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domingo, 14 de setembro de 2008


Colheitas de bom veraneio (III)

Álbum de Família e Vestido de Noiva, raro livro de Nelson Rodrigues, Edições do Povo, Rio de Janeiro, 1946. Eis uma das obras míticas do então maldito Nelson Rodrigues. O texto do Álbum e Família foi submetido à censura e a sua representação proibida [17/03/1946] por "indecência", imoralidade e incitamento ao "crime". O governo do liberal (?) e populista Eurico Gaspar Dutra [1946-51] proíbe a peça. Curiosamente, nesse ano além de proibir os "jogos de azar" nos casinos, também ilegalizou o Partido Comunista, retirando-lhe a sua representação eleita para o Congresso. Neste debate sobre a proibição do "Álbum de Família" tem lugar central Álvaro Lins, pois foi ele quem "desencadeou a polémica" [que se desenvolveu nos jornais] e a guerra contra a peça de Nelson Rodrigues [sobre o assunto ver: Ruy de Castro, O Anjo Pornográfico, 1997, p. 196 e segs]. Manuel Bandeira, Ledo Ivo, Rachel de Queiroz, Nelson Wernek Sodré e outros, defenderam a sua circulação e representação.

Nelson Rodrigues, Álbum de Família e Vestido de Noiva, Edições do Povo, Rio de Janeiro, 1946

quinta-feira, 28 de agosto de 2008


Colheitas de bom veraneio (II)

"Do Viril* Hora crepuscular de melancolia ... Há nas coisas e na alma uma lassidão dominante. O sonho! O sonho! Mas … Junto ao Amazonas só se pode sonhar com gigantes. E …com montanhas. Porque ... Para se viver o Amazonas é preciso ter uma alma tão grande como o próprio Amazonas (...)

... Havia um silêncio fictício (...) O índio avança, dobrando muito as pernas nos joelhos. A fêmea extasiava-se também no crepúsculo suave de nuvens vestido-de-bailarin: - cortadas agora por uma grande mutum, que veio poisar sobre o assahyzeiro, apequenado pela altura. Com um golpe só, passando-lhe a mão pela cabeça, o macho fel-a tombar: - de cara para cima. Ela, defendendo-se, suspendeu as pernas: - encolhendo-as, formando um ângulo: - mostrando então a vagina aberta dum arroxeado-escuro. Ele, mordeu-lhe o pescoço, os peitos, torcendo-lhe os braços, arrepanhou-lhe a pele da barriga com a sua mão larga e felpuda: - como se a quizesse suspender pelo ventre encolhido. E a fêmea estremecia: - como se um rolo de veludo a acariciasse. Um mundo de sensualismo invadia a tarde ..."

* ... Foi no Amazonas que nasceu o meu primeiro desejo (…) O Amazonas é um poema de sensualismo vegetal. Na sensualidade potente-e-morbida da selva ao crepúsculo eu fui homem (...) Hoje o Amazonas é a minha pátria: - o museu das minhas imagens: - a silenciosa biblioteca onde se acumulam todas as variantes da Belesa. Po isso … As ultimas paginas deste livro alcançam a primitividade: -na sua violência de verdadeiro. Às pessoas de pudor elas serão contundentes. Para que as expatriem da obra mandei perfurar. Quanto a mim ... O pudor é a túnica da Verdade: - Eu já rasguei há muito essa túnica” (p.98)

Ferreira de Castro, in "Mas ...", (p. 97-99) Tip. Boente & Silva, R. do Século, 2-C, Lisboa, Portugal, 1921, 100 pgs

Raro livro, nunca reeditado, de Ferreira de Castro. Trata-se do seu quarto livro, o primeiro que publicou em Portugal [Criminoso por ambição, 1916; Alma Lusitana, 1916; O Rapto, 1918; foram todos publicados no Brasil (Pará)] e que tem como curiosidade apresentar as duas ultimas folhas picotadas, pelas razões atrás referidas pelo autor. Muitos exemplares não apresentam essas folhas. Registe-se que se trata se ensaios de teor sociológico, sendo de realçar "Junqueiro hoje é o cadáver vivo do seu Génio morto" e, em especial o curioso:"A anarquia é a fronteira sociológica contemporânea".

