sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004
Vitorino Nemésio [1901-1978]
m. em Lisboa, a 20 de Fevereiro de 1978
Quando eu morrer, a terra aberta
Me beba de um trago
E esqueça.
Aos deuses minha oferta
É levar o que trago:
Eu, dos pés à cabeça.
Assim, com ervas altas
Acabam os que começam.
Que Deus nos perdoe as faltas!
Dizem: "A terra que nos come":
Eu digo: "A que nos bebe" - e basta.
Somos só água que se some:
Choveu - e fomos
Na vida gasta.
[VN, in Eu, Comovido a Oeste]
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2004
"No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. …"
"Aniversário", Álvaro de Campos
"A boca
que primeiro levou
aos meus lábios a cor da aurora
ainda
em belos pensamentos desconto o aroma
Ó pueril boca, amada boca,
Que dizias o que ousavas e tão doce
Eras a beijar"
[A Boca, Umberto Saba]
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. …"
"Aniversário", Álvaro de Campos
"A boca
que primeiro levou
aos meus lábios a cor da aurora
ainda
em belos pensamentos desconto o aroma
Ó pueril boca, amada boca,
Que dizias o que ousavas e tão doce
Eras a beijar"
[A Boca, Umberto Saba]
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2004
De que serve?
De que serve ouvir-te e não fechar-me
em arvores de silêncio?
De que serve o canto quando está
um cerrado punho na garganta?
De que serve o grito quando acaba
por fatigar as letras que não há
nesta ausente escrita que é esperar-te?
[João Rui de Sousa, in Revista Relâmpago, nº 13, 2003]
De que serve ouvir-te e não fechar-me
em arvores de silêncio?
De que serve o canto quando está
um cerrado punho na garganta?
De que serve o grito quando acaba
por fatigar as letras que não há
nesta ausente escrita que é esperar-te?
[João Rui de Sousa, in Revista Relâmpago, nº 13, 2003]
Anotações
Do Catalogo de Manuscritos reunidos pelo poeta Alberto de Serpa, sob elaboração de Manuel Ferreira, e levado à praça nos dias 18-25 de Novembro de 1988, retira-se o seguinte:
[Raul Leal] Os Dissidentes da Águia. Orfeu perante o saudosismo de Teixeira de Pascoaes (s/d) / Entrevista ("Para mim há Oito [escritores e poetas portugueses] que são os Maiores de Portugal. Cito o nome de sete e o Futuro que determine o oitavo. São eles: Luiz de Camões, Padre António Vieira, Alexandre Herculano, Antero de Quental, Teixeira de Pascoes, Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro") / [Fragmentos] "25 folhas de diversos formatos, com fragmentos de trabalhos diversos, entre os quais um intitulado «A Monadologia discriminatória de Fernando Pessoa», de que existem quatro folhas de ambos os lados" / Messe Noire, Fev.-Avril 1926 ("«Poeme Sacré» ... em que apenas foi publicado um pequeno excerto na revista «Presença»") / Nono Psalmo do Livro Martyr de L'Occulte ("texto em francês manuscrito ... datado de «Octobre 1928»") / Psaumes ["Uma das mais importantes obras poéticas de Raul Leal escritas em língua francesa e inédita na sua maior parte ...") / O Quinto Império e a Última Reincarnação de Henoch ("São duas laudas manuscritas na sua totalidade, com plano da obra indicada ...")
[Mário Saa] A Zebra. Problema zoológico e filosófico por Mário Saa, s/d ("Curioso manuscrito em prosa ...")
[Fernando Pessoa] Livro de Legendas ("Folha manuscrita em papel quadriculado, apresentando na primeira linha o título acima transcrito. Seguem-se os nomes dos capítulos ou partes que deveriam constar de uma obra de que não encontramos rasto nos trabalhos em prosa e verso publicados de Fernando Pessoa: I. Homeridae (?); II. Os Cinco Reis; III Trez Deuses; IV Tavola Redonda ...") / Affonso de Albuquerque. 10-7-1934 ("Poesia dactilografada, com emendas manuscritas, cremos que inédita, porquanto não consta da Obra Poética de Fernando Pessoa, dado a lume em 1983, pela Aguilar, do Rio de Janeiro ...")
