terça-feira, 27 de julho de 2004


O Almocreve em deslocalização

Todos os anos a mesma coisa. Vamos de passeio que o verão começou de vez. Estamos instruídos a calcorrear as mais doces das recordações. Em perfeita deslocalização, que o luxo é um capricho discreto, entramos em cada terra, avenidas, ruas, subimos com a graça e gentileza estabelecimentos, arrais, festas outras, civilizadas ou não, com o mesmo entusiasmo e desassombro de antanho. Dominamos horizontes. É que a arte de saber viajar também se descobre. Esta nossa insinuação de repouso é de uma imensa frescura. Mar, serra, planuras para sentir a soidade, um céu azul. Nada mais.

Mas estamos atentos ...  se a paisagem for aliciante. Não se livram de nós.

As «vacansas» de João Carlos Espada

A costumada e proverbial literatice do dr. João Carlos Espada (vide último Expresso) toma a forma de um panfleto muito libérrimo em defesa de "férias sossegadas", via a putativa "serenidade" do dr. Sampaio no caso da nomeação de Lopes & Portas, contra os "profetas da desgraça" usuais. Ao que se presume no delírio de Espada, o fantástico dr. Sampaio arfa, por ora, na sua grandeza de anti-estatista, bem aos modos inchados do antigo canhoto dr. Espada, e desassombra a ciência política indígena pelo seu "gentlemanship" avidamente soletrado pela esquerda liberal. A guia de marcha do dr. Espada pode seguir. A silly season está de volta.

O escriba de "Social Citizenship Rights ..." manifesta a sua estranheza por o "novo governo já estar a ser atacado" pela sociedade civil. Numa expressão de horror espadista, o gentil professor, num bocejo à maneira de Oakeshott, gagueja um "não há liberdade sem estabilidade e referências estáveis". Sentimos o presidente da direcção da secção portuguesa da International Churchill Society nas garras de uma tragédia sem igual. Fez bem o dr. Sampaio na sua picaresca aventura presidencial em salvar essa alma penada do anti-liberalismo.

Seja como for, o doutoral ex-camarada "Lima" continuará a arte de tresler paginas inteiras de Churchill, anunciando na próxima época escolar contrariar os dogmas "revolucionários" e "contra-revolucionários", a partir dos calhamaços de "Second World War" e "A History of English Speaking People", que a surtida aventureira das "vacansas" o impelem a transportar.  Voltará para confeccionar teses para épater os anti-liberais, falazar de liberalismo sem defeito, entre um ar gauche alvar e o fulgor poderoso do olhar inteligente. Compreende-se que confesse: "Tenho tanto para ler, que não tenho tempo para descansar". Que não se canse são os nossos votos.  

sábado, 24 de julho de 2004


In Memoriam (1925-2004)

Carlos Paredes: "Guitarra com Gente Dentro"

"Se tão inefável alma portuguesa em algum lado encontrou maneira de se comunicar foi nas suas notas que não falam de nada que possa ser dito, mas nascem directamente de um coração sintonizado com o canto inaudível do que nós somos como sentimento e vida." [Isabel Salema, in Público, 17 de Dezembro de 2003]

quinta-feira, 22 de julho de 2004

Isabel, evidentemente]

" ... Ao teu corpo colou-se
o vestido de seda,
como segunda pele;
entre os seios pequenos
viceja perene
um raminho de cravos ...

Pétalas esguias
emolduram-te os dedos ...

E revoadas de aves
traçam ao teu redor
volutas de primavera.

Nunca envelhecerás na minha lembrança! ..."

[Saúl Dias]

O Circo Lopes & Portas ou o governo segundo o dr. Sampaio

Não se trata de qualquer descoberta. As coisas sucedem em política, sempre, tal e qual como se aguardava que acontecessem. Em verdade, entre o enfado e o riso, o sentimento claro sobre o laborioso esforço cénico da formação do governo Lopes & Portas é uma desmedida chacota, divertida estouvadice, que por ser tão enjoativa e de má toada deixa toda a gente desassossegada. O tropeço incómodo, mesmo antes de começar a função, destes desencontros ministeriais, a bazófia do soporífero Portas sobre o repositório ambiental de Nobre Guedes ou o mau-olhado aplicado à putativa performance militar de Teresa Caeiro, torna este ofegante governo um enorme disparate. Não se sabe porque razão temos de aturar, mesmo que a diversão seja insuperável, os meneios destes jovens mendigados da coisa pública. Até o inefável Diogo Feio, pasme-se, chegou a Secretário de Estado da Educação.

