segunda-feira, 11 de outubro de 2004


Theodor W. Adorno [n. 11 Setembro 1903 - 1969]

"... há uma frase de Goethe, referindo-se a um artista de quem era amigo, em que diz que «ele se educou para a originalidade». Creio que o mesmo vale para o problema do indivíduo.

Eu não diria que é possível conservar a individualidade das pessoas. Ela não é algo dado. Mas talvez a individualidade se forme precisamente no processo da experiência que Goethe ou Hegel designaram como «alienação», na experiência do não-eu no outro.

A situação é paradoxal. Uma educação sem indivíduos é opressiva, repressiva. Mas quando procuramos cultivar indivíduos da mesma maneira que cultivamos plantas que regamos com água, então isto tem algo de quimérico e de ideológico. A única possibilidade que existe é tornar tudo isso consciente na educação; por exemplo, para voltar mais uma vez à adaptação, colocar no lugar da mera adaptação uma concessão transparente a si mesma onde isto é inevitável, e em qualquer hipótese confrontar a consciência desleixada. Eu diria que hoje o indivíduo só sobrevive enquanto núcleo impulsionador da resistência."

[Adorno, in Educação para quê? - ler aqui]

Locais: Theodor W. Adorno / A Dialéctica do Esclarecimento e outros textos de Theodor W. Adorno / Theodor Adorno e a poesia em tempos sombrios

[Sedução]

"Não há mais sublime sedução do que saber esperar alguém.
Compor o corpo, os objectos em sua função, sejam eles
A boca, os olhos, ou os lábios. Treinar-se a respirar
Florescentemente. Sorrir pelo ângulo da malícia.
Aspergir de solução libidinal os corredores e a porta.
Velar as janelas com um suspiro próprio. Conceder
Às cortinas o dom de sombrear. Pegar então num
Objecto contundente e amaciá-lo com a cor. Rasgar
Num livro uma página estrategicamente aberta.
Entregar-se a espaços vacilantes. Ficar na dureza
Firme. Conter. Arrancar ao meu sexo de ler a palavra
Que te quer. Soprá-la para dentro de ti
até que a dor alegre recomece."

[Maria Gabriela LLansol, enviado por Amélia P.]


Biblioteca Nacional - Dia 11 de Outubro às 17.30 - Entrada Livre

"Palestra do Prof. Carlos Reis e mostra ao público dos manuscritos queirosianos de «A Correspondência de Fradique Mendes»"

domingo, 10 de outubro de 2004


In Memoriam de Jacques Derrida [1930-2004]

Locais: Mort du philosophe Jacques Derrida / Jacques Derrida est mort / Le philosophe Jacques Derrida est mort / Décès du philosophe Jacques Derrida / Derrida, aux amis morts / Derrida On Line / "I Have to Wander All Alone" (words on the death of Gilles Deleuze) / Interviews with Jacques Derrida / Le Pardon (Citations incontournables) / Livres de Jacques Derrida

O panfletário moderno

Miguel Horta e Costa tresanda aristocracia debaixo do seu formidável nariz inglês. Tem cursos vários, um admirável Jaguar, muitas secretárias de serviço, é um financeiro arrojado, incansável, intuitivo, canta glórias em louvor da PT, pavoneia-se no Conselho de Administração da Lusomundo Media, anda de barco, distribui bonomia por amigos e conhecidos, não faz análises políticas, não se ruboriza com o estado na nação, não é ingénuo, muito menos murmura crenças sobre a imprensa, a liberdade de expressão ou as novidades literárias do reino. Não faz folhetos de cordel, não pretexta comentários, nem estimula polémicas, não faz versos, e por isso tem parcos leitores, para além daqueles que o ouvem para as bandas do Fórum Picoas. Oferece aos indígenas lusos um ror de títulos de jornais e revistas, a cargo da Empresa Global Publicações, S.A, e basta de afazeres.

