terça-feira, 14 de novembro de 2006


Diálogo sobre os críticos

"Manuel da Fonseca - Tenho para mim que existe realmente um divórcio entre a Crítica e o Público ...

Alexandre O'Neill - Para o grande público, ler uma crítica de poesia não lhe traz qualquer elucidação sobre o sentido da obra que o crítico pretende abordar. O crítico escreve para um pequeno clã, um grupo, uma «panelinha» - vá lá a expressão ...

Bernardo Santareno - O crítico não orienta. Particularmente no meu caso só desorienta; e não desorienta mais porque eu não deixo ...

Manuel da Fonseca - Muitas vezes eu deparo com críticas de eruditos e raramente com a crítica de um homem que vive imediatamente o clima artístico do meu país em determinado momento (...) A maioria dos críticos portugueses são espécies fracassadas de artistas , e subespécies de quase todos ...

Bernardo Santareno - Podemos dividir os críticos em 4 categorias. Os que dizem bem, um bem que não interessa nada. Esses são amigos, são às vezes oficiais do mesmo ofício que esperam que a gente diga bem deles um dia, e tal. Há os que dizem mal, um mal que não interessa nada ... [são] muito despeitados, fracassados. [o crítico] vai com uma coisinha, um compasso metálico para descobrir fragilidades (que são inevitáveis) e coisas quejandas (...) Há ainda uma terceira categoria: aqueles que têm uma boa organização crítica, que são (...) sérias, dignas, mas de tal modo dirigidas por uma orientação de tipo político, religioso ou ético que não conseguem aquela distância harmónica que deve existir entre o crítico e a obra de arte (...) o quarto grupo de críticos - aqueles que conseguem, numa tenaz e honesta maceração, colocar-se na posição do artista criticado. Mas esses são quase uma utopia ...

Manuel da Fonseca - Para mim, o critico, acima de tudo, é um homem de sensibilidade, não um indivíduo de conhecimentos livrescos, como a maioria dos nossos críticos. Por isso eles são uns pequenos cataventos a obedecerem ao último livro de que gostaram ...

Alexandre O'Neill - Eu uma vez fui entrevistado e referi-me à critica dizendo que, enfim, os versos custavam os olhos da cara e que os críticos os arrumavam com uma facilidade que não estava em relação com o trabalho (...) Eu acho que só há esta coisa: que a critica de um meio pequenino é realmente pequenina (...) [aos críticos] domina-os a preocupação de ter sistema, de terem chave universal e que, portanto, abrem todas as portas quando afinal a obra de arte é criada - e isto citando Rilke ? em grande solidão. Como disse, ela custa realmente os olhos da cara e o crítico tem a tarimba, tem a obrigação de publicação, tem os 300, 500 ou 600$00 a receber ... Ora estas duas coisas não se coadunam ..."

[Registo de parte da conversa, feita no programa 'Leitura' de Fernando Curado Ribeiro, entre Manuel da Fonseca, Bernardo Santareno e Alexandre O'Neill (todos ali em cima, à mostra), sobre a crítica e o público, publicado no Almanaque de Maio de 1960, pag.140-147. Tenha-se em atenção o ano (1960) da alegre converseta. Selecção e sublinhados nossos]