A paródia destes senhores, com a bênção do dr. Sampaio, revela um total desnivelamento dos critérios de selecção da classe política e sugere ter-se chegado ao grau zero da incompetência. O interesse público assim confiado a infantis funcionários partidários torna impossível abordar qualquer questão com serenidade e objectividade possível. Os episódios lamentáveis destes dias manifestam um atrevimento político do senhor Presidente da República, a saber: a defesa de um governo que, pela primeira vez na história lusa, é possuidor do perfil mais medíocre de sempre. Sabia-se que em toda a vida económica, social e cultural portuguesa se declarava um facilitismo constrangedor, uma banalidade desesperante. Agora, pela mão diluída do dr. Sampaio resplandece no espaço governamental uma alucinada mediocridade. Infeliz deste país que tudo permite. Eis tudo.

Catálogo 66 da Livraria Bizantina

Acaba se sair o Catálogo da Livraria Bizantina (Rua da Misericórdia, nº 147, Lisboa), com um conjunto simpático de monografias e outras peças curiosas, a preços perfeitamente acessíveis.

Algumas referências: Almanaque Ilustrado de Fafe (nºs de 1928, 1930 e 1955) / Boletim Oficial das Festas do 1º de Maio do Concelho do Cartaxo em 1937 / Antologia de Poesia Latina Erótica e Satírica, Afrodite, 1975 / Arte de Roubar Patrões. Conselhos a criados e criadas .... Escripto com Penna de Oiro por uma Macacão Callejado no Serviço, 1883 / O Integralismo Lusitano, de Leão Ramos Ascenção, Edições Gama, 1943 / As Monjas de Semide, por Lino d'Assumpção, Coimbra, 1900 / Sintra e seu Termo, de José de Oliveira Boléo, Lisboa, 1940 / Critica da Critica, e Defensa da Defensa. Dez cartas dedicadas ao Conde de Oeiras, por Pe. Joaquim Velho do Canto, Off. Pedro Ferreira, 1760 / O Gozo de Si Mesmo, do Marquez de Caraccioli, Typ. Rollandiana, 1789 / Notas para a Historia do Jornalismo em Elvas, por António José Torres de Carvalho, nº 1 a 48, 1931-32 / Elucidário do Viajante do Buçaco, de Augusto Mendes Simões de Castro, 1932 / O Mosteiro de Arouca, por Maria Helena da Cruz Coelho, 1988 / Contribuições para a Historia da Imprensa em Moçambique, Codam, 1973 / Subsídios para Historia das Candidaturas Norton de Matos (1949), Quintão Meireles (1952) e Humberto Delgado (1958), Edições Delfos / Colleçam das Antiguidades de Évora escriptas por André de Rezende, Diogo Mendes de Vasconcellos, Gaspar Estaco, Fr. Bernardo de Brito e Manoel Severim de Faria, organização de Bento Joze de Souza Farinha, 1785 / Monografia do Parque da Pena, por Mário de Azevedo Gomes, 1960 / O Convento e a Igreja de S. Francisco de Évora, por M. Carvalho Moniz, 1959 / A Verdade Monárquica, de Alberto de Monsaraz / Vieira de Castro e a Sua Tragédia, por Gomes Monteiro, 1932 / Mosteiro e Coutos de Alcobaça, por M. Vieira Natividade, 1960 / Monografia do Concelho de Loulé, por Athaide Oliveira, 1986 / Camillo Castello Branco. Notas e Documentos: Desaggravos, por Silva Pinto, 1910 / O Concelho de Macedo de Cavaleiros, por Armando Pires, 1963 / Acerca do Integralismo Lusitano, de Raul Proença, 1964 / Memórias da Villa de Arrayolos, de J. H. da Cunha Rivara, Arraiolos, 1983, II vols / Belém e Arredores Através dos Tempos, de José Dias Sanches, 1940 / O Movimento da Unidade democrática e a Moção Política do Porto, por Pedro Veiga (Petrus), 1968

terça-feira, 20 de julho de 2004


Paul Valéry (1871 - 1945)

m. a 20 de Julho de 1945

"... Nem visto ou achado
Eu sou o perfume
Já morto e ainda em lume
No vento chegado!

