quarta-feira, 14 de junho de 2006
O colunista doutrinal ou memória do crítico a fazer vénia à governação
"Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e fez o crítico à semelhança do gato.
Ao crítico deu ele, como ao gato, a graça ondulosa e o assopro, o ron-ron e a garra, a língua espinhosa e a calinerie. Fê-lo nervoso e ágil, reflectido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura, e para os amigos bom rapaz, desconfiado para os indiferentes, e terrível com agressores e adversário (...) Amigo de fazer jongleries com a primeira bola de papel que alguém lhe atire, ou seja um poema, ou seja um tratado, ou seja um código.
Paciente em aguardar, manso e apagado, com ar de mistério, horas e horas, a sortida dum rato pelos interstícios dum tapume, e pelando-se, uma vez caçada a presa, pró trazer da agonia dela uma distracção; ora enrolando-a como um cigarro, entre as patinhas de veludo; ora fingindo que lhe concede a liberdade, e atirando-a ao ar, recebendo-a entre dentes, roçando-se por ela, té a deixar num picado ou num frangalho ..." [Fialho de Almeida, Os Gatos]