terça-feira, 14 de novembro de 2006
Revistas & Arrumações - Almanaque
Preciosa revista, que aqui fizemos referência, ainda hoje é um gosto lê-la. Os textos, o grafismo e a modernidade verificada, espantam nos dias que correm. É evidente que, com Cardoso Pires, Alexandre O'Neill, Baptista-Bastos, Abel Manta e Sebastião Rodrigues (que capas lindas!), Câmara Leme, Eduardo Gajeiro, Vasco Pulido Valente, Carlos Oliveira, Gomes Ferreira, Eugénio de Andrade, etc., só a felicidade era possível. Num momento em as revistas literárias & de aprazimento são escassas e más, por diversas razões, voltar ao passado é de todo recomendável.
"É claro que ninguém nasce aventureiro, como ninguém nasce já com chapéu à diplomata. Os aventureiros e os messieurs pomposos do nosso tempo fizeram-se a si próprios, são autênticos self made men deste ou daquele tipo. E porque não? (...) Na verdade a todos os jovens, mais tarde ou mais cedo, se põe o problema da escolha do tipo. (...)
O Português civilizado: ... este tipo é fácil de imitar e tem certo prestígio. Basicamente o português civilizado é um individuo que tem a consciência permanente do estrangeiro.
Por estrangeiro deve entender-se a gravata italiana, o 'blazer' inglês, o conhaque francês e o hábito de comprar jornais estrangeiros e revistas de arte. O português civilizado detesta Camilo e lê Eça de Queirós. É íntimo de dois ou três fadistas e vai jantar com raparigas bonitas ligeiramente 'déclassées'. Com estas raparigas discute a sua vida íntima, os romances da Sagan e, agora, o Pasternak. Trata-as como se elas fossem civilizadíssimas e obtém, durante o jantar, um ambiente de requinte intelectual e emotivo. O português civilizado cria, à sua volta, uma espécie de ilha de civilização. Normalmente tem um pequeno 'appartement', muito bem arranjado, onde oferece às raparigas conhque francês em copos de balão. Janta sozinho no restaurante onde possa ser visto mas, quando vai ao 'appartement', leva sempre um ou dois amigos para criar ambiente e fazer conversa. Não têm opiniões definidas sobre nada. Conhece os nomes dos pintores modernos e de alguns poetas mas não se arrisca a formular opiniões senão perante as raparigas um pouco 'déclassées' que deslumbra com a sua intelectualidade e o seu mundanismo. (...)
... o candidate a intelectual genérico das esquerdas não necessita de ter origens. Fica-lhe, até, bem não ter origens. Se alguém lhe perguntar donde é a sua família, deverá responder que é o Areeiro. Revela assim uma grande independência de espírito e uma personalidade forte.
- Vocês donde são?
- Da Avenida Madrid ..."
[este delicioso texto saído no Almanaque de Janeiro de 1960 (pag. 117-121), intitulado "escolha o seu tipo", faz lembrar a mão de mestre V.P.V., e ficamos por aqui dado o escriba ter referido a nossa bem amada avenida, onde de facto a fauna existente era absolutamente inolvidável. Para o bem e o mal. Saudades desses tempos. Saudades da Avenida Madrid]