou a gravidade do real à aferição e medição imponderáveis e levíssimas da consciência mensuradora, apagou-se já o pensar no sentido originário de pesar a densidade e a importância das coisas, da vida e do homem, cuja ausência é a dor primeira da consciência ecológica. Pensar é também não deixar morrer no esquecimento o que, apesar do seu peso e valor, não resistiu à voragem da morte, é manter viva na rememoração e na narração a herança do que vale, é agradecer o peso dos bens legados a fundo perdido e fazer da gratidão o terreno fértil de novas criações do pensamento» [Miguel Baptista Pereira, in Nota de Abertura, "Da Natureza ao Sagrado", Homenagem a Francisco Vieira Jordão, Porto, 1999]

Miguel Baptista Pereira nasceu a 10 de Maio de 1929, foi ordenado sacerdote em 1953, dedicou-se ao estudo da filosofia, tendo sido ilustre professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde se jubilou. Publicou obra copiosa, principalmente, em revistas da especialidade (aqui e no estrangeiro), a par de alguns livros ou opúsculos. Em 2000, saiu o "Ars interpretandi: Diálogo e tempo - Homenagem a Miguel Baptista Pereira”, coordenação de Anselmo Borges, António Pedro Pita e João Maria André, Porto, Fundação António de Almeida.

segunda-feira, 5 de março de 2007


Alface (1949-2007) Escritor excelentíssimo - por Vasco Santos

Quando Alface morreu, na súbita noite de quinta-feira, o Campo Pequeno continuava económico lá fora e o tempo era favorável, caloroso, na comunidade de leitores que, devagar, o descobriam.
Os gregos chamavam kairos ao momento oportuno, ao tempo distenso, aquele em que a vontade dos deuses e dos homens se encontra e o sujeito assume a absoluta figura do seu destino. (Assim era.)

(...) Por detrás das suas sete dioptrias Alface topava-nos na nossa lusa alma de barata com pessimismo, ironia e superior inteligência. Em resumo: palavra festa brava. Alface escreveu, ainda, para jornais, publicidade, rádio, televisão e cinema sem nunca desvirtuar, no gosto da escrita, a liberdade que considerava ser a sua essência e justificação.

O João Carlos foi um homem livre e generoso. Era mordaz e, havia dias, um céptico quase pirrónico. Possuía um humor swiftiano, desconcertante e lúcido e aristocrático.
Dançava.
Gostava muito do Alentejo, do Benfica, de ler. De ler por exemplo o Gombrowicz, o Maurice Pons, mas gostava também da Associação Pedrista de Montemor-o-Novo e da boa cozinha destas terras. Era um ouvinte delicado.

Habitava-o uma humanidade que a inteligência não destruía. Talvez por isso não tenha acabado os cursos de direito e psicologia preferindo uma lateral ars de viver.
Aprendi muito com ele. Diverti-me muito com ele. (Só não gostava apaixonadamente de gatos, algo que nos separava). Foi dos meus autores o mais leal, o mais justo. E nunca usou grandes sapatos no escritório.

Tinha um narcisismo de vida e gostávamos de jantar em família, a sós, ou com o Carlos Coelho Campos, o Victor, o Bicker e muitos outros. O Alface tinha uma disponibilidade imensa e muitos amigos, muitas amigas.

Ele faz-me muita falta. O Alface faz-nos muita falta.
E só não faz falta à literatura portuguesa porque escreveu depressa e partiu cedo, sem prosa algaliada a atravancar a loja, pelo que os seus livros vão andar muito tempo por aí, numa luminosidade inconveniente.

[João Carlos Alfacinha da Silva, Alface (1949-2007) Escritor excelentíssimo, por Vasco Santos (Editor da Fenda), in Público, 5/03/07 - sublinhados nossos]

A morte que entre

"Mal caiu à cama , o avô mandou chamar por mim, mas não me encontraram porque estava escondido no sótão a espreitar a sopeira que ensaiava ao espelho poses lascivas numa roupa interior de folhos e rendinhas que eu lhe oferecera estoirando as mesadas dos últimos seis meses e que o avô fizera o favor de adquirir em meu lugar na Loja do Povo, não sendo portanto de espantar que o cinto de ligas e as meias de vidro, tal como as cuecas vertiginosas e o sutiã blindado lhe assentassem às mil maravilhas na impudícia carnal. Oh impudícia, oh mor glória!

