domingo, 27 de junho de 2004

[As Noites]

"... São gordas as noites em que discordo do sono
incha o corpo vago balbuciar de livro
lendo baptizo o silêncio dos olhos
e a geleia de ideias dissocia grão a grão
as mãos humanas de suas colheitas ...
" [Dórdio Guimarães]


Santana Lopes ou Nós

"Nothing is but what is not ..." [W. S. in Macbeth]

Não é difícil de pressagiar o que sobrevirá à aventura Santana Lopes. Não há nisto nada de novo. Os acontecimentos, por muito emocionais que sejam, só podem conduzir ao caos social e político, tal a hostilidade que o cenário Lopes & Portas indicia. Não podem causar espanto, portanto, a dramatização e a denúncia vindos de diferentes sectores da sociedade portuguesa. Nada de novo, portanto. O que parece ser novo é a imprudência de algumas afirmações, aqui e ali proferidas, o protesto populista (mesmo que sincero) posto a circular e, principalmente, o descuido da exigência do rigor na análise, que estas situações comportam.

Expliquemos: Do ponto de vista constitucional não existe qualquer impedição para que a Assembleia da República não continue em funções. O senhor Presidente da República terá a última palavra, certamente, mas se a obsessão de Jorge Sampaio por essa figura irrealista da estabilidade politica persistir (como infelizmente parece acontecer), então não haverá lugar a eleições. Ora, se a legitimidade formal do novo governo não é questionável, a avaliação do desempenho do governo de Durão Barroso já o é. Os cidadãos eleitores ficam, objectivamente, impedidos de exercer esse imprescindível exercício democrático, porque na verdade ao fim da legislatura não estão a classificar as mesmas políticas e os mesmos intérpretes. A fraude é evidente. E se no invés de Santana estiver a Ferreira Leite, passe a maior legitimidade processual, a posição mantém-se.

Em termos da caracterização do populismo Santanista, parece-se ignorar os seus potenciais perigos. Não se trata, meramente, de assistir a substituição do Diário das Sessões pela Gente ou pela Lux, de ver a aprovação de medidas para relvar todo o país, ou mesmo pela vaidade de construir uma sala oval em S. Bento. É divertido e imaginativo, mas há muito mais a ter em conta para além da fatuidade e do seu espectáculo. É que, por detrás do risonho Lopes e a pretexto do bem público, reside toda uma máquina de evangelização e doutrinação, aonde a lei está sistematicamente ausente, a autoridade é um meio de promoção unipessoal e a favor do grupos de amigos e onde a resistência democrática é simplesmente banida. Quem por isso passou sabe do que aqui se fala. Santana Lopes é o Berlusconi indígena. Quem disso se esquecer não viverá para contar. E não é aceitável pensar que a esquerda aproveite com a chegada de Lopes ao Governo, como alguns registam. Desde logo porque o populismo não lhes dará essa amabilidade, nem o cenário económico que se aproxima o possibilita. É bom não esquecer.
[Não fujas]

"... Não fujas. Tem ânimo e contempla-te. «Que direito teme este tipo de dizer-me o que quer que seja?» Leio esta pergunta nos teus olhos amedrontados. Ouço-a na sua impertinência, Zé Ninguém. Tens medo de olhar para ti próprio, tens medo da crítica, tal como tens medo do poder que te prometem e que não saberias usar. Nem te atreves a pensar que poderias ser diferente: livre em vez de deprimido, directo em vez de cauteloso, amando às claras e não mais como um ladrão na noite. Tu mesmo te desprezas, Zé Ninguém. Dizes: «Quem sou eu para ter opinião própria, para decidir da minha própria vida e ter o mundo por meu?» E tens razão: Quem és tu para reclamar direitos sobre a tua vida? ..."
[Wilhelm Reich, in Escuta, Zé Ninguém!]

Emma Goldman (1869-1940)

n. na Lituânia a 27 de Junho de 1869

"A verdadeira emancipação começa ... na alma da mulher ..."