Colheitas de bom veraneio (I)

Raríssimo primeiro livro de Ferreira de Castro. A novela "Criminoso por ambição", saída em fascículos sob edição de F. Lopes (Pará, Brasil) e vendida à mão pelo autor, foi publicada em 1916, mas foi anteriormente escrita (1912-13). Ferreira de Castro (que nasceu em 1898, pelo que tinha então mais ou menos 15 anos) era então empregado num armazém no Seringal Paraíso, no rio Madeira, coração do Amazonas - para onde foi enviado por um "engajador", por sinal seu conterrâneo. Trabalho duro e miséria terrível. Decerto é a partir daí e dos contactos com outros portugueses que começa a esboçar o seu importante livro, "Emigrantes".

Ferreira de Castro, "Criminoso por ambição" (novela). Edição F. Lopes, Pará, 1916

segunda-feira, 21 de abril de 2008


Leilão de Livros, Manuscritos e Obra Gráfica - 22 e 23 de Abril

A novíssima Leiloeira "Renascimento" põe à venda – amanhã dia 23 de Abril, seguindo dia 24 – um estimadíssimo rol de livros, manuscritos e obras gráficas, de invulgar e rara oportunidade para bibliómanos. Do Catálogo, elaborado por José F. Vicente e que é composto por importantíssimos peças literárias, destacam-se um conjunto apreciável de revistas literárias e obras únicas (e raras) de quase todos os maiores e mais admirados escritores e poetas lusos.

Esta invulgar colecção que vai à praça – na rua Agostinho Lourenço (ao Areeiro), nº 20, pelas 21.30 horas -, pela sua riqueza literária, marca o aparecimento desta nova leiloeira e traz a felicidade dos amantes dos livros e obras raras.

A não perder. Ver Catálogo aqui.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007


Hoje - Leilão da Biblioteca de Diogo e José Bayolo Pacheco de Amorim

Vai hoje e amanhã a leilão – Hotel Roma (sala Veneza) pelas 21 horas - alguns livros antigos e manuscritos da Biblioteca dos Professores Doutores Diogo e José Bayolo Pacheco de Amorim, organizado pelo livreiro-antiquário Luís Burnay.

A magnífica e valiosa biblioteca, com importantes e raras peças setecentistas e oitocentistas, de um classicismo invejável, a par de um precioso lote de manuscritos do século XV a XVII, é absolutamente notável. Daremos conta das peças a leilão para o dia de amanhã (12 de Dezembro)

Um leilão notável e a não perder.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007


Folclore Pornográfico da Figueira da Foz

Reeditado pelo livreiro-antiquário Miguel Carvalho, saiu em edição fac-similada o raríssimo "Folclore Pornográfico da Figueira da Foz", publicado anonimamente em 1914. Esta curiosa peça de conteúdo popular e brejeiro, de costumes, imprecações, superstições e modas do povo da Figueira da Foz, apresenta saborosas quadras, adágios e contos que fazem parte (ainda) do cancioneiro popular humorístico local.

Sob chancela "Debout Sur L'Ouef - De Pé Sobre o Ovo", pertença de Miguel Carvalho, esta edição fac-similada (de 200 exemplares) foi apresentada na centenária livraria figueirense "Casa Havaneza", pelo próprio Miguel Carvalho e pelo professor António Tavares (antigo director do jornal Linha do Oeste), e é vendida pitorescamente (tal como outrora o foi, mas por outros motivos) por "debaixo do balcão", na venerável livraria da Figueira da Foz.

Na altura da sua apresentação, Miguel Carvalho, secundado por António Tavares, sublinhou que "tudo indica que os autores [do livro] serão Cardoso Martha e Augusto Pinto". Referem que terá sido o "Folclore Pornográfico da Figueira da Foz" como que um complemento ao estimado trabalho "Folclore da Figueira da Foz" (datado de 1910), produzido por ambos e editado pela "Tipografia, Livraria e Papelaria Esposendense, Rua Veiga Beirão, 7 a 9, Esposende", no ano de 1911 e 1913 (trata-se de II vols). E devem estar certos.