A tratante fingia ignorar a presença do menino no acre armário de madeira, esgazeado com o cheirete a naftalina que ensopava aventais, batas e fardas de gala, e ela dava o cuzinho repolhudo e empinava as mamas, estirava o pescoço e as coxas, afagava a redondice da barriga e a rolice dos ombros, tudo para ver se acabava comigo, a realíssima putéfia. Só vista.

Ninguém diria, mas ninguém diria, olhando os olhos e as carninhas dominadoras, que aquilo era pouco mais que uma miúda, fresco produto campaniço (...)

Avô, posso ver-te morrer?
Se te portares bem.
Também posso morrer contigo, avô?
Vive antes comigo, miúdo.
Tens mesmo de morrer?
Por mim não tinha.


(...) Avô, será verdade?
O quê, miúdo?
Que o céu está cheio de gajas boas?


Esteve para aí dez minutos a rir, o avô. Não parava. As lágrimas corriam-lhe em bica pelo carão abaixo. Cataratas.

Acorreu a enfermeira e vá de rir histericamente, como veio a família em peso e não tardou que as gargalhadas deles fizessem chocalhar o lustre do tecto. As tias velhas agarravam-se às velhas barrigas inchadas, os primos do campo uivavam e batiam as botas no soalho azinho, a sopeirinha mijou-se, o Gastão desatou a soltar inconveniências e ouviu-se milagre, o mudo fala.
Diz-se tudo.
Não repararam foi que o avô tinha deixado de rir. Ele e eu.
O avô tinha nos olhos o sorriso mais bonito que se pode ter. Sempre teve. Fitava-me a direito. De tanta ternura é que morreu"

[Alface, in O Fim da Bichas, Fenda, 1999]

sexta-feira, 2 de março de 2007


O reino do eng. Belmiro

O negócio da OPA da Sonaecom sobre a PT terminou. A Assembleia Geral da PT rejeitou há minutos a desblindagem dos estatutos da empresa e após peripécias de grande martírio para o grupo Sonae, que sai sem nobreza alguma de todo o processo. Os grandes vencedores foram Henrique Granadeiro, a estratégia internacional do grupo PT, os seus accionistas, investidores financeiros e trabalhadores. De algum modo, o espectáculo que nos foi dado observar nos media, onde se assistiu à mais subserviente lavagem (leia-se o jornal o Público e atente-se no papel desempenhado pelo sr. Carlos Tavares) visando o confisco da opinião pública (como se os accionistas & investidores fossem, assim, desta forma influenciáveis por análises encomendadas, sem nenhum rigor analítico) face à mais organizada e "desonesta" das propostas havidas nos últimos anos, explica como Portugal é um país de anões a brincar ao sério. A presuntiva sanha especulativa do eng. Belmiro, seguindo aliás a sua máxima de sempre de confundir para reinar, finalizando numa derrota sem glória, vai deixar marcas. O eng. Belmiro é dessa casta de homens onde a vingança segue sempre dentro de momentos. Esperemos que haja bom senso, para que o efeito boomerang disto tudo não seja destruidor. A todos os intervenientes. A ver vamos.

Cartas Jocosas

[da Revista Feira da Ladra, tomo I, retiramos a carta anónima (Guilerme da Serra Madeira, seculo XVIII ?) que se segue, recolhida do espólio de Martinho da Fonseca. Trata-se, como é dito, de uma "declaração" a uma senhora por parte de um "oficial de carpintaria" e que resolveu, para o fim passional almejado, utilizar o encanto de escrita de "todos os instrumentos da sua Arte".

