quinta-feira, 18 de dezembro de 2003

ROBERT BRESSON [1901-1999]



Morre a 18 de Dezembro de 1999

"Filmar é compreender, mas compreender não no sentido de explicar ... No sentido de amar, de provar" [RB]

"La cinématographie est une écriture en mouvement avec des images et des sons. Si l'on tient à trouver une analogie, il faut chercher du côté de la musique et non du côté de la peinture car on aboutirait à la carte postale." [RB, in Le Figaro - 6 Mai 1983]


Locais: Robert Bresson / Robert Bresson / Robert Bresson 1901-1999 / Filmography / Robert Bresson: Depth Behind Simplicity / El cine Robert Bresson, una escritura de pies a cabeza

"LAICIDADE" E "FÁBRICA DE VÉUS"





"O corpo desenha o espaço como a água desenha o vaso" [El-Hakim]

A posta de André Belo, pelos considerandos aí referidos, sobre o comprometimento do Estado na defesa da laicidade da Escola, sugere curtas anotações, a saber:

- é possível que a noção de "laicidade", lugar central no discurso mass-mediático francês, seja objecto cientificamente re-analisável, no seguimento do que Edgar Morin assume pelo aparente contraditório entre "laicidade", "doutrinarismo" e "democracia". É, porém, razoável que no termo "laicidade" se encontre lugar para uma pratica contra o totalitarismo, o dogmatismo ou o monopolitismo da verdade. Como conciliar, tudo isso, no território e cultura escolar, aberto e plural, eis a questão que André Belo questiona.

- o espaço escolar é atravessado, sabe-se, por processos sociais, políticos e simbólicos que se ramificam no campo discursivo do poder. Isto é, a Escola é encruzilhada de diferentes discursos verbais e não verbais, "mercado" alucinante de signos-mercadorias, afloração de saberes, ambiente de aprendizagem activa, lugar de escolha e clarificação de valores e comportamentos, espaço privilegiado da produção e reprodução social. Estamos disso crentes. Assim entendida, sabemos que a Escola se estrutura a partir de regras formais (além de outras), dando lugar a um "locus de reprodução e produção normativa", consubstanciada numa cultura de identidade assente em realidades não homogéneas (evidentemente), mesmo que a dissidência seja esse espaço de cumplicidade ou percurso de todos os afectos e seduções.

- o espírito da "laicidade" pretende, a partir de um conjunto de regras comuns mínimas, estabelecer um espaço "conversável" no tecido escolar, afinal garantia de liberdade, e portanto, um espaço "protegido" pelo Estado, para além do direito à diferença que na esfera privada se reconhece. Não se trata de dar lugar a um qualquer guetto, mas tão só assumir que a "laicidade" contribui para a nossa liberdade, até pelo sentido que, se se permitisse que as regras fossem estabelecidas pelo diversos clientes escolares porquê então a aprendizagem? Que lugar do pedagógico como "trabalho" de compreensão e aceitação da diversidade e do multiculturalismo?

quarta-feira, 17 de dezembro de 2003

PARACELSO [1493-1541]


 
Paracelso [1493 - 1541]

Nasce em Einsiedeln (Suiça), a 17 de Dezembro de 1493

"Embora a historia conhecida da filosofia hermética remonte aos primeiros séculos da era cristã, cabendo à tradição mágica, gnóstica e alquímica um papel de relevo (...) pode dizer-se que a historia da medicina hermética se desenvolve sobretudo a partir de Paracelso e dos inúmeros paracelsistas que proliferaram na Europa do seculo XVI e XVII. Ao contrário do que se possa julgar, em Portugal não se vivia alheado destas novas correntes.

Já a Pedro Hispano, o Papa João XXI são atribuídos inúmeros tratados herméticos, entre eles o Tractatus mirabilis aquarum ... onde se descreve a agua de vida, o elixir dos alquimistas [A Maria Helena Rocha Vieira se deve o estudo da obra medica de Pedro Hispano ...]. E na «Rellação» da livraria de Frei Vicente Nogueira (1586-1654), confiscada pela Inquisição, descobrem-se, entre muitos tratados as obras de Paracelso, o que demonstra a sua circulação entre nós (...)

A alquimia oferece um corpo doutrinal específico, que não pode deixar de ser do agrado do homem renascentista. Nascida, como diz Festugière, da pratica egípcia da ourivesaria e da filosofia grega de Platão, misturada com sonhos e visões místicas, revelam-se nela três fases sucessivas: alquimia como arte, alquimia como filosofia, alquimia como religião ..."

