



Miguel Cervantes [n. 29 Setembro 15470-1616]
"Se bons açoutes me davam, muito bem montado eu ia: se bom governo eu apanho, mui bons açoutes me custa. Isto não o entendes tu por ora, Teresa minha, mas outra vez to explicarei. Hás-de saber, que determinei que andes de coche, que é o que serve, porque tudo o mais é andar de gatas. És mulher de um governador: vê lá se há alguém que te chegue aos calcanhares (...) D. Quixote, meu amo, segundo ouvi dizer nesta terra, é um louco assisado e um mentecapto gracioso, e eu não lhe fico atrás (...) Daqui a poucos dias partirei para o governo, para onde vou com grandíssimo desejo de juntar dinheiro, porque me disseram que todos os governadores novos levam essa mesma vontade: eu lhe tomarei o pulso, e te avisarei se hás-de vir estar comigo ou não (...) A duquesa, minha senhora, beija-te mil vezes as mãos: tu retroca-lhe com duas mil, que não há cousa que saia mais barata, segundo diz meu amo, do que os bons comedimentos (...)"
[Carta de Sancho Pança a Teresa Pança, sua Mulher, in D. Quixote de La Mancha, Livraria Lello, Porto, 1933]