terça-feira, 22 de agosto de 2006
Folheto da reentré
"Com orelhas direitas como livros amados,
eu ouvia a chegada ..." [Herberto Helder]
Depois de afagos de veraneio pendurámos a lembrança, em local decente. Nas muitas noites-ligados-a-dias sem novelas da paróquia, sem ambição de coisa alguma e em salutar "metafísica do ócio", a iluminação teria de ser total. E, na verdade, foi a nossa abastança virtuosa. A "estrita" observância a paixões deliciosas e sentimentos d'ócio peculiares, fez prolongar a visitação extraordinária, assim a modos "como gatos espapaçados ao sol" [M. Bandeira]. As instruções, os preceitos e as exortações do vate Sócrates & sua imprensa amestrada, não nos importunaram. Fomos piedosamente poupados à erudição doméstica. E, claro está, podemos dizer, humildemente ... que "cumprimos"!
Feito o devido reparo a ledores atentos e a outros mais ditosos, que bem alegres estão na cobiça do "lava-pés" algarvio ou em convivência bloguística continuada, diremos que, apesar do macio dos lábios, do coração pulsando e da mentira dos homens, não nos perdemos das correntezas da infame humanidade.
E lembrando Jorge de Lima:
"... A vida está malograda.
Creio nas mágicas de Deus.
Os galos não cantam,
A manhã não raiou.
Vi os navios irem e voltarem.
Vi os infelizes irem e voltarem.
Vi homens obesos dentro do fogo.
Vi zigue-zagues na escuridão ..."
espero que tenham uma agradável ceia e ... café gostoso. Até lá, aguçamos o teclado. Gratias!
sexta-feira, 28 de julho de 2006
Em trânsito de veraneio
Estamos por aqui, distraídos, sem quaisquer trabalhos de vida. O bloganço assim interrompido é um sossego precioso. Não há saudades. Do lado de cá do mar a noite circula, choradinha de arrufos. Não se vê ministro nem candidatos carnais ao ofício (tá descansado, ó A. Costa!). Ao longo do dia, cada vez mais rectos e espirituosos, "havemos de supliciar livros / e nas piscinas roubar velhotas". Temos braços vigorosos e a mão firme. No resto ainda temos talento & arte para a luminosa que nos tem cativa. Não há queixas à gerência, dizem-nos. Estamos de sentinela. Copacabana é um túmulo.
Pelo que se descobre nestes idos de Julho, aí na paróquia Socrática & cousa para durar nos dias estrelados do ISCTE (a velha corporação que lava melhor) ou até nos puxa-saco dos jornais, a efusão dos amigos da Ministra da Educação nessa bem-aventurança dos exames em eduquês, tem sido de choro desvalido. Mesmo anteriormente avisados, os amigos da Ministra juram que da incompetência sai sempre a linha justa, aprumada, responsável, séria. Eis a doença infantil do eduquês. E mesmo que a bagunça seja total nas Escolas, os devotos admiradores da Ministra acreditam. Coisa sublime!
Entretanto, os mesmos & os outros activistas militantes persistem numa retórica sobre o ódio e no discurso do fascínio da guerra. Em nosso nome, a palavra vazia, a loucura do presente e a barbárie, presentes no Líbano e em Israel, e que esses escribas indígenas reinventam entre a angústia do espectáculo mediático e a soberba ideológica, asseguram-nos que "o mais belo espectáculo de horror somos nós". Não têm emenda. O nosso inferno é esta insanidade da estética de guerra, é este cansaço de tanta comunicação, é esta vida ser, sempre, um eterno vídeo-game. Mas que queiram, em nosso nome, incendiar corações, instalar pesadelos, exigir caminhadas vilmente desfraldadas de um lado contra o outro ou vice-versa, não o podemos consentir. Aprendemos há muito que as noites já não são de luar e o "futuro já não é aquilo que era". E sim, ainda há olhares envergonhados em cada manhã. Os nossos.
Le bibliophile Octave Uzanne
"L'Échelle de Jacob, un éditeur de Dijon, vient d'avoir l'heureuse idée de rééditer en fac-similé Nos amis les livres d'Octave Uzanne [Nos amis les livres, Octave Uzanne, éd. L?Échelle de Jacob (29, rue Berbisey, 21000 Dijon), 318 p., 27 ?], un volume publié une première fois par la maison Quantin à Paris, en 1886, et préfacé ici par le libraire parisien Christian Galantaris.
Pour tous les collectionneurs, Uzanne (1852-1931) est «l'homme-livre par excellence», c?est-à-dire un érudit qui a passé la majeure partie de son existence à écrire des ouvrages sur l'édition, l'illustration, la reliure, la lecture, les écrivains oubliés ou méconnus, la bibliophile et, il va sans dire, les bibliophiles.
Son imposante bibliographie comporte d'ailleurs des titres qui ne sont pas du tout démodés et auxquels les érudits et les chercheurs actuels se réfèrent toujours comme Caprices d'un bibliophile (1878), La Reliure moderne artistique et fantaisiste (1887), Les Zigzags d'un curieux (1888), Physiologie des quais de Paris (1892), Contes pour bibliophiles (1894), en collaboration avec Albert Robida, ou encore La Nouvelle Bibliopolis (1897). Sans oublier L'Art et l'Idée qui date de 1892 et qui est à coup sûr une des plus belles revues jamais publiées sur le «dilettantisme littéraire» - dilettantisme au sens le plus noble du terme. Tous ces ouvrages ne sont pas vraiment rares, mais leur prix est en général fort soutenu, surtout lorsqu'on les trouve en tirage de tête et bien reliés.
[ler mais - Magazine Littéraire]
sexta-feira, 14 de julho de 2006
Panfleto
"Os poetas, esses idealistas em valores de bolsa, destruíram a sagesa do homem simples: enterraram-lhe na cabeça proletária o seu impacto educador, a sua fictícia mais-valia de palavras rimadas. Estes representantes comerciantes do reino do direito da idiotia moral deveriam ter impregnado as consciências com a vigilância do riso, da ironia e do inútil - com o grito de alegria do não-senso órfico (...)
Que é a democracia? A vida no trabalho para o pão-nosso-de-cada-dia-nos-dai-hoje. Nós, queremos rir, rir ... e fazer o que quizermos. Não queremos nada de democracia, do liberalismo, desprezamos o coturno do consumo intelectual, não trememos diante do capital. Nós, para quem o intelecto é uma técnica, um auxiliar, o nosso, e não um lavar de mãos airosas na reforma, não talharemos escrupulosamente noções, não nos inclinaremos perante a razão pura (...) queremo-nos amigos do chicote que fustiga o homem sentado. Vivemos pela incerteza, não queremos nem o sentido nem os valores que lisongeiam o burguês, queremos os não-valores e o não-sentido ..."
