quinta-feira, 7 de outubro de 2004
[Marcelo ou Nós]
"Em política como na guerra, o momento perdido não volta mais" [N. Bonaparte]
O país está em ataque de nervos. A arena política foi invadida de um imprevisto sobressalto de mau gosto, de uma implacável fantasia em defesa da "liberdade de expressão" - palavrão por ora, sabiamente, utilizado com requintes extremosos -, e palpitando de dor cai numa amargura sem fim, ensaiando laboriosos cenários à moda do sempre presente prof. Rebelo de Sousa. No entanto a decoração desta crise politica é uma comédia séria demais para ser um simples desagravo do governo nomeado pelo dr. Sampaio, ou da «central de informação» do PSD, contra Marcelo ou, mesmo, uma caprichosa e trabalhosa tarefa em defesa da censura, com a cumplicidade dos nossos empresários liberais.
Os brados convulsos dos fiéis da missa dominical do prof. Marcelo são compreensíveis, bem como as lágrimas, os lamentos e a mágoa pela sorte do comentador. Na verdade, o sinal azougado, arquitectado no seio do PSD, dado pelo exaltado Gomes da Silva é de uma maldade sem limites, a ponto de nos esquecermos do porfiado serviço público de Marques Mendes à frente da RTP, que até desprezamos a delícia dos sempre maquiavélicos "factos políticos" Marcelistas, in illo tempore. No entanto, a teatralidade a que se assiste não permite disfarçar a não-tomada de posição de deputados e militantes do PSD (só alguns tiveram carácter para tal) em todo este jogo floral democrático, e pelo seu silêncio entende-se que pactuam e desfraldam a bandeira Santanista.
Noutro registo: ninguém tem dúvidas que se tratou de uma maquinada pressão sobre o prof. Marcelo e sobre a TVI, o que permite creditar a qualidade desta gente que governa, aliás como se sabia de antemão. Passe as furtivas intenções pessoais e políticas futuras de Rebelo de Sousa, só o próprio pode deslindar todo este desplante. E tem o dever de o fazer, rapidamente, por respeito pela verdade e por quem o vê e ouve religiosamente. É crucial entender se o arrazoado governamental é meramente estulto politicamente ou se, no invés, configura qualquer facto político por detrás, no sentido de pressionar o dr. Sampaio a assumir uma posição mais firme e atinente às suas funções presidenciais. Admitindo que o último cenário é plausível, o espírito do dr. Sampaio estará toldada pela dúvida do que fazer. Culpa sua, evidentemente, dado estar refém do governo que, contra a opinião pública, nomeou. Nesta hipótese de ser prisioneiro do "seu" governo, temendo a vitimização que Lopes & Portas habilmente construiriam, o dr. Sampaio tem de ser firme e, principalmente, célere a tomar decisões. Mesmo supondo que o cenário de eleições antecipadas é de "agrado" da maioria, convém que por efeitos tácticos o faça e rapidamente. Para que a sorrateira provocação, assim entendida, apanhe alguma bazófia ainda em andamento, dado os estragos que este caso comportou, quer no país, quer nalguns incautos simpatizantes laranjas. Isto é, há que pensar: ou Marcelo ou nós.
[Evocar Clausewitz]
[incerteza acerca dos factos] - "... a grande incerteza acerca de todos os dados constitui uma dificuldade particular da guerra, pois toda a acção se realiza, por assim dizer, numa espécie de crepúsculo que, por vezes, confere às coisas um aspecto nebuloso ou lunar, uma dimensão exagerada, um cariz grotesco.