"Minha Senhora, por certo que entendia eu, que chegando a avistar a avultada estancia da sua formosura, acharia nella os compridos barrotes dos seus favores, e as maiores vigas das suas finezas, mas, como so encontro com as duras taboas da sua esquivança, quanto mais lhe metto a serra da minha firmeza afiada com a lima da minha deligencia, entao tópo mais com os duros nós dos seus desprezos, os quaes fazendo estalar a folha da minha ventura, me fazem quebrar a corda da minha esperança; pois quando me julgava subido aos altos andaimes da sua estimaçaõ me vejo precipitado das ripas da sua tyrania, e posto no chaõ do meu abatimento, onde junto ao banco do meu triste fado, escavando com a enxó da minha desgraça, os contínuos serrafos do meu cuidado, a pesar da juntura da minha efficacia, faço em cavacos o meu coracaõ; espalhando-os pela terra das minhas tristezas, alli lhe pega o fogo do meu zelo, e ardem em labaredas as aparas da minha lembrança, deixando as vivas brazas em cinzas, para o meu esquecimento ..."

[in revista Feira da Ladra - ler aqui toda a carta, tomo I, p. 72-75]

Feira da Ladra on line

A revista mensal ilustrada - Feira da Ladra [1929-1940]-, hoje rara, dirigida superiormente por Cardoso Martha [1882-1958], e que tem artigos estimadíssimos de arqueologia, genealogia, heráldica, história, literatura & outras curiosidades, com colaboração de Gustavo Matos Sequeira, Luís Chaves, Henrique Campos Ferreira Lima, Luciano Cordeiro, Fidelino Figueiredo, Rocha Madahil, Julieta Ferrão, entre outros ... está disponível integralmente on line.

Eis mais um inestimável serviço público, prestado pela Hemeroteca Municipal de Lisboa. Ler e fazer o download, aqui.

quinta-feira, 1 de março de 2007


Aniversários ... muitos!

"Lembro-me de tudo como se fosse hoje / as crianças brincavam nos jardins" [M.C.V.]

Andamos desaustinados [i.é. sem o velho e estimado austin, ali ao canto superior] e longe dos tumultos da blogosfera. A nossa alma, imperecível de dissidências escrypturais e decerto sem a virtude da gratidão, não se tem alimentado das boas postas que fulminam o éter virtual indígena. Falta de ardor, copulação a mais (ou a menos, cum laude), fogosidade leviana, que sabemos nós. Por isso, deixámos sem a devida vénia alguns dos nossos observatórios ilustres. Imperdoável!

Queremos agora balbuciar (se nos for permitido!) o maior dos parabéns, revestidos de felicitações, pela passagem de mais um annus de impetuosas prosas (Ai! de nós ... fugaces labuntur anni) aos lúbricos da superstição liberal - o Insurgente; aos sábios do Blasfémias (com mas gran sosiego ao fulminante J. M., pelas arengas afinadas junto do túmulo liberal) e mesmo que o ano lhes tenha passado por cima; e, à guisa de júbilo, oferecemos o nosso testemunho de reconhecimento ao orador, puríssimo de eloquência e robusto de sentimentos, o nosso Um Blog Sobre Kleist. Graças!

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007


Vasco Pulido Valente: o explicador

"A crítica dos jornais consegue ... exprimir como o criticado está para com o crítico" [K. Kraus]

Vasco Pulido Valente tem o talento que a sua prosa (explosiva) fabrica, mesmo que a argumentação seja "curta" e o entusiasmo excessivo. Eloquente na reprovação, genial nos (des)agravos, desconcertante no expediente, não cede (presume-se que ainda pratica) à criadagem dos fúteis, à devassa melada dos jornaleiros, às tonsuras dos políticos. No Vasco há uma beleza (ácida) de escrita, um encantamento astucioso, uma ventura e humor inconfessável. Nunca foi guardião de políticos ou jornalistas e por isso meio país indígena foi engordando com os "caldos" do camarada Vasco. Mesmo assim, o nosso maître-à-penser não deixa, para o bem e para o mal, de ser um caso de estroina divertido, do mesmo modo que é um dos maiores colunistas, "neste país de putas respeitosas" [VPV].