Do Catalogo de Manuscritos reunidos pelo poeta Alberto de Serpa, sob elaboração de Manuel Ferreira, e levado à praça nos dias 18-25 de Novembro de 1988, retira-se o seguinte:
[Raul Leal] Os Dissidentes da Águia. Orfeu perante o saudosismo de Teixeira de Pascoaes (s/d) / Entrevista ("Para mim há Oito [escritores e poetas portugueses] que são os Maiores de Portugal. Cito o nome de sete e o Futuro que determine o oitavo. São eles: Luiz de Camões, Padre António Vieira, Alexandre Herculano, Antero de Quental, Teixeira de Pascoes, Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro") / [Fragmentos] "25 folhas de diversos formatos, com fragmentos de trabalhos diversos, entre os quais um intitulado «A Monadologia discriminatória de Fernando Pessoa», de que existem quatro folhas de ambos os lados" / Messe Noire, Fev.-Avril 1926 ("«Poeme Sacré» ... em que apenas foi publicado um pequeno excerto na revista «Presença»") / Nono Psalmo do Livro Martyr de L'Occulte ("texto em francês manuscrito ... datado de «Octobre 1928»") / Psaumes ["Uma das mais importantes obras poéticas de Raul Leal escritas em língua francesa e inédita na sua maior parte ...") / O Quinto Império e a Última Reincarnação de Henoch ("São duas laudas manuscritas na sua totalidade, com plano da obra indicada ...")
[Mário Saa] A Zebra. Problema zoológico e filosófico por Mário Saa, s/d ("Curioso manuscrito em prosa ...")
[Fernando Pessoa] Livro de Legendas ("Folha manuscrita em papel quadriculado, apresentando na primeira linha o título acima transcrito. Seguem-se os nomes dos capítulos ou partes que deveriam constar de uma obra de que não encontramos rasto nos trabalhos em prosa e verso publicados de Fernando Pessoa: I. Homeridae (?); II. Os Cinco Reis; III Trez Deuses; IV Tavola Redonda ...") / Affonso de Albuquerque. 10-7-1934 ("Poesia dactilografada, com emendas manuscritas, cremos que inédita, porquanto não consta da Obra Poética de Fernando Pessoa, dado a lume em 1983, pela Aguilar, do Rio de Janeiro ...")
terça-feira, 17 de fevereiro de 2004
Pornocine
"Ah, deixem-se de abraços e de beijos
de grandes planos de frentes e traseiros!
Não se lambam sob a luz cruenta
dos projectores.
Poupem-nos a essas cópulas
tecnicolores.
Na posição de "o missionário", denegrida,
ainda se move muita gente, muita vida.
Se a Carole não gosta, gosta a Ana!
E viva o sexual fim-de-semana!
... "
[Alexandre O'Neill, in Revista Relâmpago, nº 13, 2003 (aliás in A Luta, 1/7/1976)]
"Ah, deixem-se de abraços e de beijos
de grandes planos de frentes e traseiros!
Não se lambam sob a luz cruenta
dos projectores.
Poupem-nos a essas cópulas
tecnicolores.
Na posição de "o missionário", denegrida,
ainda se move muita gente, muita vida.
Se a Carole não gosta, gosta a Ana!
E viva o sexual fim-de-semana!
... "
[Alexandre O'Neill, in Revista Relâmpago, nº 13, 2003 (aliás in A Luta, 1/7/1976)]
Catálogo nº 44 da Livraria Moreira da Costa, Fevereiro 2004
A Livraria Moreira da Costa (Rua de Avis, 30, Porto) publica o seu 44 catálogo, de responsabilidade de Ângelo Carneiro e pode ser consultado on line. Boas compras.