"... Se alguém quer desenvolver-se livre e plenamente, tem que se ver livre da interferência e da opressão dos outros ... Isto nada tem a ver com ... individualismo exacerbado. Tal individualismo depredador é na realidade débil, não robusto. Ao menor perigo à sua segurança, corre em direcção ao Estado para buscar refúgio e ajuda pela sua protecção ..."

"... A verdadeira liberdade é positiva; é a liberdade em direcção a qualquer coisa, a liberdade de ser, de fazer, e os meios dados para isso. Não pode tratar-se de um dom, mas de um direito natural do homem, de todos os seres humanos. Este direito não pode ser acordado ou conferido por nenhuma lei, nenhum governo. A necessidade, o desejo ardente faz-se sentir em todos os indivíduos. A desobediência a todas as formas de coação é a sua expressão instintiva. Rebelião e revolução são tentativas mais ou menos conscientes e sociais, são as expressões fundamentais dos valores humanos ..."

"... Em Emma Goldman, no princípio, estava um desejo de justiça, de amor e liberdade. Foi esse desejo que ela viveu e serviu, sempre recusando-se a submetê-lo a regras de eficácia ou de lógica (...) Por isso lutou pela felicidade, pela igualdade social, pelo direito à liberdade, pela beleza das flores e cores, pelo prazer e pelo amor, sem estabelecer hierarquias. Imagino que isso signifique ser radical. Recusar etapas, objectivos ambíguos, meias palavras. Recusar a servidão sob quaisquer de suas formas" [Beth Lobo]

sexta-feira, 25 de junho de 2004


Durão Barroso - Presidente da Comissão Europeia

Definitivamente, Durão Barroso vai ser candidato a Presidente da Comissão Europeia, sucedendo a Romano Prodi. É bom para Portugal e para a Europa. O facto, é que um mau primeiro-ministro de Portugal pode ser um excelente Presidente da Comissão. Não há qualquer contradição. A escolha de Durão Barroso serve os interesses e as diversidades dos vários países e brinda-nos com alguma vaidade. Assim Barroso saiba compreender o porquê da candidatura e, certamente, da sua eleição.

Uma outra questão é a particularidade da nomeação de Santana Lopes (como refere a SIC) para primeiro-ministro de Portugal. Uma leitura óbvia é que o populismo e a incompetência mais abjecta chegam ao poder. Já lá estavam, poderão dizer alguns. Decerto, mas a esta precipitada improvisação é um golpe palaciano que instala a barafunda e a falta de respeito pelos cidadãos eleitores. Mesmo entre os sociais-democratas. Curiosamente, o sublime disto tudo é que o PSD social-democrata e liberal é, decididamente, afastado da tarefa da governação. E o garoto da rua Paulo Portas vê-se assim auxiliado, inesperadamente, pelo seu amigo Lopes. Os próximos tempos serão de cortar à faca. Por último, como se estará a sentir o douto e perspicaz prof. Marcelo? Estará engasgado nas análises que lhe escaparam? Ou andará a limpar as armas? Aguardemos.
Natureza do Mal: um Manual de Civilidade

Todos os dias a Natureza do Mal deixa uma oração luxuriosa a todos os penitentes da blogosfera. O olhar de Sofia é o nosso exílio amoroso. As maldades nocturnas do Luís não têm emenda. André Bonirre ergue o cálice. São cruéis. Não se trocam contra reclamações. Dizem que são aniversariantes hoje, mesmo que o próximo dia 27 seja esse momento mágico em que se ouve o bater do coração. Parabéns.

Inglaterra ... já foste!

O amigo inglês caiu da vaidade fervorosa que os seus professavam e assistiu a um espectáculo assombroso de orgulho luso. Ignorando a grandeza dos nomes, desfilaram no inferno da Luz (onde podia ser!?) os intérpretes do nosso coração. A intensidade dramática da jogatina foi um cântico ao futebol. A emoção manteve-se até ao último minuto. Afinal não somos completamente desprovidos de humor. Só não entende estas trivialidades do futebol quem se refugia na comédia de ser intelectual. Convenhamos que o work ego, assim desenvolvido, deve ser fantástico. Mas não passam de um desmancha-prazeres. Caso para dizer: "Os zelantes têm vistas curtas, só pensam em curar. E se isso não convém à pessoa?"