Mais recentemente, num momento menos feliz, VPV contraiu a doença da ingenuidade e que a sua assumida repugnância não revelaria. O irreprimível gozo de ser o explicador do sórdido do Estado (esse bombo da festa), tanto que até fez o sr. Arroja tornar do além salazarista, começa a fantasiar anodinamente as suas croniquetas semanais. Como outros, deu-lhe para a miudeza da estratégia política e para a sugestiva ressuscitação da presumida garotada liberal nativa. Expliquemos.

Em tese - no Público, de domingo último - o romântico camarada Vasco pensa que um Paulo Portas "mais tranquilo", benevolente aos costumes (liberais) e à prática democrática, exaurido da costumeira vaidade pacóvia e definitivamente afastado que estaria da conhecida "animosidade" que suscita, numa mão exibindo um cardápio fora do "liberalismo diletante" e na outra o cartório pátrio-cristão, seria (ad gloriam) um serviço público prestimoso à direita e ao país. Não se imagine que foi fácil, ao nosso Vasco, dar uma de explicador. Mas a coisa, por imperfeita que seja, teve o proveito de fornecer "livre trânsito" à rapaziada liberal que pulula na blogosfera e, decerto, ao inefável José Manuel Fernandes & Cia, provocando um vertiginoso labor de escrita e um pronunciamento hormonal perigoso.

Ora tudo isso é absolutamente absurdo, mesmo que tenha a graça do próprio Vasco. Mas até se pode compreender. Suspirar, em puro exercício venatório, por mais um partido (certamente temível) réplica do atulhado PSD e faceto do bufante PS, mostra a grandeza ardilosa do vero génio. Teremos, pela humorada e autorizada explicação do camarada Vasco à varanda do Público, paródia para muitos anos. Estamos inscritos.

Centenário da Questão Académica - Coimbra 1907

"Abaixo a Universidade Fradesca, a Universidade Inquisição

A Universidade de Coimbra não viverá enquanto não morrer. A Universidade de Coimbra, verdadeiramente, já não vive. A Universidade de Coimbra é um espectro, é um corpo gangrenado, é um foco de infecção, é uma vergonha, como documento da nossa civilização ...
"

[in Suplemento do Jornal de Coimbra, A Verdade, 27 de Fevereiro de 1907]

O Almanaque Republicano comemora, a partir de hoje, o Centenário dos célebres acontecimentos que, a partir do movimento académico em Coimbra e na sua Universidade, agitaram o país e inquietou seriamente os diferentes poderes, arrastando consigo repercussões políticas graves e insanáveis. Na Questão Académica de 1907 ou na Greve Académica de 1907, há toda uma geração académica ilustrada, entusiasta e fraterna, que com a maior das generosidades e espírito livre, participa significativamente na 'gestação' da mudança que se verificaria anos depois. O conjunto de homens que participaram nesse conflito académico e que ousaram exigir a 'reforma' da sua Universidade, de tão ilustres, falam por si. Iremos, por isso mesmo, assinalar aqui, devidamente, essa data histórica. Porque o assunto é de maior interesse, estimação e actualidade.

[via Almanaque Republicano]

O Homem que trocou a alma

[texto de Raul Proença sobre Salazar, e oferecido em oração pela alma do sr. eng. Sócrates e dos seus acólitos]

«Um teólogo destituído de toda a visão política, como 999 999 por 1 000 000 dos técnicos (o técnico deve servir o político, mas não deve dirigir a política), mas a sua violência, a sua tirania, o seu 'diabolismo' não derivam do seu temperamento. Derivam do regime em que ele vive. Ele foi devorado pela engrenagem. Ele adquiriu a psicologia do sistema. Ele tornou-se, não já o sustentáculo, mas a pessoa mais interessada em que a D.[itadura] dure. O regime modificou os homens. Pensou-se que assim não era. Pensou-se mal. É da mais elementar psicologia pensar o contrário. Os regimes criam situações de facto, que não podem deixar de influir sobre os homens, de lhes criar uma mentalidade especial. Um homem que uma vez aceitou o exercício do poder absoluto, identificou-se com ele até ao fim dos fins. Não tem mais mão em si. Deixa-se revelar pelo pendor da autocracia até à queda final e catastrófica. Esse desgraçado técnico, que entrou para o poder para fazer técnica, viu-se, pois, dentro em pouco, vítima da sua tola imprevidência, tornando-se 'político' por virtude de posição. O caso da transformação deste técnico em político é o mais comezinho que se pode imaginar. E eu só teria piedade desse desgraçado político malgré-lui, se os malefícios que ele tem ocasionado ao país não fossem de natureza a impedir toda a ausência de comiseração [sic]