A falta de visibilidade que esta fraca iluminação traz consigo tem de ser compensada pelo talento da adivinhação, ou tem de se deixar abandonar à sorte. Na ausência duma sabedoria objectiva, é necessário aqui, ainda, confiar no talento e até mesmo na benevolência do acaso"
[a astúcia] - "A astúcia supõe uma intenção dissimulada e opõe-se por consequência à atitude recta, simples, ou seja directa, do mesmo modo que uma palavra do espírito se opõe à demonstração directa. Portanto ela não tem nada em comum com os meios de persuasão, do interesse e da força, mas assemelha-se em muitos aspectos à impostura, a qual também oculta a sua intenção"
[Ataque e defesa] - "... Qual o objectivo da defesa? Conservar. É mais fácil conservar do que adquirir; de onde se segue imediatamente que, supondo que os meios são iguais dos dois lados, a defesa é mais fácil do que o ataque. Mas de onde provém esta maior facilidade da conservação e da protecção? Do facto de que todo o tempo que se escoa inutilizado se torna proveito do defensor. Este colhe onde não semeou. Toda a remissão do ataque, em consequência de visões erradas, de receio ou de insolência, é favorável ao defensor"
[Carl Von Clausewitz, in Da Guerra, P & R, 1976]
quarta-feira, 6 de outubro de 2004
Minutas
- Vital Moreira tratou a questão dos Rankings de Escolas, ou a engenharia que pretende correlacionar a seriação via rankings da avaliação escolar, num texto a ler com merecida atenção. Os equívocos sobre a noviciada problemática dos rankings, fatalmente entendida dentro do imperium do ordenação (não temos emenda!), deixando de lado a concepção dinâmica da actividade pedagógica, a divergência entre classificar e avaliar, o questionamento das diferentes avaliações, a variabilidade dos indicadores escolhidos, a tipologia das escolas e cursos existentes, ou a ponderação de indicadores sócio-económicos e as assimetrias dentro do mesmo concelho, permitem não só resultados enganadores, como resulta num péssimo serviço ao sistema de ensino. Decerto os rankings podem servir de inspiração à privança intelectual do deslumbrado António Barreto, ou mesmo a nova arremetida e reprimenda sobre o ensino público pelo desabrido José Manuel Fernandes, podendo até provocar angústias no indígena luso, mas na verdade não passam de um exercício de "darwinismo social", legitimado pelos media. Vital Moreira, num exercício convidativo simples e sensato, apresenta algumas sugestões ponderáveis, bem como uma justa crítica ao financiamento das escolas privadas e ao desvio de "recursos das escolas públicas". Foi absolutamente claro. E, porque não, pedagógico.
- a pateada unânime na blogosfera lusa contra as pantominices do atarantado Rui Gomes da Silva, a soldo do inenarrável desígnio de Lopes & Portas, é simplesmente burlesca e, porque não, perigosa. A sabatina preciosa de alguns blogs em defesa do douto Marcelo Rebelo de Sousa, proeza singular para quem tem memória, pode ser mais divertida que ver o dito Gomes da Silva posto em ridículo numa qualquer assembleia geral do Benfica, mas, pela gula do desabafo feito, serve não só os interesses do pronunciamento governamental, mas também permite à guisa de nostalgia supor que um qualquer social-democrata persiste nos destroços do PSD. O atestado de comentador isento e livre q.b., sem qualquer matreirice pessoal, condescendente com os factos a analisar, liberto da canga partidária, está na mais perfeita contradição não só com as récitas afinadas ao governo de Durão Barroso (não foi, por acaso, Marcelo que mais defendeu as políticas orçamentais, as engenharias financeiras da Mercearia Ferreira Leite, que se sabe hoje serem uma inventona?), mas esquece a catilinária astuta contra algumas boas medidas tomadas pelo governo de Guterres. Não parece que os putativos impropérios contra o governo d'hoje permitam alterar o expediente pessoal do professor Marcelo, mesmo que as bengaladas do papagaio Gomes da Silva o revelem. É bom não esquecer.