Algumas referências: Descrição Geral e Histórica das Moedas cunhadas em nome dos Reis, Regentes e Governadores de Portugal, de A. C. Teixeira de Aragão, III vols, 1966 / As Communidades de Goa. História das Instituições Antigas por António Emílio d'Almeida Azevedo, 1890 / Ensaio sobre a extensão dos limites da beneficiencia a respeito, assim dos homens, como dos mesmos animaes, pelo Conde Leopoldo Berchtold, 1792 (curioso) / Influence de l’habitude sur la faculte de penser ..., por P. Maine Biran, 1803 (dissertação espiritualista) / A Campanha. O Golpe de Estado. Diálogo dos Pastores. Auto da Família, de Fiame Hasse Pais Brandão, Portugália, 1965 / Da Vida e da Morte dos Bichos, por Teotónio Cabral, Abel Pratas e Henrique Galvão, s/d, V vols (estimada) / ARS CRITICA. In qua ad Studia Linguarum Latinae, Graecae, et Hebricae. Via munitur; Veterumque emendandorum, Spuriorum Scriptorum a Genuinis dignoscendorum, & judicanti de eorum libris ratio traditur. Accedunt un calce quatuor Indices locupletissimi, de Joannis Clerici, 1778, III vols / Esta Historia é para os Anjos, por Jaime Cortesão, Edição da Renascença Portuguesa, Porto, 1912 / História da Arte, por Elie Faure, trad. de Vitorino Nemésio, V vols / Verdades Cruas, por Gomes Leal, Typographia do Commercio, s/d / A Virgem e Portugal, direcção literária de Fernandes de Castro Pires de Lima, Ed. Ouro, Porto, 1967, II vols / D. Carlos História do seu reinado, por Rocha Martins, 1926 / Bibliografia da Literatura Portuguesa, de Maussaud Moisés, Edição Saraiva, São Paulo, 1968 / Pharmacopêa Portugueza, Edição oficial, Lisboa, Imprensa Nacional, 1876 / Revista Sol, Dir. Fernando C. Pires de Lima e Virgilio A. Dantas, Primavera 1968. nº 7 (a Outono-Inverno 1971-72 nº 16), 10 nums / Traité d'Economie Politique ou Sample Exposition de la manière dont se forment, se distribuent et se consomment les richesses, de Jean-Baptiste Say (4ª ed.), Paris, 1819, II vols / Defeza das Ordens Religiosas e Analyse do Relatório do Mata-Frades, por Almeida Silvano, 1884
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004
Bom Dia ... Carlos Paredes
n. em Coimbra a 16 de Fevereiro de 1925
"Um grande respeito pelos outros. Eis o que faltou às utopias, mas nunca deixou de estar presente na vida, na música e nos gestos de Paredes. É nesse mundo, de Amigos que se respeitam e se amam, que vive Carlos Paredes; é desse mundo, onde a Verdade e o Prazer caminham de mãos dadas, que nos ilumina com a grandeza simples dos sons que só ele sabe inventar" [Viriato Teles]
Oh! ... Público!?
Na primeira página d'O Público de domingo, entre as licenças de maternidades à la Bagão Feliz e a novíssima reforma prisional que está aí a estoirar, desponta o curioso título: "Durão Barroso quer apressar decisão de Cavaco Silva sobre candidatura presidencial". A imprevidente brincadeira, a cargo de Helena Pereira, pode ser acompanhada na página 12, num texto sem sentido algum, salvo pelo que aí se jura: a entrevista de Santana Lopes "foi concertada" com Durão Barroso.
Desde logo, nesse aranzel tão politicamente jornalístico, somos levados a meditar como foi pensada a questão. Imagina-se, as fontes ao que se sabe não elucidaram a Helena, o exercício conspiratório entre o edil de Lisboa, o primeiro-ministro, o beneditino Marques Mendes, mais dois ou três sociais-democratas soi-disant, e teme-se pela sanidade intelectual da jornalista d'O Público.
Silêncio! ... que se está a conspirar. Sem dúvida. Só não se sabe se os conjurados citados, se a senhora jornalista saída de algum relicário do cavaquistão. É que nem o Marcelo caiu nessa, à mesa da TVI, que nisto de santos Lopes só para crentes. Nem se ouviu gritar: "apanhei-te cavaquinho!". Nem consta que os leitores d'O Público possam ser confundidos com os intelectuais do Correio da Manhã.
Ah! como para escrever essa "beleza de hortaliça" no jornal é suposto o agreement da redacção, é de presumir que tivessem acompanhado, com toda a emoção, o exotismo da notícia. Nada nos espanta mais, pois, de facto, "o futuro é uma pescadinha de passado na boca" [Edgar Xavier].
domingo, 15 de fevereiro de 2004
Ronald de Carvalho [1893-1935]
m. no Rio de Janeiro, a 15 de Fevereiro de 1935
"Enche o teu copo, bebe o teu vinho,
enquanto a taça não cai das tuas mãos...
