domingo, 11 de fevereiro de 2007

EM PORTUGAL


"Na mediania é que está a sensaboria, já lá (não) diz o provérbio. Em Portugal nada dura mais que quinze dias, quinze dias que podem ser muitos anos, claro. Como não temos vida colectiva intensa e não vivemos problemas comuns, os casos (excepção feita ao do Eusébio), como sucede noutros países, habituamo-nos muito depressa (e aborrecemo-nos) ao que é novo, diferente, Daí o nosso cepticismo de raiz e a estranha capacidade (?) de banalizarmos tudo. É que o novo não tem em nós consequências. È apenas vidrinho, uma missanga de cor diferente. O que nós queremos é que nos façam ó-ó"

[Alexandre O'Neill, in Alexandre O'Neill Uma Biografia Literária, de Maria Antónia Oliveira, 2007]

O Ministério da Educação

"Mais do que o TLEBS ser bem ou mal em si, o que importa é quem tentou implementar isso. Se o Ministério da Educação fosse um lugar credível para os professores, estes, os principais envolvidos em todo o processo, seriam capazes de dialogar e de intervir de modo a que se modificasse muita aresta mais incómoda. Os professores não precisam de interventores culturais a falarem por eles. São gente, na sua maioria, informada, dedicada e habituada ao diálogo transformador. O problema está em que desacreditaram de tudo o que possa vir de um ministério que os apoucou, aviltou e desautorizou. Um ministério que elegeu como inimigo a abater, diga o que disser na sua demagogia, aqueles a quem devia servir. Sobre este assunto já o Padre António Vieira se pronunciou, como talvez nos ministérios se não saiba.

Quotidianamente, a escola serve ao ministério para abater a autonomia do professor: nos horários em que o rouba, nas avaliações em que o conspurca, nas portarias em que o desumaniza. Perante esta situação de abate sistemático, esta via de desprezo pela vontade continua de aprendizagem e actualização, mesmo sem ter apoios económicos de lado nenhum, a que o professor geralmente gosta de se dedicar, esta espoliação do tempo para pensar e informar-se e ler e ir ao teatro e ao cinema e às exposições onde o melhor de si pode apreender o melhor dos outros, esta transformação do professor de educador e amigo dos seus alunos em criado de servir e bode expiatório do inevitável insucesso escolar: como há-de alguém querer interessar-se por qualquer proposta que surja de um declarado inimigo assim? TLEBS e outras situações existentes não perderam por causa das opiniões abalizadas que as atacam - e que eu estou longe de discutir aqui, tanto mais que em muitos casos concordo com essas opiniões. Perderam porque ninguém respeita nem pode respeitar um ministério como este que lhes caiu em sorte"

[Joaquim Manuel Magalhães, in Algumas Palavras, Expresso-Actual, 9/02/2007]

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007


Se queres ser bom juiz ...

"Se queres ser bom juiz,
ouve o que cada um diz.

Jamais ouças, entretanto
qualquer Espírito-Santo
dos tais chamados de orelha!
Mal te induz e te aconselha,
mantém-te surdo aos zumbidos
dos zângãos intrometidos
...
Juiz de facto ou de direito
nunca olvide este preceito
que a prudência lhe prescreve:
- Qual mulher de César, deve,
a-de-mais de honesto ser,
não deixar de o parecer
no que faz, ou diz, ou escreve"

[Alfredo da Cunha, Ditames e Ditérios. Glosas em verso de ditados ou dizeres comuns, Lisboa, 1930]

Catálogo LVII da Livraria Moreira da Costa

Saiu o Catálogo LVI da Livraria Moreira da Costa (Rua de Avis, 30 - Porto). Peças esgotadas, algumas raras. Pode ser consultado on line.

