quarta-feira, 24 de junho de 2009


OS 28 SÁBIOS

"Que alguém se atreva a dizer a sombra de uma verdade e será condenado. Que alguém se lembre de bulir num qualquer dos ídolos do tempo, e será apedrejado – liberalmente!

Por isso a liberdade que provém da apatia parece ao crítico o sintoma do contrário da vida: da verdadeira liberdade forte, independente, na concorrência de opiniões conscientes e sábias. Por isso nós apresentamos caracteres singulares. Leiam-se os jornais, ouçam-se os discursos. Ninguém fala mais de papo, desculpem a expressão. De quê?

De tudo. Os Pico de Mirândola, senhores de si, anafados, satisfeitos, sempre na rua, sempre verbosos, com as cabecinhas alerta, a resposta pronta, a fórmula breve, um andar miudinho de pedante, um livrinho azul debaixo do braço se não são janotas, nos miolos a consciência do seu saber, da verdade definitiva da 'ciência moderna', uma grande prosápia ingénua, uma grande segurança e entono: os Pico de Mirândola, que sejam conservadores ou demagogos, deputados da direita ou rabiscadores de jornais esquerdos, têm uma fisionomia comum. A Pátria são eles; a ciência sabem-na toda, a moderna. Somente uns acham que é moderna a que já governa, outros fóssil a de hoje: só verdadeira a de amanhã, quando eles derem a lei!

Pecos frutos de uma árvore contaminada, se dão um passo caem. Um dos fenómenos curiosos em Portugal é o devorar dos homens pelo Governo. Hoje sobem, amanhã somem-se, corridos, desprezados. Porquê? Porque a árvore, seca, apenas tem vida para reconhecer o seu definhador, para desprezar os que no seu pedantismo ingénuo, mais ainda do que na sua corrupção, sucessivamente se lhe seguram aos ramos".

[J. P. Oliveira Martins, in Portugal Contemporâneo, 1981]