Dos nossos jogadores, todos infinitamente belos e garbosos, assinaram a excepcionalidade os dois Ricardos (excelente luvada, Ricardo, aos críticos com pronúncia do Norte) e Maniche. Ah! E o golaço de Rui Costa, o tal velhinho que emociona os críticos de bancada, não pode ser esquecido. Nem esse poema-penalty marcado por Hélder Postiga. C'est futebol!

quinta-feira, 24 de junho de 2004


Euro 2004: Vamos a Provas

Minhas senhoras meus senhores vamos alaparmos nos sofás e cadeirais vamos a provas não tenham tremuras a noite é nossa venham ver o Figo e seus Figões as mãos na baliza as cabeças na bola vede como a Inglaterra é apenas traje e cerveja venham mirar os nossos que a velha arca lusa ainda tem préstimo cada um em seu posto minhas senhoras e meus senhores no mercy eis o segredo

Terras do Nunca: Um ano e outros mais

Comemora amanhã o seu primeiríssimo aniversário, segundo reza o calendário de parede, o Terras do Nunca. «E as coisas? Como vão as coisas??, dizia no seu primeiro post. Vão bem, asseguramos nós, ainda que "malparadas". É que esta "guerra é muito bera para os dentes", como confirma Boris Vian e nós assinamos por baixo. Com calma, a razão e o resto virão depois. Até lá ... feliz aniversário.


Correios de Portugal: a Vergonha

Não sabemos se teremos de regressar aos cavalos persas, às velhas carroças lusas ou mesmo a pombos, para restituir o bom-nome aos Correios de Portugal. A ideia parece ser atraente e só Carlos Horta e Costa, a debater-se nesta tragédia da inabilidade lusa, não entende.

Expliquemos: hoje uma simples carta ou postal, demora dias a espinotear-se na nossa caixa de correio. Um livro, semanas a fio. A descarada propaganda de Horta e Costa sobre a qualidade do serviço dos CTT é a maior das grosserias. É uma monomania tipicamente portuguesa o alinhavar sugestivos e inspirados atestados de maioridade ao seu desempenho. A imaginação não tem limites.
A desgraça, porém, é nossa. Ontem (dia 23), recebemos o livro-catálogo do Leilão da Livraria do Calhariz que, pelo que sabemos, foi enviado de Lisboa no dia 8 do corrente mês. Apenas demorou 15 dias a chegar-nos às mãos. Só que o leilão tinha-se realizado no dia anterior. Pelo que entendemos depois, parecem ser normais estes atrasos. E a tendência é para aumentarem.

Perceberam? A única Instituição que ao longo de anos a fio tinha um serviço exemplar, acabou. A balbúrdia da incompetência da sua administração, a demanda intransigente da Mercearia Ferreira Leite e a merenda Barrosista, liquidaram de vez os CTT. Que nos resta mais?

quarta-feira, 23 de junho de 2004

Nós somos ...

"... Nós somos os homens de amanhã
vindos do silêncio
que se refugia atrás do silêncio ...
Nós somos os homens de amanhã ...
E connosco voltam as estrelas!...
" [Tomaz Kim]

Festa do solstício ... muito luxamente

Sob a égide do solstício a equipa do Causa Nossa fez, certamente, festa de arromba que a solenidade anunciava e a liturgia obrigava. O ritual da fertilidade da blogosfera lusa, nesta festa Junina de celebração dos antigos mysterios, prometia proporcionar farta colheita futura.
Ora, é sabido que tais festividades estão associados, por efeitos telúricos, à necessária fogueira, exigindo-se danças de circunstâncias e círculos mágicos para afastar as trevas, bem como o imprescindível banquete ou ágape (Não fazemos referência ao trabalho alquímico de recolha de orvalho, que nesta altura do ano termina, dado que a vida húmida não deve ser exposta aos profanos). Porém, quase a dar as seis badaladas ainda nada se soube das ocorrências festivas, nem quais as fadas e os elfos presentes. O que está mal. Afinal importa cumprir a etiqueta, mesmo que as práticas sejam discretas. Estamos desassossegados, já se vê. Não se faz!