[Raul Hausmann, Panfleto contra o ponto de vista de Weimar, Berlim, 1919, in Textos de Afirmação e Combate do Movimento Surrealista Mundial, P&R, 1977]
"A fala não é o único meio de expressão. A fala é incapaz de significar as experiências mais profundas. A destruição do órgão da palavra pode ser uma forma de disciplina pessoal. Quando o contacto é interrompido, quando cessa a comunicação, começa o mergulho em nós mesmos, o desprendimento, a solidão. Cuspir palavras - linguagem vácua, entorpecente, da sociedade. Simular modéstia, ou loucura, e permanecer tenso. Atingir uma zona incompreensível, imarcescível" [Hugo Ball, Zurique, 1916]
"Eu me aborreço muito atrás do meu monóculo de vidro, me visto de caqui e combato os alemães - A máquina de embrutecer ... marcha com grande fragor e eu não estou longe, no curral de tanques - um animal bem ubíquo, mas sem alegria" [Jacques Vaché]
"... O Exercito Britânico, que é preferível ao Francês, tem muita falta de Umor. - Já por várias vezes avisei um coronel que me é muito delicado de que lhe enfio um pauzito nos oibidos. Duvido que ele tenha atingido o que queria dizer = ainda por cima nem francês compreende ..." [idem]
"... Sou contra os sistemas, o mais aceitável dos sistemas é o de, por princípio, não ter nenhum. Completar-se, aperfeiçoar-se dentro da pequenez própria até encher o vaso do eu, coragem de combater a favor e contra o pensamento, mistério do pão explosão súbita duma hélice infernal em lírios económicos ..." [Tristan Tzara]
Primeiro Manifesto Dada [lido por Hugo Ball, em Zurique, 14 Julho 1916]
"Dada é uma nova tendência da arte (...)
Uma palavra internacional. Apenas uma palavra e uma palavra como movimento. É simplesmente bestial. Ao fazer dela uma tendência da arte, é claro que vamos arranjar complicações (...)
Leio versos que não pretendem menos que isto: dispensar a linguagem (...) Quero a minha própria asneira, e vogais e consoantes também que lhe correspondam. Se uma vibração mede sete centímetros, quero palavras que meçam precisamente sete centímetros. As palavras do senhor Silva só medem dois centímetros e meio (...)
Não devemos deixar surgir muitas palavras. Um verso é a oportunidade de dispensarmos palavras e linguagem. Essa maldita linguagem à qual se cola a porcaria como à mão do traficante que as moedas gastaram. A palavra, quero-a quando acaba e quando começa..."
[Primeiro Manifesto Dada]
Locais: Manifesto of Dada in Zürich / A Brief Chronology of Dada (as drawn from various sources) / Dadaism by Tristan Tzara / Dada [Centre Pompidou] / Dadaísmo / Dada and Surrealism:Texts and Extracts / Jacques Vache, Cartas de Guerra / Surrealismo: Revolta e Conquista / Surrealismo, A voz e a mão do bizarro
quinta-feira, 13 de julho de 2006
Roger Keith 'Syd' Barrett [1946 - 2006]
Oh where are you now
pussy willow that smiled on this leaf?
When I was alone you promised the stone from your heart
my head kissed the ground
I was half the way down, treading the sand
please, please, lift a hand
I'm only a person whose armbands beat
on his hands, hang tall
won't you miss me?
Wouldn't you miss me at all?
The poppy birds way
swing twigs coffee brands around
brandish her wand with a feathery tongue
my head kissed the ground
I was half the way down, treading the sand
please, please, please lift the hand
I'm only a person with Eskimo chain
I tattooed my brain all the way...
Won't you miss me?
Wouldn't you miss me at all?
Syd Barrett - Wouldn't You Miss Me (Dark Globe)Castpost
Video: Wouldn't You Miss Me?
Boletim Bibliográfico 31 de Luís P. Burnay
Acaba de sair o Boletim Bibliográfico 31, mês de Julho, do Livreiro-Antiquário Luís P. Burnay (Calçada do Combro, 43-47, Lisboa). Apresenta livros de história, literatura, arte e monografias.
Algumas referências: Caminhos de ferro portugueses: esboço da sua história, de Frederico de Quadros Abragão, 1956 / Álbum de costumes portuguezes, David Corazzi, 1888 / Anti-Maçonica [Antídoto salutifero contra o Despertador Constitucional ?, 1827; Exorcismos contra os incursos Maçónicos ..., 1827; O Vôvô Maçon ..., 1827; Exposição franca sobre a Maçonaria, 1828] / Antologia da Poesia Portuguesa erótica e satírica, sel. Notas de Natália Correia, ed. Afrodite / A Inquisição e os Professores do Colégio das Artes, por Mário Brandão, 1948 / Perfil do Marquês de Pombal, de C. C. Branco, 1900 (2ª ed.) / Roteiro de Lisboa a Goa, por D. João de castro, 1882 / O Charivari, Porto, Ano I (1886) a Ano X (1895), 14 vols / Sete Septetos seguidos de um comentário disponível, de Ruy Cinatti, 1967 / Cartografia e cartógrafos portugueses dos séculos XV e XVI, por Armando Cortesão, 1935, II vols / Ditames e Ditérios, de Alfredo da Cunha, 1929-31, III vols / O Diário de Noticias e a sua fundação e os seus fundadores, de Alfredo da Cunha, 1914 / História de Portugal Restaurado, pelo Conde da Ericeira, 1945-46, IV vols / Serra-Mãi, poemas de Sebastião da Gama, 1945 / Monografia do Parque da Pena, de Mário de Azevedo gomes, 1960 / Sucessos de Portugal: memorias históricas politicas e civis ... desde 1742 até ao anno de 1804, por José Pedro Ferraz Gramoza, 1882 / Apresentação do Rosto, de Herberto Helder, Ulisseia, 1968 / In Memoriam de Camilo, 1925 / Inventário da Colecção de Registos de Santos, org. Ernesto Soares, 1955 / Macarronea Latino-Portuguza (poesia satírica e jocosa), Porto, 1791 / O Marquez de Pombal: obra comemorativa do Centenário, 1885, II vols / Movimentos de Cavallaria com addicçam para Dragoens e Infantaria ?, de José de Almeida e Moura, 1741 / Mito-Alegoria-Simbolo: monologo autodidacta na oficina de pintura, por Almada Negreiros, 1948 / Passatempo (revista quinzenal editada pelos Armazéns Grandella, editor Joaquim Monteiro Catharino), Ano I (nº1, 1900) a Ano II (nº48, 1902) / Portugal: diccionario histórico, chorografico, heráldico, biographico, ..., por Esteves Pereira & Guilherme Rodrigues, 1904-1915, VII vols / Peregrinação seguida das suas cartas (versão integral em port. moderno de Adolfo Casais Monteiro), de Fernão Mendes Pinto, 1952-53, II vols / Ourivesaria Poruguesa, de Reinaldo dos Santos, 1959-60, II vols / Introducção à Archeologia da Península Ibérica, por Augusto Filippe Simões, 1878 / Ásia Portuguesa, de Manuel de Faria e Sousa, 1945-47, VI vols / História do Futuro, do Padre António Vieira, 1855
terça-feira, 11 de julho de 2006
Catálogo de Junho da In-Libris
Acaba de sair o Catálogo do mês de Julho da In-Libris (Porto). A consultar
O desportivamente correcto ou coisas do Carvalho
"Ele era daqueles que querem sempre fazer mais e melhor, mesmo quando não lho pedem. Essa qualidade, num criado, é abominável" [G-C Lichtenberg]
Estamos maravilhados. Pelo que nos avisam, a missão d'hoje - provida em embrulho muito civilizador, respeitável e sempre obediente - é reconhecer o princípio e o ensinamento da "coisa" dita correcta. A autorização para o uso do testemunho da infâmia já foi. E belos tempos foram. Hoje floresce entre nós a temporada das pombas mansas. Temos de ter majestade nos conceitos, dúvida na disputa, cerimónia nas palavras. O assunto do contraditório é sempre esculpido entre um breve insinuar do politicamente correcto, o piscar d'olhos e a eterna pancadinha nas costas. Todos bem-educados.