(...) Quem transige em governar com poderes absolutos vende a alma ao demónio"

[Raul Proença, O Homem que Trocou Alma (inéditos de R. P. sobre Salazar, in Revista da Biblioteca Nacional, 2, 1992]

sábado, 24 de fevereiro de 2007


Pátria assim!

"Para se amar uma pátria assim, com tal pompa e tal doçura,
com tamanha e tão delicada memoria de ternura,
será preciso que ela seja escrava, ao mesmo tempo, de um passado
glorioso, e de um presente cujo escândalo seja
em vileza diária a demissão de um povo, à culpa do estrangeiro
que reinará nos palácios e nas praças, usurpando o verdadeiro
senso de que só escravo se torna quem o era já.
...
Mas nós não temos de estrangeiros outros mais que nós. Não dá
portanto o que pensamos para tais doçuras.
Pois de nós mesmos - porcos - não brotam pátrias puras"

[Jorge de Sena, in 'Má Vlast', de Smetana, in Poesia II, Moraes, 1978]

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

In Memoriam José Afonso



"de um outro lar ou pátria ou céu ou nada" [Jorge de Sena]

Elucidário político

[para um bom uso do dicionário, conforme preito de JPP]

- Governo, O que manobra o aparelho de Estado, e que para isso tem de dar provimento aos seus clientes, à sinecura indígena || Amantes do Estado, essa prostituta (in, J. P. Machado) fina e que fazem muitos arranjinhos pelo território (não confundir a acção com aquela do governeiro prof. Carmona, de Lisboa). || Diz respeito à governança quando está possuído pela D. Maria, do Botas de S. Comba. Neste caso, fala-se em ser boa governadeira || Dizem que muitos governicham por aí (caso de Santana Lopes) e aqui mesmo (versão Sócrates) || Não consta que governismo e gonçalvismo sejam a mesma coisa, mas esperamos a doutrina do sr. José Manuel Fernandes para esse governatório || V.r. Servir-se, arranjar-se, fazer pela vida (os da Refer, dizem, são muito bons). || Diz-se: está-se governado, que é o mesmo que dizer que se está fecundado. || Governar a meio, designa-se o governamento do sr. eng. Sócrates || Fala-se em governatriz, quando se tem qualidades para governar, mas não deve haver confusão com meretriz ou cortesã. || Governista, é quando se tem um José Lello dentro de si, a incomodá-lo. || Governador, é o freguês da paróquia (ver Carmona Rodrigues). || Estar de cavaco emprega-se quando o governo, em putativo leito de rosas, está de amena cavaqueira com o dr. Cavaco Silva.

- Ministério, (do lat. Ministeriu-). Trabalho manual, profissão, emprego, talento de ministrice ou do cargo da ministrança. || Designa, por vezes, a organização secreta conseguida entre o sr. Sócrates, o sr. Costa e o sr. Silva Pereira. || Ministrar usa-se quando algum colunista glosa o partido do governo. Exemplo: o fornecedor do eng. Sócrates e que saiu do pelico para ministrar, é o virtuoso Vitalino Canas || Quando os ministradores são meros serventuários dão ao nome de Manuel Pinho, Correia de Campos ou Lurdes Rodrigues. || Entrar na ministrice traduz o trabalho do sábio dr. Aberto Costa || Ministraria designa um exercício de ministros em versão power-point || Ministerialista quer dizer partidário e incondicional do governo, vulgo José Lello. || Ministério é também expressão que significa o raminho de ministros (quando ministras podem ser apenas mesinhas-de-cabeceira) à volta do eng. Sócrates, e que administram a coisa própria e a alheia. Se forem ordinários vêem de deputados, se são extraordinários, não se dão por eles. || Diz-se: haver-se como ministro (o mesmo que menestrel quando trovam na economia, nas finanças ou na educação) ou quando se ministrifica, o que é o caso de Correia de Campos. || Alguns ministros ou ministeriáveis são ministrículos, o que equivale a ser o nosso peão das nicas. || Por vezes diz-se, curiosamente, de um ministro com incontinência verbal que "deu-lhe água de cu lavado" em pequeno, o que é de fácil verificação.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007