Boletim Bibliográfico 20 de Luís Burnay

Acaba de sair o Boletim Bibliográfico do Livreiro-Antiquário Luís P. Burnay (Calçada do Combro, 43-47, Lisboa), com obras importantes, da Monografia aos Descobrimentos, dos Periódicos à Genealogia, História, Literatura.

Algumas referências: Álbum das Glorias (ed. fac-similada), desenhos de Rafael Bordalo Pinheiro, 1969 / A linguagem dos pescadores da Ericeira, por Joana Lopes Alves, 1969 / A Maçonaria em Portugal, por Argus (de teor anti-maçonico) / O Bardo. Jornal de poesias inéditas (nº 1 a nº 12), 1852-55, 12 vols, (raro) / O Encoberto, de Sampaio Bruno, 1904 / Imagens e Cristo em Portugal, por Correia de Campos / Os Assassinos da Beira, por Joaquim Martins de Carvalho (2ª ed.), 1922 / Maria! Não me mates, que sou tua mãe! ..., de Camilo Castello Branco (reed. Casa Ventura Abrantes, 1924, tir. 500 expls) / O Bico de Gaz, por C. C. Branco (fac-simile da 1ª ed.), 1931 / O Caleche, por C. C. Branco, Casa Ventura, s.d. (tir. De 150 expls) / A Ribeira de Lisboa. Descrição histórica da margem do Tejo desde a Madre de Deus até Santos-o-velho, de Júlio Castilho, 1940-43, V vols / Os Crimes da Formiga Branca ..., edição de J. Rocha Júnior, nº 1 a nº 5, 1914-15, V nums (raro)/ Património artístico do Concelho de Évora, por Túlio Espanca, 1957 / O Mistério dos Painéis, de António Belard da Fonseca, 1957-59, III vols / Inventário Artístico de Portugal (Cidade de Coimbra, Distrito de Coimbra, Distrito de Leiria, Distrito de Santarém, Distrito de Aveiro) (imp. e valioso) / Anais do Município da Horta (Historia da Ilha do Faial), por Marcelino Lima, 1943 (raro) / Manual das Doenças Mentais, de Júlio de Matos, 1884 (raro) / Nós Portugueses Somos Castos, de Pedro Homem de Mello, 1967 / Monumentos e Edifícios do Distrito de Lisboa, 1962-2000, V vols em 9 tomos / As Estradas de Portugal, por Raul Proença, Porto, VIII opusc. / Relatórios e Projectos Maçónicos 1908 apresentados ao GOLU + A Grande Secretaria Geral da Ordem. Relatório apres. Ao Sap. Gram-Mestre pelo Ir., Coimbra, 1906 + Circular nº 84 sobre a Organização dos Serviços Estatísticos enviada a todas as Lojas e Triângulos de Obediência pelo ..., Lisboa, 1908 / Regulamento provisional para o novo estabelecimento do Correio, Lisboa, 1799 (1º reg. de transf. da adm. Priv. Para o Estado) (raro) / Relatório apresentado ao Exmo Snrº Governador Civil do Porto pela ... encarregada das visitas aos estabelecimentos industriais, 1881 (c/ as principais fábricas e industrias da época) / Ritual do Grau de Aprendiz, Ed. do Grémio Luso Escocês, 1915 / Memorias Astrológicas de Camões, por Mário Saa, , 1940 / Tomar e a sua Judiaria, de J.M. dos Santos Simões, 1943 (raro) / Archivo Pitoresco, Ano I a Ano XI (1857-1868), 11 vols


[Via Letteri Café]