Na verdade, que vemos nós? Que contra a perversão da labita sempre odiosa da canalha, se exige a fineza do subtilmente correcto. Exemplos!? Tem um homem, num achaque de lhaneza, necessidade de enviar à merda um árbitro, a mulher, um jornalista, o patrão ou um primeiro-ministro, mas, hélas, deve sucumbir ao politicamente correcto e fazer fé na oratória do dr. César das Neves ou citar, se for caso disso, Paula Bobone. Mais: quando o cidadão, por exemplo, é aliviado na carteira, delicadamente, pelo notável Ministro das Finanças, deve sorrir de encantamento pátrio. É o que diz a boa língua do jornal Expresso & outros papéis de referência. Na sua casa, rezam as crónicas, o gentio luso tem o venerável compromisso de não importunar os meninos e meninas, para não ser tratado por libertino e evitar reparos de maior. De facto, os psicólogos e os sociólogos estão, como se sabe, em todo o lado. Todo o cuidado é pouco. Leia-se os relatores. E no restaurante? Aí, deve o sujeito ser fiel ao cardápio, encomendar polidamente, não escancarar a boca de protestos e jamais, mas jamais, deverá ser herege em casa alheia. A civilização, ilustremente correcta, exige-o.
Essa qualidade natural do sujeito moderno (dirá o paciente liberal em trânsito na blogosfera) é estupenda, distinta e de referência. Evidentemente para todos os não-vulgares. Mas mesmo entre os outros, os ordinários indígenas, o consenso começa a ser ecuménico. Ser correcto politicamente, literariamente, sexualmente ou desportivamente, eis a superstição recente. Estamos em pleno vitalismo neo-burguês. É o aperfeiçoamento da modernidade, o bordão da globalização, a vibração liberal, dizem.
Ora tal manual de civilidade arribou em força este Verão, via Mundial de Futebol. As croniquetas últimas foram fatais. Não há mais pachorra. Vem o caso, que uns, vítimas de dor futeboleira ou por convicção de sentinela avançada da "coisa" dita correcta, promoveram, em altos brados, essa nobre arte do desportivamente correcto num palavrório que culminou, imponente, em editorial à Manuel Carvalho. No jornal Público, tendência JMF. Com efeito, o vaidoso Carvalho, não tendo o Rui Rio à perna todos os dias, investiu sobre a generalidade dos indígenas, em particular os do futebol. Depois de aturado estudo televisivo, o escosido Carvalho sustenta que somos todos manhosos, viciosos, palavrosos (coisa perigosa!), dissimulados. No futebol e em tudo. A dor oftálmica é do Carvalho. Portanto, nada de espantos: os outros lá fora (ingleses ou franceses) são o exemplo a seguir, a raça ungida e fidalga. Por cá, só na aparência se sabe o que é o futebol. Sigamos, pois, o Carvalho. Avanti!
Leituras & anotações
(15 Julho) International Day of Protest: Shut Guantanamo Now! / Bush Is Pressed on Reporting Domestic Surveillance [The W. Post] / Como vender o liquidar una biblioteca particular recibida en herencia / George Bush singing 'Sunday Bloody Sunday' [video] / Globalisation and its contents [The Little Magazine] / Google acabará con las bibliotecas [El Confidencial] / Hate Groups Are Infiltrating the Military, Group Asserts [N.Y.T.] / The Genius of George Bush [video] / The Six Sins of the Wikipedia [Sam Vaknin] / Velvets top album poll
Imposible negociar las pasiones - entrevista com George Steiner
Dice usted en En el castillo de Barbazul, de manera bastante abismada, que la cultura no vuelve al hombre más humano. Habla incluso de una cierta derrota de la cultura. Existiría una proximidad inquietante entre la cultura y el horror.
Le responderé en dos partes. Primero existe lo que yo llamo la 'paradoja de Cordelia'. Regreso por la tarde a mi casa después de haber leído con mis alumnos El Rey Lear, con la cabeza ocupada aún por las palabras de Lear que sostiene en sus brazos a Cordelia muerta: 'Never, never, never...', pero no oigo los gritos de la calle. La ficción es más poderosa que los lamentos de aquellos que sufren a nuestro alrededor. No por omisión deliberada, sino por un mecanismo psíquico que hace que el gran arte se apodere de la conciencia a tal grado que nos hacemos insensibles a los gritos de los hombres de carne y hueso. ¡Es una paradoja horripilante! Mi segunda respuesta concierne a la fractura entre la forma inhumana que tiene un hombre de llevar sus actividades políticas o públicas y su capacidad para crear belleza. Nietzsche responde que la belleza está más allá del bien y del mal. Yo puedo entenderlo por lo que respecta a la música, pero no con la literatura. No acepto la idea de que el hombre pueda dividirse en pequeños compartimientos estancos. Para mí, es el mismo hombre el que por la tarde interpreta a Bach y el que por la mañana tortura en un campo. Sin duda resulta inexplicable, pero lo que es seguro, en cambio, es que las humanidades no resistieron a la barbarie. ¡La música no dijo no! Poco antes de suicidarse, Walter Benjamin escribió: 'La base de todas las obras maestras es la barbarie' [ler toda a entrevista, aqui]
in Confabulario - suplemento de cultura de El Universal. México, 1 de julio de 2006 [aliás, in Magazine Littéraire, trad. de Alberto Román]
sexta-feira, 7 de julho de 2006
Alguma Poesia e outras considerações desagradáveis
"... Há, nitidamente, na mais jovem poesia portuguesa, um retrocesso. Tenho observado, com mágoa, a infinita suficiência destes livros. Quer formal, quer intimamente, estamos na época da 'Maria-vai-com-as-outras'. E tudo serve: as descobertas ou hábitos formais dos outros, o grande destino do homem (que merecia mais meditação e mesmo declamação), até a própria habilidade rítmica. Tudo serve, desde que seja possível o individuo convencer-se, e aos seus pares, de que é poeta (...)