Nem visto ou achado.
Azar? Génio sou?
Apenas chegado,
E tudo acabou ..." [P.V., in "Ni Vu Ni Connu"]

Fidelino de Figueiredo (1889-1967)

n. a 20 de Julho de 1889

"... Nem sempre tem sido bem comprehendida a função da bibliographia, como trabalho auxiliar, nem na sua qualidade nem na sua extensão. Essa funcção é bem maior e bem differente do que frequentemente pensam os bibliographos. É fóra de duvida que a bibliographia deve constituir uma especialidade autónoma, como a divisão das funções aconselha, mas é absolutamente necessario que essa bibliographia soffra uma radical transformação, erguendo-se de capricho de collecionadores à categoria de actividade util, de trabalho auxiliar da critica, sem que nessa subalternidade haja dedignidade. Sem uma solida educação critica e sem a vista de conjuncto que dá a representação dum fim superior, o colleccionador é quasi sempre destituido de qualquer noção de valor, que presida à escolha das espécies. Em resultado, como não sabe avaliar, collecciona tudo, sem attender à qualidade, e organiza collecções de superfluidades ..." [Fidelino Figueiredo, in A Critica Litteraria como Sciencia, 1920]

Locais: Fidelino de Figueiredo / Bibliografia / O Homem e a Obra
Papéis & Arrumações

- separata (rara) de Luís de Bívar Guerra, "História Genealógica de uma família do Alentejo", 1949, onde o autor disserta sobre "a assimilação dos judeus no nosso país", quer pela "via religiosa" quer "pelos casamentos mistos". É referido que "da confusão entre os actos do cristianismo e as práticas cripto-judaicas foi nascendo neles um catolicismo adulterado pelas reminiscências do mosaismo", apresentando uma classificação das "famílias eivadas de cristã-novice, quanto à assimilação pelo casamento" em cinco grupos. São considerados casos como o de Barros e Sá ("violentemente acusado de judeu"), e é analisada em pormenor a família Bougado (chamada pelo povo por "Queridos" apelido antes do baptismo) de Matosinhos, citando seguidamente Diogo Ribeiro e Leonor de Castro (de Beja) que tiveram uma filha Maria ("a judia bonita") que casou com Belchior Dias Bocarro de Évora, etc... Apresenta no fim a continuidade genealógica dessa família, bem como os processos consultados para o trabalho.

- separata do Boletim «Estremadura» da Junta da Província (Janeiro a Dezembro de 1959) de Gastão de Bettencourt, intitulada "Folclore do Sul do Brasil Presença de Portugal", onde o autor pretende, a partir do sul do Brasil e com "afinidades" com a região ribatejana, descrever "os núcleos primitivos da colonização naquelas fecundas terras" e, evidentemente, a "vida do gaúcho" (que se assemelha "à vida do nosso campino" "nos costumes campeiros"). É referido que "festejam-se, tal como cá, os três santos de Junho e, dos costumes açoritas lá fixados", a "típica festa do «Divino»" [...Espírito Santo], e depois é feito um estudo comparativo entre um conjunto de danças e músicas do lado brasileiro (Chimarrita, ao que se sabe de procedência açoreana; cordeona, com motivos de fadango; dança pesada, tirana, quero-quero, mancada ou polca antiga) e português. Curioso.

segunda-feira, 19 de julho de 2004



Mayakovsky (1893-1930)

n. a 19 de Julho de 1893

Locais: Vladimir Vladimirovich Mayakovsky 1893-1930 / Mayakovsky and His Circle / Vladimir Mayakovsky / Vladimir Majakovski (1893-1930) / Vladimir Vladimirovich Mayakovsky / Slap in the Face of Public Taste (Manifesto Futurista)
Livros & Arrumações

- conferência de Magnus Bergstrom intitulada "O Amor e a Saudade em Portugal", "pronunciada no Teatro Nacional de Almeida Garrett, aos 2 de Fevereiro de 1930, na primeira representação em português, da ópera «Crisfal», poema de Afonso Lopes Vieira e música de Ruy Coelho". Refere: "... D. Duarte, taciturno e filósofo, estudando a saudade nas suas causas, define-a «sentido do coraçom». Bernardino Ribeiro simboliza-a no rouxinol, que, depois de pousar num verde ramo e de cantar docemente, se deixa cair morto sobre a água ..."