[Yvettte K. Centeno, in "Madeira Arraes e o Vitríolo dos Filósofos", prefácio-apresentação de "Tratado dos Óleos de Enxofre, Vitríolo, Philosophorum, Alecrim, Salva, e da Água Ardente" de Duarte Madeira Arraes, Edições Salamandra, 1993]

Locais: Biografie di alchimisti / A Rosa de Paracelso (Jorge Luis Borges) / Paracelso - Sabedoria, Presunção e Misticismo / O Movimento Rosacruciano No Tempo de Damião de Góis / O discurso alquímico: um imanentismo transcendente? (José Augusto Mourão) / Subsídio para o Catálogo da Tratadística Antiga ... (Manuel Gandra) / Alquimia em Portugal (Manuel Gandra) / V Colóquio Internacional "Discursos e Praticas Alquímicas"

domingo, 14 de dezembro de 2003

«MORAIS SARMENTO, C'EST MOI»



"Além de ministro já ninguém quer ir
Aquém de ministro já ninguém quer estar.
" [Pedro Oom]

Esta semana, o extraordinário Morais Sarmento deu um colossal uppercut no Código Cooperativo, maltratando vários artigos e, num assomo de cérebro em fogo, teve tempo de aplicar um golpe de olhos fechados (apoiado majority draw pela governação) à Fundação Espírito Santo, Fundação Calouste Gulbenkian e à Fundação de Serralves.

Pelo caminho ficaram estendidas várias outras Fundações invocadas no combate de retórica politica, pareceres do Instituto Cooperativo António Sérgio e da CNAVES. Sendo certo que o swing do Ministro não é de desprezar na chicana técnica-jurídica, acontece que, fora o Professor Marcelo (esta noite falará na TVI sobre o facto politico: «Aconteceu-me uma Fundação»), meia dúzia de taxistas de Lisboa, um sabido comentador de futebol, a minha funcionária a dias e os amigos do Bloco Central, todos num shadow boxing a celebrar o sapiência de experiência feita e iluminada de Morais Sarmento, na restante populaça ilustrada o mutismo foi total, exemplar. Contrariamente, pois, aos que prescrevem melhor protagonismo explicativo das politicas governativas, bastou alguém aparecer - braço dado com antigos inquilinos do Bloco Central - dizendo: «Morais Sarmento c’est moi», para todos meterem uma resma de Códigos "entre as pernas" e velozmente partirem (Ferro Rodrigues deu o Amem) para outro peditório político. Estamos conversados.

ASSOCIAÇÕES DE COIMBRA (X)


Associações de Coimbra (X)

Loja Maçónica Cartista (1837) - O Conimbricense refere que "Quinta de Revelles, que pertencera ao Mosteiro de Santa Cruz foi estabelecida no ano de 1837 a Loja Maçónica Cartista", cujo Venerável era o dr. Vicente Ferrer Netto Paiva, tendo permanecido nesse local até 1939. Passaram a fazer as reuniões no Colégio dos Militares, onde antes funcionava a Loja Urbonia. Tinha três entradas, a porta principal, a de um beco próximo e a que "faz frente para o Colégio de S. Bento". Esta última, era a preferida, dado não terem vizinhos. Parece que numa ocasião, quando José da Silva Carvalho veio a Coimbra presidiu a uma reunião. De outro modo, foi nesta Loja iniciado o académico e oficial da Secretaria do Reino, José Joaquim Coelho de Campos. Passou a Loja, do Colégio dos Militares para o Arco de Almedina em Julho de 1840. "Abateu colunas" em 1841, mas posteriormente, quando o partido Cartista subiu ao poder, o Governador Civil Lopes Branco, alguns dos seus elementos fundaram a Loja Maçónica Restauração nº 27. [in, Conimbricense, 1905]

Sociedade de Theatro da Rua do Corpo de Deus (1838) [ibidem]

Loja Audácia (1938) – "De 1838 a 1839 deu-se princípio em uma casa da Rua da Alegria a uma Loja, que tomou o nome de Audácia". Em 1840 mudou-se para a extremidade da Rua da Sofia, para o Colégio de S. Pedro, mais conhecido por Colégio das Borras, onde então morava o sr. João António Marques do Amaral Guerra. Regularizou-se a Loja debaixo dos auspícios do Gr. Or. Lusitano, de que era Gr. M. o Barão de Vila Nova de Foscôa.