terça-feira, 5 de outubro de 2004
[A Grande Alma Portuguesa]
"... Há um Portugal triplo. Um nasceu com o próprio país: é esta alma da própria terra, emotiva sem paixão, clara sem lógica, enérgica sem sinergia, que encontrará no fundo de cada português, e que é verdadeiramente um reflexo espelhante deste céu azul e verde cujo infinito é maior perto do Atlântico. O terceiro Portugal, que encontrareis à superfície dos Portugueses visíveis (...) formou esta parte do espírito português moderno que está em contacto com a aparência do mundo. Esta terceira alma portuguesa é apenas um reflexo mal compreendido do estrangeiro; segue a civilização como um criança segue o estrangeiro que passa, por uma hipnose, não do homem, mas só do seu caminhar (...)
Há uma segunda alma portuguesa (...) Esta alma portuguesa, herdeira (...) da divindade da alma helénica, fortificou-se na sombra e no abismo. Outrora descobriu a terra e os mares; criou o que o mundo moderno possui que não é antigo, pois os outros dois elementos do mundo moderno (a substituição da cultura helénica à semi-cultura latina, obra do Renascimento italiano, e o individualismo, obra da Reforma e da Revolução Inglesa), são elementos obtidos por uma transposição de diferentes elementos das antigas religiões e civilizações: não são criados integralmente como o oceanismo, o universalismo e o imperialismo à distância que foram os resultados produzidos conscientemente pelo primeiro movimento divino da alma portuguesa, do segundo estado da Ordem secreta que é o fundo hierático da nossa vida (...)
[Fernando Pessoa, Carta ao Conde de Keyserling, Lisboa, 20 de Abril de 1930, in «A Grande Alma Portuguesa», Ed. Manuel Lencastre, 1988]
[Balanço Patriótico]
"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, - reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (...)
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...)
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e estes, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do país, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre, - como da roda duma lotaria.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;
Dois partidos (...), sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes (...) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo, a-pesar-disso, pela razão que alguém deu no parlamento, - de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)
[Guerra Junqueiro, in Pátria]
sábado, 2 de outubro de 2004
Catecismo Americano
As entrevistas, eloquentemente referidas como debate, desenrolados ontem com Bush & Kerry foram de uma chateza corrosiva. Sabe-se que a capacidade comunicacional da razão como reguladora e mediação do voto entre os eleitores americanos é tarefa extenuante. A ideia de exigir qualquer clivagem mais ou menos radical entre os putativos candidatos, com clareza de pontos de vista, objectivos precisos, argumentação estruturada, credibilidade das propostas, defesa da acção política, estratégia comunicacional, é meramente do domínio da excentricidade. E a mais não são obrigados. Sabendo-se como o discurso político terá de ser sempre polemizante, em democracia, não se entende este dark side na retórica persuasiva americana. Fica-nos, portanto, do discurso publicitário para a presidência americana, a imagem dos candidatos, um ou outro dizer mais emocional, uma ou outra frase mais atribulada, mas sempre na margem da lógica televisiva. Muito pouco, portanto, como meio de persuasão. O catecismo americano é pouco viril.
É claro que o anti-ethos, presente no discurso de Bush para muitos, que a memória da história presente é penosa, apodera-se do ouvinte e impede-o de qualquer capacidade reflexiva. De facto, por muito que Bush manuseie as suas metáforas em prol da democracia no Iraque e comungue no crepitante ataque ao terrorismo, ninguém com sinceridade o ouve. Todos os dias somos devorados no engodo e desilusão do Iraque. Daí que a desqualificação do seu discurso, mesmo que matraqueado até à exaustão, seja total. E se aliarmos isso, à boçalidade da sua figura e à pouca lisonja das suas capacidades intelectuais e humanas, então a pesporrência do seu discurso é repugnante.
Tais factos não impedem a perda do acto eleitoral, pois a idolatria de algum povo americano é simplesmente notável pela grosseria do seu imaginário, sempre transtornado, sempre insolente. O que significa que Kerry, cuja prestação é de longe bem melhor, tem dificuldade em passar a memória discursiva destes anos de chavascal neo-liberal, por muito que o tente. Quer por tudo o que ficou dito, mas também pelos erros tácticos que comete.