[Ainda] Leilão da Leiria & Nascimento

Lá em cima, mestre Noronha da Costa, Luís Pinto Coelho e Hogan. Boa sorte!

Leilão de Antiguidades, Pintura Moderna e Contemporânea, Objectos de Arte e Jóias - 27 Fevereiro 2007

No Palácio das Exposições da Tapada da Ajuda, vai decorrer um Leilão de Antiguidades, Pintura Moderna e Contemporânea, Objectos de Arte e Jóias, sob direcção da Leiria e Nascimento, no dia 27 de Fevereiro, às 15 H e às 21 H. Catálogo on line.

Boletim Bibliográfico 34 da Livraria Luís Burnay

Saiu o Boletim Bibliográfico da Livraria Luís Burnay (Calçada do Combro, 43 - Lisboa). Peças há muito esgotadas, estimadas e raras.

Algumas referências: Álbum do Zé Povinho do Povo, 1908 / Antologia da Poesia Erótica e Satírica, sel. pref. e notas de Natália Correia, Afrodite, s.d. / A Maçonaria Iniciática, de João Antunes, 1918 / Arte Nova, e Curiosa, para Conserveiros, Confeiteiros, e Copeiros, ..., 1788 (raro) / Arte Portuguesa: arquitectura e escultura, de João Barreira, s.d. / Lições de Cousas, por Ladislau Batalha, s.d., II vols / Estimulo pratico para seguir o bem, e fugir ao mal: exemplo das virtudes e vícios ..., do Pe. Manuel Bernardes, 1730 / A Gíria Portuguesa, de Alberto Bessa, 1901 / Cancioneiro portuguez da Vaticana, Lisboa, 1878 / Folhas cahidas apanhadas na lama por um antigo juiz das almas ..., de Camillo Castello Branco, 1854 (raro) / A Volta ao Mundo, de Ferreira de Castro, 1944, II vols / Catálogo da Livraria de Duarte de Sousa, 1972-74, II vols / Diccionario Chorográfico de Portugal Continental e Insular ..., por Américo Costa, 1929-49, XII vols / Culinária [vários lotes] / Livro das Fortalezas, de Duarte Darmas, 1943 / Portugal na Balança de Europa, ..., de Almeida Garrett, 1830 (raro) / História Completa da Inquisição de Itália, Hespanha e Portugal ..., Lisboa, 1822 / Chiquinho, de Baltasar Lopes, 1947 [romance cabo-verdiano estimado] / Lusíada. Revista Iustrada de cultura, arte, literatura, ..., 1951-1960, XIII numrs / Bello, de Teixeira de Pascoaes, 1896 [raro opúsculo] / Angola e Congo, por F. A. Pinto, 1888 / Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, 1952 (ed. estimada por A. Casais Monteiro) / A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queiroz, 1900 / Relação das Exeqvias d'El Rey Dom Filipe, ..., 1600 (raro) / Revista Contemporânea de Portugal e Brasil, 1859-1863, V vols / Lendas dos Vegetaes, por Eduardo Sequeira, 1892 (raro) / Real Confeiteiro português e brasileiro, de Sophia de Sousa, 1904 / Terra Portuguesa. Revista de arqueologia, 1916-1927, V vols [dir. Vergilio Correia] / Historia das Plantas da Europa, e das mais usadas que vem de Ásia, de África, & da América, ..., por João Vigier, 1718, II vols ["a mais antiga obra portuguesa sobre botânica", rara] / Arquivo do Conselheiro Luís Manuel de Moura Cabral [1763-1846]