Algumas referências: História da Literatura Portugueza. Sá de Miranda e A Eschola Italiana, por Theofilo Braga, 1896 / O Comercio do Porto ao completar 70 Anos. Notas para a sua história, por Bento Carqueja, 1924 / Cartas de Afonso de Albuquerque, ..., TomoI a VI, 1884-1915 / Perfil do Marquês de Pombal, de Camilo Castelo Branco, 1882 / O Vinho de Porto processo d'uma bestialidade ingleza, por C. C. Branco, Porto, 1884 / A Gíria dos Estudantes de Coimbra, de Amílcar Ferreira de Castro, FLUC, 1947 / III Congresso Pedagógico do Ensino Secundário Oficial. Realizado em Braga (9-12 Jun. 1929), 1930 / Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente, de Natália Correia, Afrodite, Maia, 1981 / Revolução do Porto (31 de Janeiro 1891). Discurso de defeza pelo advogado José Alberto de Sousa Couto perante o Segundo Conselho de Guerra, 1891 / Anais, Crónicas e Memorias Avulsas de Santa Cruz de Coimbra, por António Cruz, 1968 / Decretos de 29 de Novembro de 1836 e 13 de Janeiro de 1837 que ... Reforma Judiciária, 1837 / Estatutos da Universidade de Coimbra Confirmados por el Rey ..., 1654 (raro) / O Sargento-Mor de Vilar (Episódios da Invasão dos Franceses em 1809), de Arnaldo Gama, 1863, II vols / Guia de Portugal, 1938-88, VIII vols / Jornal da Associação Industrial Portuense, II tomos, nº1 (15 Ag. 1852) ao nº 24 (15 Jul. 1854), LVIII numrs / A Nossa Casa, de Raul Lino, 1919 (2ªed.) / O Livro Azul ou Correspondência Relativa aos Negócios de Portugal traduzida do Inglez [trad. de Eduardo de Faria], 1847 / As Ideias Liberaes ultimo refugio dos inimigos da Religião e do Throno, por Joaquim José Pedro Lopes, 1823 (2ª ed.) / Conjunto importante de Miscelâneas (a ver) / A Patuleia. Catalogo dos documentos manuscritos que pertenceram a José da Silva Passos e ..., 1909 / Esclavage et Liberte ..., de Alph Ride, Paris, 1843, II vols (raro) / O Meu Adeus, por Afonso Lopes Vieira, 1900

domingo, 4 de fevereiro de 2007


Notas sobre o Colóquio: A Revolução de Fevereiro de 1927 contra a ditadura

Está já, no Almanaque Republicano, um breve resumo das comunicações apresentadas no Colóquio "A Revolução de Fevereiro de 1927 contra a ditadura: oitenta anos depois", realizado no passado dia 2, do corrente mês, em Coimbra. Nestes tempos em que a imprensa de "referência" tem copiosos fait-divers para elucidar os indígenas, pelo que está sempre ausente destes e outros eventos, eis um útil serviço público. A ler, aqui.

A semana que passou

... não tributámos a devida homenagem ao sr. Manuel Pinho & à sua "dissonância cognitiva". Não se cumpriu, portanto, os votos ardentes de alguns neófitos ledores. Estes, decerto com olhares errantes do muito viajar, tinham-nos honrado com a instrução privada de graciosas missivas. O sr. Pinho tem um grupo maravilhoso de anjos. E, porque andam folgados, buscando o prémio da reverência & o emprego do reyno, não nos desamparam a loja. Perfeito! São excelentes correios e para todo o serviço. Mas como se notou, a nossa escrita foi um túmulo. Na verdade, tulit alter honores. Apropriadamente, preferimos sorrir com os panfletos do comissário Fernando Madrinha e as pérolas do infalível Daniel Amaral, no Expresso do dr. Balsemão. São, um tudo ou nada, mais licenciosos. E, por demais, inqualificáveis.

Podem, assim, os nossos zeladores sócraticos acalmar a fúria e despachar o unigénito da economia para a ociosidade da Horta Seca. E, caros guardiães, descansai, e olhem que até o mestre Aquilino Ribeiro já dizia:"meu santo, é impossível despachar como requer". Até breve! Santa noite.