Locais: [Análise]- A Debate in Verse / A Knockout for Kerry / Alternet / Bush Comes Out Firing After Debate / Bush's Net strategy for debate spin / Beyond Debate / "Carnets de campagne" / Crunch Time / Faith vs. reason / First blood to Kerry in TV debate / Iraq takes centre stage / It Was a Rout / It's the IQ, stupid / Kerry holds edge over Bush following first debate / Kerry Keeps Hopes Alive / Kerry Wins Debate, But Iraq Mess to Continue No Matter Who Is President / John Kerry tire son épingle du débat / Presidential Fiction: The Story Behind the Debate / Rate the Debate - Who Won? / Scoring the Debate / Tastes Great, More Filling / Transcript: First Presidential Debate / Un «Kerry peu convaincant» contre un «Bush soupirant de frustration» / Un phénomène nouveau / Whiner-in-Chief / Why Bush Won
sexta-feira, 1 de outubro de 2004
[América - por Allen Ginsberg]
"América dei-te tudo e agora não sou nada
América dois dólares e vinte e sete cêntimos em 17 de Janeiro de 1956
Não aguento a minha própria mente.
América quando poremos fim à guerra entre os homens?
Vai-te lixar mais a tua bomba atómica.
Não me sinto nada satisfeito não me chateies.
......
América quando serás tu angélica?
Quando é que te despes?
Quando é que olharás para ti através do sepulcro?
......
América não me empurres eu sei o que faço"
[a minutos do Presidencial Debate]
quinta-feira, 30 de setembro de 2004
[No dia do nascimento de Artur Portela Filho - 30 Setembro 1937]
"Com Salazar, impacientavam-se na antecâmera. Com Marcello Caetano, entraram, de roldão, na vida pública.
Vêm de Económicas e Financeiras, de Engenharia, de Sociologia. Têm quarenta anos. São apolíticos.
Estão na Assembleia Nacional, na Câmara Corporativa, nos Gabinetes Técnicos. Fazem sauna, são católicos progressivos e falam alto, forte.
São a 3ª geração de 1926. A Primeira era Mário de Figueiredo. A segunda, Ulisses Cortez. A terceira, Francisco Balsemão.
A política, ela própria, globalista, surge-lhes como um romantismo. Não há política. Há políticas. Não há política. Há soluções.
Solução do problema económico. Solução do problema rodoviário. Solução do problema urbanístico. Solução do problema migratório.
Portugal é um exercício. A Europa, um exame de frequência. O desafio americano, um concurso. A EFTA um treino. O Mercado Comum, um curso semestral. (...)
Ideologicamente são cegos. Profissionalmente são aptos. A política é um pretexto. A eficácia, um fim em si mesmo.
São a nova aristocracia. O País é, de súbito, para eles, das esferas de acção mais próximas, a que dá mais chances. A política não é, para eles, res publica, civismo, humanismo. É performance ..."
[Artur Portela Filho, "Marcello Caetano e os Tecnocratas", in A Funda, 1º vol., Moraes, 1972]
Brincadeiras pouco "docentes"
"A evidência necessita de invólucro para não morrer na estrada" [M. C. V.]
Como de costume, proclama-se o divertido sentimento que tudo está bem quando acaba bem. A lista de colocação de docentes é, de hoje em diante, de grande modéstia para qualquer talento imprudentemente instruído em algoritmos educacionais, afinal um simples e trivial jogo de 30 minutos para o verdadeiro indígena com cadastro computacional. A declaração na TV, do erudito operário da programação que pensou, organizou e concretizou a listagem do nosso desassossego, provocou uma suave emoção nas famílias lusas, conquistou o caricato analfabetismo da maioria governamental e, melhor ainda, fez empapar de suor as almas penadas dos sindicalistas.