Nunca se publicaram tantas críticas, e nunca, suponho eu, se leram tantos metros de prosa, impressionista, didáctica ou erudita, falando de tudo, menos da essência da obra criticada.
De modo que, em resumo: por um lado, a critica oral ou escrita faz o elogio dos epígonos e da mediocridade; e, por outro lado, lamenta amargamente a mediocridade reinante. Isto é um beco sem saída, para quem está nele ..."
[Jorge de Sena, Mundo Literário, nº2, 18 de Maio de 1946]
In Memoriam José Vieira Marques [1934-2006]
"Partiu como chegou ao mundo do cinema silencioso, afável, disponível para dar a conhecer cinema de todos os continentes e linguagens estéticas. José Vieira Marques, antigo director do Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz, morreu aos 72 anos, em Setúbal. Ontem, foi a enterrar no cemitério de Algeruz, na cidade onde vivia com a irmã.
Um homem de inspiração humanística, com uma visão plural da vida e da sociedade. Foi padre, mas o cinema foi sempre encarado como uma forma de promoção cultural e de conhecimento das pessoas", destacou António Roma Torres, médico psiquiatra e crítico de cinema durante vários anos no JN ..."
[Manuel Vitorino, JN]
quinta-feira, 6 de julho de 2006
It is I, João Carlos Espada!
"Sperai! Caí no areal e na hora adversa" [F. Pessoa]
Pobre de nós! Julgámos que o desabafo do trovador liberal João Carlos Espada, no penúltimo Expresso, era um rabisco a descoberto. Dizia o professor, da jangada do seu Mar Aberto, que a dita "coluna" se despedia do Actual. Não concluímos a leitura ilustrada da coisa, porque aturdidos pelo cantar do Espada, abrimos insidiosamente uma Quinta do Crasto, por sinal bem honesta, e assim ficámos em amena conjectura sobre tal vaticínio do inefável professor.
Mal de nós! Fomos, por demais, imprudentes. Acontece que entre o regalo de antever o Espada no conforto do lar, afinal coisa de Lord, ou magicarmos o inferno do professor alapando-se no Hotel Palácio do Estoril (ouviram a música!?) com todos aqueles senhores do King's College, de Harvard, ou mesmo vindos da Wyzsza Szkola Biznesu, para não falar já da senhora Filomena Mónica ou do poetrasto Graça Moura, não concluímos a croniqueta do Actual. Ora sucedeu que a zelosa Balbina, fiel empregada da casa, desempestou o escritório e arrumou o papel do dr. Balsemão para um qualquer canto esconso e inatingível. Nada de temer.
Portanto meus amigos, imaginem a alucinação havida, quando esta semana, debaixo do trecho espirituoso do jovem Coutinho no 1º caderno da folheca balsâmica citada, surge o olho maroto do imortal professor João Calos Espada, fitando-nos. Que susto!
Disse-nos: It is I, João Carlos Espada!. E era, de facto, o exterminador do intelecto indígena. Fugimos dali, inopinadamente ... até hoje. Mas estamos vivos para contar. Deo gratias!
segunda-feira, 3 de julho de 2006
Gil J. Wolman [1929 - m. 3 Julho 1995]
"A herança literária e artística da humanidade deve ser usada para objectivos propagandísticos de guerrilha. É, evidentemente, necessário ir além do mero escândalo. Já que a oposição à noção burguesa de arte e génio artístico se tornou há muito um sapato velho, o bigode que Duchamp pintou na Mona Lisa não é mais interessante do que a própria Mona Lisa sem bigode. Nós precisamos empurrar este processo ao ponto de negar a negação ..." [Debord & Wolman]
"Gil J. Wolman a créé une série de gestes de négation de l'art, portant sa destruction jusqu'à ses ultimes conséquences. Paradoxalement, les processus d'extinction, mettant en crise la notion même d'?uvre, font de lui l'un des créateurs les plus extrêmes du Lettrisme et de l'Internationale Lettriste qu'il fonde avec Guy Debord. Son ?uvre 'désoeuvrée' est le chaînon qui mène directement à l'Internationale Situationniste. C'est au c?ur de cet 'anti-art', de cette 'décréation', que se situe son rapport au Surréalisme. Du mouvement d'André Breton, il va reprendre en les inversant, ou les détournant, la plupart des signes. S'il détourne pour lui rendre son sens premier explosif, s'il coupe, assemble hors de leur contexte, des fragments de mots, de phrases du 'Traité du style' d'Aragon, c'est extrait d'une édition pirate de 1979, circulant avec au verso une 'épitaphe' iconoclaste de Louis Scutenaire 'Ici gît Aragon Louis'. On n'est pas sûr que ce soit lui; quand il reprend un portrait de Benjamin Peret, ou de Breton, Eluard et René Char, c'est pour en faire une 'Inhumation', un effacement par la couleur blanche ..." [ler mais aqui]
Locais: Gil Joseph Wolman / Gil J. Wolman / Lettrism / Internationale lettriste / Um Guia Prático para o Desvio [Debord & Wolman] / Intervention de Gil J Wolman, délégué de l'Internationale lettriste, au Congrès d'Alba, en septembre 1956 / Uivos para Sade (manuscrito do filme)
3 - Aniversários atrasados - 3
São eloquentes, polidos e deliciosamente encantadores. Não se trocam contra reclamações. Exercitados de virtudes, têm todas as licenças necessárias. Escrevem por palavras, lidam com o mundo, saltam todos os muros. Fizeram 3 - Anos - 3 de esperançosa paixão. Têm uma alma feliz. São livres. O Adufe, o Avatares do Desejo e Dias com Árvores estão de parabéns.
Saúde e fraternidade. Cheers!