Leilão de Livros - 5, 6 e 7 Fevereiro 2007

Sob direcção de José Manuel Rodrigues (Largo do Calhariz, 14, Lisboa) vai-se realizar um leilão de "uma valiosa Biblioteca composta de livros e manuscritos postais e ex-libris, com destaque para a literatura clássica e modernista, historia de Portugal, dos Descobrimentos e do Brasil, Guerras Liberais, arte, Arquitectura, Religião, Filosofia, Judaica, Estrangeiros sobre Portugal, Viagens, África e Oriente, etc."

O Leilão realiza-se nos próximos dias 5, 6 e 7 de Fevereiro - na Casa da Imprensa, Rua da Horta Seca, nº 20, Lisboa, pelas 21 horas. A não perder.

Algumas referências 1º dia: Al Berto [ed. raras] / Álbum com 20 Diapositivos, "representando um compacto dos filmes de Jean Renoir, entre 1924-39" / Almanaques [de vários anos] / Il Castello di Pavone, por Rui d'Andrade, 1957 / Antologia do Humor Português, Afrodite, 1969 / Gralha Despavonada, de Joaquim de Araújo / Archivo Histórico Portuguez, 1903-1916, XI vols / Arte e Arqueologia, 1930-33, V vols / A Liturgia de Sangue, J.C. Ary dos Santos, 1963 / A Batalha. Suplemento Literário e Ilustrado, Ano I (3 Dez. 1923) ao Ano II (1924) [colab. Ferreira de Castro Raul Brandão, Stuart] / Augustina Bessa Luís [15 títulos] / Bocage [import. Miscelânea] / A Paródia, de Rafael Bordalo Pinheiro et al [1ª série completa] / António Botto [4 peças] / Sketches of the Country, Character and Costume in Portugal, ..., de William Bradforf, 1809 / João Cabral do Nascimento [5 livros] / Luiz de Camões [conjunto apreciável de obras] / Ensaio Bibliographico, por Ernesto do Canto, 1888 [catalogo raro sobre liberalismo-absolutismo] / Capricórnio. Rev. cultura moçambicana, 1958 / Cardoso Pires [10 peças] / Mário Cesariny [8 obras] / O Chaveco Liberal, red. José Ferreira Borges, Almeida Garrett e Midosi, 1829, XI numrs / Ruy Cinatti [7 obras] / O Criacionismo, de Leonardo Coimbra, 1912 / Natália Correia [14 livros, muito estimados] / Os Descobrimentos Portugueses, de Jaime Cortesão, II vols / D. Manuel II [sep. do Correio da Manhã, 1922] / Évora Encantadora, de Celestino David, 1923 / Discursos dos Ilustres Deputados Republicanos, 1906 / Eça de Queiroz [7 peças].

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007


O Cão de Parar - Actualização

A tradição cinegética navega prudente, sensata e sem fadiga, entre falcoaria, cetraria & montaria, em torno do "cão de parar”" ou do nosso "perdigueiro" de estimação. Estamos de visu et auditu em autores sagrados e na copiosa bibliografia existente. Temos para iluminar

Jehan de Franchières, num clássico de falcoaria; a raríssima obra federiciana, a Arte de Cetreria de Federico II, do século XIII; a maior referência na literatura cinegética, o livro de Gaston Phoebus [1331-1391], o conhecido "Livre de Chasse"; o registo da rara obra Hawking Or Faulconry (sec. XVII); um curioso catálogo (on line) ditto "A Catalogue of Books Ancient & Modern Relating to Falconry. With Notes, Glossary, and Vocabulary"; ainda on line, e para download, a estimada obra "A Caça no Brasil"; um registo, notas e bibliografia sobre o notável e incontornável trabalho de G. de Marolles, "Chiens de Faucon Chiens d'Oysel Chiens d'Arrêt"; e o raríssimo incunábulo, "Le Liure // De la chasse du grant seneschal de // Normendie. Et les ditz du bon // chien soulliart : qui fut au roy loys // de France", de Jacques de Brézé.