No ano de 1843, o Gr. Or. Lusitano tinha debaixo da sua direcção: Loja Rectidão, Amizade, Amor da Pátria, Vigilância, Desterro (todas em Lisboa); Loja Audácia (em Coimbra); Loja Decisão (Faro); Loja 3 de Julho (Portalegre); Loja 21 de Julho (Elvas); Loja Lealdade (em Goa); Loja Luz Africana (em Luanda). Funcionou a Loja Audácia em Coimbra, até Março de 1844. [ibidem]

Nova Academia Dramática (1838) [ibidem]

Companhia Exploradora das Pedras Litographicas em Coimbra (1839) – "O académico José Victorino Damásio, 4º ano de Filosofia, fundou uma colecção de minerais unicamente para se exercitar na prática das regras de classificação" [ibidem]

Instituto Dramático da Nova Academia Dramática de Coimbra (1839) [ibidem]

TEIXEIRA DE PASCOAES [1877-1952]


Morre a 14 de Dezembro de 1852

"Pois tudo, tudo há-de passar, enfim,
O homem, o próprio mundo passará,
Mas a Saudade é irmã da Eternidade
"

[TP, in Marânus]


"... a Saudade é (...) o amor carnal espiritualizado pela Dor ou o amor espiritual materializado pelo Desejo; é o casamento do Beijo com a Lágrima; é Vénus e a Virgem Maria numa só Mulher. É a síntese do Céu e da Terra; o ponto onde todas as forças cósmicas se cruzam; o centro do Universo: a alma da Natureza dentro da alma humana e a alma do homem dentro da alma da Natureza.

A Saudade é a personalidade eterna da nossa raça; a fisionomia característica, o corpo original com que ela há-de aparecer entre os outros Povos (...) A Saudade é a manhã de nevoeiro; a Primavera perpetua «a leda e triste madrugada» do soneto de Camões. É um estado de alma latente que amanhã será Consciência e Civilização Lusitana ..." [TP in Revista Águia, vol. I, 2ª série, Fev. 1912]

sábado, 13 de dezembro de 2003

JOÃO CÉSAR MONTEIRO


 
"Andar no cinema para ser contaminado por gravíssimos defeitos de carácter não é coisa que se faça a um velho católico e apostólico romano. Não acredito que se possam fazer bons filmes em pecado mortal e, por isso, espanta-me que a cólera do Senhor não se tenha ainda abatido sobre mim. É certo que o Senhor conhece a extrema pobreza em que vivo e, não obstante os caminhos da perdição seram infinitos, tem-me guiado certeiramente no exercício da minha arte."

[J. César Monteiro - in Morituri Te Salutant] [in Bibliomanias]

Homenagem d'A Atalanta Filmes a César Monteiro, "com exibição de todas as suas longas-metragens em Lisboa, no Cinema King, de 12 de Dezembro a 1 de Janeiro, e no Porto, no Cinema Nun'Álvares, de 2 a 8 de Janeiro". A não perder

GONZALO ROJAS


 
Gonzalo Rojas - Prémio Cervantes 2003

Gonzalo Rojas nasceu em Lebu (Chile) a 20 de Dezembro de 1917. Obteve este ano o Prémio Cervantes, instituído pelo Ministério da Cultura de Espanha, que antes tinha distinguido Jorge Guillén, Cabrera Infante, Camilo José Cela, Vargas Llosa, entre outros. Gonzalo Rojas frequentou direito e pedagogia, trabalhou como alfabetizador nas minas de Atacama, licenciado em Filologia Clássica, fez parte da Geração de 38, do grupo surrealista Mandrágora entre 1938-1941 (grupo fundado por Braulio Arenas, Teófilo Cid e Enrique Gómez Correa), é chefe da redacção da Revista Antártica (Santiago), foi professor de Teoria e Estética Literária na Universidade de Concepción - de onde foi exonerado, tendo no seguimento do golpe de Pinochet (em 1973, encontrava-se como embaixador em Havana) partido para o exílio, na Alemanha e Venezuela (trabalha na Universidade Simón Bolívar), regressando ao Chile em 1979, assumindo em 1991, de novo, a cátedra da mesma Universidade -, recebeu inúmeros prémios e distinções, entre as quais o Prémio Rainha Sofia (1992), Prémio Nacional de Cultura Chileno (1992), Premio Walt Whitman, Prémio Octavio Paz de Poesía e Ensaio (1998).