Na verdade, conhecíamos (via Miguel Carvalho) a obra. Não havia (para nós) referência alguma sobre ela, a não ser a sua presença num catálogo (... de livros raros e curiosos que pertenceram a um Distincto Bibliophilo, à venda na Papelaria Serra & Cª., Rua do Ouro, 72, lote 222, p. 26), onde aparecia juntamente com a citada obra de Marta & Pinto, "Folclore da Figueira da Foz". Surpreendentemente é atribuída ao "Folclore Pornográfico" a sua edição em Esposende (lugar onde foi editado o trabalho primitivo). Trata-se, possivelmente, de um erro do organizador do catálogo, porque na edição na posse de Miguel Carvalho não há referência ao lugar de impressão. Existe, ainda, uma breve alusão ao "Folclore Pornográfico" nos "Subsídios para a bibliografia da história local portuguesa", de António Mesquita de Figueiredo, ed. B.N., 1933 [onde é dito que se trata de um 8º de 16 por 11,5, 25 p., s.l.].

terça-feira, 29 de maio de 2007


JPP: livros de recordações

Serenamente, afastado do bulício do eng. Sócrates e longe do sepulcro do dr. Marques Mendes, o nosso JPP revisita-se. Em sagaz exercício espiritual posta os livros da sua vida. Que é, afinal, a de todos nós. Curioso caminhar esse entre viciosos cardápios e estimáveis (grandes) capas. O livro e a sua história são toda uma vida de trabalho e de prazer. As memórias guardam-se, também assim.

Lá em cima, olhando-nos, eis um livro editado e traduzido pelo JPP & Maria Helena (Cadernos Vanguarda 1, Livraria Júlio Brandão, VNF, Junho de 1971). Um livro de muitas vidas e algumas iras.

Nota: hoje, dia 29 de Maio, pelas 22h no Casino da Figueira da Foz, JPP estará participando nas Tertúlias do Casino. Lá estaremos.

sábado, 5 de maio de 2007


Cidade Proibida – Eduardo Pitta

No dia 16 de Maio, pelas 18,30 horas na FNAC do Chiado, será o dia (há muito esperado) do lançamento do romance de Eduardo Pitta [Da Literatura], "Cidade Proibida", sob a chancela da QuidNovi.

A apresentação estará a cargo do escritor Fernando Pinto do Amaral.

A não perder.

segunda-feira, 23 de abril de 2007


Dia Mundial do Livro

Antena 1 - Francisco José Viegas sugere-lhe um Livro, hora a hora.

Em Lisboa: Casa Fernando Pessoa [MegaSaldos] / Dia Mundial do Livro na Hemeroteca Municipal de Lisboa [livros e periódicos à venda] / Lisboa Cidade do Livro [ver programação aqui] / Feira do Livro

[via Mundo Pessoa]

sábado, 6 de janeiro de 2007



10 Livros Portugueses de 2006

1. Obra Breve (Fiama Hasse Pais Brandão, Assírio & Alvim)
2. Casa das Sementes (António Osório, Assírio & Alvim)
3. O Livro do Meio (Armando Silva Carvalho & Maria Velho da Costa, Caminho)
4. Entre Deuses e Césares - Secularização, Laicidade e Religião Civil (Fernando Catroga, Almedina)
5. Poesia e Alguma Prosa (Mário Saa, notas João R. Sousa, INCM))
6. A Moeda do Tempo (Gastão Cruz, Assírio & Alvim)
7. Camilo Broca (Mário Cláudio, Dom Quixote)
8. O Último Negreiro (Miguel Real, Quidnovi)
9. Analogia e Dedos (Pedro Tamen, Oceanos)
10. O Valor do Livro Antigo em Portugal/The Value of the Old Book in Portugal (João F. Pereira & José F. Vicente, Vol. I, Séc. XV e XVI)


10 Livros de Autores Estrangeiros de 2006

1. A Divina Comédia (Dante, trad. V. G. Moura/des. J. Pomar, Bertrand)
2. Bíblia Ilustrada (C. Leitores/Assírio & Alvim)
3. Amores (Ovídio, trad. Carlos Ascenso André, Cotovia)
4. Quatro Visões Memoráveis (William Blake, Antígona)
5. A História Natural da Destruição (W. G. Sebald, Teorema)
6. Rio de Janeiro - Carnaval no Fogo (Ruy de Castro, Asa)
7. O Livro dos Rios (José Luandino Vieira, Caminho)
8. Com Borges (Alberto Manguel, Âmbar)
9. Estaline, a Corte do Czar Vermelho (S. Sebag M., Alêtheia)
10. Tratado de Arquitectura (Vitrúvio, IST Press)

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

O SÉCULO XX NOS JORNAIS PORTUGUESES


Lançamento do Livro

... Primeiras Páginas - O Século XX nos Jornais Portugueses, de Luís Trindade. Será apresentado por Mário Mesquita e Fernando Rosas, sábado, dia 25 de Novembro de 2006 às 17h00 na FNAC do Chiado.