Boas leituras

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007


Almanaque Republicano - Actualização

"o tempo é um robusto deus castanho, taciturno, selvagem e intratável" [Eliot]

Eis de novo no Almanaque Republicano, as instruções, a bibliografia e o testemunho sobre a grande Alma Portuguesa. Blog em fascículos profanos, de merecida estimação, oferecido à blogosfera lusa por dous cavalheiros livres & devotos da saudade, ruma cada vez mais luminoso sob a égide do Arcanjo de Portugal, promovendo antiquíssimos cantares, velhas preces e clamores espirituais eternos.

Na pedra temos:

foto de Benoliel do assalto ao jornal A Nação a 21 de Outubro de 1913; biografia de José Félix Henriques Nogueira; o assinalar do falecimento do historiador A. H. de Oliveira Marques; uma curiosa foto de um grupo de republicanos da Figueira da Foz, lendo o jornal O Mundo; a evocação da data de nascimento de Gomes Freire de Andrade [1757-1817], com referências sobre a maçonaria e uma bibliografia sobre o homenageado; foto da chegada de Bernardino Machado, regressado da viagem oficial das comemorações do 31 de Janeiro, na cidade do Porto, em Fevereiro de 1916; um extenso e interessante post sobre a memória histórica da revolta do 31 de Janeiro de 1891, na cidade do Porto; a reprodução de um edital do Governo Civil do Porto, no dia 31 de Janeiro de 1891; um contributo importante para a leitura do 31 de Janeiro de 1891, intitulado "Subsídios para uma Bibliografia do 31 de Janeiro de 1891"; reprodução do cartaz comemorativo do 65º Aniversário do 31 de Janeiro de 1891, na cidade de Aveiro; extracto da análise publicada n'O Povo de Aveiro, no dia 8 de Fevereiro, desse ano, sobre os acontecimentos da revolta do Porto; "reprodução parcial da primeira página de O Seculo de 13 de Fevereiro de 1881, com o manifesto do Centro Eleitoral Republicano do Porto"; aviso do Colóquio: A Revolução de Fevereiro de 1927 contra a ditadura, a realizar amanhã, em Coimbra.

A ler e consultar o Almanaque Republicano. Sempre ao V. dispor!

Saúde e fraternidade.

terça-feira, 30 de janeiro de 2007


In-Libris - Catálogo de Fevereiro 2007

Invulgar Catálogo da In-Libris (Porto), com um conjunto estimado de várias obras (raras) de António Pedro, António Ramos Rosa, Herberto Helder, Jorge de Sena, Luiza Neto Jorge, Mário Cesariny, Miguel Torga, Natália Correia, Vitorino Nemésio, entre muitas outras peças. Um Catálogo excelente para bibliófilos e amadores de livros.

A consultar on line.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007


Anúncio completamente grátis

V. Excia quer passar clandestino entre as vexantes e humilhantes portagens, com que o Governo e o senhor Ruas da ANMP presumem salvar as almas motorizadas dos indígenas, não pagando o dízimo a um qualquer mefistofélico Carmona? V. Excia têm horror à bicicleta que lhe faz lembrar a figura robusta de Macário Correia ou a graça campestre de um ambientalista obediente? V. Excia tem espírito varonil & calçado corrido de um tal Manuel Pinho e suspira, há muito, pelo seu cross-country pela paróquia, sem a BT à ilharga? V. Excia fantasia, em cuidada ordem & disciplina cristã, com o jaguar de Paulo Portas e quer ser chauffeur liberal, fazendo inveja ao seu vizinho? E V. Excia, minha cara leitora, não cuida alcançar seios hirtos, esféricos e firmes recostando-se à canalha num qualquer albergue da Carris ou carruagem do Metro, mesmo que a irreverência seja muita?