O prodigioso Miguel Horta e Costa é um visionário. E como tal, irresistível a obras perfeitas, necessita de trabalhadores laboriosos, caprichosas carpideiras do poder, desprovidos de angústias, inchados de espiritualidade liberal, para validar a sua imodesta intelectualidade. Nasce assim para a Lusomundo Media, o polemista virulento, gorgolejando insultos e ameaças, o inebriante caixeiro mediático Luís Delgado, agora na pele de Presidente Executivo. Não está só na sua espaventosa récita aos indígenas, trazendo consigo o ex-trovador do DN, de nome Bettencourt Resendes, para dar sorte à imaginação. A ideia de por o panfletário Delgado a dar remoques nos jornais e TV's, em fúria alucinante, não parece adequado ao seu novo pelouro, dado até as possíveis acareações ou o pedido do contraditório que cada intervenção escrita ou falada do Presidente Executivo da Lusomundo Media suscita. Terá o cavalheiresco Horta e Costa pensado na questão? Os accionistas? Ou o incendiário Delgado não conhece os regulamentos?

[Não há já segredos]

"... Não há já segredos.
Os que governam acham-se informados de tudo quanto pensam os governados. Não têm mais que ler, e resguardar-se. Acabou para os governos a surpresa, a emboscada, a perseguição encoberta.

Esses perigos já não existem realmente senão para os governados, que têm ainda contra si, posto que mantidos e pagos por eles próprios, os únicos poderes ocultos que subsistem no regime das sociedades modernas: os recônditos planos de guerra entre governo e governo, a diplomacia, a polícia secreta, a intriga de corte para corte, a espionagem sobre cidadãos suspeitos, a violação das cartas, a visita domiciliária, a busca de papéis de cada um, etc.

Se nós particulares, tivéssemos de garantir-nos contra os governos com a mesma segurança com que os governos se acham garantidos contra nós, a primeira obrigação que lhes imporíamos seria de terem um jornal e de imprimirem nele em cada manhã absolutamente tudo quanto pensassem de nós, para bem e para o mal, mas principalmente para o mal, porque o importante, porque o essencial é, sobretudo, isso: avisarem-nos do que nos prejudica (...)

E sempre que o chefe do Estado ou os seus ministros pudessem ser acusados de não nos descomporem suficientemente, de nos não injuriarem na medida de todo o seu desejo, chamá-los aos tribunais como impostores e como sediciosas, e obrigá-los a dizer tudo, aplicando-lhe para esse fim a tortura, exactamente como eles nos faziam a nós no tempo em que, em vez de escrevermos nos jornais, nós nos calávamos com o jogo ..."

[Ramalho Ortigão, in As Farpas IX]

sexta-feira, 8 de outubro de 2004


Héctor Yánover [1929 - m. a 8 Outubro 2003]

"Profunda mujerzuela ¿quién te verá?
¿Quién te verá la boca besadora,
la frente bien pensante, quién te verá?
¿Quién te verá deidad como te veo:
ofreciente dadora, núbil promesa,
racimo de la sed que ya poseo?
" [H.Y.]

"Nacido en Córdoba (centro del país), Yánover escribió varios libros de poesía, entre ellos "Hacia principios del hombre", "Las iniciales del amor", "Arras para otra boda" y "Sigo andando", y una novela, "Las estaciones de Antonio", pero fue sobre todo conocido por su actividad como librero y por sus programas televisivos sobre libros. En "Memorias de un librero" contó sus experiencias desde que allá por los años 50 trabajaba de noche en una librería como vigilante hasta que en 1971 montó su propio negocio, la prestigiosa librería "Norte", que aun existe y donde hasta hace poco atendía personalmente y orientaba sobre libros" [EFE]

Locais: Héctor Yánover / H. Yánover / Poemas con gato / Pequeños poemas / Recordando a Héctor / El Triste Adios a Hector Yanover

quinta-feira, 7 de outubro de 2004


[Marcelo ou Nós]

"Em política como na guerra, o momento perdido não volta mais" [N. Bonaparte]

O país está em ataque de nervos. A arena política foi invadida de um imprevisto sobressalto de mau gosto, de uma implacável fantasia em defesa da "liberdade de expressão" - palavrão por ora, sabiamente, utilizado com requintes extremosos -, e palpitando de dor cai numa amargura sem fim, ensaiando laboriosos cenários à moda do sempre presente prof. Rebelo de Sousa. No entanto a decoração desta crise politica é uma comédia séria demais para ser um simples desagravo do governo nomeado pelo dr. Sampaio, ou da «central de informação» do PSD, contra Marcelo ou, mesmo, uma caprichosa e trabalhosa tarefa em defesa da censura, com a cumplicidade dos nossos empresários liberais.