"Eléctricas, desnudas en el mármol ardiente que pasa de la piel a los vestidos,
turgentes, desafiantes, rápida marea,
pisan el mundo, pisan la estrella de la suerte con sus finos tacones
y germinan, germinan como plantas silvestres en la calle,
y echan su aroma duro verdemente
" [Gonzalo Rojas]


Obras
Locais: Biografia / Gonzalo Rojas / Gonzalo Rojas: letras no relâmpago / Gonzalo Rojas: una poética de restauración / El Oscuro y El Alumbrado / Cartas poéticas de Gonzalo Rojas

ASSOCIAÇÕES DE COIMBRA (IX)


Sociedade do Theatro de S. Boaventura (1836) - O Conimbricense refere a sua existência no antigo refeitório do Colégio de S. Boaventura, na Sofia [in, Conimbricense, 1905]

Academia Dramática (1836) - Teve lugar, com a chegada a Coimbra de uma companhia de ginástica (dirigida por Mr. Henriot), a construção de um teatro no refeitório do extinto Mosteiro de Santa Cruz, "onde esta agora a Associação de Artistas" [ibidem]

República do Carmo (1837) - Eis como era designado um grupo de estudantes que residiam no Colégio do Carmo, Rua da Sofia, que se tornaram conhecidos pela sua perversidades, com inúmeros espancamentos e, mesmo, mortes que a eles foram assacados. Consta que eram demasiado temidos, sendo referido a história seguinte: quando passavam pelo Quartel da Graça, onde ficava o Batalhão de Caçadores 3, e a sentinela lhes perguntava, «quem está aí?», invariavelmente respondiam: «A República do Carmo». E logo a sentinela os deixava passar. [ibidem]

Associação ou Companhia para o Fornecimento publico de pão e carne em Coimbra (1837) - Foi apresentada a proposta por José António Rodrigues Trovão. [ibidem]

quinta-feira, 11 de dezembro de 2003

QUEM NOS ROUBOU A ALMA?



[Quem nos roubou a alma?]

"Quem nos roubou a alma? Que bruxedo
De que magia incógnita e suprema
Nos enche as almas de dolência e medo
Nesta hora inútil, apagada e extrema?"

[Fernando Pessoa]

O NOSSO DESASSOSSEGO



"/ Tudo interstícios, / Tudo aproximações, / Tudo função do irregular e do absurdo, / Tudo nada. / É por isso que estou tonto ..." [Fernando Pessoa]

"Leve o diabo a vida, e a gente a tê-la" [Álvaro de Campos]

É muito possível que as coisas devam ser, sempre, assim. Que nos dias-ligados-a-dias sem dormir nocturno tudo se reduza, afinal, a este imenso cansaço, virtudes déspotas, mal-estar revolto, desassossego, agitação sem graça, venalidades, tudo numa intensa agitação em desvairadas linguagens, que nos desagua porta dentro, pateticamente.

A televisão, esse electrodoméstico, é a nossa desvelada fresta do mundo. Todos os dias nos lembra o dizer de Bernardo Soares: "não sei que sentido tem esta viagem que fui forçado a fazer, entre uma noite e outra noite, na companhia do universo inteiro”". Porém, somos espantosamente reincidentes.

Ficamos confundidos nessa mágica Barrosista, do trânsito da cooperativa Universidade Lusíada a fundação austera e de prometida estimação, que afinal é, unicamente, um genuíno desvario natalício oferecido aos seus amigos; temos brutais pensamentos quanto ao fado desse invulgar gestor Tavares Moreira, sem-abrigo em conselhos de administração durante sete anos, mas coagido a ser porta-voz e fechadura governamental, a contra-gosto; guardamos rancor aos defensores desse putativo candidato à agregação, que no acto recolheu bolas negras suficientes para lhe barrar o acesso à carreira docente e a uma vida decente, pois o receituário legislatório académico, evidentemente democrático, não atende tarefas de alegação e justificação de posições tomadas, que os lentes ainda por cá andam; suspiramos quando ouvimos a dança da economia, essa deusa das lamentações ou muro da Ferreira Leite, aonde todos os folgazões neocon, em engraxados défices, marcam o ritmo de tanto a moer, mas que os números (oh! sopro maldito) contradizem em pancadas surdas todos os trimestres; esfregamos as manápulas, gulosamente marialvas, quando Portas o Grão-Vizir confessa que bateu politicamente na Cruz Vermelha Soarista, que é bom desencorajar as artistas sagradas, enquanto examinamos com volúpia, de soslaio, as nossas patroas na cozinha.

Decididamente, não somos sonhadores, porque verdadeiramente o " sonhador é que é o homem de acção" [Bernardo Soares]. Nós, decididamente, mortos.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2003

PIERRE LOUYS [1870-1925]



Pierre Louÿs [1870-1925]

Nasce em Paris, a 10 de Dezembro de 1870

"Pierre Louys é um misto de erotismo - de um erudito à margem e em conflito com a Universidade -, consagrando aturados trabalhos de investigação a «loucos literários» como Restif de la Bretonne, e de aventureiro da vasta sensação erótica que o não há-de deixar senão na morte. De famílias com pergaminho (...) é um finíssimo prosador e poeta que procurou, como ele próprio se definirá a propósito das suas perturbantes Canções de Bilitis, «por a viver de novo a Antiguidade».
Louys mostrou-se de facto um helenista espontâneo no cultivo do amor. No prefácio ao seu livro Afrodite, interroga ele: «... como se explica que, através da derrocada das ideias antigas, a grande sensualidade grega nimbe, como um raio de luz, as frontes mais elevadas? / É porque a sensualidade é a condição misteriosa, mas necessária e criadora, do desenvolvimento intelectual. / Aqueles que nunca sentiram até ao seu limite, para as amar ou para as maldizer, as exigências da carne, são por isso mesmo incapazes de compreender, em toda a sua extensão, as exigências do espírito ...»"