... então apronte-se. Está já em preparação o magnífico automóvel Studebaker, série 1924. Numa vila ou cidade perto de si. Para sujeitos decentes. Como nós e vós!

Hoje ... estivemos assim!

"Não tive nunca nada a ver com as
guitarras dos estudantes: eu vivia
num lento bairro da periferia
onde a chuva apagava os passos das

pessoas de regresso a suas casas
fazia compras na mercearia
e algum livro mais forte que então lia
já era para mim como um par d'asas

amigos vinham ver-me que eu servia
de ponche ou de Madeira malvasia
para soltar as línguas livremente

um que bramava um outro que dormia
eu abria a janela e só dizia
ao menos estas ruas têm gente"

[Fernando Assis Pacheco, in Louvor do Bairro dos Olivais]

sábado, 27 de janeiro de 2007

Entrevista profana ao ... Miniscente

Mestre Luís Carmelo, na sua bondade de resgate opinativo sobre alguns aspectos conceptuais da blogosfera (coisa de mystério a neófitos), solicitou a este estabelecimento, que cuida de cativos instruídos & imprime letras carinhosas, a devassa de um inquérito. O desejo do Mestre, cumpre-se. É, pois, com ventura sorridente, que aqui partilhamos, à nossa ilustrada clientela, tão elevada missão. Graças! Luís Carmelo.

E, com a devida vénia ao editor, e para espargir os nossos paroquianos, deixamos um pequeno testemunho sobre tão delicado assunto [... a blogosfera]:

«A blogosfera é um dos poucos divertimentos intelectuais, que nos resta, contra o tédio. Palavra com 10 letras, de muita circulação em cafés, alcovas partidárias e oficinas de jornais, é a "máquina desejante" [chez Guattari] pós-moderna que mais aparenta viver. Não sabemos se é da crise de paradigma que nasce o ofício ou se, pelo contrário, é pela blogalização que se vai domesticar a crise. O certo é que esta epidemia do bloganço ainda está pouco vigiada, regulamentada ou admoestada, segundo rezam autorizados comentadores lusos. Assim, mui incivilizada contra o enfado, a blogosfera indígena é daquelas que mais aprontam "o grande espectáculo do desastre, o incêndio, a decomposição" [Tzara] da fazenda pública. Daí que os psiquiatras andem falidos, pois a blogofilia é "ainda menos aborrecido do que divertirmo-nos" [Baudelaire].
Alguns exegetas (nós, evidentemente) falam da blogosfera como uma sociedade invisível, à maneira de Daniel Innerarity, em que se assume uma nova relação entre espaço e sociedade, com movimentos e produção social própria, de "dimensão silenciosa" e fora do controlo do poder do Estado. Esta movediça desterritorialização, de transgressão global e em rede, marca uma nova discursividade, inscreve a vertigem da dissidência, sendo portanto a transformação mais radical dos nossos dias. E é sinal, pois, de uma "outra globalização": o investimento do desejo. Basta, por isso»

[ler todo o Inquérito, aqui mesmo]
Fotografia: um raminho de Ministros

"Eis, enfim, a definição da imagem, de toda a imagem: a imagem é isso de que estou excluído" [Barthes]

Entre a confidência, o detalhe & a distribuição anatómica dos corpos (e rostos) na imagem do raminho de ministros (ali ao lado), há um código "natural", uma "cena" reunida de puro convite à conversão do leitor. Acolá, os olhares ministeriais interrogam-se e perturba-nos a impudência observada. Os sorrisos enigmáticos, muito bem improvisados, não deixam de ser tumultos moralizadores a qualquer rebelião indígena. A uma harmonia assim, o nosso remorso é uma simples minúcia. Sob os auspícios do Expresso, tão piedosa felicidade fotogénica é uma conspiração. Uma vingança.