"Trata-se de um original álbum ilustrado que nos conta a História do século XX através das primeiras páginas dos principais jornais portugueses. Luís Trindade seleccionou 45 acontecimentos ilustrados por 135 primeiras páginas de jornais surpreendentes" [Bertrand]

Local de leitura e consulta: aqui

domingo, 16 de novembro de 2003

JACQUES DERRIDA - "ESPECTROS DE MARX"




"Shakespeare sabía mejor que nuestros pequeños burgueses cómo el dinero, forma de la propiedad la más general de todas, tiene poco que ver con las particularidades de las personas".

"En lugar de cantar el advenimiento del ideal de la democracia liberal y del mercado capitalista en la euforia del fin de la historia, en lugar de celebrar el fin de las ideologías y el fin de los grandes discursos emancipatorios, no seamos negligentes jamás con esta evidencia macroscópica hecha de innumerables sufrimientos singulares. Ningún progreso nos permite olvidar jamás, en cifras absolutas, que jamás tantos hombre, mujeres y niños han sido esclavizados, han estado hambrientos y han sido exterminados sobre la tierra." [Espectros de Marx]

"Não há lugar neutro ou natural no ensino."

"Pode a universidade (e de que maneira?) afirmar uma independência incondicional, reivindicar uma forma de soberania, uma espécie bem original, uma espécie excepcional de soberania, sem nunca se arriscar ao pior, a saber, em função da abstração impossível dessa soberana independência, ter que se render e capitular sem condição, deixar-se conquistar ou comprar a qualquer preço?"

"Cuidado com os abismos e as gargantas, mas cuidado também com as pontes e as 'barriers'. Cuidado com o que abre a Universidade para o exterior e para o sem-fundo, mas cuidado também com o que, fechando-a em si mesma, não criaria senão um fantasma de cercado, a colocaria à mercê de qualquer interesse ou a tornaria perfeitamente inútil. Cuidado com as finalidades, mas o que seria uma Universidade sem finalidade?"

"Se enceno, se dispenso um saber, para mim ensinar consiste em deixar o outro como outro, deixo ao outro a responsabilidade de se 'débrouillé'. A cada momento que cada um se 'débrouille', trate seu próprio fantasma, é isso a responsabilidade impossível de compartilhar. Cada um deve ficar só. É isso a solidão. Quando falo de solidão, da minha solidão, você pensa na sua e se diz, pode ser a mesma coisa - mas como você se engana. Mas é isso a linguagem. Há um grande poeta inglês Hopkins que elaborou uma teoria que ele chamava: self selving, como um 'self se selve', como um eu se torna ele mesmo. Ele o faz através do que Hopkins chama de - self taste - o gosto de si mesmo. O gosto que cada um tem de si mesmo. É absolutamente indescritível, incompartilhável. Ninguém pode partilhar o gosto de si mesmo. Tente descrever a alguém descrever o gosto de uma cerveja. O gosto não se compartilha." [Seminários EHESS]

"... toda a soberania é delirante a priori. Não há pretensão à soberania que não seja excessiva, hiperbólica, injustificável e, portanto, demente. A soberania é se sentir vivo, mas ninguém dá vida a ninguém, nem mesmo a mãe. Em todo caso, o soberano é alguém que diz: se dou a vida, posso tomá-la de volta. Dar e tomar a vida é o delírio do soberano."

"Com o fim da guerra fria, os Estados Unidos adotaram o conceito de 'rogue States' (Estados delinquentes) para designar países que desafiam a sua hegemonia. Ao fazê-lo, no entanto, extrapolam do abuso do poder e tornam-se, eles próprios, um 'rogue State'.

sexta-feira, 14 de novembro de 2003

DO PERIGO DE PROIBIR CERTOS LIVROS ESTRANGEIRO





"... Com a data de 8 de Novembro de 1768, o Bispo de Coimbra, D. Miguel de Anunciação expediu uma pastoral celebre, que o leitor se for curioso destes assuntos, pode ver integralmente reproduzida na «Revista de História», de 1912, onde foi publicada pela primeira vez em letra de forma por Fortunato de Almeida.