[Júlio Henriques, Pierre Louys, Obra Negra, in Manual de Civilidade para Meninas, de Pierre Louys, Fenda, 1988]

Conselhos a Um Amante

"Se quiseres que uma mulher te ame, ó meu jovem amigo, seja ela quem for, que a queres nunca lhe digas; faz porém com que todos os dias ela repare em ti, e depois desaparece, para voltares mais tarde.
Se ela te falar, sê apaixonado sem desvelo. Por si mesma a ti há-de chegar. Hás-de saber então tomá-la à força, no dia em que entender oferecer-se-te.
Quando em teu leito por fim a receberes, descura então o teu próprio prazer. As mãos duma mulher apaixonada são trémulas e sem carícias. Exime-as de serem diligentes.
Tu, porem, não te repouses. Prolonga os beijos até ao fim do fôlego. Não a deixes dormir, ainda que to rogue. E beija sempre a parte do seu corpo onde os seus olhos poisam.

[Pierre Louys - Conselhos a Um Amante, in As Canções de Bilitis, Fora do Texto, 1990]

terça-feira, 9 de dezembro de 2003

ALMEIDA GARRETT [1799-1854]




Morre a 9 de Dezembro de 1854

"Saudade! Gosto amargo de infelizes,
Delicioso pungir de acerbo espinho,
Que me estás repassando o intimo peito
Com dor que os seios d'alma dilacera,
- Mas dor que tem prazeres - Saudade
!"

[Nota da 2ª edição] " - Saudade, palavra, cuido que vem, por derivação obliqua, do latino solitudo. Obliqua digo, porque direitamente derivaram os nossos de solitudo, solidão, soidão, e depois soledade, soidade, finalmente saudade. De modo que, por esta síntese (ou pela analise que é obvia) se vem entender claramente que o verdadeiro sentido da saudade é - os sentimentos ou pensamentos da soledade ou solidão ou soidão; o desejo melancólico do que se acha na solidão, ausente, isolada de objectos porque suspira, amigos, amante, pais, filhos, etc - E tanto por saudade se deve entender este desejo de ausente e solitário, que os latinos, à mingua de mais próprio termo, o expressavam pelo seu desiderium:

Qui desiderio sit pudor aut modus
Tam chari capitis
?"

[Almeida Garrett, in Camões, 1824, aliás 9ª ed., 1904]

ASSOCIAÇÕES DE COIMBRA (VIII)


Sociedade do Theatro da Boavista (1829) - O Conimbricense diz, que "durante o governo de D. Miguel, houve representações na Quinta da Boavista, nos subúrbios da cidade, pertencente ao Sr. Manoel Barata de Lima Tovar". [in, Conimbricense, 1905]

Loja Maçónica Urbionia (1834) - Conta-se que depois da entrada do exército liberal em Coimbra (8 de Maio de 1834), o sub-prefeito da cidade foi José Narciso de Almeida e Amaral, sendo seu secretário D. João Corrêa de Portugal e Silveira, que frequentava o 4º ano de Leis. A secretaria foi estabelecida no Colégio dos Grilos. Ora, D. João de Portugal veio de Lisboa para Coimbra com a incumbência do Gr. Or. de fundar uma Loja. De facto, funcionou a Loja no Colégio do Carmo, Rua da Sofia, isto é numa "casa que tinha sido noviciado dos frades e que está na retaguarda do edifício junto à cerca". Foi aí que funcionou a G. Loja Prov. Urbionia, nº 100. Como curiosidade, refira-se que o venerável era D. João de Portugal (aluno do 4º ano de Leis) e um obreiro o próprio vice-reitor, dr. José Alexandre de Campos. Passou a Loja sucessivamente por vários locais, como: Colégio da Estrela; edifício velho das religiosas de Santa Clara; Colégio da Trindade; e a partir de 1836, chegaram-se a fazer reuniões da Loja nos próprios Paços da Universidade, na sala chamada do Docel, sendo venerável o vice-reitor dr. José Alexandre de Campos. [ibidem]