"El cansancio de la vieja Europa" - George Steiner

"... Nuestros estudiantes se van a Estados Unidos a ganarse la vida. Pero no todo es cuestión de dinero. Al otro lado del Atlántico se respira una esperanza, una energía que sólo encontramos ya en dos países europeos: España e Irlanda. En Dublín, donde el 50 por ciento de los habitantes tiene menos de 25 años, hay una auténtica explosión de energía que afecta a la literatura, a la creación teatral. España vive el gran milagro de la lengua española, que vuelve de América Latina como un boomerang. América Latina es hoy tierra de grandes escritores, poetas y novelistas que refuerzan la sensibilidad española con una especie de inyección de vigor y alegría. (...)
El problema es la irremediable decadencia de Europa, decadencia debida a la fatiga, a una fatiga enorme. Acabo de regresar de Alemania, donde me han concedido un premio. En todas las casas hay una placa que recuerda: "Tal día de 1944 o 1945 aquí murió...". Hay una palabra alemana de la época de Kafka, interesante y difícil de traducir, que más o menos significa estar cansado del mundo. Es un absurdo que, sin embargo, puede tener un significado psicológico muy grave, como si hubiese habido un exceso de Historia (...)
He vivido un tiempo en Princeton y luego en Cambridge. He pasado toda mi vida entre los príncipes de la ciencia, así como me hubiese gustado vivir en Florencia entre los pintores del Quattrocento. Desgraciadamente, nos hemos vuelto tan perezosos... Novelistas como Musil, Thomas Mann o Proust todavía trataban de entender, de encontrar la metáfora, esa metáfora que es siempre traducción entre diferentes esferas. Pero hoy, cuando vemos en qué estado se encuentra la novela, esa novela que debería ser nuestro instrumento de debate y de percepción, la metáfora puente entre mundos y saberes, en fin, no necesitarán que les diga dónde nos encontramos... Recuerdo una expresión francesa intraducible al inglés o al alemán: "Señor mío, eso es sólo literatura". Es una expresión que me obsesiona. Hoy, por desgracia, la "literatura" ha ganado terreno. (...)
Cuando su joven amigo Gustav Janouch, casi histérico de angustia, le pregunta: "Pero, Franz , ¿es que no hay esperanza?", Kafka responde: "Sí, y en abundancia, pero no para nosotros". Esto resume la pregunta que ustedes hacen. Yo no soy psicólogo ni historiador, y mucho menos sociólogo. Pero si intentamos entender la fenomenología del sufrimiento en nuestra Historia, tal vez nos preguntemos por qué las ideas más hermosas desembocan en el horror. (...) [La Nation, 20/06/2004]

terça-feira, 22 de junho de 2004

Parabéns

Estão a comemorar o primeiro aniversário o Avatares de Desejo e o Tempo Dual. Daqui, do pinhal do Rei com mar ao fundo, lhes envio um grande abraço e felicitações.

A descoberta de ... José Lamego

A estreia de José Lamego como putativo pretendente à liderança do PS obteve os maiores encómios na blogosfera lusa. Quem acompanhou as olheiras pisadas e o esforço piegas da rapaziada do Acidental ou a bondade da análise de PG sobre o crepitar acarinhado da candidatura de Lamego, decerto confidenciou que os inquietos ensaios à volta do reboliço que antevêem no PS é uma trovoada num copo de água. Mas nunca fiando. Bem entendido, a pretensão exibitiva que se lê não esconde a intencionalidade e o vigor emotivo de quem as profere. A choradeira não é inocente, mesmo que a lebre corra já.

Deixando de lado a erudição milagrosa do prof. Rato, às voltas com o "pesadelo" Lamego, a sempre eterna tese da conquista do eleitorado do centro e os amores acidentais por Guterres (tomados como frutos absolutamente espinhosos), tenha-se em conta a observação de PG, cuja elegância arquitectónica é de destacar. Passe a afirmação forçada de responsabilidade e moderação (?), presente na linha politica supostamente assumida por Lamego e que ninguém entende o que seja, nem que grupo afinal representa, o que resta nesta descoberta do efeito José Lamego é muito pouco deslumbrante. E mesmo que o desfilar da personagem Sócrates (supõe-se que João Soares é pouco sugestivo) tenha uma nota bastante colorida, a trapalhada aparente que esse cenário sugere, mesmo que a "procissão" ainda vá no adro, é evidente.