Fervia em França o grande movimento filosófico do sec. XVIII e D. Miguel da Anunciação mostrava-se alarmado com a «torrente inundante de doutrinas várias e peregrinas que se têm derramado nesta cidade (Coimbra) ... com prejuízo imenso das almas e das consciências»
D. Miguel da Anunciação enumerava, na sua aflição, vinte e quatro obras «perigosas» (...)

Entre os livros anatematizados encontrava-se a monumental Enciclopédia de Diderot e d’Alembert; O Contrato Social, de Rousseau; Discurso sobre a desigualdade dos homens, do mesmo; Resumo de História, de Voltaire; Ensaio sobre a História, do mesmo; Henriade, idem; etc. «O desígnio destes autores, comentava o Bispo, parece ser de arrancar dos corações dos fiéis pela raiz as regras puras dos costumes, a doutrina mais sã da lei, os ditames mais sólidos da moral, e de introduzir o indiferentismo e fanatismo capaz de fazer que muitos naufraguem na fé; de por em maior risco as preciosas vidas dos reis e dos príncipes, e de alterar a boa harmonia que deve haver entre o sacerdócio e o império» (...)

Pois um mês depois da expedição da dita pastoral, na madrugada de 9 de Dezembro de 1768, D. Miguel da Anunciação teve um mau despertar: o Paço estava cercado de tropas e oficiais da Justiça entraram-lhe pela casa dentro com inexorável mandado de prisão.

Daí a pouco o desditoso Prelado era levado para Lisboa, ente forte escolta de cavalaria - como se fosse o mais temível dos bandidos. Atiraram-no para uma masmorra do forte de Pedrouços (...) É que tinha sido preso por mandado do omnipotente Conde de Oeiras, futuro Marquês de Pombal (...)
Seria por acaso o despótico Conde de Oeiras partidário das ideias materialistas, individualistas, liberais e democráticas, demolidoras do trono e do altar, pregadas por enciclopedistas, por homens como Voltaire e Rousseau? (...)

Oeiras mandou para a enxovia o Bispo de Coimbra por motivos muito diferentes. Além dos livros que citei, a Pastoral mencionava dois de Luís Elias Dupin, que quási ninguém hoje conhece: De Antiqua Ecclesiae Discipline; e Dissertationes Historicae; e um de Justino Febronio: De statu Ecclesiae et legitimi potestate Romani Pontificis. A proibição destes livros é que fez deflagrar as iras do Ministro - qual em tudo via a acção dos Jesuítas! Os censores que por sua ordem examinaram a pastoral, concluíram que esta fora inspirada pela Companhia de Jesus, então já expulsa do país..."

[A. Da Rocha Brito, in Primeiro de Janeiro, 18 (?)/ 02/1944]

domingo, 31 de agosto de 2003

M.E.C., POPMUSIC E ESCRÍTICA POP



Com natural curiosidade segui com a atenção merecida, a conversa (via Homem a Dias) entre O Comprometido Espectador, Terras do Nunca e o próprio Homem a Dias, sobre música e em particular em torno da questão de dois livros escritos pelo M.E.C, até porque em post de 23 de Maio já os tinha citado, esperando agora que o próprio M.E.C possa esclarecer a questiúncula bibliófila. No entanto, aqui deixo umas referências, do que (julgo) sei:

- o livro Popmusic-Rock de Philipe Daufoy & Jean Pierre Sarton (Popmusic/Rock na versão original francesa, Éditions Champ Livre, Paris 1972) saiu no ano de 1974 pela Regra do Jogo, com tradução de Carlos Lemos. Posteriormente foi publicado (pelo menos) uma segunda edição que data de 1981 (a que tenho), onde surge um texto muito importante para os amantes a pop, pelo Miguel Esteves Cardoso, denominado "Ovo e o Novo /(Uma) discografia duma década / de rock: 1970-1980", considerado como posfácio á obra, citada.