Há salteadores amáveis pelo teu caminho.
Repara como é doce o teu vizinho,
repara como é suave o olhar do teu vizinho,
e como são longas, discretas, as suas mãos..."
[Ronald de Carvalho, Epigrama]
m. no Rio de Janeiro, a 15 de Fevereiro de 1935
"Enche o teu copo, bebe o teu vinho,
enquanto a taça não cai das tuas mãos...
Há salteadores amáveis pelo teu caminho.
Repara como é doce o teu vizinho,
repara como é suave o olhar do teu vizinho,
e como são longas, discretas, as suas mãos..."
[Ronald de Carvalho, Epigrama]
Prémios Literários
Portugal é um país literário, uma corrente d'escrita ou cais de merendas profundo, rebrilhado de aguarelas perfumadas, palavras rutilantes, uma prosa e um estilo a "falar com o mundo”". Somos todos altíssimos poetas. Nem mesmo o mistério da festa dos prémios nos pode surpreender. Entre os indígenas lusos um reconhecimento literário é a consagração de todos nós. O carinho que a carpintaria das letras nos oferece, e que o aplauso dos facundos críticos nos recorda, não permite cair na indigestão literária.
As aclamações da turba dos jornais à vencedora da 1ª edição do Casino da Póvoa, a escritora d'O Vento Assobiando nas Gruas, ou a Coroa de Ouro do Festival de Poesia de Struga atribuída ao bardo nacional Graça Moura, impressiona a alma portuguesa. A opulenta faculdade do génio luso consagrada em terras da Macedónia, pelo ferventíssimo poeta onde nunca a rima falta, é justa porque admirável. Em verdade, ficámos comovidos por antever a extraordinária fortuna de se ler Graça Moura em macedónio. Quiçá, mais tarde, qualquer autóctone poderá albergar com entusiasmo as prédicas literárias de Santana Lopes, as conversas em família de Durão Barroso, as orações aos mancebos do seráfico Portas ou as especiosas afirmações de Alberto João. Aplausos! Quanto à escriba de Boliqueime, Lídia Jorge, novo meteoro a bruxulear no horizonte literário, confessamos que não nos adoça os infortúnios. Estamos de alma e coração com o velho Bastos. Aquele! ali em cima, a contemplar-nos. E por aqui nos fechamos. Todos nós. Basta de mau gosto!
sábado, 14 de fevereiro de 2004
Em dormência: por motivos de saúde o Absurdo faz uma pausa. Regressa em Março. Para nos beijar. Que um poeta "beija a própria boca". Nós restamos na espera. Até lá, as rápidas melhoras.
Resnais na Retorta, e há quanto tempo o não víamos ... Deus meu. O Ano Passado em Marienbad, um "amor insatisfeito", "um sedutor insinuante", "um apaixonado vencido" [Serafim Ferreira, pref. a O Ano Passado em Marienbad, de Alain Robbe-Grillet, Início, 1967] Falta de facto mais alguma coisa em O Ano Passado em Marienbad? Poderá existir este hotel? Poderão existir realmente estas pessoas? E efectivamente, tudo pode existir … "(ibidem)
Santana Agraciado
"E eu que não digo / eu que não deixo /eu que mim migo / só pelo queixo" [MCV]
Temos, agora, depois da benzedura da Agustina, o júbilo do fugaz Portas e a devoção de Alberto João, o negócio resolvido. Santana Lopes, afiou a língua, e quer ganhar "as presidenciais", ande ou não o prof. Cavaco a lançar livros no dia internacional das mulheres. O que mais importa, diz o exaltado Lopes, é "unir PSD e CDS/PP". Contrariando a máxima que "são ínvios os caminhos da verdade", o homem gatinha no primeiro jornal que lhe aparece, esperando os aplausos das almas laranjas. O sentimento é claro: ou Barroso faz o panegírico do novo candidato ou irá contorcer-se sob um montão de areia ... governamental.