Sociedade do novo Theatro de Santa Cruz (1834) – Entre 1828 e 1834, a guerra civil fez cessar as representações na cidade. Depois da restauração do Governo Liberal, veio do Porto para Coimbra, em Outubro de 1834, a Companhia do actor Martins, e construiu-se um teatro nos baixos do antigo Mosteiro de Santa Cruz, junto da Igreja, lado Norte, sendo a entrada pelo adro da mesma igreja. [ibidem]

Assembleia Conimbricense (1834) – Destinada a um gabinete de leitura, a Associação Conimbricense mudou para Assembleia Conimbricense a partir de 1834, terminando em 1844 [ibidem]

Sociedade Conimbricense dos Amigos da Instrução (1834) – Tinha por fim promover a instrução na literatura, nas ciências e nas artes. [ibidem]

Sociedade de Beneficência para Asylos da Infância desvalida (1835) [ibidem]

domingo, 7 de dezembro de 2003

BLAS DE OTERO




















 
Pelas pontes de Zamora,
só e lenta, ia a minha alma.

Não pela ponte de ferro,
a de pedra é que eu amava.

Ora olhava para o céu,
ora olhava para a água.

Pelas pontes de Zamora,
lenta e só, ia a minha alma.

[Blas de Otero, in Canção]

IRMANDADE DOS SENHORES DO DÉFICE


"O leitor deve preparar-se para assistir às mais sinistras cenas" [E. Sue, in Os Mistérios de Paris, citado por Pérez-Reverte, O Clube Dumas]

Plano fixo: Sala com pouca gente. Conversam em grupos. A câmara desliza em seu redor, detendo-se nos rostos. De repente, o ruído de vozes baixa de tom, ouvem-se fortes passadas no soalho, um bater de porta metálico. A sala fica vazia. O silêncio é total. A câmara avança rapidamente e detém-se, fixando X, imóvel sob uma janela de ferro. X surge em primeiro plano, ar angustiado, olhar atento. A câmara executa um movimento de rotação. A silhueta escondida salta para o sobrado, cautelosamente, avançando na direcção de uma larga mesa. O seu movimento é regular, movendo-se com decisão. O plano recomeça, mostrando jornais, papéis misturados com fotos e mais papéis, que se encontram espalhados sobre a velha mesa. A câmara aproxima-se e faz ver: um artigo do jornal O Publico, "2006: o ano em que vamos ter de nos ver ao espelho", cravado por uma «Henry-Bowie» de nove polegadas; várias miniaturas de submarinos e aviões; um mapa do Iraque; um aceite do aumento de capital de 400 milhões de euros para a CGD; ordem de serviço - invasão Espanha. Ao lado, já amarelecido, o caderno de encargos da Portucel; um discurso de Tavares Moreira para a "Irmandade dos Senhores do Défice"; uma fotografia assinalando a vermelho o rosto de Teodora Cardoso; um par de óculos oferta do Prof. Cavaco. Acolá, um curioso opúsculo em defesa do "Incumprimento do PEC pela França, Alemanha e Holanda"; uma fotografia do Ministro da Administração Interna a sorrir a Alfredo Assunção; a "Revisão do PEC" assinado por Durão Barroso; uma foto com dedicatória de Luís Delgado. Mais além, a acta do "Endividamento da Madeira", encontro secreto das Finanças e Alberto João Jardim; um volume rasgado da "Política Orçamental e a Estabilização Económica" de Cavaco Silva; uma "Carta prudente para uma razão indolente", copiosos conselhos de Miguel Cadilhe aos crentes. Novo plano: X , inclina-se sobre a mesa, apanha uma manuseada e gasta moleskine. Depois, ouve-se uma voz off:

Voz de X: A Lei de Ferreira Leite ou a Arte de Governar, necessária a todo o género de pessoas, utilíssima aos cidadãos e aos pregadores desenganados, novamente feita e ordenada pela Ilustríssima e Reverendíssima Senhora Ferreira Leite, qualificadora da Nova Reforma, Consultora da Bula do PEC, e Pregadora do Condado Portucalensis, & etc, & etc, Ano de 2003, a Ocidente da Península Ibérica