Assim, nunca nos é mencionado por que motivo se terá de apostar no caminho do centro-direita, a não ser que se encare este governo como de direita/extrema-direita, o que não deixa de ser irónico; não é tido em conta o espírito da última votação eleitoral dos portugueses e a suposta "virada" à esquerda, pelo que se admite que, num cenário de crise económica e social como hoje se vive, esse voto de protesto não têm qualquer consequência e, deste modo o eleitorado mantêm-se inamovível no centro direita (daí um Lamego triunfador); Sócrates é tomado como uma figura que se situa à direita no espaço socialista, o que convenhamos é um enorme absurdo (refira-se que a costela social-democrata de Sócrates existe, de facto, mas o que o separa das águas laranjas é, hoje, quase tudo); não é tido em conta a prestação e o desaire pessoal de José Lamego como candidato à C. de Cascais (salvo erro) nem as ocorrências em torno da sua candidatura; nem sequer é ponderada a desmesurada vitória eleitoral de Ferro Rodrigues, em circunstâncias absolutamente inacreditáveis e o efeito que lhe proporciona. Por último é suposto que a aliança governativa está no melhor dos mundos e que, mesmo que algo mude, não terá qualquer interferência nessa configuração da tomada da liderança do PS. Parece, pois, uma análise pouco consistente e estimulante. Mas compreende-se. Afinal o direito de presumir não é, nunca, inteiramente inocente. Diga-se!

Uma manhã amena a caminho de S. Pedro de Moel

"... Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
" [Afonso Lopes Vieira]

"... O Pinhal de Leiria que nasceu do mar, para o mar nos levaria quebrando a lenda do Mar Tenebroso, fazendo-nos antes acreditar que o mar seria estrada líquida imensa, unindo os povos em interessantes coordenados e lucrativos ..."

[Arala Pinto, "Surpresas e ensinamentos colhidos no Pinhal de Leiria", 1948]



Livros & Arrumações

- Com o título "D. Carlos de Bragança e a Sua Arte" (1964), José Dias Sanches da Real Academia Galega, ensaia uma biografia sobre D. Carlos pintor e aguarelista, estabelecendo um retrato precioso do Rei e dos artistas do seu tempo. Alguns dados curiosos: "No séquito que acompanhara aquele Rei [trata-se de D. Fernando, que casou com D. Maria II] ... viera da Alemanha para Portugal Wenceslau Cifka, com o cargo de caçador da Casa Real, ao serviço do Rei. Cifka era exímio conhecedor de obras de arte, e possuía vasta cultura. Em breve, travou convívio com alguns dos nossos principais artistas ... os gabinetes de trabalho daquele Rei, passaram a ser então, o ponto de reunião das pessoas mais cultas do nosso meio"; é referido o papel crucial do espanhol Henrique Casanova, "exímio desenhador especialista em aguarela", para a aprendizagem e o entusiasmo de D. Carlos pela pintura e arte.

- O anarquista Edo Metzner publica uma sátira a D. Carlos ("No Agonisar da Monarchia", 1906), onde em nota final diz: "... O vexame da chacota é um cautério bastante corrosivo e dissolvente. As chagas putrefactas não resistem à sua acção benéfica e nihilista. Escrevi uma satyra revolucionaria e responsabilizo-me pelo que escrevi. Insultei o Sr. D. Carlos de Bragança; não espero o seu indulto..."

- Rara biografia de Pedro Fernando Tomás (irmão do bibliófilo Aníbal Fernandes Tomás), "professor, escritor e jornalista de raro merecimento", datada de 1927, publicada como separata do "Boletim dos Professores do Ensino Industrial e Comercial" e mandada executar por Eloy do Amaral, antigo professor e secretario da Escola Industrial Bernardino Machado, da Figueira da Foz, "como homenagem de respeito e saudade, prestada ao seu querido Director...". Com uma fotografia de Pedro Fernandes Tomás.