10 Stupids Boys, One Tiny Hooligan
"Que bela noite ordinária eu passei!" [Alexandre O'Neill]
Não há nada de mais viscoso que o bramido imbecil do jornalismo tablóide inglês. Pior que a azáfama desses mal-castrados ingleses, sempre em festins conspiratórios & devassas que agoniam, só os escritos hilariantes de Sir João Carlos Espada no "Mar Aberto". God save the Queeen!
A campanha difamatória, alarve, mesmo xenófoba, com que a imprensa de Inglaterra envenenou o jogo de Gelsenkirchen, a que se seguiu, depois da derrota inglesa, ignóbeis comentários e pedantes ameaças, contra tudo e todos, revela a escumalha do pior jornalismo. God bless us!
Que os jogadores ingleses, todos bem tratados de libras & de mulherio aos pés, sejam assim difamados publicamente por analfabetos compulsivos, revelam como desprezíveis são. E não mereciam. Porque jogaram bem e com acerto táctico. Mas cada qual tem o que merece. E bem.
UM GRUPO ... UMA EQUIPA
"Temos que baste: a pátria à janela
e a vontade na cama" [Eduardo Pitta]
Temos excelentes indígenas. Francamente vigorosos, quase perfeitos No trabalho, a obrar o ensino, na literatura, a fazer estádios, na organização da coisa pública, a construir presidentes, na oração económica, a montar projectos, na confissão de existir, a submeter cenários financeiros, no vigor da critica, a desconstruir o Estado. Somos inteiramente infalíveis. Na verdade somos todos úteis rapazes & muito melhores raparigas. Exemplos?
Temos o lavado Sócrates, a postulada Agustina, o prodígio Belmiro, a TV Cabo, o pastor José M. Fernandes, a família Palla & Costa, o compadre Marcelo, a sacristia do Espada, o spin Carlos Castro, a cabeça de Rui Rio, o laço primoroso de Nicolau Santos, a sandice de Vasco Rato, o professor Cavaco, a implacável Helena Matos, o Sporting, a Universidade de Coimbra, o mercado literário do E.P.C., a frontaria económica de Sérgio Figueiredo, o iconoclasta Rui Ramos, a diva Rebelo Pinto, o mundo parlamentar, a obra do Alberto João, o Nobel Sousa Tavares, a revista Atlântico, o autorizado liberal João Miranda, a luminária Inês Pedrosa e o senhor Pinto da Costa. Possuímos quase toda a inteligência e glória. Os nossos eruditos indígenas são magníficos. Iluminam. Somos quase bons.
Mas nada se compara com o futebol. No futebol, para espanto dos ignorantes & para alegria da canalha, é que somos, realmente e definitivamente, excelentes. O futebol, assim castigado pelo grupo de Portugal, arrebata a perfeição em cada um. Bastaria o esforço e dedicação contagiante dos nossos jogadores, contra a velha Albion, para mudar o país. Mais provavelmente, restaria unicamente o profissionalismo e seriedade de Ricardo para sermos um país normal, com uma elite inteligente, prática e estudiosa. Não será difícil, sabe-se agora, imaginar que, se porventura os nossos governantes fossem estrangeirados, a nossa viagem seria uma outra. E o país não falaria sozinho. Dúvidas?
sexta-feira, 30 de junho de 2006
Frédéric Bastiat [n. 30 Junho 1801-1850]
"O Estado é a grande ficção pela qual todos tentam viver às custas dos outros" [Bastiat]
"Bastiat fut profondément catholique et profondément liberal" [Silvio Berlusconi]
"Os economistas têm uma maneira singular de proceder. Para eles existem apenas duas espécies de instituições, as artificiais e as naturais. As instituições feudais são instituições artificiais; as da burguesia são instituições naturais. Nisto assemelham-se aos teólogos, que também distinguem duas espécies de religiões: qualquer religião que não seja a sua é uma invenção dos homens, enquanto que a sua própria religião é uma emanação de Deus. Deste modo, houve história, mas já não há" (Karl Marx, Misere de la Philosophie. Réponse à la Philosophie de la Misere de M. Proudhon, 1837, p. 113)...
O mais divertido é Bastiat, que imagina que os gregos e os romanos viviam apenas da rapina. Mas para se viver da rapina durante vários séculos, é necessário que tenha existido sempre qualquer coisa para roubar ou que o objecto das rapinas continuas se reproduza constantemente. É de crer, pois, que os gregos e os romanos tivessem também o seu processo de produção, e portanto uma economia que constituía tanto a base material da sua sociedade, quanto a economia burguesa constitui a base da sociedade actual. Ou pensará Bastiat que um modo-de-produção assente no trabalho dos escravos é um sistema de roubo? Coloca-se então num terreno perigoso. Quando um gigante do pensamento como Aristóteles pode enganar-se na sua apreciação do trabalho escravo, por que é que um economista anão como Bastiat haveria de acertar na sua apreciação do trabalho assalariado?" [Karl Marx, O Capital]
Locais: Frédéric Bastiat (1801-1850) / Between the French and Marginalist Revolutions / The Law
Inês Pedrosa: a menina que rouba gargalhadas
Inês Pedrosa, derradeiro génio do Alegrismo indígena e escriba da "Crónica Feminina", foi atormentada por um jornal com uma exuberante questão escolástica: "Os professores são culpados do insucesso escolar?". Atrevida e ingrata interrogação do jornalista, mas que não intimidou a redactora deliciada de "nas tuas mãos".
A inspiração da versada Inês, envolta em educação literária e deslumbrante na sua pública anemia política, deu-lhe para dizer: "Sim. Se metade dos alunos chumbam não é porque são mais burros que os outros. A culpa é dos professores e de quem os educou. A ministra está a ser corajosa". A arborização deste argumento pedrosiano abate qualquer um. Assim transida de pedagogês escorreito, a tesourada que a formidável Inês deu, honrou-a para todo o sempre.
Pode, de algum modo, estar Inês num noante laudatório à mulher-ministra, ou mesmo em exercícios de venadoria rosa, mas lembramo-nos sempre do que judiciosamente afirmou, alhures: "há sempre gente pronta a aplaudir os que fritam os outros, para não se queimar".
Ora não consta que Pedrosa mexa em questões de exorcismo pedagógico, à cause da angústia literária. E sabe-se, também, que a única banalidade de base sobre o ensino que tricotou recentemente foi preconizar que "uma criança de 3 anos" deva ler Manuel António Pina ou Sophia (prudentemente não refere as histórias para crianças dos autores, para não arreliar os papás). Ora, como a ministra da educação expurgou do exame de eduquês ao 9º ano o vate Camões e o ourives Gil Vicente, à revelia dos programas & à sorrelfa da contemplação de Inês Pedrosa, estamos decididamente confundidos. Será que é desta que a serviçal do eduquês ministerial escrevinha um folheto sobre as "Instruções aos amantes" da educação? Agradecia-se dedicatória. Obrigado!