Blog de Esquerda ... Mágico
A rapaziada noviciada do Blog de Esquerda enveredou pela milícia activa em assuntos esotéricos, tendo o admirável Luís Rainha granizado erratas e encenações em torno do Caso da Boca do Inferno, a pretexto de um artigalho de Pedro Mexia, presume-se por falta de fé pessoana. Ao que nos é dito, a tramóia entre Crowley, Pessoa & amigos não seria mais que uma tentativa de evitar as nádegas de senhoras mal benzidas pelo mago negro, ou quanto muito para iludir as cantilenas dos credores. Ora, este insubmisso exercício coreográfico entre o vate Fernando Pessoa e um obreiro da Golden Dawn assim escarranchado em posta no Blog de Esquerda, fez sorrir. Nunca se tinha visto tamanha vigília face à obra pessoana desde os escritos memoráveis do saudoso Gaspas, ou a magia do défice de Ferreira Leite. O furor da posta nos meios iniciáticos lusos, pela intuição intransponível de Rainha nos desígnios do oculto, despertou a mais viva comoção. Afinal, se não fosse o Rainha que seria de nós?
Resnais na Retorta, e há quanto tempo o não víamos ... Deus meu. O Ano Passado em Marienbad, um "amor insatisfeito", "um sedutor insinuante", "um apaixonado vencido" [Serafim Ferreira, pref. a O Ano Passado em Marienbad, de Alain Robbe-Grillet, Início, 1967] Falta de facto mais alguma coisa em O Ano Passado em Marienbad? Poderá existir este hotel? Poderão existir realmente estas pessoas? E efectivamente, tudo pode existir … "(ibidem)
Santana Agraciado
"E eu que não digo / eu que não deixo /eu que mim migo / só pelo queixo" [MCV]
Temos, agora, depois da benzedura da Agustina, o júbilo do fugaz Portas e a devoção de Alberto João, o negócio resolvido. Santana Lopes, afiou a língua, e quer ganhar "as presidenciais", ande ou não o prof. Cavaco a lançar livros no dia internacional das mulheres. O que mais importa, diz o exaltado Lopes, é "unir PSD e CDS/PP". Contrariando a máxima que "são ínvios os caminhos da verdade", o homem gatinha no primeiro jornal que lhe aparece, esperando os aplausos das almas laranjas. O sentimento é claro: ou Barroso faz o panegírico do novo candidato ou irá contorcer-se sob um montão de areia ... governamental.
Blog de Esquerda ... Mágico
A rapaziada noviciada do Blog de Esquerda enveredou pela milícia activa em assuntos esotéricos, tendo o admirável Luís Rainha granizado erratas e encenações em torno do Caso da Boca do Inferno, a pretexto de um artigalho de Pedro Mexia, presume-se por falta de fé pessoana. Ao que nos é dito, a tramóia entre Crowley, Pessoa & amigos não seria mais que uma tentativa de evitar as nádegas de senhoras mal benzidas pelo mago negro, ou quanto muito para iludir as cantilenas dos credores. Ora, este insubmisso exercício coreográfico entre o vate Fernando Pessoa e um obreiro da Golden Dawn assim escarranchado em posta no Blog de Esquerda, fez sorrir. Nunca se tinha visto tamanha vigília face à obra pessoana desde os escritos memoráveis do saudoso Gaspas, ou a magia do défice de Ferreira Leite. O furor da posta nos meios iniciáticos lusos, pela intuição intransponível de Rainha nos desígnios do oculto, despertou a mais viva comoção. Afinal, se não fosse o Rainha que seria de nós?
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2004
Julio Cortázar [1914-1984]
m. em Paris, a 12 de Fevereiro de 1984
"Me consideraré hasta mi muerte un aficionado, un tipo que escribe porque le da la gana, porque le gusta escribir…. La literatura ha sido para mí una actividad lúdica, una forma de amor... Me ha hecho muy feliz sentir que en torno a mi obra había una gran cantidad de lectores, jóvenes sobre todo, para quienes mis libros significaron algo, fueron un compañero de ruta. Eso me basta y me sobra" [Cortázar]
"(Quando Irene sonhava em voz alta eu acordava logo. Nunca pude habituar-me a essa voz de estátua ou papagaio, voz que vem dos sonhos, e não da garganta. Irene dizia que os meus sonhos consistiam em grandes saculões que às vezes faziam cair o cobertor. Os nossos quartos tinham a sala entre eles, mas de noite ouviam-se todos os ruídos da casa. Ouvíamo-nos respirar, tossir, pressentíamos o gesto que leva ao botão do candeeiro, as mútuas e frequentes insónias.
