quarta-feira, 14 de julho de 2004
Partido Socialista: um imenso vazio (I)
"A piedade é cruel. A piedade destrói. Não há amor seguro quando a piedade espreita" [Graham Greene]
Estes últimos anos, com a incapacidade desconcertante de regenerar a classe política que as corporações de interesses que habitam em cada partido não permitem, têm sido uma lista de mazelas amargurada, uma fatigada e corrosiva tortura, uma desastrada cacofonia de disparates que dramatizam a vida social e política portuguesa. E na verdade pouco há, ainda, a esperar quando somos suspeitosos de quedarmos "ser sem desejo, sem despeito, sem revolta" [G. Pérec].
Varridos pelo presumido imprevisto que a indecorosa decisão de Jorge Sampaio fez tombar no espectro político-partidário, aturdidos pela obscenidade de ter um primeiro-ministro estouvado politicamente e obsequiante partidariamente, indiferentes ao "assassinato" político de Ferro Rodrigues (que muito a jeito se colocou, diga-se) por acofiados analistas e pela "tralha" socialista, descobrimos, de repente, que estamos manietados em "jogos de poder" que lamentamos, mas que somos impotentes para ultrapassar. Porém, a emotividade da putativa indignação que nos assalta faz-nos desprezar as origens desta agonia que a crise política comporta. Fala-se, evidentemente, do clientelismo e do monopólio dos interesses que nas estruturas partidárias substituem o carácter, a coragem e a verdade de servir os cidadãos e o país. Essa estranha maldição, resultante da conflitualidade entre "tradição" e "modernidade", não pode interferir no nosso labirinto dos afectos sob pena de cairmos no dizer de Cesariny de Vasconcelos: "aquele que se mete a autorizar a autoridade de quem desautoriza não sabe no que se mete".
[a continuar]