Aniversários - Blogs
3 blogs que são palácios, blogosfera acima, excelentes para pousios desregrados, escrita seleccionada, másculos de palavras e límpidos d'espírito. Recebem todos os dias, com honra e vícios estimulantes. Dão festas admiráveis, letras íntimas, postas insinuantes. Têm colaboradores encartados. Dão-se alvíssaras!
Parabéns Aba de Heisenberg, Memória Virtual, Respirar o Mesmo Ar. Saúde e Fraternidade.
terça-feira, 27 de junho de 2006
Catálogo 13 da Livraria D. Pedro V
Saiu o Catálogo do mês de Junho da Livraria D. Pedro V (R. D. Pedro V, nº 16, Lisboa), a preços convidativos.
Algumas referências: Mistérios da Praia da Rocha, de Marcos Algarve, 1926 / Fado. Origens líricas e motivação poética, por Mascarenhas Barreto, Áster, s.d. / O Português Cristóvão Colombo agente secreto do Rei Dom João II, de Mascarenhas Barreto, 1988 / Na Senda da poesia, de Ruy Belo, 1969 / A Selva, de Ferreira da Castro [il. de Portinari], 1955 / A Cruz de Vila Viçosa, por Rodrigo Vicente D'Almeida, 1963 / Saudades de Mim, de António Ferro, 1957 / A Caravela Portuguesa e a prioridade Técnica das Navegações Henriquinas, de Quirino da Fonseca, 1978, II vols / O Saloio, por João Paulo (Mário) Freire, Porto, 1948 / Revolucionários e Querubins, por José Martins Garcia, Ed. Afrodite, s.d. / O Districto de Aveiro, por Marques Gomes, 1877 / Dezanove Recantos. Epopeia Sumária, de Luiza Neto Jorge, 1967 / Páginas Desconhecidas, de J. P. Oliveira Martins, Seara Nova, 1948 / In Memoriam de J. P. Oliveira Martins, 1902 / In Memoriam de Ferreira da Castro, Cascais, 1976 / Saudade para Dona Genciana, de José Rodrigues Miguèis, 1956 / Bibliografia das Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, de Gerald Moser & Manuel Ferreira, 1983 / O Culto da Arte em Portugal, de Ramalho Ortigão, 1896 / Textos Sadinos, por Luiz Pacheco, 1991 / As Amantes de Dom João V, por Alberto Pimentel, 1892 / A Ditadura do Proletariado, por Carlos Rates, Ed. Batalha, 1920 / Na Linha de Fogo. Crónicas Subversivas, de Manuel Ribeiro, 1920 / Rui Knopfli Memória Consentida 20 Anos de Poesia, INCM, 1982 / Nuno Gonçalves, por Reynaldo dos Santos, 1955 / Memorias das Antiguidades de Mértola, por Sebastião P. Martins Veiga, 1983 / Sermões, pelo Padre António Vieira, Obras Completas, 1959, IV vols (XV tomos)
segunda-feira, 26 de junho de 2006
Valente equipa!
"Na Holanda o Demónio era negativo (...)
Na Holanda é assim. O Demónio está no meio das vacas - não escreve poemas. Não pode exercer os seus dons. Pensa, perde o nome" [H.H.]
Eis uma equipa valente & d'alma repleta de ambições. Eis uma selecção ardente de sabedoria, de instinto altivo. Que a todos contagia. O manto de futebol que a selecção de futebol de Portugal fez desfiar na Batalha de Nuremberg, contra uns holandeses medrosos, grosseiros e pouco talentosos, recompensa qualquer mortal. Dos que gostam de futebol, evidentemente.
Aos que vaticinavam mil desgraças e celebravam maldições a jogadores e à equipa técnica, de novo o céu lhes caiu sobre as cabeças. Aos tumultos de Pinto da Costa, Manuel Serrão ou, mesmo, de Rui Santos, o grupo de Portugal deu um testemunho de valentia, uma bofetada de paixão, uma lembrança cruel. E que merece ser louvado. Aos que desprezam o futebol, com a perversidade do politicamente correcto enquanto expurgam as paixões da vida tão putativamente vivida, que não desistam: um dia sereis, fatalmente, felizes.
quinta-feira, 22 de junho de 2006
Hoje estivemos assim ...
"Estamos gastos sim estamos
gastos
O dia já foi pisado como devia
e de longe nosso coração
piscou na lanterna sanguínea dos automóveis
Agora os corredores nos desaguam
neste grande estuário
em que os sapatos esperam
para humildemente conduzir-nos a nossas casas ..."
[Francisco Alvim, Drummondiana: A Roupa do Rei]
Dos Blogs ... para fugir à moléstia
- III Aniversário: farol da escrita pura ou lugar dos afectos, o Opiniondesmaker fez 3 (três) anos venturosos. A sua escrita não carece de descanso. É um pergaminho de sentimentos incessantes onde se respira eternos e frondosos prazeres. Sigamos então os passos do Desfazedor de Rebanhos. Parabéns!
- "... A escrita alquímica não é uma encantação, é uma incantação, no impulso que leva os alquimistas a descrever, repetir, citar, enumerar , recordar e recordar num labor incessante que o MUTUS LIBER com as suas gravuras apresenta , sem contudo desvendar o segredo que todos ambicionam descobrir. Não há segredo, há trabalho ..." [Y. K. Centeno]
Não há felicidade maior que o luzimento de acompanhar a escrita de Y. K. Centeno. Maior arquitectura que sonhar os raios "desta vida ainda inteiros na boca" [As palavras que pena]. O espírito da revelação em 2 Blogs, assim tão perto de nós, é magnificente. Mil graças ... as nossas!
- A esta hora, na Casa Fernando Pessoa, o intelecto de Alexandre Soares Filho asfixiou Lisboa. Certamente! A coisa prometia animação e todos os cavalheiros de peito liberal foram depositar saudades. Esperemos pelos testemunhos de reconhecimento, por amor dos aplausos. Somos ... todos ledores & ouvintes.
terça-feira, 20 de junho de 2006
Arrumações - Vynil, CDs e Cassetes Piratas
"Sou uma pessoa de gostos simples, contento-me com o melhor" [O. Wilde]
Formosa new wave ou diamante de virtude. Até a noite é mais bela, assim despojada de pecados. Afinal os corpos são "vastos como a aurora /... / com as mãos estendidas a tactear o cenário" [Queneau]. A lista de mazelas do Bande à Part dos Nouvelle Vague é isso mesmo. Um hino ao coração. Ao nosso ... evidentemente. Ilimitadamente.