À parte isso estava tudo calado na casa. De dia eram os ruídos domésticos, o raspar metálico das agulhas de fazer malha, um ranger ao virar as folhas do álbum filatélico. A porta de carvalho, creio tê-lo dito, era maciça. Na cozinha ou no quarto de banho, que ficavam ao lado da parte ocupada, punha-mos a falar em voz alta, ou Irene cantava canções de embalar. Numa cozinha há demasiado ruído de louça e vidros para que outros sons a invadam. Muitas poucas vezes permitíamos ali o silêncio, mas quando regressávamos aos quartos e à sala de estar, então a casa ficava calada e à média luz, até caminhávamos mais devagar para não nos incomodarmos. Julgo que era por isso que de noite, quando a Irene começava a sonhar em voz alta, eu acordava logo)"
[]úlio Cortázar, in Bestiário, Dom Quixote, 1971]
Locais: Julio Cortázar Año Internacional 2004 / Julio Cortázar / J. Cortázar / Cortázar / Biografia / Julio Cortázar (1914-1984) / La pagina de Julio Cortázar / Juego y compromiso político (entrevista) / Cortázar por Cortázar (entrevista) / Entrevista / Un tal Julio Cortázar / Ensayos y Estudios sobre Julio Cortázar / Histórias de cronópios e de famas / Sobre Che Guevara / Obra on line / Julio Cortázar en la red
Aqueduto de S. Sebastião [II]
"Conflito com os de Santa Cruz era sempre sério, e estes, sempre prontos a levantar dificuldades, desviaram a agua do Chafariz de Sansão, abastecido pelas fontes aludidas, e habituados a fazerem quanto queriam levaram a Câmara, reunida em sessão conjunta de vereadores, fidalgos e vinte e quatro, a eleger um cidadão, que fosse à Corte demonstrar a el-rei a justiça dos Crúzios, ao mesmo tempo que se mandava a Heitor Borges pedir a sua presença na Câmara para ser ouvido sobre a conveniência de suspender as obras, até vir resposta del-rei. Estiveram nesta vereação todos os seus membros: o vereador Diogo de Castilho, juiz de fora pela ordenação, Jorge Barbosa, António Leitão e Pêro Barbosa, pela Universidade, Simão Travaços, procurador-geral e os dois procuradores dos mesteres, Jerónimo Francisco e Pêro Afonso (...)
A resposta de D. Sebastião é enérgica e decisiva. Em alvará de 20 de Junho revoga pura e simplesmente todos os privilégios, liberdades e jurisdições do Mosteiro de Santa Cruz, tão grande era o seu desejo de ver erguida a obra gigantesca e utilíssima, a mais útil com que o tempo se poderia dotar a Cerca de Almedina. (...) Heitor Borges vencera a resistência dos Crúzios, mas faltava ainda derrotar três adversários de respeito - Diogo de Castilho, afamado arquitecto e juiz de fora, vereador, bem como Jorge Barbosa, também vereador, que fora vários anos chanceler, juiz dos órfãos e alferes da bandeira, mais o escrivão da Câmara, Pêro Cabral, partidários confessos dos de Santa Cruz (...)
Vindos expressamente de Lisboa por causa de todo este complicado assunto, foi encarregado de os julgar o Doutro Tomé Nunes de Gaula, fidalgo da Casa Real, do Desembargador del-rei e Corregedor do Crime (...)"
[A. da Rocha Brito, in Primeiro de Janeiro, 1944 (?)]
