JOÃO BÉNARD DA COSTA (1935-2009)"
... e ter-te-ia dado uma água viva" [Jo. 4,10 –
in Os Dias do Senhor, 1962]
Entraram muitas vidas na vida de
João Bénard da Costa. A religião e a política, a arte e a vida, a literatura e a música, o cinema e a festa, e que são - tão só - uma "
forma de nos defendermos contra a morte e uma forma de compensação diante do terror que a vida inspira" [
J.B.C.,
in D.N., 2005]. Muito cá de casa, também
Bénard da Costa foi o nosso portfólio de emoções. E tal como ele próprio disse, em salvaguarda de um futuro a fazer, só se restitui ao tempo "
o que cada tempo a seu tempo trouxe". E o tempo de
Bénard da Costa foi magnífico, para nossa glória.
João Bénard da Costa nasceu a 7 de Fevereiro de 1935. Estuda no liceu
Camões, transfere-se para o liceu
Pedro Nunes para seguir Direito, que troca por Ciências Histórico-Filosóficas. Contra aquilo que denomina "
desordem estabelecida" [
entrevista ao Público], porque "
um cristão não poderia aceitar aquilo",
João Bénard da Costa (como muitos outros) participa civicamente nas lutas de antanho contra o situacionismo e em prol de uma Igreja livre e de respeito pela pessoa humana. Na faculdade (no 2º ano) pertence à Juventude Universitária Católica (
J.U.C.), tendo sido nomeado seu presidente (1957). Nas eleições presidenciais de 1958 [
Humberto Delgado] aparece como primeiro subscritor de uma Carta ao director do jornal "
Novidades" [jornal criado pela hierarquia da Igreja e que apoiava
Américo Thomaz] apelando a que o jornal exerça uma "
acção esclarecedora de princípios e de problemas, que pudesse orientar ... a consciência política dos católicos portugueses" [sobre o assunto consultar, "
Católicos e Política", Pe
José da Felicidade Alves, 1970, 2ª ed., p.13-16].
Ao mesmo tempo (1956) funda com
Pedro Támen e
Nuno Bragança o "
Centro Cultural de Cinema", de orientação católica, que curiosamente marca um tempo de ruptura com a "arte" e estética de referência "neo-realista", via defesa do "cinema de autor".
Forma-se em 1959, mas não fica na Faculdade com o lugar de assistente (foi convidado por
Delfim Santos) porque toma, anteriormente, posição – como católico e homem livre – contra a ditadura, na campanha de
Humberto Delgado (1958), o que o impede de seguir a carreira pública. Concorre a uma bolsa da
Fundação Gulbenkian, para continuar a sua tese de licenciatura sobre
Emannuel Mounier. Lecciona em colégios (como o Liceu Francês Charles Lepierre e o Colégio Moderno) e só na década de 60 regressa ao antigo liceu
Camões, onde nas suas instalações organiza o "primeiro festival de cinema".
Como membro da
J.U.C., e na qualidade de seu presidente, dirige o jornal da organização "
O Encontro". Nasce então essa curiosa tentativa de fundar uma revista como a francesa "
Esprit" (revista humanista personalista, de clara inspiração via
Emmanuel Mounier) e, sob providencial ajuda de
António Alçada Baptista (na altura sócio principal da livraria-editora
Moraes), juntamente com
Pedro Támen,
Nuno Bragança,
Alberto Vaz Silva, nasce a importante e saudosa revista "
O Tempo e o Modo" (nº1, Janeiro de 1963).
Participa, ainda, na cooperativa
Pragma - fundada por um grupo de católicos [a 11 de Abril de 1964, curiosamente primeiro aniversário da encíclica
Pacem in Terris – sob a
Pragma, consultar "
Entre as Brumas da Memória. Os Católicos Portugueses e a Ditadura", de
Joana Lopes, Âmbar, 2007, p.61-79] – importante "plataforma de diálogo entre intelectuais de esquerda, crentes ou não" [
ibidem] e que foi, evidentemente, perseguida pela
PIDE, dando lugar a um conjunto vasto de protestos e (de memoráveis) abaixo-assinados direccionados quer ao poder político quer as entidades eclesiásticas, o que levou a uma maior
consciencialização e
radicalização de grande número de católicos contra a ditadura. Do mesmo modo, intervém nas tertúlias e debates da revista "
Concilium" (1965 – vidé
Joana Lopes,
ibidem), lançada pela editora
Moraes e que vem "aprofundar" e dinamizar o espírito do Vaticano II.
É na coluna de "
Artes e Letras" da revista "
O Tempo e o Modo" que
Bénard da Costa escreve e faz crítica de cinema, sua antiga, sólida e grande paixão. Convidado pela
Gulbenkian para ser o responsável pela secção de cinema da Fundação, aceita de bom grado. Participa, integrado na
C.D.E., nas eleições de 1969. No princípio dos anos 1970,
João Bénard da Costa dirigiu o
Centro Nacional de Cultura.
O dia
25 de Abril, por que tanto esperava, apanhou-o a caminho do
Conservatório Nacional (onde leccionava História do Cinema) e é aí que
Villaverde Cabral [ver entrevista sua ao
Público] o informa do golpe que decorria. Curiosamente, nessa noite, encontra-se num jantar em casa de
Nuno Bragança (e
Maria Belo) com um dos grupos que formaram o
M.E.S., até sair em Dezembro desse ano, em ruptura com a organização [vidé
I Congresso], acompanhando o "
grupo do Florida" [
Jorge Sampaio,
Joaquim Mestre,
João Cravinho,
Galvão Teles,
César Oliveira,
Nuno Brederode dos Santos. O nome "
grupo da Florida", refere-se ao grupo de comensais que se reuniam na "mesa reservada no snack-bar do hotel" do mesmo nome – cf.
Os Anos Decisivos,
César de Oliveira, 1993, p. 147]. Integra com os seus companheiros
ex-MES, posteriormente, o Grupo de Intervenção Socialista [
GIS]. Em 1980 foi subdirector da
Cinemateca Nacional, depois director, entre 1991 e 2008. Publicou e colaborou em diversos livros [lembrar o nunca citado "
Os Dias do Senhor", editado pela
Moraes em 1962], folhetos, catálogos e periódicos, sendo notáveis os seus textos no jornal
Independente e no
Público.
Nota: hoje (21,30 m) a
Cinemateca fará uma sessão especial de homenagem a
Bénard da Costa, passando um dos filmes da sua vida "
Johnny Guitar".
[texto também publicado no
Almanaque Republicano]