- Os dicionários dizem ser a Política a arte de governar um estado. A confusão começa sempre por aqui.
- O poder vem de não ter. As clientelas esperam, por isso, querer é poder.
- "Aconteceu-me um ministério" - eis o que deve dizer o neófito da governação.
- O que mais importa na governação são as cunhas que se acolhem. O resto é matéria para intelectuais.
- A Ministra das Finanças, com um ataque de choro, caça défices.
- Se um Governo tem uma ponta, procure, que tem outra. Lá estará, concerteza, Tavares Moreira.
- Uma das boas coisas que há para acreditar é na existência de Carlos Tavares.
- Todas as leis, sejam medíocres, más ou piores, devem ser seguidas à risca. Na dúvida perguntar ao Marques Mendes.
- Em presença de Santana Lopes, nunca comprar abóboras meninas.
- O Ministro da Defesa, dentro de um submarino, assobia sempre a Portuguesa.
- Não se chateie se o Programa da Oposição lhe parece idiota: amanhã será pior.
- Mais vale uma Câmara na mão do que várias a protestar por cima das nossas cabeças
- Incompetência mais incompetência é igual a um Governo perfeito.
- Se houver vontade politica suficientes, o INE prova qualquer coisa.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2003


 
Rainer Maria Rilke [1875-1926]

Nasce em Praga, a 8 de Dezembro de 1875

"O tempo não é uma medida. Ser artista é não contar" [Rilke, in Introdução a «Cartas a um Poeta», Portugália, s/d]

"Só uma coisa é necessária: a solidão ... E o seu crescimento é doloroso como o das crianças e triste como a ante-primavera. Caminhar em si próprio e, durante horas, não encontrar ninguém, a isto é que é preciso chegar..." [Rilke, in Cartas a um Poeta, ibidem]

"Creio que devia começar a trabalhar, agora que aprendo a ver. Tenho vinte e oito anos, a até aqui aconteceu tanto como nada. Vamos repetir; escrevi um estudo sobre Carpaccio, que é mau; um drama chamado «Matrimónio» que quer provar, por meios equívocos, qualquer coisa falsa; e versos. Ah, mas que significam os versos, quando os escrevemos cedo! Devia-se esperar e acumular sentido e doçura durante toda a vida e se possível durante uma longa vida, e então, só no fim, talvez se pudessem escrever dez versos que fossem bons. Porque os versos não são, como as gentes pensam, sentimentos (esses têm-se cedo bastante), - são experiências." [Rilke, in Os Cadernos de Malte Laurids Brigge", Coimbra, trad. Paulo Quintela, 1955]

"[Rilke] Pobre como S. Francisco de Assis, fugia dos homens e amava os animais e as coisas - as noites estreladas e os grandes ventos do Norte, as fontes de Roma, as ruas de Paris e os jardins de Espanha. Solitário, para que o barulho ensurdecedor da voz humana o não impedisse de ouvir os maravilhosos silêncios da Natureza, o Poeta do «indizível», do «inexprimível», percorreu todos os caminhos da Europa e do Norte de Africa, - sem pátria, sem família, sem profissão ... " [Fernanda de Castro, in Introdução a «Cartas a um Poeta», Portugália, s/d]

"Descanso! Ser hospede por fim. Não ter de matar sempre a própria fome com mantença escassa. Não ter de lançar mão a tudo com gesto hostil; poder abandonar-se todo e saber: Tudo o que acontece é por bem. Também o animo precisa de estender-se uma vez por outra ao comprido e enrolar-se em si próprio nas dobras de colchas de seda. Não ser sempre soldado…" [Rilke, in "A balada do Amor e da Morte do Alferes Cristóvão Rilke", Coimbra, Trad. Paulo Quintela, 1943]

Locais: The Rainer Maria Rilke Archive / Rainer Maria Rilke (Biobliografia) / Rainer Maria Rilke / Rainer Maria Rilke / Rainer Maria Rilke (Poemas) / Cartas a um Jovem Poeta / As Elegias de Duíno / Life of a Poet

quarta-feira, 3 de dezembro de 2003

DANIEL, O REVOLUCIONÁRIO




"Quando chegam as andorinhas, nunca se deve modificar a forma de andar" [MHL, AO, CC]

Decididamente, e contrariando boatos da reacção que insistiam em dar como extinta a excelsa classe dos revolucionários, eis que através de uma posta, o grande Daniel confessa-se e mostra que está vivo os ideais da revolução. Incomodado com as manifestações pequeno-burguesas da camarada Odete, dado a sua instrumentalização pela perfídia do capital e antevendo um perigoso desvio direitista na luta de classes moderna, o camarada Daniel vilipendia não só a senhora, mas ainda tem tempo de, num desvairado reconhecimento, confessar a sua "formatação" ao longo de 80 submissos anos. Fomos às lágrimas. Na foto acima, pode testemunhar-se a vitalidade revolucionária do Grande Daniel "em plena campanha de mobilização das massas contra a reacção", enquanto suspirava por Alexandra Kollontai e Rosa Luxemburgo.