- n'A Arte Musical, ano VI, nº 121 (15 de Janeiro de 1904) existe um texto biográfico sobre o Conde de Farrobo . Refere o autor, Francisco da Fonseca Benevides, que o Conde de Farrobo prestou "grandes serviços á cauda liberal, na lucta entre D. Pedro e D. Miguel". Salienta que tendo a esquadra liberal a 11 de Outubro de 1832, comandada por Sartorius, "destroçado a esquadra miguelista", os marinheiros vencedores amotinaram-se "por não lhe pagarem as soldadas". Nessa situação o Conde de Farrobo adiantou "os fundos necessários". Ao que nos é dito a "grandiosidade do Conde de Farrobo era porém excedida pelo seu incurável desleixo" e, assim, "foram tristes os últimos annos da [sua] vida", de tal forma que "a perda da sua fortuna foi acompanhada de um espécie de depressão mental", tendo falecido a 24 de Setembro de 1869. Apresenta, ainda, a revista um interessante trabalho sobre "Violas d'Arco" e um curioso texto de Alberto Pimentel, "Camões e a Opera".

sábado, 17 de julho de 2004


O "governo" do dr. Sampaio 
 
"Também os acho pouco asseados: todos sujam as suas águas para as fazer perecer profundas" [Nietzsche]
 
Confirma-se. O "governo" do dr. Sampaio, sem grandes surpresas, diluindo a intencionalidade de alguns analistas mais manhosos, não conseguiu demover o eterno interesse dos grupos económicos e, singularíssimo, apresenta rostos contorcidos e fermentados para a luta política. Varrido o escol Barrosista, despedidos que foram para o suplício da privada, os novos ministros num arranjo cénico à Parque Mayer lá estão, desconjuntados e fora do seu palco de origem, prontos na sua vaidade ministeriável para imortalizar o pronto-a-servir de Lopes & Portas.
 
Enquanto isso, o dr. Sampaio, numa ironia very british, fervilha de júbilo pelo cumprimento do dever imperioso da democracia representativa. No seu intimo o dr. Sampaio desvanece-se de emoção perante a presunção da diatribe entre um PP assim musculado e um PPD, de lábia sonsa é um facto, mas refém do cozinhado governamental. Coisa, já se sabe, que os críticos de sofá político não conseguem entender na sua lufa-lufa antisantanista. Na verdade, fora a confusão na orgânica governamental que o ilustre Lopes atabalhoadamente pratica, o que se verifica é uma deliciosa e fascinante insinuação entre um PPD/PSD ávido de ritmo eleitoral (não é verdade mr. José Luís Arnaut & dr. Mexia?) e o re-fundamentalismo de Bagão Félix, em versão agora marialva. O sr. Álvaro Barreto, um clássico, está lá para dar sobriedade governamental. Os outros ... porque não havia mais ninguém.

Assim sendo, não restam dúvidas que enquanto todos ecoam palavras de consagração ao inteligente Lopes (o tal que não pode ser menosprezado), o dr. Portas confeccionou uns valentes pares de ministros, em lugares específicos, capazes de em dois anos o salvarem da hecatombe eleitoral. Não se cuide o dr. Lopes (o tal, dizem, que não pode ser subestimado) que o sequestro está à vista. Resta saber quem desertará em primeiro lugar.  Aguardemos.