Os brados convulsos dos fiéis da missa dominical do prof. Marcelo são compreensíveis, bem como as lágrimas, os lamentos e a mágoa pela sorte do comentador. Na verdade, o sinal azougado, arquitectado no seio do PSD, dado pelo exaltado Gomes da Silva é de uma maldade sem limites, a ponto de nos esquecermos do porfiado serviço público de Marques Mendes à frente da RTP, que até desprezamos a delícia dos sempre maquiavélicos "factos políticos" Marcelistas, in illo tempore. No entanto, a teatralidade a que se assiste não permite disfarçar a não-tomada de posição de deputados e militantes do PSD (só alguns tiveram carácter para tal) em todo este jogo floral democrático, e pelo seu silêncio entende-se que pactuam e desfraldam a bandeira Santanista.

Noutro registo: ninguém tem dúvidas que se tratou de uma maquinada pressão sobre o prof. Marcelo e sobre a TVI, o que permite creditar a qualidade desta gente que governa, aliás como se sabia de antemão. Passe as furtivas intenções pessoais e políticas futuras de Rebelo de Sousa, só o próprio pode deslindar todo este desplante. E tem o dever de o fazer, rapidamente, por respeito pela verdade e por quem o vê e ouve religiosamente. É crucial entender se o arrazoado governamental é meramente estulto politicamente ou se, no invés, configura qualquer facto político por detrás, no sentido de pressionar o dr. Sampaio a assumir uma posição mais firme e atinente às suas funções presidenciais. Admitindo que o último cenário é plausível, o espírito do dr. Sampaio estará toldada pela dúvida do que fazer. Culpa sua, evidentemente, dado estar refém do governo que, contra a opinião pública, nomeou. Nesta hipótese de ser prisioneiro do "seu" governo, temendo a vitimização que Lopes & Portas habilmente construiriam, o dr. Sampaio tem de ser firme e, principalmente, célere a tomar decisões. Mesmo supondo que o cenário de eleições antecipadas é de "agrado" da maioria, convém que por efeitos tácticos o faça e rapidamente. Para que a sorrateira provocação, assim entendida, apanhe alguma bazófia ainda em andamento, dado os estragos que este caso comportou, quer no país, quer nalguns incautos simpatizantes laranjas. Isto é, há que pensar: ou Marcelo ou nós.

[Evocar Clausewitz]

[incerteza acerca dos factos] - "... a grande incerteza acerca de todos os dados constitui uma dificuldade particular da guerra, pois toda a acção se realiza, por assim dizer, numa espécie de crepúsculo que, por vezes, confere às coisas um aspecto nebuloso ou lunar, uma dimensão exagerada, um cariz grotesco.

A falta de visibilidade que esta fraca iluminação traz consigo tem de ser compensada pelo talento da adivinhação, ou tem de se deixar abandonar à sorte. Na ausência duma sabedoria objectiva, é necessário aqui, ainda, confiar no talento e até mesmo na benevolência do acaso"

[a astúcia] - "A astúcia supõe uma intenção dissimulada e opõe-se por consequência à atitude recta, simples, ou seja directa, do mesmo modo que uma palavra do espírito se opõe à demonstração directa. Portanto ela não tem nada em comum com os meios de persuasão, do interesse e da força, mas assemelha-se em muitos aspectos à impostura, a qual também oculta a sua intenção"

[Ataque e defesa] - "... Qual o objectivo da defesa? Conservar. É mais fácil conservar do que adquirir; de onde se segue imediatamente que, supondo que os meios são iguais dos dois lados, a defesa é mais fácil do que o ataque. Mas de onde provém esta maior facilidade da conservação e da protecção? Do facto de que todo o tempo que se escoa inutilizado se torna proveito do defensor. Este colhe onde não semeou. Toda a remissão do ataque, em consequência de visões erradas, de receio ou de insolência, é favorável ao defensor"