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

JOAO ANTUNES - NOTAS E BIBLIOGRAFIA



O dr. João Antunes - Notas e Bibliografia

O dr. João Antunes, como foi dito, escreveu com rara inteligência, um conjunto apreciável de artigos (em revistas) e livros, sobre "conhecimentos que pela sua natureza se não devem vulgarizar". Trata-se, evidentemente, de temas ligados ao ocultismo (na sua versão primitiva, via Papus), cabalismo, esoterismo, teosofia, martinismo, teurgia, templarismo, maçonaria, carbonarismo, etc. Mas foi, particularmente, um grande mentor do pensamento teosófico, quando este estava ainda (por cá) no seu começo, tendo sido um dos fundadores (e primeiro presidente: até 1924?) da Sociedade Teosófica de Portugal [STP], nascida em 1921 [juntamente com Silva Júnior (secretário-geral e presidente a partir de 1924?), Oscar Garção, Berta Garção, Francisco Esteves da Fonseca, Artur Nascimento Nunes, Domingos Costa, Maria O'Neill].

João Antunes conhece, estuda e divulga os grandes iniciados, de Hermes Trismegisto aos pitagóricos e mestres gnósticos, passando por Besant, Elifas Levi, Blavatsky, Guaita, Leadbeater, Peladan, Huissmans, G. Encausse (ou Papus, grão-mestre martinista), Saint-Martin, recorre até a Filon, Dante, Leonardo, Goethe. Conhece, portanto, a melhor (e, surpreendentemente, também a mais restrita) da bibliografia iniciática do seu tempo. Ao mesmo tempo convoca para as "ciências malditas" alguns autores ou adeptos lusos, incorporando-os na tradição iniciática portuguesa. Refira-se aos trabalhos feitos (ou às notas expostas) sobre Gil Eanes (ou Rodrigues) de Valadares, Colombo (vários artigos), Camões, D. Francisco Manuel de Melo, Pascoal Martins (ou Martinez de Pasqualys, reorg. do cabalismo maçónico), Padre António Vieira, Visconde Figanière e Morão [um dos primeiros membros da S. Teosófica de Blavatsky e pouco estudado por cá], Leonardo Coimbra, José Teixeira Rego, Ângelo Jorge (da O. Martinista), Sampaio Bruno, Alphum Sair (pseud. de um sócio do Instituto de Coimbra).

Alguma Bibliografia: As origens historicas do Christianismo e o racionalismo contemporâneo, s.d. / O Hipnotismo e a Sugestão, 1912 / Hipnologia Transcendental, 1913 / Oedipus: As Sciencias Malditas, 1914 / O Espiritismo, 1914 / A Teosofia: estudo da filosofia sincrotista, 1915 / A História e a Filosofia do Hermetismo, 1917 / A Maçonaria Iniciática, 1918 / O Livro que mata a morte [de Mário Roso de Luna, em versão port. de J. A.], Ed. Isis, 1921 / O Ocultismo e a Sciencia Contemporânea, 1922

e colabora (sendo director) na revista Isis [Revista de Questões Teosoficas e de Sciencias Espiritualistas, pertencente à Sociedade Teosofica de Portugal [1921-1922] e, do mesmo modo, na revista Eleusis [Revista Mensal Ilustrada de Cultura Filosófica – Janeiro 1927 a Março 1928, ed. da Livraria Clássica Editora].

Para terminar, e a fazer fé no que nos é dito (julgamos) pela pena de João Antunes, arquivamos o seguinte: "Está em organização a Sociedade Ocultista Portuguesa, filiada na Ordem Martinista" [in Eleusis, Maio de 1927]. Bem curioso. Fiquemos por aqui.