Se o texto do M.E.C. (na 2ª edição) é importante, menor não deixa de ser o valioso ensaio dos autores franceses citados, tendo em conta os registos afectivos do período de 1974, aqui em Portugal. Daí entender-se o recurso à terminologia marxista na análise da pop music, que partindo da velha questão, bem smithiana diga-se, da distinção entre o trabalho produtivo e improdutivo, estabelece uma arqueologia da pop music rock através de questões como: a neutralização do seu poder de rebelião ou da sua poesis messiânica que revelaria, o seu posterior controlo na lógica da relação mercantil ou a perda da sua força de radicalidade/revolta, numa submissão simbólica a partir da produção de mercadoria por mercadoria, que tudo submete. Velhos tempos, diremos. [nota: o livro faz parte da bibliografia sobre musica, da cadeira de Linguagens da Comunicação, da Univ. Federal da Bahia]

Diga-se, ainda, que a segunda obra publicada pela mesma Regra do Jogo (editora do Porto) foi o excelente Free Jazz Black Power, de Philippe Carles/Jean Comolli, de 1986.

De outro modo, seria interessante referenciar algumas revistas/jornais saídos sobre o fenómeno da pop rock. Um jornal essencial foi O Memória de Elefante, publicado antes do 25 de Abril, que é hoje raro e peça de colecção. Curiosamente, do ponto de vista ideológico o jornal estava perto do "jovem" JPP, desses tempos.

- o livro Escrítica Pop / ... / Um quarto da quarta década do Rock 1980-1982, saiu editado pela Editorial Querco, Junho de 1982, 365 p.

Trata-se, como nos é dito inicialmente, numa recolha de textos escritos em Portugal e Inglaterra e anteriormente publicados n'O Jornal, O Se7e, Música e Som, etc. É um fabuloso livro de memórias musicais, paixões e (des)amores com musica em fundo. Crítica pop importante e valiosa. De muita estimação.

terça-feira, 15 de julho de 2003

MEMÓRIAS DE UM EX-MORFINÓMANO


[Lá se catalogou o Reporter X, o X, o Espião. Ficou-se com uma extraordinária impressão de Reinaldo Ferreira, o Repórter X. Fomos buscar à livralhada o seu famoso (e já difícil de encontrar) livro "Memórias de um Ex-Morfinómano". O prefácio, ao livro, por Artur Portela é elucidativo. Não resistimos a transcrever um pequeno extracto. Como são belas as tardes de Julho!]

Memórias de um Ex-Morfinómano [Reinaldo Ferreira]

"Reinaldo Ferreira foi o maior repórter da Imprensa portuguesa. Morto, continua a sê-lo, através de uma obra extraordinária, fulgurante, caudalosa, que é impossível avaliar (...)
Estou ainda a vê-lo, de olhos cinzentos, fosforescentes, o cabelo loiro, como se fossem as chamas do incêndio da sua alta vocação jornalística; dinâmico, nervoso, fustigante, multiplicando os gestos, as palavras, as ideias, sempre com uma caneta na mão, que não passeava lentamente no papel, mas galopava vertiginosamente, desentranhando-se em milhares de artigos, sensacionais reportagens, crónicas de viagem, novelas de mistério, romances empolgantes, peças de teatro, numa palavras, toute la lyre que ele percutia, sem esforço, como que ébrio ou magnetizado pela mais assombrosa vocação que tenho visto no Jornalismo!

Falta ainda, para o retrato ser flagrante, medir-lhe a estatura física, que não era muito alta, como que condensada na força do salto; desenhar-lhe a fronte enorme, enobrecida de claridade interior; dizer que os cabelos fulvos, chamejantes, pareciam desgrenhados pelo vento das mais arrojadas aventuras e que nos lábios, cremados pelo fumo, ardia sempre um cigarro, quase nunca tirava da boca carregada de cinza - essa mesma cinza de um talento de oiro, irresistível, frenético, electrizante, que ele espalhou sobre o Mundo nas mais extraordinárias e audaciosas performances. (...)
O jornalismo era nele, fisicamente, uma vocação instintiva. (...) Por instinto, decerto -
Reinaldo Ferreira não tinha tempo para ler, tanto escrevia! -, ele introduziu em Portugal a maneira característica do jornalismo americano - incisivo, inconfidente, mesmo escandalosa, densa na sua verdade, em que as imagens, como no cinema, dominam as palavras, fotografando o que se passava e o que se não disse, o que se sabe e o que se esconde, numa reconstituição visual em que tanto as personagens como os pormenores empolgam, visceralmente desnudados. (...)
A certa altura, porém,
Reinaldo Ferreira encontra um formidável adversário. Um gigante enorme, duro, terrível, tolhe-lhe o passo: é o Repórter X.

