sábado, 1 de agosto de 2009
A MINISTRA DE MIGUEL REAL – já nas LIVRARIAS
Conforme aqui dissemos está já nas livrarias o último livro de Miguel Real, "A Ministra". Faz parte de uma tetralogia de novelas dedicadas à mulher. Esta refere-se "a uma mulher maquiavélica, calculista, feia e má, que reduz a realidade ao cálculo dos seus interesses". Eis alguns extractos:
"Foi meu sonho como assistente universitária escrever um manual de construção e manipulação de números, tabelas e estatísticas, evidenciando ser a sua natureza um meio ao serviço de todos os fins, defensor de todas as teses, mesmo as mais contrárias e contraditórias; se era isto que Estaline praticava com o nome de «engenharia social», são estalinistas todas as instituições ou organizações sociais que trabalham com estatísticas, e fazem bem, é dever das elites não perturbar com hesitações, verdades problemáticas e indecisões a consciência ignorante e estupidificante das populações, mas iluminar-lhes o caminho através de uma certeza certeira, exposta com clareza aos olhos do vulgo, e, de facto, os números - pau para toda a obra, grão para todo o bico - servem para solidificar e cristalizar estas certezas certeiras. Como professora, as minhas aulas são objectivas, manipulo números e índices ensinando os alunos a inclinar as perguntas dos questionários de modo que não seja frustrada a previsão dos resultados, sei que os alunos me presumem fria e racional, é exactamente como me sinto, imune à emoções." [pp-28-29]
"Corre para o lado da direcção do vento, foi o conselho que o tio-pai me deu antes de morrer, assim mesmo, mal dito, mas de sentido verdadeiro, eu, pequenina, não percebi, mas fixei a frase na memória infantil e hoje não penso noutra coisa, aliás, desde que entrei na Faculdade e me casei que não penso noutra coisa, por isso fui, sem pudor nem convicção, marxista à seguir a revolução do 25 de Abril de 1974, uns breves meses, logo percebi que a inteligência e a riqueza se encontravam em outro lado, depois, assumi-me à frente dos alunos como social-democrata, e hoje sei-me qualquer coisa vaga como neoliberal, não sei o que serei amanhã, mas, se preciso for (...) afirmar-me-ei defensora de uma ditadura burocrática, administrativa, securitária e electrónica (...)" [p. 36]
"Há sete anos, na manhã da véspera de Natal, entreguei o meu primeiro relatório sobre o ensino secundário e a passagem dos alunos à vida activa ao então Ministério a Educação (…); escrevera no relatório que o estado da educação exigia uma revolução radical, trinta anos depois da revolução popular do 25 de Abril faltava fazer o 25 de Abril na educação, acabar de vez com a reprodução de um ensino de elites para elites e fazer o povo entrar na escola, não o povo em si, que já lá estava, a escola de massas era bem visível, os filhos dos trabalhadores possuíam frequência escolar, mas o espírito vulgar do povo, o espírito comum, banal; os programas e as matérias têm permanecido iluministas (fora a palavra que escrevera), visando fazer de cada aluno um pequeno sábio, matérias curriculares extensíssimas para regalo dos teóricos da educação, todo o ensino se destina à memorização de teorias ou, ao contrário, à aprendizagem de competências vazias, como o «saber fazer» ou o «saber aprender a aprender», inúteis na vida profissional, umas e outras, o ensino académico prevalece e esmaga o ensino técnico e tecnológico, originando uma alta taxa de reprovações, um ensino aristocrático para um povo ignorante dava como resultado o abandono em massa da escola pelos estudantes, é forçoso inverter este estado de coisas; em primeiro lugar, escrevia no relatório, facilitar tudo, simplificar todos os procedimentos, elaborar programas minúsculos com o essencial – só o essencial – das matérias, apresentadas do modo mais ligeiro possível (hesitei em escrever «do modo mais fácil possível»); depois, testes e exames exclusivamente sobre as questões essenciais, previamente marteladas em aulas sobre aulas, até à exaustão e o mais ingente dos alunos as compreender, passando de ano; em terceiro lugar, estabelecer como objectivo a passagem de 99% dos alunos, forçar os professores a eliminarem conceitos abstractos e explicações complexas, resumir, resumir, resumir, seria a nova palavra de ordem pedagógica, com a consequente eliminação de todo o conhecimento supérfluo: história de um conceito, eliminar; nomes de autores de invenções, de teorias, de descobertas, eliminar; questões filosóficas, eliminar; problematização de matérias, eliminar; levantamento de mais do que duas hipóteses de solução para a compreensão de uma questão, eliminar; raciocínios com mais do que três premissas, eliminar; matérias que exigem memorização para além da memória de trabalho, eliminar; em quarto lugar, responsabilizar os professores pelos resultados dos alunos, «como se responsabiliza o mecânico pelo arranjo do nosso carro», assim escrevera, considerando-o um óptimo exemplo; em quinto lugar, introduzir maciçamente o ensino profissional, eliminando deste, totalmente, matérias históricas, filosóficas e estéticas, os alunos deveriam aprender apenas o sumo dos sumos, nada mais, o mínimo que se exige para o início de uma profissão, nada mais; este era o espírito do povo que deveria presidir à nova reforma educativa, que se evidencia, acrescentara, como uma autêntica revolução pedagógica; num «P. 5.» esclarecedor, que registara num memorando confidencial para ser lido apenas pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro da Educação, considerara que esta revolução teria de ser feita contra os técnicos da educação das universidades e os professores das escolas públicas (...)" [pp. 40-42]