quinta-feira, 15 de junho de 2006


Ensino: a destruição final

Nos últimos dias, a actividade opinativa ou escavação predicatória sobre as medidas propostas pelo Ministério da Educação para alteração do ECD, arrastou uma turba de "inteligentes" da educação e do ensino para a praça pública, desde o mais dócil dos caceteiros jornalísticos ao mais obscuro do cidadão indígena. Pela verborreia a que se assistiu, todos pareciam ser professores: titulares, diga-se. Na hora, enquanto a ruína ainda só se pressentia, a senhora Ministra da Educação vai de desprofissionalizar, desqualificar e caluniar docentes, sem nenhum pudor intelectual ou tacto pedagógico. Arrebatada, presumivelmente por um qualquer génio da sociologia das profissões, a Ministra deu conferências em série, despachou decretos e outros receituários em massa, quase que sorriu aos devotos admiradores do seu eduquês, apareceu televisiva, encontrou-se com os pais, estava feliz. Não houve, por hora, festanças para os lados das ESE's e Politécnicos e só no Largo do Rato pertinentes analfabetos comiciaram socraticamente. O eduquês é polido, mas não valente.

Não iremos falar da Escola em geral, porque esta, piedosamente, se desvaneceu. Fernando Gil explicou isso bem (ver Enciclopédia Einaudi, vol. VII). Outros, para citar os mais próximos, como Lopes Carrilho, Stephen Stoer, Ferreira Patrício, António Magalhães, Bártolo Paiva Campos, João Formosinho Sanches Simões, António Nóvoa, Albano Estrela, João José Boavida ou Ana Paula Caetano, fazem-no ainda e muito bem. Por isso, não falaremos, especialmente, de objectivos educacionais ou da sua taxionomia, do currículo, da estruturação do ensino ou da aprendizagem, da didáctica, dos tipos e técnicas de avaliação escolar, do espaço físico-social e pedagógico, da comunicação educacional, do meio escolar e extra-escolar, da formação de professores, da disciplina/indisciplina, de sucesso/insucesso escolar. Matérias essas que os colunistas domésticos e os bons espíritos indígenas, aqueles que saem em defesa da obra da ministra, parece que dominam e pisam inteiramente. Estamos gastos por tanta erudição avulsa. E não é este o espaço ideal para isso e bem penoso o seria. Somos recatados.

Apenas se pretende ao analisar este espectáculo indecoroso da retórica ministerial & dos seus apaniguados, registar algumas contradições presentes na proposta de alteração do "Regime Legal da Carreira do Pessoal Docente". Dito de outro modo, consideramos não existir qualquer princípio de correspondência entre a nova proposta de regulação da profissão docente e a filosofia da educação ou politica educativa que é publicamente alardeada pela ministra.

Assim, dizemos que nem o novo ECD tem características meritocráticas, nem faz aumentar a eficácia, a competitividade e a rentabilidade das escolas e, por isso, não melhora o sistema educativo. Que na "histeria política" sobre a avaliação do desempenho nunca se assume o porquê de assim se proceder, não se expõe os objectivos pedagógicos a atingir, nem se questiona o seu putativo resultado final. Que no invés de conceder autonomia, responsabilidade e liberdade organizacional a docentes e outros intervenientes escolares e depois os avaliar, se tem a intenção de limitar direitos profissionais e coarctar os diferentes poderes pessoais e cognoscitivos dos professores. Que a visão romântica da organização escolar, criada por esta nova burocracia que tudo uniformiza e ritualiza, tem efeitos perversos na liderança e na necessária colaboração individual/de grupo nas tarefas de aprendizagem. E assim sendo, porque não desenvolve a "aprendizagem de grupo colaborativa" e skills individuais, não se torna a escola uma importante "unidade de mudança", que todos exigem. Que a visão (partilhada) da Escola, que é sempre de ordem individual, interactiva e contextual, fica completamente à mercê da tutela, não deixando margem de decisão aos vários clientes escolares e aos docentes, em particular, o que questiona imediatamente a natureza e os objectivos pedagógicos ou ideológicos que lhe estão associados. Que, por fim, o caos organizacional consequente que promove, irá resultar em conflitos de autoridade, existência de diversos poderes formais e informais em disputas insanas, exacerbação do mal-estar docente e fuga profissional dos melhores, forçando conflitos agitados entre alunos-pais-professores e, deste modo, conduz a uma degradação completa do ensino e educação. E que o Ministério teima em não querer ver, tal é a obsessão doentia.

[continuação]