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004
William Fox-Talbot (1800-1877)
"This negative created in 1835 predates the historically recorded "birth" of photography by four years. Before this time there were no photographic prints and until the turn of the twentieth Century there was no means of photo-mechanical reproduction." [in William Henry Fox Talbot]
Aqueduto de S. Sebastião [I]
"Heitor Borges Barreto, lente que fora de direito na Universidade e depois desembargador del-rei, estava em Coimbra desde os meados de Janeiro de 1569. Viera, não para matar saudades, mas com plenos poderes do «Desejado» para levantar o grandioso Aqueduto de S. Sebastião, mais conhecido naquele tempo por Cano Real, forte e elegante mole de pedra, com os seus vinte e um arcos, por cima dos quais correria a água da Fonte del-rei e da Fonte da rainha, para abastecer abundantemente a Alta, perto do Convento de Tomar (...) Os frades crúzios, riquíssimos e absorventes, há muito tempo eram os seus detentores e foram os primeiros a protestar energicamente contra o projectado melhoramento, por palavras e actos, intrigando, levantando dificuldades e pretextos, aliciando partidários.
D. Sebastião principiara por expropriar as duas fontes em carta escrita à câmara aos 13 de Dezembro de 1568, por ser «serviço de Deus, dele e bem do povo» trazer a água à Feira dos Estudantes e ao Adro da Sé, ao mesmo tempo que ordenava à Câmara, Corregedor da Comarca e Conservador da Universidade, mandassem limpar aquelas fontes, restituindo-as ao seu primitivo estado. Os cónegos regrantes tinham-se mexido e tinham, até certo ponto, conseguido modificar a opinião camarária, que até aí, estivera contra os crúzios e a favor de que fosse trazida a agua a Almedina. No último dia de Janeiro recebem os vereadores carta enérgica de el-rei, estranhando a contradição e ordenando, para bem do povo, que a cidade não só obedeça, mas favoreça mesmo o Desembargador em todos os trabalhos e facilidades por ele exigidos. Portanto, com rapidez, se faça e se erga o Cano Real, sobre as ruínas do antigo, talvez romano, que se descobriram agora e não vacile o Desembargador em lançar sobre a cidade o imposto ou finta que for necessário" (cont)
[A. da Rocha Brito, in Primeiro de Janeiro, 1944 (?)]
Anotações
[Algumas peças presentes no Catálogo da Biblioteca do poeta e Crítico de Arte D. José Blanc de Portugal, sob descrição bibliográfica de Luís Burnay, para a Dinastia, 2001]
Mission de l'Inde en Europe: Mission de l'Europe en Asie, la Question du Mahatma et sa solution, por Saint-Yves d'Alveydre, Paris, 1949, 213 p. [Livro maldito. O autor de 1885, recebeu a ordem sob pena de morte de a destruir, o que fez, embora em 1909 o editor Dorbon tenha feito uma tiragem muito limitada desta obra a partir de um exemplar único. Em 1940 desde que as tropas nazis ocuparam França e sobretudo Paris, perseguiram e destruíram todos os exemplares desta edição que conseguiram encontrar] / Mission des Juifs, de Saint-Yves d'Alveydre, Paris, 1956 (nova ed.) / The Magus, or Celestial Intelligencer; being a complete system of Occult Philosophy, in three books; containing the Antient anda Modern Pratice of the Cabalistic Art, Natural anda Celestial Magic ..., por Francis Barrett, London, Allen and Jo, 1801 / Les origines de l'Alchimie, por M. Berthelot, Paris, 1885 / Discursos sobre los Comércios de las Dos Índias, por Duarte Solis Gomes, ed. e pref. de Moses Bensabat Amzalak, Lisboa, 1943 [reed. clássico livro de economia] / Histoire de l'abolition de l'Ordre des Templiers, Partis, Chez Belin, 1779 / Operação 1, c/ org. de E. M. de Melo e Castro, Lisboa, 1967, (27)f: il; 51 cm [volume nº 1, desta rara revista literária e artística, com participação de Ana Hatherly, António Aragão, José Alberto Marques, Melo e Castro, Pedro Xisto, João Vieira, etc.] / Submundo, Mundo, Supramundo, pelo Visconde de Figanière, Porto, Chardron, 1889
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2004
A Nau Colonialista
"Ao que parece, é no mar que a dor acalma e os alicerces da alma esquecem"
Esse compêndio do cidadão que é o Mar Salgado, justamente apreciado pelo escol em serviço, foi excedido pelas maravilhas caprichosas de um seu marujo, que modestamente assina VLX, onde se contam as delícias e glórias da "nossa colonização", evidentemente "das melhores do século XX". Recorrendo a argumentos devastadores, em discurso erudito semelhante aquele em que cantou a "grandeza pessoal e científica" de Bissaya Barreto, Oliveira Salazar e Marcello Caetano, o infatigável navegante da história pátria VLX, desencalhou a nau da sua costumeira bonança, pensando ter vento próspero e o gentio distraído em lides mais varonis. Temendo o engodo democrata, e sem nenhum temor, alargou-se em "disculpas" e abonações várias, referindo até o "feitio" bem português de querer integrar. Oh! para nós a integrar.