[Carl Von Clausewitz, in Da Guerra, P & R, 1976]

quarta-feira, 6 de outubro de 2004


Minutas

- Vital Moreira tratou a questão dos Rankings de Escolas, ou a engenharia que pretende correlacionar a seriação via rankings da avaliação escolar, num texto a ler com merecida atenção. Os equívocos sobre a noviciada problemática dos rankings, fatalmente entendida dentro do imperium do ordenação (não temos emenda!), deixando de lado a concepção dinâmica da actividade pedagógica, a divergência entre classificar e avaliar, o questionamento das diferentes avaliações, a variabilidade dos indicadores escolhidos, a tipologia das escolas e cursos existentes, ou a ponderação de indicadores sócio-económicos e as assimetrias dentro do mesmo concelho, permitem não só resultados enganadores, como resulta num péssimo serviço ao sistema de ensino. Decerto os rankings podem servir de inspiração à privança intelectual do deslumbrado António Barreto, ou mesmo a nova arremetida e reprimenda sobre o ensino público pelo desabrido José Manuel Fernandes, podendo até provocar angústias no indígena luso, mas na verdade não passam de um exercício de "darwinismo social", legitimado pelos media. Vital Moreira, num exercício convidativo simples e sensato, apresenta algumas sugestões ponderáveis, bem como uma justa crítica ao financiamento das escolas privadas e ao desvio de "recursos das escolas públicas". Foi absolutamente claro. E, porque não, pedagógico.

- a pateada unânime na blogosfera lusa contra as pantominices do atarantado Rui Gomes da Silva, a soldo do inenarrável desígnio de Lopes & Portas, é simplesmente burlesca e, porque não, perigosa. A sabatina preciosa de alguns blogs em defesa do douto Marcelo Rebelo de Sousa, proeza singular para quem tem memória, pode ser mais divertida que ver o dito Gomes da Silva posto em ridículo numa qualquer assembleia geral do Benfica, mas, pela gula do desabafo feito, serve não só os interesses do pronunciamento governamental, mas também permite à guisa de nostalgia supor que um qualquer social-democrata persiste nos destroços do PSD. O atestado de comentador isento e livre q.b., sem qualquer matreirice pessoal, condescendente com os factos a analisar, liberto da canga partidária, está na mais perfeita contradição não só com as récitas afinadas ao governo de Durão Barroso (não foi, por acaso, Marcelo que mais defendeu as políticas orçamentais, as engenharias financeiras da Mercearia Ferreira Leite, que se sabe hoje serem uma inventona?), mas esquece a catilinária astuta contra algumas boas medidas tomadas pelo governo de Guterres. Não parece que os putativos impropérios contra o governo d'hoje permitam alterar o expediente pessoal do professor Marcelo, mesmo que as bengaladas do papagaio Gomes da Silva o revelem. É bom não esquecer.

terça-feira, 5 de outubro de 2004

[Acontecimento]

"Um anjo de Deus desceu até vós.
Interrompeu o princípio da festa.
A oração cresceu nos vossos lábios
e os dentes recomeçaram a sua tarefa.
Haverá muitos dias de pão e água.
Haveis de engolir as vossas mágoas!"

[Ruy Cinatti, 1976]


[História da Bandeira de Portugal]

[A Grande Alma Portuguesa]

"... Há um Portugal triplo. Um nasceu com o próprio país: é esta alma da própria terra, emotiva sem paixão, clara sem lógica, enérgica sem sinergia, que encontrará no fundo de cada português, e que é verdadeiramente um reflexo espelhante deste céu azul e verde cujo infinito é maior perto do Atlântico. O terceiro Portugal, que encontrareis à superfície dos Portugueses visíveis (...) formou esta parte do espírito português moderno que está em contacto com a aparência do mundo. Esta terceira alma portuguesa é apenas um reflexo mal compreendido do estrangeiro; segue a civilização como um criança segue o estrangeiro que passa, por uma hipnose, não do homem, mas só do seu caminhar (...)

Há uma segunda alma portuguesa (...) Esta alma portuguesa, herdeira (...) da divindade da alma helénica, fortificou-se na sombra e no abismo. Outrora descobriu a terra e os mares; criou o que o mundo moderno possui que não é antigo, pois os outros dois elementos do mundo moderno (a substituição da cultura helénica à semi-cultura latina, obra do Renascimento italiano, e o individualismo, obra da Reforma e da Revolução Inglesa), são elementos obtidos por uma transposição de diferentes elementos das antigas religiões e civilizações: não são criados integralmente como o oceanismo, o universalismo e o imperialismo à distância que foram os resultados produzidos conscientemente pelo primeiro movimento divino da alma portuguesa, do segundo estado da Ordem secreta que é o fundo hierático da nossa vida (...)