Mas, quem é o Repórter X? (...) É ele próprio, Reinaldo Ferreira, pseudónimo criado por um lapso tipográfico no final de um seu artigo no jornal A Tarde, e que será até ao fim de tão febril e convulsiva existência - o seu inimigo nº1. O pseudónimo individualiza-se, humaniza-se e destrói Reinaldo. O ser que engendrou entra em circulação. É um nome civil. Uma autêntica personalidade (...) É a sua sombra, que nunca o deixará de perseguir na existência, até aos últimos passos, até á morte! (...)
[Reinaldo Ferreira] desapareceu por completo. À sua mesa de trabalho, com os mesmos traços, o mesmo cigarro em brasa, que não tira das comissuras dos lábios, a grenha a empalidecer com os primeiros fios brancos dos anos - senta-se esse horrível monstro, o repórter X, que o fita, irónico, desabusado, de mãos enluvadas de negro, mascarilha vermelha, sangrenta, irónica, cruel, insaciável, (...) É ele que quem visita as lôbregas prisões, (...), que penetra nos esgotos das tentaculares cidades, (...), que devassa os cárceres dos loucos (...), que se embriaga com os paraísos azuis da morfina e de outros alcalóides, como Aldous Huxley, nas Portas da Percepção, para nos descrever todas as sua bizarrias, todos as suas abomináveis, todas as suas oníricas fantasmagorias. (...)

[Artur Portela, in, Nota Prefacial (pag. 9- 21) às Memorias de um Ex-Morfinómano de Reinaldo Ferreira, Lisboa, 1956]

segunda-feira, 30 de junho de 2003

LIVROS DE CULINÁRIA

Tinha prometido ao Fumaças uma resma bibliográfica sobre livros de culinária. Desconhecia que o mestre José Quitério tinha prefaciado os "Livros Portugueses de Cozinha", com organização de Manuela Rêgo, edição Biblioteca Nacional, onde vem (suponho) um vasto conjunto bibliográfico sobre o tema. Como não o tenho, tomei nota de alguns livros que julgo importantes, nas minhas deambulações ...

- ARTE DE COSINHA [pref. Alberto Pimentel]
Matta (João da), Parceria A. M. Pereira, Lisboa, 1909, 416 p.

- ARTE DE COSINHA DIVIDIDA EM DUAS PARTES, ... [Primeiro tratado de cozinha portuguesa, escrito pelo chefe da cozinha de D. Pedro II, com oferta ao Conde de Vimioso. Inocêncio F. Silva considera que a melhor edição é a de 1765 (7ª ed., dividido em três partes, sendo a última o "preparar mesas em todo o ano"]. Saiu, ainda, mais edições sendo que a partir de 1836 trás mais uma quarta parte (fazer "pudinz, e preparar massas"]
Rodrigues (Domingos), Lisboa, 1693

- ARTE DO SALCHICHEIRO, OU METHODO DE PREPARAR E CONSERVAR AS DIFFERENTES PEÇAS DE PORCO, SEGUNDO ... .[obra traduzida do francês]
Typ. De G. M. Martins, Lisboa, 1856, 309 p.

- ARTE NOVA, E CURIOSA, PARA CONSERVEIROS, CONFEITEIROS, E COPEIROS, E MAIS PESSOAS QUE SE OCCUPAM EM FAZER DOCES , E ?
Off. de Jose Aquino Bulhoens, Lisboa, 1788, 203 p.

- COZINHEIRO MODERNO, OU A NOVA ARTE DE COZINHA, onde se ... [3ª ed.]
Rigaud (Lucas), Off.de Simão Thaddeo Ferreira, Lisboa, 1798, 461 p.

- GUIA DA DONA DE CASA [Pref. Curioso do prof. Eduardo Pimenta]
Lopes (F.), Typ. da Empresa Litteraria, porto, s/d [1895], 240 p.