A bem dizer, todos eles suspiravam pelo começo das aulas. As famílias pelo cansaço de aturar os filhos e educa-los com a branda ternura com que a escola-armazém o faz. A maioria, apinhada de grandes educadores, afugentou o mau-olhado e a chacota do dr. Justino, ao mesmo tempo que retirou o doce à oposição. Os sindicatos de professores, obstinados em defesa de um engasgado concurso sem qualquer credibilidade, ficaram momentaneamente info-míopes e aderiram, porque a luta segue sempre dentro de momentos, à bondade decorativa da listagem. Os professores, pela natureza das coisas, pouco se importaram se estavam sequestrados numa qualquer ilegalidade, desde que o trabalho apareça, que a vida está difícil.
Porém, a divertida ideia que pode ter valimento a lista de colocação de docentes é de uma audácia nunca vista. E, deste modo, a desabrida prosápia desse genial programador da "teoria do jogo da cadeira" torna-se, no imediato, numa infausta trapalhada, que fará da empreitada ministerial motivo não só de chacota mas também de graves penalizações administrativas e monetárias. Quer isto dizer, que partindo-se da lógica economicista de não abrir lugares no quadro de escolas, para que exista poupança, todo este processo de colocação de professores - que deve ser sempre pensado em termos técnico-pedagógicos - redundou desgraçadamente num desperdício de dinheiro público, para além de um tormento para alunos, famílias, professores e educadores. Como é habitual.
Boletim da Livraria de J. A. Telles da Sylva
Pode-se consultar on line, o Boletim nº 33 da Livraria J. A. Telles da Sylva, Rua Laura Alves, nº 19, 3º Esq, Lisboa, referente ao mês de Setembro e a cargo de Margarida M. Soares Franco, que como sempre é de grande interesse bibliográfico.
quarta-feira, 29 de setembro de 2004
Miguel Cervantes [n. 29 Setembro 15470-1616]
"Se bons açoutes me davam, muito bem montado eu ia: se bom governo eu apanho, mui bons açoutes me custa. Isto não o entendes tu por ora, Teresa minha, mas outra vez to explicarei. Hás-de saber, que determinei que andes de coche, que é o que serve, porque tudo o mais é andar de gatas. És mulher de um governador: vê lá se há alguém que te chegue aos calcanhares (...) D. Quixote, meu amo, segundo ouvi dizer nesta terra, é um louco assisado e um mentecapto gracioso, e eu não lhe fico atrás (...) Daqui a poucos dias partirei para o governo, para onde vou com grandíssimo desejo de juntar dinheiro, porque me disseram que todos os governadores novos levam essa mesma vontade: eu lhe tomarei o pulso, e te avisarei se hás-de vir estar comigo ou não (...) A duquesa, minha senhora, beija-te mil vezes as mãos: tu retroca-lhe com duas mil, que não há cousa que saia mais barata, segundo diz meu amo, do que os bons comedimentos (...)"
[Carta de Sancho Pança a Teresa Pança, sua Mulher, in D. Quixote de La Mancha, Livraria Lello, Porto, 1933]
[A Sé da Guarda]
"... A catedral da Guarda é um verdadeiro tratado esotérico. A nível da planta baixa «jaz» o corpo do Homem Cósmico. Esta simbologia nada tem a ver, segundo alguns autores, com a forma da cruz do templo (nave central e nave cruzeira). Para eles a planta cruciforme diz respeito à relação entre o Homem e o Cosmos (Homem de braços abertos, em posição jacente) e não é característica do Cristianismo. (...) Por exemplo, citando Durand Mende, cada elemento da estrutura de uma catedral possui as qualidades comparáveis às do corpo humano: o transepto ao coração, que bate no centro do edifício; a fachada nascente, a da porta principal, aos pés do Homem Cósmico; a abside, à cabeça. Os pés localizam-se à entrada, evocando a marcha dos peregrinos.