Barthes fala-nos da fotografia como "um elipse da linguagem e uma condensação de todo um inefável social", isto é, a fotografia constituiria uma "arma anti-intelectual, com tendência a escamotear a política em benefício de uma 'maneira de ser', de um estatuto sócio-moral". Nada de mais exacto. A máscara ociosa de Manuel Pinho é uma pura deserção ao gélido rigor da fé económica, sendo um castigo a todos nós; a pose divertida de Lurdes Rodrigues revela uma transgressão inolvidável, uma falha na senhorial crispação com que todos os dias nos visita; Pires de Lima apresenta a fortuna da posição ousada e, confesse-se, uns lábios prometedores, logo utile dulci. O espelho deformador da imagem do raminho de ministros aí está, radiante de fulgor. A pátria agradece. Desolados e privados de fé jubilosa, vamos também de folia. A noite promete!

Momento ... para o povo

Dizia o bom do Trindade Coelho [ABC do Povo, 1901] que: "o que convinha era tirar ao antigo Abc, aliás tão velho como Portugal e nelle tão profundamente arraigado, que diremos ter raízes na própria terra, era tirar ao antigo Abc, digo, a sua rudez barbara primitiva, - e aperfeiçoando-o e civilizando-o quanto possivel, convertê-lo, de abstruso que era, em coisa simples, e de barbaro que era, em coisa moderna".

Portando para maníacos da Tlebs ou intolerantes da mudança, lançamos sobre os vossos olhos escolares, uma página do Abc do Povo, de mestre T. Coelho e desenhos de Rafael Bordalo Pinheiro. Edição da velha Aillaud, sitiada, antes, perto da Fnac de-todos-os-santos, com data do ano da graça de 1901. Disse.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007


O sr. Presidente do Conselho

"... a primeira vez que vim à Assembleia Nacional, foi por causa do Decreto 40.900 - o único que foi suspenso no antigo regime por pressão da chamada 'rua', no caso os estudantes (...) houve uma luta em 57 muito árdua contra o 40.900, que acabava com a autonomia das associações de estudantes e colocava-as na dependência da Mocidade Portuguesa (...) Nós viemos todos, às centenas, ocupámos as galerias. A 12 de Janeiro de 1957 (...) Sucedeu que, nessa altura - eu era presidente da Associação de Estudantes do Técnico -, íamos falar com o presidente da Assembleia e, ao passar pelos Passos Perdidos, havia uma grande agitação dos deputados do regime, porque havia alguns que queriam propor uma moção de suspensão. E andava o Mário Figueiredo, que era o líder da União Nacional, o líder parlamentar, a gritar completamente desvairado, de grupo a grupo: 'O senhor presidente do Conselho não quer'. E eu, quando passo agora nos Passos Perdidos lembro-me muitas vezes desta imagem (...)

No dia em que for possível, de novo, haver uma cena destas, já não se passará ali, mas dentro dos gabinetes (...)

Interrogo-me se não estamos a recuperar alguns elementos de governamentalização da Assembleia da República (...)

... quando se entende que o deputado não é mais que um autómato ou uma correia de transmissão - não pode ter iniciativas, tem de ser cinzento, não ter ideias próprias, não tem o direito de dizer a sua opinião ..."

[João Cravinho, entrevista ao jornal Público, 26/01/07 - sublinhados, nosssos]

Mais do mesmo na CML

O desmanchar de feira na Câmara Municipal de Lisboa - imortalizada entre os inefáveis adeptos do sr. professor Carmona (o técnico ex officio) e a galeria da putativa oposição (muito loco dolenti) - é um admiravel espectáculo. Os sintomas são os do costume. O tratamento, mais do mesmo. Não há, portanto, enxerto que lhes valha.