Erle Stanley Gardner [n. 17 Julho 1889 - 1970] 

"Murder is not perpetrated in a vacuum. It is a product of greed, avarice, hate, revenge, or perhaps fear. As a splashing stone sends ripples to the farthest edges of the pond, murder affects the lives of many people." [in,  The Case of the Horrified Heirs, 1964 - Ver Aqui]

Papeladas & Arrumações 
  
- curioso "ensaio de critica leve, de philosophia amena", denominado "Cartas Biologicas", de Pires de Mirandola, editor Carlos Viana (s/d). Diz-nos: "...  É evidente que nem todos podem mandar e que, por mais systemas e teorias que se inventem, ha-de ser sempre um pequenissimo núcleo de homens que ha-de governar os povos e estes quando são sensatos, intelligentes e praticos como o inglez, o allemão, o belga e outros assim o entendem e executam. O portuguezinho valente não: ...  não há um único que não se julgue habilitadissimo e competentíssimo para salvar a Pátria e então se chega a ser qualquer coisa como caixeiro ali da respeitabelissima tenda dos srs. Jyronimo Martins & Filhos o menos com que se contenta é com uma estatua de pedra. Qualquer sapateiro de escada, em vez de se occupar conscientemente em deitar tombas e por meias solas, a única coisa em que pensa é tocar um solo de rabecão e se apparece alguém com geito para o rabecão esse quer logo ser jornalista ou deputado ..." 
  
- interessante conferência "proferida na Faculdade de Letras de Coimbra em 10 de Março de 1963", por Adriano Moreira, sobre "O Neutralismo". Como "determinantes políticas do neutralismo" é referido: "sendo o anticolonialismo o principal elemento da ideologia neutralista, o nacionalismo é a sua preocupação dominante."

quinta-feira, 15 de julho de 2004


Rosalía de Castro (1837-1885)

m. a 15 de Julho de 1885

"Escritora galega. Descendente, por parte de sua mãe, de uma família da velha nobreza, o facto de ser filha ilegítima de um sacerdote marca-a profundamente desde muito jovem. Escreve em galego e em castelhano e acaba por se tornar um elemento preponderante do «Resurdimento Galego». Aos vinte anos publica La flor, seu primeiro livro de versos. Nos seus Cantares gallegos (1863), breves glosas de canções populares, manifesta a sua intensa nostalgia da terra galega. Em Follas novas (1880), obra de uma maior intensidade lírica, exprime a sua intimidade com mestria e simplicidade, abordando a natureza como puro símbolo da sua nostalgia desenganada. En las orillas del Sar (1885) acentua-se o seu pessimismo. Os temas predominantes nesta colectânea são a inelutável realidade da dor, a inexorável passagem do tempo e um obsessivo sentimento da morte. No conjunto, a sua obra gira em torno de três temas básicos: uma visão costumeira da Galiza rural, um conteúdo metafísico que a parece aproximar da filosofia existencial e a denúncia das assimetrias sociais da Galiza. Por outro lado, Rosalía é uma importante inovadora estilística, pois utiliza novos ritmos, mais flexíveis e harmoniosos do que os usuais na sua época." [ver aqui]

Locais: Rosalía de Castro (1837-1885) / Biografia / Rosalia (biografia & obra) / Poemas / Rosalía de Castro (Títulos digitalizados) / Rosalia Castro (Cantares Gallegos) / Rosalía de Castro - o el color de la amargura

[Horas Tras Hora ...]

Hora tras hora, día tras día,
entre el cielo y la tierra que quedan
eternos vigías,
como torrente que se despeña,
pasa la vida.

Devolvedle a la flor su perfume
después de marchita;
de las ondas que besan la playa
y que una tras otra besándola expiran.
Recoged los rumores, las quejas,
y en planchas de bronce grabad su armonía.

Tiempos que fueron, llantos y risas,
negros tormentos, dulces mentiras,
¡ay!, ¿en dónde su rastro dejaron,
en dónde, alma mía?
Partido Socialista: um imenso vazio (II)

A contenda em torno da "luta pela conquista do centro", suposto o eleitorado flutuando como qualquer corsário em busca de abrigo, é recorrente no discurso oficioso. Desastradamente, tal linha conceptual original e comovente, mesmo que nos assegurem a sua referência nos manuais de literatura política, manifesta dificuldades na sua aplicabilidade. A pluralidade de estratégias de sobrevivência dos vários clientes que configuram essas posições "ao centro", só têm sentido em situações bem particulares. E mesmo aí, não é conveniente construção mecanicista na análise e muito menos o assumir, como hipótese, que esse "centro" é inamovível ideologicamente. E muito de "ideológico" mudou nestes tempos últimos, sendo que os eleitores, fortemente informados (globalização oblige), não são já o lugar da "irracionalidade". Quer isto dizer, que existe uma "lógica de cuidado" de características noviciadas, perante o impasse económico, social e cultural a que a todos assistimos. Falar da conquista do "centro" significa, portanto, neste contexto, exactamente o quê? E se considerarmos que há muito está esgotada a bipolarização, sendo necessárias alianças à direita e à esquerda, então para que serve a luta pelo "centro"?