Nouvelle Vague - Heart of GlassCastpost
"Once I had a love and it was a gas
Soon turned out had a heart of glass
Seemed like the real thing, only to find
Much to mistrust, love's gone behind
Once I had a love and it was divine
Soon found out I was losing my mind
It seemed like the real thing but I was so blind
Much to mistrust, love's gone behind ..." [ver letra aqui]
Kurt Schwitters [n. 20 Junho 1887-1948]
"My name is Kurt Schwitters ... I am a painter and I nail my pictures together...I should like to join the Club Dada"
"Eu amo a limpeza higiénica! Tinta a óleo tem cheiro de banha rançosa. Tinta têmpera fede como ovo podre. Carvão e grafite são os dejectos mais lambuzentos que há, vê-se já pela própria cor. Eu amo a limpeza e a pintura higiénica. E dei-lhe o nome de pintura 'MERZ'. A pintura 'MERZ' utiliza os materiais mais delicados, como puríssimo grude de farinha de centeio, pedaços de objectos e nacos de papel esterilizados, madeira bem lavada e ferragens e afins sem adição de álcool. A pintura 'MERZ' é completamente livre de bacilos. O único bacilo realmente transmissível pela pintura 'MERZ' é o bacilo da raiva. O contágio ocorreu, sem que eu pudesse impedir, através da mordida de críticos raivosos. No momento, o bacilo é retransmitido a todos os críticos que se mordem com a pintura 'MERZ'. MERZ não morde, mas os críticos, sim. Os críticos mordem, e mordem-se de raiva, como buldogues ..." [aqui]
"Ó tu, bem-amada dos meus vinte e sete sentidos, amo-te!
Tu teu tu a ti eu a ti tu a mim - Nós?
Isto (diga-se de passagem) não é daqui.
Quem és tu, inumerável fêmea? Tu és - és tu? -
Há quem diga que deves ser - deixa-os dizer, os que não sabem
como o campanário está de pé.
...
Ana Flor! Ana, A-na, dedilho o teu nome.
O teu nome pinga como carne tenra sangrando.
Sabes tu, Ana, tu sabes que és bela?
Podes ser lida de trás para diante, e tu, a mais senhora
de todas, tu és a mesma da frente para trás: a-n-a ..."
[Kurt Schwitters, A Ana Flor, trad. Jorge de Sena]
Locais: Kurt Schwitters / Kurt Schwitters (1887-1948) / Kurt Schwitters / Kurt Schwitters (port.) / Kurt Schwitters (1887-1948) / Kurt Schwitters: o Dadaísta que era Merz
quinta-feira, 15 de junho de 2006
Ensino: a destruição final (conclusão)
Interessa não esquecer, para que a arrogância de uns e a vã glória de outros não sejam recompensados, um ponto crucial em toda esta questão da análise da nova proposta de alteração do ECD, a saber: o lugar que toma a autoridade da competência do docente (e da sua legitimação), baseada em conhecimentos técnicos ou "poder do especialista" - aquilo que uns denominam por poder cognoscitivo [Simões, 1980] - e o modo como este poder, lido através da nova proposta em marcha pela ministra, é diluído, pela partilha na estrutura escolar e pela avaliação da prática profissional dos professores, através do chamado poder normativo, autoritativo e remunerativo, topos da legitimação de todo o poder. E antever de que modo isso tudo se conjuga para que se possa alguma vez pronunciar, com a maior das bondades, que se está presente uma mudança educacional visando uma Escola de qualidade, de rigor e moderna.
Estamos a falar, evidentemente, das bases do poder do professor, aqui tomadas de diferentes formas (do pessoal ao cognoscitivo, do normativo ao autoritativo) e que Formosinho Simões em tempos interpretou. Diga-se que existe uma vasta bibliografia sobre a matéria e que parece esquecida pela turbulência das decisões governativas. Faz tempo que o famoso "Relatório Braga da Cruz" (Análise Social, 1988, vol. XXIV), poderoso e exaustivo levantamento da situação do professor em Portugal, mandado fazer por Roberto Carneiro, assegurava que "os professores são agentes privilegiados da reforma que, por isso mesmo, deve começar por eles e deve ser levada a cabo com eles". De lá para cá instalou-se o vazio no comprometimento, motivação e colaboração dos professores na reforma educativa. O ministério da educação adoptou o autismo como prática existencial e qualquer regulamentação exarada nunca teve em conta o debate e a participação dos docentes em sede de escolas. Percebe-se, assim, a necessidade que têm a ministra Maria de Lurdes Rodrigues de insultar professores, sindicatos e de estes últimos zurzirem na ministra. Não podem existir uns sem os outros, porque são a face da mesma moeda. Por isso, a diversão comunicativa da senhora ministra é não só lamentável, como desnecessária.
Dissemos que se deveria questionar o modo como as "bases do poder do professor" são entendidas na nova proposta. Acontece que o discurso da Ministra, inebriado no estudo da organização escolar a partir da sociologia das organizações e das profissões, tem em conta somente a racionalidade e eficácia (esse conceito extraordinário) da organização escolar, desconhecendo que o que toma teoricamente é uma parte do saber das organizações e não a própria ciência em si. Não admira que nessa tentativa (organizacional) de determinar o tipo de cooperação entre os intervenientes escolares, em que forçosamente estará presente a autonomia de decisões e onde deve ser assumido divergências de interesses, esteja sempre ausente a análise das estruturas e das relações de poder. E quando é assim, subsiste a tentação de começar do zero, fazendo-se "tábua rasa" dos conhecimentos e competências, laboriosamente adquiridos pelos profissionais [José Matias Alves, 2006]. E que é bem evidente na proposta.
Assim, quer seja pelo fim da carreira única (sem fundamentação teórica pertinente que se notasse) e a instituição de diferenciações profissionais, sem um mecanismo credível de avaliação do mérito (até porque a este está reservado um sistema de cotas de matriz economicista); quer pela assumpção de uma avaliação anual do desempenho, baseado na mais burocrática das modalidades e na mais doce confusão dos interesses; quer pelo aumento da componente lectiva (coisa inacreditável em educação) e da não-lectiva, transformando o docente num proletário do eduquês, pelo que deixará de estudar e investigar conteúdos científicos (coisa maldita em eduquês) ou pedagógicos; quer pela desvalorização remunerativa agora proposta (tudo é considerado horas não-lectivas e, como tal, não pagas) que imobilizará definitivamente os docentes nas funções a desempenhar; quer pela introdução na avaliação do desempenho dos docentes da figura dos pais, tornando-a de ordem meramente normativa (aqui entendida na avaliação da função de socialização. Coisa que "guru" da politica educativa José Manuel Fernandes, por ignorância, desconhece) e não de teor cognoscitivo; por tudo isso em conjunto estão definitivamente alteradas as bases do poder do professor, desvalorizando-se a profissão pela natureza omnipotente do poder normativo, autoritativo e remunerativo sobre critérios de natureza científica e técnica. Se pensarmos, como nos diz J. F. Simões, que "a profissão docente é das raras que tem por objectivo transmitir a própria base do seu poder", isto é conhecimentos que outro não tem, então é evidente que o ensino bateu no fundo. E a inquietação, por parte de gente séria, ganha todo o sentido. Sem surpresas!