[Fernando Pessoa, Carta ao Conde de Keyserling, Lisboa, 20 de Abril de 1930, in «A Grande Alma Portuguesa», Ed. Manuel Lencastre, 1988]

[Balanço Patriótico]

"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, - reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (...)

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...)

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e estes, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do país, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre, - como da roda duma lotaria.

A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;

Dois partidos (...), sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes (...) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo, a-pesar-disso, pela razão que alguém deu no parlamento, - de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)

[Guerra Junqueiro, in Pátria]

sábado, 2 de outubro de 2004


Catecismo Americano

As entrevistas, eloquentemente referidas como debate, desenrolados ontem com Bush & Kerry foram de uma chateza corrosiva. Sabe-se que a capacidade comunicacional da razão como reguladora e mediação do voto entre os eleitores americanos é tarefa extenuante. A ideia de exigir qualquer clivagem mais ou menos radical entre os putativos candidatos, com clareza de pontos de vista, objectivos precisos, argumentação estruturada, credibilidade das propostas, defesa da acção política, estratégia comunicacional, é meramente do domínio da excentricidade. E a mais não são obrigados. Sabendo-se como o discurso político terá de ser sempre polemizante, em democracia, não se entende este dark side na retórica persuasiva americana. Fica-nos, portanto, do discurso publicitário para a presidência americana, a imagem dos candidatos, um ou outro dizer mais emocional, uma ou outra frase mais atribulada, mas sempre na margem da lógica televisiva. Muito pouco, portanto, como meio de persuasão. O catecismo americano é pouco viril.

É claro que o anti-ethos, presente no discurso de Bush para muitos, que a memória da história presente é penosa, apodera-se do ouvinte e impede-o de qualquer capacidade reflexiva. De facto, por muito que Bush manuseie as suas metáforas em prol da democracia no Iraque e comungue no crepitante ataque ao terrorismo, ninguém com sinceridade o ouve. Todos os dias somos devorados no engodo e desilusão do Iraque. Daí que a desqualificação do seu discurso, mesmo que matraqueado até à exaustão, seja total. E se aliarmos isso, à boçalidade da sua figura e à pouca lisonja das suas capacidades intelectuais e humanas, então a pesporrência do seu discurso é repugnante.

Tais factos não impedem a perda do acto eleitoral, pois a idolatria de algum povo americano é simplesmente notável pela grosseria do seu imaginário, sempre transtornado, sempre insolente. O que significa que Kerry, cuja prestação é de longe bem melhor, tem dificuldade em passar a memória discursiva destes anos de chavascal neo-liberal, por muito que o tente. Quer por tudo o que ficou dito, mas também pelos erros tácticos que comete.

Locais: [Análise]- A Debate in Verse / A Knockout for Kerry / Alternet / Bush Comes Out Firing After Debate / Bush's Net strategy for debate spin / Beyond Debate / "Carnets de campagne" / Crunch Time / Faith vs. reason / First blood to Kerry in TV debate / Iraq takes centre stage / It Was a Rout / It's the IQ, stupid / Kerry holds edge over Bush following first debate / Kerry Keeps Hopes Alive / Kerry Wins Debate, But Iraq Mess to Continue No Matter Who Is President / John Kerry tire son épingle du débat / Presidential Fiction: The Story Behind the Debate / Rate the Debate - Who Won? / Scoring the Debate / Tastes Great, More Filling / Transcript: First Presidential Debate / Un «Kerry peu convaincant» contre un «Bush soupirant de frustration» / Un phénomène nouveau / Whiner-in-Chief / Why Bush Won

sexta-feira, 1 de outubro de 2004


[América - por Allen Ginsberg]

"América dei-te tudo e agora não sou nada
América dois dólares e vinte e sete cêntimos em 17 de Janeiro de 1956
Não aguento a minha própria mente.
América quando poremos fim à guerra entre os homens?
Vai-te lixar mais a tua bomba atómica.
Não me sinto nada satisfeito não me chateies.
......
América quando serás tu angélica?
Quando é que te despes?
Quando é que olharás para ti através do sepulcro?
......
América não me empurres eu sei o que faço"

[a minutos do Presidencial Debate]

quinta-feira, 30 de setembro de 2004



[Recuerdos]

Annette Peacock

[No dia do nascimento de Artur Portela Filho - 30 Setembro 1937]

"Com Salazar, impacientavam-se na antecâmera. Com Marcello Caetano, entraram, de roldão, na vida pública.
Vêm de Económicas e Financeiras, de Engenharia, de Sociologia. Têm quarenta anos. São apolíticos.