O caso, ainda assim, não deixa de ser curioso pela clientela que amotina. Os bons espíritos, que nestas ocasiões argumentam, expõem-se, inconsoláveis. Nada os demove. Os amigos do sr. professor Carmona - um génio, com doutoramento e tudo, dizem - abraçam o virtuoso presidente, à falta de memória cívica. Os ausentes da oposição disfarçam e assobiam abnegadamente para o lado. O dr. Sá Fernandes tem a cabeça a prémio, se ainda a tiver sobre os ombros. O dr. Santana arregimenta as tropas, com meia dúzia de girls à ilharga. Manuel Maria Carrilho, em superstição filosófica, já tinha saído com o seu próprio pé. O dr. Marques Mendes conta os dias para o final do seu talentoso apostolado. O eng. Sócrates, depois de correr com o missionário anti-corruptela Cravinho, quer é que o deixem em paz e não quer falar de eleições, coisa nenhuma (ao que parece o gentio anda a cismar demais e de bolsos vazios, o que não augura nada de bom). E, enfim, nós próprios andamos muito afadigados. Mas nada de maior. Descansem as nossas leitoras.

Deste modo, o fait divers da CML, que a politica oblige e os indígenas observam (à falta de melhor), é uma usual repetição, nemine discrepante. Ninguém ignora que nossa paróquia é um cantinho onde toda a gente se conhece, onde andamos alegremente ocupados uns com os outros. Não espanta, pois, que a senhora Gabriela Seara surja a pagar as moléstias de outros. A coisa era há muito comentada e esperada. O talento dessa gente para tentar desviar atenções e converter a manada politica (coisa que o eng. Cravinho entendeu por demais e Sócrates, vaidosamente, galhofou) não é só pouco cavalheiresca, mas insultuosa. O bloco central continua, assim, no melhor dos martírios. Quase nada o salva. O que virá em seguida, confirmará. Um dia ... qualquer!

Dá-me água benta pois!

"Pois eu sofro também o abominável fado
de me tornar em fera e uivar como as cadelas!...
Toda a noite ando a uivar às trémulas estrelas
em torno ao meu solar e as pé do meu castelo!
Sim! o luar consola, é transcendental e belo,
mas que quero o repouso e as noites de remanso,
pois fatiga-me uivar e toda a noite canso
de andar errante à lua - essa triforme fria!
Dá-me água benta pois!"

[Gomes Leal, in O Anti-Cristo]

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007


A. H. de Oliveira Marques (1933-2007)

A. H. de Oliveira Marques morreu ontem, dia 23 de Janeiro, em Lisboa. O professor Oliveira Marques doutorou-se em História pela FLUL, tendo sido aí professor. Considerado "especialista em história da Idade Média" (com abundante produção teórica), trabalhava nos últimos anos no âmbito da história contemporânea, com relevo para os trabalhos sobre a I República e o Estado Novo, a par dos trabalhos historiográficos (e de divulgação) da Maçonaria em Portugal. Aliás, o professor Oliveira Marques, era um dos seus membros ilustres, tendo sido grão-mestre adjunto do GOL entre 1984 e 1986 e seu Soberano Grande Comendador do Supremo Conselho do Grau 33, entre 1991 e 1994.

[via Almanaque Republicano]

terça-feira, 23 de janeiro de 2007


À minha querida MEG

"Sê para mim materna, ó noite tranquila /.../ E sê frescor e alivio, ó noite, sobre a minha fronte ..." [F.P.]

A noite ou aparição feminina do mundo chegou-nos hoje repassada de tristeza. Mão avisada, diz-nos que a MEG, Maria Elisa Guimarães, tinha partido para a eternidade, para o repouso da noite da grande romagem. Decerto filosofando nessa jornada, construindo sonhos e poesias, caminhando para a luz sabendo que "no céu, saber é olhar,/ na Terra, saber é recordar". A MEG era de uma generosidade luminosa. O jardim ameno do seu blog era um grande e agradecido sorriso. Escrevia no Sub Rosa como "forma de resistência", como "desejo de sobrevivência". Com tranquilidade e muita esperança. Docemente. Quem ama a vida, assim, desperta decerto na eternidade. A nossa sentida homenagem.

daqui, de Portugal, que a Maria Elisa Guimarães tanta amava, um derradeiro Vale! de despedida.

Boa noite, MEG. Um beijo.