Ensino: a destruição final
Nos últimos dias, a actividade opinativa ou escavação predicatória sobre as medidas propostas pelo Ministério da Educação para alteração do ECD, arrastou uma turba de "inteligentes" da educação e do ensino para a praça pública, desde o mais dócil dos caceteiros jornalísticos ao mais obscuro do cidadão indígena. Pela verborreia a que se assistiu, todos pareciam ser professores: titulares, diga-se. Na hora, enquanto a ruína ainda só se pressentia, a senhora Ministra da Educação vai de desprofissionalizar, desqualificar e caluniar docentes, sem nenhum pudor intelectual ou tacto pedagógico. Arrebatada, presumivelmente por um qualquer génio da sociologia das profissões, a Ministra deu conferências em série, despachou decretos e outros receituários em massa, quase que sorriu aos devotos admiradores do seu eduquês, apareceu televisiva, encontrou-se com os pais, estava feliz. Não houve, por hora, festanças para os lados das ESE's e Politécnicos e só no Largo do Rato pertinentes analfabetos comiciaram socraticamente. O eduquês é polido, mas não valente.
Não iremos falar da Escola em geral, porque esta, piedosamente, se desvaneceu. Fernando Gil explicou isso bem (ver Enciclopédia Einaudi, vol. VII). Outros, para citar os mais próximos, como Lopes Carrilho, Stephen Stoer, Ferreira Patrício, António Magalhães, Bártolo Paiva Campos, João Formosinho Sanches Simões, António Nóvoa, Albano Estrela, João José Boavida ou Ana Paula Caetano, fazem-no ainda e muito bem. Por isso, não falaremos, especialmente, de objectivos educacionais ou da sua taxionomia, do currículo, da estruturação do ensino ou da aprendizagem, da didáctica, dos tipos e técnicas de avaliação escolar, do espaço físico-social e pedagógico, da comunicação educacional, do meio escolar e extra-escolar, da formação de professores, da disciplina/indisciplina, de sucesso/insucesso escolar. Matérias essas que os colunistas domésticos e os bons espíritos indígenas, aqueles que saem em defesa da obra da ministra, parece que dominam e pisam inteiramente. Estamos gastos por tanta erudição avulsa. E não é este o espaço ideal para isso e bem penoso o seria. Somos recatados.
Apenas se pretende ao analisar este espectáculo indecoroso da retórica ministerial & dos seus apaniguados, registar algumas contradições presentes na proposta de alteração do "Regime Legal da Carreira do Pessoal Docente". Dito de outro modo, consideramos não existir qualquer princípio de correspondência entre a nova proposta de regulação da profissão docente e a filosofia da educação ou politica educativa que é publicamente alardeada pela ministra.
Assim, dizemos que nem o novo ECD tem características meritocráticas, nem faz aumentar a eficácia, a competitividade e a rentabilidade das escolas e, por isso, não melhora o sistema educativo. Que na "histeria política" sobre a avaliação do desempenho nunca se assume o porquê de assim se proceder, não se expõe os objectivos pedagógicos a atingir, nem se questiona o seu putativo resultado final. Que no invés de conceder autonomia, responsabilidade e liberdade organizacional a docentes e outros intervenientes escolares e depois os avaliar, se tem a intenção de limitar direitos profissionais e coarctar os diferentes poderes pessoais e cognoscitivos dos professores. Que a visão romântica da organização escolar, criada por esta nova burocracia que tudo uniformiza e ritualiza, tem efeitos perversos na liderança e na necessária colaboração individual/de grupo nas tarefas de aprendizagem. E assim sendo, porque não desenvolve a "aprendizagem de grupo colaborativa" e skills individuais, não se torna a escola uma importante "unidade de mudança", que todos exigem. Que a visão (partilhada) da Escola, que é sempre de ordem individual, interactiva e contextual, fica completamente à mercê da tutela, não deixando margem de decisão aos vários clientes escolares e aos docentes, em particular, o que questiona imediatamente a natureza e os objectivos pedagógicos ou ideológicos que lhe estão associados. Que, por fim, o caos organizacional consequente que promove, irá resultar em conflitos de autoridade, existência de diversos poderes formais e informais em disputas insanas, exacerbação do mal-estar docente e fuga profissional dos melhores, forçando conflitos agitados entre alunos-pais-professores e, deste modo, conduz a uma degradação completa do ensino e educação. E que o Ministério teima em não querer ver, tal é a obsessão doentia.
[continuação]
quarta-feira, 14 de junho de 2006
O que faz falta ...
"Não ser de nenhuma seita e de nenhum partido, de nenhum club, de nenhum grémio, de nenhum botequim e de nenhum estanco, não ter escola, nem irmandade, nem roda, nem correligionários, nem companheiros, nem mestres, nem discípulos, nem aderentes, nem sequazes, nem amigos, é possuir a liberdade, é ter por amante a rude musa aux fortes mamelles et aux durs appas, cujo beijo clandestino e ardente põe no coração a marca dos fortes, mas requeima nos beiços o riso dos desgraçados"
[Ramalho Ortigão, As Farpas, VI]
O colunista doutrinal ou memória do crítico a fazer vénia à governação
"Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e fez o crítico à semelhança do gato.
Ao crítico deu ele, como ao gato, a graça ondulosa e o assopro, o ron-ron e a garra, a língua espinhosa e a calinerie. Fê-lo nervoso e ágil, reflectido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura, e para os amigos bom rapaz, desconfiado para os indiferentes, e terrível com agressores e adversário (...) Amigo de fazer jongleries com a primeira bola de papel que alguém lhe atire, ou seja um poema, ou seja um tratado, ou seja um código.
Paciente em aguardar, manso e apagado, com ar de mistério, horas e horas, a sortida dum rato pelos interstícios dum tapume, e pelando-se, uma vez caçada a presa, pró trazer da agonia dela uma distracção; ora enrolando-a como um cigarro, entre as patinhas de veludo; ora fingindo que lhe concede a liberdade, e atirando-a ao ar, recebendo-a entre dentes, roçando-se por ela, té a deixar num picado ou num frangalho ..." [Fialho de Almeida, Os Gatos]
Subscrever:
Mensagens (Atom)