- ... O DOCE NUNCA AMARGOU ... Alguns motivos ornamentais de doçaria portugueza
Ribeiro (Emanuel), Tip. Sequeira, Porto, 1923, 51 p.

- O ESPÊTO. Sociedade conhecida, de responsabilidade limitada a ... ceias e piqueniques [peripécias culinárias de Beja]
Carvalho (Ernesto), Tip. Universal, Lisboa, 1914, 222 p.

- TRATADO COMPLETO DE COZINHA E DE COPA
Maia (Carlos Bento) (pseud. de Carlos Bandeira de Melo], Ed. Guimarães, Lisboa, 1904, 748 p.

... e já agora este curioso folheto com a participação de Fernando Pessoa:

- QUAKER OATS. Receitas [famoso folheto sobre os flocos de aveia Quaker Oats, em versão de Fernando Pessoa, saindo sobre anonimato]
[Pesoa (Fernando)], Lisboa, s/d [1930], 32 p.

[a continuar]

quinta-feira, 5 de junho de 2003

AMERICA GOES BACKWARD


America Goes Backward in The New York Review of Books

Está perigoso o mundo, e não é só na velha Europa que habita a dita 'histeria' anti-americana, ou melhor a ideia que a administração actual dos EUA é um enorme embush, porque lá mesmo a vida não está facil.

America Goes Backward (Stanley Hoffmann): «Less than two and a half years after it came to power, the Bush administration, elected by fewer than half of the voters, has an impressive but depressing record. It has, in self-defense, declared one war—the war on terrorism —that has no end in sight. It has started, and won, two other wars. It has drastically changed the strategic doctrine and the diplomatic position of the United States, arguing that the nation's previous positions were obsolete and that the US has enough power to do pretty much as it pleases. At home, as part of the war on terrorism, it has curbed civil liberties, the rights of refugees and asylum seekers, and the access of foreign students to US schools and universities. It holds in custody an unknown number of aliens and some Americans treated as "enemy combatants," suspected but not indicted, whose access to hearings and lawyers has been denied. The Republican majority in both houses of Congress and the courts' acceptance of the notion that the President's war powers override all other concerns have given him effective control of all the branches of government. The administration's nominees to the courts would consolidate its domination of the judiciary.»

Um texto a consultar.

quarta-feira, 4 de junho de 2003

A NÁUSEA DE SARTRE

Hoje não esquecer de comprar com o Público, a Náusea de Jean-Paul Sartre - colecção Mil Folhas. A edição que possuo de 1958 de Europa América está em mau estado, passe a capa de Sebastião Rodrigues e a tradução de António Coimbra Martins. Confesso que é livro estimado. Aliás quer A Náusea (1938), quer O Muro (1939), paridos antes da guerra são, para mim, os dois melhores livros de Sartre. N'A Náusea a ideia do homem como sujeito de possibilidades que perde ou ganha nas ecolhas (livres) que faz, mesmo que a dúvida se instale, está perto do pensamento de Heidegger e na matriz literária de Fawlkner ou de John dos Passos. A não perder.

"Tudo é gratuito, a jardim, esta cidade, e eu mesmo; quando acontece da gente se dar conta disso, isso atinge o cabeça e tudo começa a flutuar; eis a náusea"

"Vejo o futuro. Está ali, pousado na rua, mais pálido um tudo nada que o presente. Que necessidade tem de se realizar? Que vantagem é que isso lhe dará? A velha afasta-se, trôpega, pára, compõe uma madeixa que lhe saiu de debaixo do lenço. Recomeça a andar: ainda agora estava além, agora está aqui ... torna-se-me tudo confuso: eu vejo ou prevejo os gestos dela? Já não distingo o presente do futuro, e, todavia, há uma duração, uma realização, que se opera pouco a pouco; a velha avança na rua deserta, desloca os seus grandes sapatos de homem. É isso o tempo, o tempo inteiramente nu, que acede lentamente à existência, se faz esperar, e que, quando chega, nos enfastia, porque conhecemos então que já estava ali havia muito"

"É então isto a Náusea, esta ofuscante evidência? As voltas que dei à cabeça! Tanto que escrevi acerca dela! Agora sei: existo - o mundo existe - e sei que o mundo existe. É tudo. Mas é-me indiferente. É estranho que tudo me seja indiferente: mete-me medo que assim seja"