Estão na Assembleia Nacional, na Câmara Corporativa, nos Gabinetes Técnicos. Fazem sauna, são católicos progressivos e falam alto, forte.
São a 3ª geração de 1926. A Primeira era Mário de Figueiredo. A segunda, Ulisses Cortez. A terceira, Francisco Balsemão.

A política, ela própria, globalista, surge-lhes como um romantismo. Não há política. Há políticas. Não há política. Há soluções.
Solução do problema económico. Solução do problema rodoviário. Solução do problema urbanístico. Solução do problema migratório.

Portugal é um exercício. A Europa, um exame de frequência. O desafio americano, um concurso. A EFTA um treino. O Mercado Comum, um curso semestral. (...)
Ideologicamente são cegos. Profissionalmente são aptos. A política é um pretexto. A eficácia, um fim em si mesmo.

São a nova aristocracia. O País é, de súbito, para eles, das esferas de acção mais próximas, a que dá mais chances. A política não é, para eles, res publica, civismo, humanismo. É performance ..."

[Artur Portela Filho, "Marcello Caetano e os Tecnocratas", in A Funda, 1º vol., Moraes, 1972]

Brincadeiras pouco "docentes"

"A evidência necessita de invólucro para não morrer na estrada" [M. C. V.]

Como de costume, proclama-se o divertido sentimento que tudo está bem quando acaba bem. A lista de colocação de docentes é, de hoje em diante, de grande modéstia para qualquer talento imprudentemente instruído em algoritmos educacionais, afinal um simples e trivial jogo de 30 minutos para o verdadeiro indígena com cadastro computacional. A declaração na TV, do erudito operário da programação que pensou, organizou e concretizou a listagem do nosso desassossego, provocou uma suave emoção nas famílias lusas, conquistou o caricato analfabetismo da maioria governamental e, melhor ainda, fez empapar de suor as almas penadas dos sindicalistas.

A bem dizer, todos eles suspiravam pelo começo das aulas. As famílias pelo cansaço de aturar os filhos e educa-los com a branda ternura com que a escola-armazém o faz. A maioria, apinhada de grandes educadores, afugentou o mau-olhado e a chacota do dr. Justino, ao mesmo tempo que retirou o doce à oposição. Os sindicatos de professores, obstinados em defesa de um engasgado concurso sem qualquer credibilidade, ficaram momentaneamente info-míopes e aderiram, porque a luta segue sempre dentro de momentos, à bondade decorativa da listagem. Os professores, pela natureza das coisas, pouco se importaram se estavam sequestrados numa qualquer ilegalidade, desde que o trabalho apareça, que a vida está difícil.

Porém, a divertida ideia que pode ter valimento a lista de colocação de docentes é de uma audácia nunca vista. E, deste modo, a desabrida prosápia desse genial programador da "teoria do jogo da cadeira" torna-se, no imediato, numa infausta trapalhada, que fará da empreitada ministerial motivo não só de chacota mas também de graves penalizações administrativas e monetárias. Quer isto dizer, que partindo-se da lógica economicista de não abrir lugares no quadro de escolas, para que exista poupança, todo este processo de colocação de professores - que deve ser sempre pensado em termos técnico-pedagógicos - redundou desgraçadamente num desperdício de dinheiro público, para além de um tormento para alunos, famílias, professores e educadores. Como é habitual.

Boletim da Livraria de J. A. Telles da Sylva

Pode-se consultar on line, o Boletim nº 33 da Livraria J. A. Telles da Sylva, Rua Laura Alves, nº 19, 3º Esq, Lisboa, referente ao mês de Setembro e a cargo de Margarida M. Soares Franco, que como sempre é de grande interesse bibliográfico.