Noutro registo: sabia-se da impossibilidade de António Vitorino, por motivos familiares e por características pessoais, assumir a liderança do seu partido (alguém, curiosamente, explicava as indefinições de Vitorino recorrendo à metáfora "sebenteira": isto é, alguém que ao longo de vinte páginas de didáctica jurídica não permite expor o que quer que seja de substantivo, quando é confrontado com resoluções definitivas revela as costumeiras contrariedades). Ninguém duvida que foi uma perda inultrapassável.
Por outro lado, José Lamego intervém meramente como urgência de ganhar posição num futuro Ministério dos Negócios Estrangeiros. Por seu turno, João Soares, por definição, não tem nada a perder e portanto está à vontade, mas o ter perdido com Santana afasta-o de qualquer cenário credível.

Resta José Sócrates, estabelecido na ala mais "direitista" do seu partido, personagem estimada pela classe governamental e mediática. A putativa inflexão à direita do espaço socialista pode-se não verificar totalmente, porque é sabido que o trabalho e o esforço partidário não são o mais forte em Sócrates, pelo que ficará sempre refém do aparelho, que não controla. E, de facto, Sócrates não representa a linha de esquerda do seu partido. Esta, embora pouco expressiva capitalizou o despautério de Sampaio, passe não anunciar ninguém que a habilite à liderança. Helena Roseta seria uma possibilidade, mas Jorge Coelho nunca o permitiria. Fica, pois, o maior partido da oposição num imenso vazio. Num tumultuoso reboliço. Alguém irá ganhar com isso. Estaremos cá para ver.

quarta-feira, 14 de julho de 2004


Partido Socialista: um imenso vazio (I)

"A piedade é cruel. A piedade destrói. Não há amor seguro quando a piedade espreita" [Graham Greene]

Estes últimos anos, com a incapacidade desconcertante de regenerar a classe política que as corporações de interesses que habitam em cada partido não permitem, têm sido uma lista de mazelas amargurada, uma fatigada e corrosiva tortura, uma desastrada cacofonia de disparates que dramatizam a vida social e política portuguesa. E na verdade pouco há, ainda, a esperar quando somos suspeitosos de quedarmos "ser sem desejo, sem despeito, sem revolta" [G. Pérec].

Varridos pelo presumido imprevisto que a indecorosa decisão de Jorge Sampaio fez tombar no espectro político-partidário, aturdidos pela obscenidade de ter um primeiro-ministro estouvado politicamente e obsequiante partidariamente, indiferentes ao "assassinato" político de Ferro Rodrigues (que muito a jeito se colocou, diga-se) por acofiados analistas e pela "tralha" socialista, descobrimos, de repente, que estamos manietados em "jogos de poder" que lamentamos, mas que somos impotentes para ultrapassar. Porém, a emotividade da putativa indignação que nos assalta faz-nos desprezar as origens desta agonia que a crise política comporta. Fala-se, evidentemente, do clientelismo e do monopólio dos interesses que nas estruturas partidárias substituem o carácter, a coragem e a verdade de servir os cidadãos e o país. Essa estranha maldição, resultante da conflitualidade entre "tradição" e "modernidade", não pode interferir no nosso labirinto dos afectos sob pena de cairmos no dizer de Cesariny de Vasconcelos: "aquele que se mete a autorizar a autoridade de quem desautoriza não sabe no que se mete".

[a continuar]


no dia do nascimento de Ingmar Bergman
[Não me venham dizer]

"Não me venham dizer
que os choupos despidos lembram mágoas
se o sol os veste, solitários e altivos,
erguidos sobre as águas

Longe vem vindo os barqueiros,
metidos no rio até às virilhas.

Nas ínsuas correm em liberdade os potros,
embora mais tarde vão pelas estradas,
seus flancos cingidos pelas cilhas"

[João José Cochofel, in Canção monótona para adormecer o poeta]