Perante o repasto dessa comemoração esfusiante, o caminho marítimo colonialista assim (des)encalhado obrigou o comandante e verdadeiro rebocador NMP, entretido que estava a bolinar entre o choque fiscal e os gentios, a suster a veracidade que a colonização estava debuxada no mapa, e entre ventos e trovoada tamanha na mar-gosfera tentou marear a nau, alijando a côdea "da superioridade moral da democracia" sobre os incautos marítimos que o liam, evitando ficar enxorado no areal da praia. A festa promete, que a plebs pulla. Enquanto pode.
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- V. Exª deseja uma boa trip? No Mar Salgado - 6 bloguistas 6 - 5 dos quais com computadores ligados à rede internacional, serviço aos quartos, magnífico salão com motivos coloniais justamente reputado como o melhor, Bar Americano a preços moderados. Acordos especiais para estadias prolongadas.
- Confraria União dos Blogues Livres - Informa que reunirá brevemente para apreciar diversos assuntos de interesse para a Ordem, entre os quais o escrito assaz curioso de VLX, que aliás usará da palavra na sessão, contra o engodo democrata do anti-colonialismo. O mesmo instruído orador fará uma prelecção intitulada: "O Santíssimo Milagre da liberdade antes do 25 de Abril, que contem abreviadamente a historia completa do Santo Milagre do Botas de Santa Comba e a reabilitação das Colónias". Necessário quotas em dia.
- Colonialista. Mostra o próprio no local. Assunto sério. Resposta ao nº 1974
domingo, 8 de fevereiro de 2004
O MILAGRE DO RANKING
Depois do sublime mi(ni)stério da educação ter inaugurado a publicação de rankings de escolas, o país atónito, dá por si a acordar todas as semanas com mais opúsculos, numa sabatina esplendorosa, que faz corar por timidez os indígenas lusos.
A actividade febril dos funcionários políticos laranjas e os seus amigos da camisa azul para a reconstrução do ranking das cunhas, é notável. De igual modo, é absolutamente fantástico acompanhar o ranking dos economistas e gestores profícuos que prestam serviço em defesa do PEC (leia-se, respeitosamente, esse ranking de notáveis, bem manejados por Rosado de Carvalho no seu painel amestrado), ou o cliché de ilustres que se inquietam com as presidenciais, e até mesmo o extraordinário ranking de erros, gaffes e aldrabices, copiosamente servido pelos diversos mi(ni)stérios da governação. Os portugueses não se queixam. Não murmuram trivialidades. E têm razão.
De qualquer modo, ficaram perplexos ao saber que "Portugal ocupa a última posição no ranking do desenvolvimento empresarial" da (futura) Europa dos 27. E mais ainda, ao saber que 500 luminárias da gestão indígena se iam recolher nos claustros do Convento do Beato em meditação doméstica. A bem do PEC e do "Compromisso Portugal", já se vê. E o terror dos exercícios espirituais do impetuoso António Borges, do grão-comendador Ferraz da Costa, do reverendo Braga de Macedo, do cintilante Miguel Frasquilho, do soberbo Nuno Ribeiro da Silva, do benemérito José Homem de Mello, do devoto António Nogueira Leite, todos irmanados no fervor económico da novíssima geração e com a supervisão do venerando José Manuel Fernandes, caiu sobre todos nós. Ó doce ironia! Ó supremo desatino! Ó falsos aleivosos do ranking! Se como diria Herculano, "a desgraça é expiação", santificados dos que ainda acreditam. Amem!
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