"
O leitor deve preparar-se para assistir às mais sinistras cenas" [
E. Sue,
in Os Mistérios de Paris, citado por
Pérez-Reverte,
O Clube Dumas]
Plano fixo: Sala com pouca gente. Conversam em grupos. A câmara desliza em seu redor, detendo-se nos rostos. De repente, o ruído de vozes baixa de tom, ouvem-se fortes passadas no soalho, um bater de porta metálico. A sala fica vazia. O silêncio é total. A câmara avança rapidamente e detém-se, fixando
X, imóvel sob uma janela de ferro.
X surge em primeiro plano, ar angustiado, olhar atento. A câmara executa um movimento de rotação. A silhueta escondida salta para o sobrado, cautelosamente, avançando na direcção de uma larga mesa. O seu movimento é regular, movendo-se com decisão. O plano recomeça, mostrando jornais, papéis misturados com fotos e mais papéis, que se encontram espalhados sobre a velha mesa. A câmara aproxima-se e faz ver: um artigo do jornal
O Publico, "
2006: o ano em que vamos ter de nos ver ao espelho", cravado por uma «
Henry-Bowie» de nove polegadas; várias miniaturas de submarinos e aviões; um mapa do
Iraque; um aceite do aumento de capital de 400 milhões de euros para a
CGD; ordem de serviço - invasão
Espanha. Ao lado, já amarelecido, o caderno de encargos da
Portucel; um discurso de
Tavares Moreira para a "
Irmandade dos Senhores do Défice"; uma fotografia assinalando a vermelho o rosto de
Teodora Cardoso; um par de óculos oferta do
Prof. Cavaco. Acolá, um curioso opúsculo em defesa do "
Incumprimento do PEC pela França, Alemanha e Holanda"; uma fotografia do
Ministro da Administração Interna a sorrir a
Alfredo Assunção; a "
Revisão do PEC" assinado por
Durão Barroso; uma foto com dedicatória de
Luís Delgado. Mais além, a acta do "
Endividamento da Madeira", encontro secreto das
Finanças e
Alberto João Jardim; um volume rasgado da "
Política Orçamental e a Estabilização Económica" de
Cavaco Silva; uma "
Carta prudente para uma razão indolente", copiosos conselhos de
Miguel Cadilhe aos crentes. Novo plano:
X , inclina-se sobre a mesa, apanha uma manuseada e gasta
moleskine. Depois, ouve-se uma voz
off:
Voz de X:
A Lei de Ferreira Leite ou a Arte de Governar, necessária a todo o género de pessoas, utilíssima aos cidadãos e aos pregadores desenganados, novamente feita e ordenada pela Ilustríssima e Reverendíssima Senhora Ferreira Leite, qualificadora da Nova Reforma, Consultora da Bula do PEC, e Pregadora do Condado Portucalensis, & etc, & etc, Ano de 2003, a Ocidente da Península Ibérica
- Os dicionários dizem ser a
Política a arte de governar um estado. A confusão começa sempre por aqui.
- O
poder vem de não ter. As clientelas esperam, por isso,
querer é poder.
- "
Aconteceu-me um ministério" - eis o que deve dizer o neófito da governação.
- O que mais importa na
governação são as cunhas que se acolhem. O resto é matéria para intelectuais.
- A
Ministra das Finanças, com um ataque de choro, caça défices.
- Se um
Governo tem uma ponta, procure, que tem outra. Lá estará, concerteza,
Tavares Moreira.
- Uma das boas coisas que há para acreditar é na existência de
Carlos Tavares.
- Todas as
leis, sejam medíocres, más ou piores, devem ser seguidas à risca. Na dúvida perguntar ao
Marques Mendes.
- Em presença de
Santana Lopes, nunca comprar abóboras meninas.
- O
Ministro da Defesa, dentro de um submarino, assobia sempre a
Portuguesa.
- Não se chateie se o
Programa da Oposição lhe parece idiota: amanhã será pior.
- Mais vale uma
Câmara na mão do que várias a protestar por cima das nossas cabeças
- Incompetência mais incompetência é igual a um
Governo perfeito.
- Se houver vontade politica suficientes, o
INE prova qualquer coisa.