COLECÇÃO TEOSÓFICA E ESOTÉRICA


Colecção Teosófica e Esotérica da Livraria Clássica Editora

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

JOÃO ANTUNES [N. 10 FEVEREIRO 1885]

 

Dr. João Antunes [n. 10 Fevereiro de 1885-1956]
 
No passado dia 10 de Fevereiro, há 122 anos, nascia o dr. João Antunes, uma figura, hoje, estranhamente esquecida. Porém, foi relevante o seu trabalho (em Portugal) sobre a temática da tradição iniciática, do neo-espiritualismo, da filosofia hermética, teosofia e maçonaria, no começo do século XX. Espanta, de facto, que a copiosa obra (escrita) de João Antunes, publicada entre 1914 e 1928 (pelo que conhecemos), bem como a organização e direcção, que lhe cabe, da prestigiada Colecção Teosófica e Esotérica, ou Biblioteca do Teosofista - publicada pela Livraria Clássica Editora, de A. M. Teixeira & C.ª (Filhos), situada na Praça dos Restauradores, em Lisboa -, seja hoje misteriosamente sonegada. A tribo ligada ao debate ocultista, tão célere na propaganda e no devaneio de excêntricas figuras que nada acrescentam à trama espiritual da Lusitânia ou ao trabalho iniciático luso, resta um túmulo.

Compreende-se! Afinal uma boa parte do trabalho que dizem ter feito, saído (asseguram) inteiramente das suas cabecinhas pensadoras, provém, afinal, das profusas notas e reflexões de João Antunes. Porque não se crê que o que quer tenha ocorrido ao longo do seu percurso profano, possa, por si só, não merecer a estima dos trabalhos que nos legou e, em parte, explicar o silêncio de agora.
O dr. João Antunes é pouco referenciado e citado. Existe uma pequena biografia na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura (Verbo), saída da pena de Banha de Andrade. É dito aí que nasceu em Lisboa, a 10 de Fevereiro de 1885, e faleceu a 9 de Junho de 1956. Lê-se: "Cedo se dedicou ao estudo das denominadas ciências ocultas, sobre que escreveu várias obras na colecção 'Psicologia Experimental'. De 1921 a 1924 dirigiu em Lisboa a Isis, revista de questões teosóficas e de ciências espirituais, e a revista Eleusis (Lx., 1927 a 1928). Tendo abandonado o exercício das ordens sacra, não é difícil concluir das suas publicações".

Ora, curiosamente, a colecção que João Antunes dirigia, Colecção Teosófica e Esotérica, foi na sua grande parte objecto de tradução pelo vate Fernando Pessoa (que assinou, segundo alguns, sob o nome de Fernando Castro e, ainda, de M.C.). Trata-se de, pelo menos, de 10 obras, e entre as mais conhecidas temos: a tradução do Compêndio de Teosofia, de Leadbeater; os Auxiliares Invisíveis, a Clarividência, do mesmo Leadbeater; os Ideaes da Teosofia, de Annie Besant; um curioso livro (1916), que é o nº VIII da Colecção, 'Luz sobre o caminho e karma', atribuído a M.C. (?), e com tradução de Pessoa; outro (ainda enigmático) intitulado 'A Voz do Silêncio: e outros fragmentos do Livro dos Preceitos Aureos', nº V da colecção, com tradução (para o inglês) e anotado por H.P.B., e versão portuguesa de F. Pessoa. É, ainda, possível que a tradução ao livro de Besant, 'No Recinto Externo' (1917, nº 9 colecção) e a de 'Cartas de Outro Mundo' (1926, nº X colecção), ambas traduzidas por Ellen Thorn Machado (?), sejam do próprio Pessoa. Quer dizer que, a maioria das obras saídas na colecção referida têm a participação de Pessoa, que, como se presume, conheceria bem o dr. João Antunes. Aliás as referências em F. Pessoa ao Martinismo, podem-se explicar pelo profundo conhecimento que João Antunes tinha, como estudioso ou, mesmo como alguns asseguram, como iniciado. Idem para as questões relacionadas com a Maçonaria e a Ordem dos Templários, que como se sabe é recorrente em Pessoa.

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