Nos primeiros tempos da Inquisição em Portugal, depois de meados do séc.XVI, a luminosidade do interior da Sé da Guarda foi reduzida por terem colocado no fundo do ousio um Grandioso Retábulo [Nota: de autoria de João de Ruão]. Por esta razão reduziu-se a luz que reflectia na nave central a harmonia cósmica. A Catedral tornou-se sombria (...) A grandeza e a imponência do Retábulo atrai as atenções para quem entra na Sé. Naquele período de intolerância religiosa e perseguição aos Judeus, o testemunho iconográfico das cenas da morte de Jesus ajudou a justificar de maneira equivoca o trabalho dos inquisidores e assanhou os ódios contra os Hebreus, «matadores de Cristo». É curioso notar que a inauguração do Retábulo da Catedral da Guarda coincide com o inicio das perseguições em série e em grupo, junto dos cristãos-novos da Cidade, o que por certo não pode ser dissociado das denúncias ..." [Adriano Vasco Rodrigues, in Guarda Pré-História, História e Arte (Monografia), 2000]
terça-feira, 28 de setembro de 2004
André Breton [1896 - m. a 28 Setembro 1966]
"... O Espírito do homem que sonha satisfaz-se inteiramente com o que lhe acontece. Deixa de poder colocar-se a angustiante questão da possibilidade. Mata, voa mais célere, ama quanto queiras. E se morres, não é na certeza de acordares entre os mortos? Deixa-te conduzir, os acontecimentos não admitem que os adies. Não tens nome. A facilidade de tudo é inapreciável (...)
O homem põe e dispõe. Só a ele cabe pertencer-se todo inteiro, isto é, manter em estado de anarquia o âmbito cada vez mais temível dos seus desejos. A poesia ensina-lho: traz com ela a compensação perfeita das misérias que sofremos ..."
[A. Breton, in Textos de Afirmação e de Combate do Movimento Surrealista Mundial, P&R, 1977]
[O Terreiro do Paço]
"O Livro de Toth, mais conhecido como Tarot é, como se sabe, constituído por 78 lâminas, originalmente de ouro fino, pertencendo 22 lâminas aos Arcanos Maiores, os esótericos, e as restantes 56 aos chamados Arcanos Menores ou exotéricos (...)
Se observarmos, sob o ponto de vista esotérico, o Terreiro do Paço logo verificamos que a expressão preponderante é a sua vasta, a sua profusa arcaria. Existe uma intencionalidade na disposição muito particular desses elementos que ultrapassa, sem dúvida, a simples função estrutural da sua arquitectura. Os edifícios laterais contêm 28 arcos, cada um, cuja soma é de 56, o que corresponde ao número de lâminas dos Arcanos Menores.
Na fachada principal, entre as ruas do Ouro e da Prata, contamos, por outro lado, 22 arcos, 11 em cada direcção, a partir da Rua Augusta. Ora, 22 arcos correspondem exactamente ao número de lâminas dos Arcanos Maiores, os arcanos iniciáticos.
Se aplicarmos a cada arco o arcano que lhe corresponde, possuímos a chave interpretativa de um ciclo completo de manifestação: relativamente aos 56 arcos, a manifestação profana, quanto aos 22 arcos frontais, entre as ruas do Ouro e da Prata, a realização oculta." [O. N. Gonçalves, in Quinto Império nº3, Abril de 1991]
segunda-feira, 27 de setembro de 2004
Heberto Padilla [1932 - m. a 25 Setembro 2000]
"Madre, todo ha cambiado.
Hasta el otoño es un soplo ruinoso
que abate el bosquecillo.
Ya nada nos protege contra el agua
y la noche.
Todo ha cambiado ya.
La quemadura del aire entra
en mis ojos y en los tuyos,
y aquel niño que oías
correr desde la oscura sala,
ya no ríe ..." [H. P., in Exílios]
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