[Será conveniente referir, que não seguimos o que Barthes afirmava sobre o carácter conservador da fotografia, e que muito bem questionou o nosso Terras do Nunca, pois muito embora a imobilidade e a fixação do instante da pose exista, o que pode significar uma manifestção de conservadorismo, julgamos que o camarada Daniel jamais será manipulado pela verdade fabricada do real (Barthes dixit) que a fotografia sugere. Pois canté!]

CLUBE DE FANS DE FERREIRA LEITE

Acaba de aderir ao extraordinário Clube de Fans de Ferreira Leite, o marujo Nuno Mota Pinto. Agora sentado no cadeiral do Banco Mundial, vê a economia portuguesa com novíssimos óculos made in Ciéié. As postas colocadas pelo erudito economista de Coimbra sobre a teorética do défice fizeram sorrir a doce Faculdade e os seus clientes.  Abandonada a tese que a "economia é apenas uma narrativa", conforme lhe foi assegurado nos bancos da Dias da Silva, o novo yuppie do neo-liberalismo consegue esmifrar o Prof. Cavaco & Cia, ao enveredar pela argumentação da defesa intransigente das medidas da Mercearia Ferreira Leite, da qual é membro aderente. Esquecendo deliberadamente que a consolidação orçamental é inexistente; que o défice externo aumenta constantemente; que não há qualquer medida de politica económica digna desse nome (Carlos Tavares ...existe!?), que permita ganhos de produtividade, nem sequer modelo de desenvolvimento económico que se conheça; que as reformas para a modernização do Estado não foram feitas nem serão; que o facto de se ser contra as medidas irracionais e irresponsáveis de Ferreira Leite não significa, tout court, que não se proponha cortes na despesa pública; que o investimento no ensino e educação falhou completamente, dado a separação entre o tecido económico e as práticas curriculares do ensino actual, o que gravíssimo; que não é honesto estabelecer automatismos entre os pressupostos do controlo do défice e o famoso modelo de desenvolvimento económico que NMP jura estar aí a saltar; o nosso NMP dá-nos, deste modo, uma versão simplista da realidade económica portuguesa que terá, bem como outros, de justificar depois. E não se pede, como punição, que vá à oral, mas tão só que evite a cegueira que as novas lentes lhe provocaram.

CATÁLOGO Nº63 DA LIVRARIA BIZANTINA


Acaba de sair o Catálogo do mês de Dezembro da Livraria de Carlos Bobone (Rua da Misericórdia, nº 147, Lisboa), com algumas peças curiosas e estimadas, a preços convidativos.

Algumas referências: Versos d'Um Cavador, de Manoel Alves, 1905; A Sciencia do Operariado, por António Peixoto do Amaral, 1907; O Auxiliar de Chauffeur, Guia Completo para percorrer o Paiz com as distancias kilometricas ..., Ferin, 1922; Vida do Padre António Vieira, de P. André de Barros, 1858; Conselhos de Satanaz aos Jesuítas, por M. de Belzebut, 1846; Against the Current, por Isaiah Berlin, Oxford, 1981; Dicionário de Camilo Castelo Branco, por Alexandre Cabral, Caminho, 1988; Estudos de Direito Administrativo, Marcelo Caetano, 1974; Noticia para a Bibliografia Antheriana, Porto, 1942; Livros de D. Manuel II, de Joaquim de Carvalho, Coimbra, 1950; Terras de Montemor-o-Velho, por Augusto dos Santos Conceição, 1944; Bibliografia Sintrense, por Francisco Costa & J. Martins da Silva Marques, 1940; Manual dos Proprietários, Collecção de Regras de Direito e Noções Praticas ..., Livraria Mattos Moreira, 1879; Salazar, Rebuilder of Portugal, F. C. C. Egerton, London, 1943; Folha do Sado. Jornal, 17 nums, 1926/27; Costumes e Gente de Ílhavo, de Diniz Gomes, Anadia, 1941; O Monumento de Mafra, por Joaquim da Conceição Gomes, 1866; Vozes sem Echo, por Guerra Junqueiro, 1867; Le Livre des Splendeurs, por Éliphas Lévi, Paris, 1894; Concelho de Nelas, por José Pinto Loureiro, 1957; D. Cristobal Colom ou Syman Palha, na História e na Cabala, de Pestana Junior, 1928; Os Jesuítas e a Monita Secreta, de Francisco Rodrigues, Roma, 1912; Poemas Heróicos de Simão Vaz de Camões, de Mário Saa, 1921; Como devo Formar a Minha Biblioteca, por Albino Forjaz de Sampaio, 1938; A Questão Operária, por José de Saldanha Oliveira e Sousa, 1897; Historia do Museu Etnológico Português, de J. Leite de Vasconcelos, 1915; As Armas de Moura, por Villanova de Vasconcelos, Lisboa, 1929