terça-feira, 7 de outubro de 2003

SERMÕES VÁRIOS

"Ámen dico vobis: néscio vos. Vigilate itaque, quia nescitis diem, neque horam

A corrupção, Senhores, desce das classes elevadas, como as epidemias, que baixam das nuvens, e cobrem as naçõens com a sua grande e funebre mortalha. Nunca, nunca do pobre subio a corrupção ao poderoso. Embora o primeiro não possa correr parelhas com o segundo: na ostentação da immoralidade - cada um attinge na escala da corrupção o gráo compativel com os seus meios. O corrupto d'alta gerarchia fascina o entendimento das turbas, que não distinguem a pustola d’ouropel, que o torna menos hediondo, nem descriminam os incensos, que lhe perfumam o fétido. (...)"

[Oração / Pronunciada no Dia 30 de Agosto / de 1857 / na / Igreja de N. Senhora / do Terço e Charidade / da / Cidade do Porto / ... / por / José Joaquim de Carvalho Goês / ... / Porto / Typ. de Francisco Pereira d'Azevedo, / Rua das Hortas nº 105 / 1857]

" ... Governar é instruir, é edificar, é descer d'esses thronos d'uma vida talvez ephemera, é derramar a luz do espírito nas trevas da ignorância, é estabelecer a moralidade, a ordem, a economia; governar é plantar em cada bairro uma associação, em cada rua uma escola, em cada alma a semente da sciencia, do bem, do justo, do honesto, para que mais tarde cada filho do povo seja um cidadão laborioso, instruído, conscio dos seus direitos e deveres, e contra o qual nada possam as venalidades, a corrupção dos vendilhões da politica, que mercadejam com a consciência como se fora um artefacto (...)"

[Duas palavras / pronunciadas / na / Sessão Solemne / do / Grémio Popular / (24 de Dezembro de 1871) / por / Costa Goodolphim / ... / Lisboa / Typographia Universal /…/ 1872]

"... Se é raro no mundo encontrar grandesa unida às qualidades que a virtude exige, mais raro é ainda encontrar grandesa sem as paixões que ella inspira. A prosperidade parece arrastar comsigo um perigoso laço, arrebatar mais grandesa do que devolve, foge como inimiga da virtude ou busca-a para mais de perto a derribar e anniquilal-a. Annos e annos de prudencia, a mais profunda e sensata sabedoria suffocada dessapparece n'um momento de gloria. Dignos quando a sociedade em nada os estimava, indignos quando os seus vultos começam a adquirir algum prestigio, eis, senhores, o geral systema de todos os homens." [(?), Sermão da Annunciação de Nossa Senhora, 1867]

"... Póde o homem passear à sombra de palacios magnificos; póde recostar-se em magestosos sofas; todavia, se não tiver sentimentos de honra, e ésta não brilhar em suas acções, é um vil e um ridiculo, a quem a sociedade nada deve, e que, mais cedo ou mais tarde, carregado de remorsos, irá cahir sôbre o po do tumulo (...)

[Oração Fúnebre / ... / por alma do illustre cidadão / José Bernardo Coelho / recitou / o Padre Henrique Augusto Mendes da Costa e Silva / Coimbra / Imprensa da Universidade / 1863]

segunda-feira, 6 de outubro de 2003

MARIA LAMAS [1893-1983]


 
Maria Lamas [1893-1983]

n. 6 de Outubro de 1893

"... [Mulheres] As grandes sacrificadas, vítimas milenárias de erros milenários e que, apesar de tudo, continuam a ser as obreiras da vida." [Maria Lamas]

"Sonhar, para além do que via através do quadrado da minha janela, foi o prazer de todas as minhas idades" [idem]

Nasce Maria Lamas (apelido por segundo casamento) em Torres Novas, frequenta um colégio de freiras (Convento de Santa Teresa de Jesus), casa-se pela primeira vez aos 17 anos (depois passados 11 anos - 1921), foi escritora de livros de crianças (com pseudónimo de Rosa Silvestre ou mais tarde Serrana D'Aire, Daniel Cardigos, ...), poeta (estreia-se com Humildes, 1922, pseud. Rosa Silvestre), novelista, tradutora (de Dostoievski, Dickens, Victor Hugo, Marguerite Yourcenar, ...), jornalista (na revista Civilização, no jornal O Século, na Capital, n'A Voz e Correio da Manhã), dirige sob proposta de Ferreira de Castro a importante revista Modas & Bordados, suplemento feminino do jornal O Século (onde retrata as condições de vida e trabalho das mulheres) e mais tarde a revista Mulheres, promove exposições (Certame das Mulheres Portuguesas, 1930; Exposição dos Livros Escritos por Mulheres, 1947), onde a temática feminina é marcante, foi fundadora do MUD, Presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (1945), esteve presa (a primeira vez em 1949), exilou-se em Paris (apoia em 1968 a revolta estudantil), tendo falecido em Évora aos 90 anos de idade. Maria Lamas foi uma defensora intransigente da luta das mulheres, todas as que "suportam inconcebíveis trabalhos, rigores e angústias, seja nas aldeias, seja no turbilhão das cidades", e que bem presente está no seu mais estimado e notável livro "As Mulheres do meu País", uma obra de referência para o estudo da situação das mulheres em Portugal. O seu espólio encontra-se no Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea da BNL.

Alguma obras: Humildes, Bertrand, 1923 / Diferença de raças (romance), 1923 / Maria Cotovia, 1929 / O Caminho Luminoso, 1930 / As Aventuras de Cinco Irmãozinhos, 1931 (novela infantil) / A Montanha Maravilhosa, 1933 (novela infantil) / O Ribeirinho, 1933 / A Estrela do Norte, 1934 (infantil) / Os Brincos de Cerejas, 1935 (infantil) / Para Além do Amor (romance), ed. O Século, 1935 / A Ilha Verde (romance), ed. O Século, Lisboa, 1938 / O Vale dos Encantos, 1942 (novela infantil) / As Mulheres do Meu País, ed. da autora, 15 fasc., 1948-50, 471, (7) pag. / O Despertar de Sílvia, 1950 / A Mulher no Mundo, II vols, 1952 / Arquipélago da Madeira: maravilha atlântica, Eco do Funchal, 1956 / O Mundo dos Deuses e dos Heróis - Mitologia Geral, Lisboa, 1959-1961.

domingo, 5 de outubro de 2003

AS NOITES ...

 
Eram
rápidas
fortes
espaçosas
as noites do poder. O alimento vinha
com o apuro do mel. O dom
desenvolvia em mim esses mesmos rostos
abertos a meio, com a lua
e o sol dentro e fora.
Lanho a lanho
Cerrara-se a carne em seu tecido
redondo.

[Herberto Helder]

ANTÓNIO GUERREIRO




António Guerreiro e a pragmática do discurso dos blogs

" (...) O facto curioso, em Portugal, é que o interesse pelos blogs não foi suscitado, em primeiro lugar, por terem acedido à livre publicação indivíduos e grupos que dela estavam excluídos, mas por terem entrado na «blogosfera» (numa posição de domínio, pois aqui também se criaram hierarquias) nomes que, regularmente ou de maneira esporádica, escrevem nos jornais ou são convidados pelas televisões. Este é um sinal eloquente de que há hoje uma corrida ao espaço público mediático (sintoma de uma perda da efectualidade da cultura e das instituições do saber) e de que este não é capaz de se estruturar de outra maneira que não seja segundo o regime do mandarinato. É este regime o responsável pela hipertrofia da «opinião» que caracteriza a imprensa, em Portugal, e que a grande maioria dos blogs prolonga na perfeição. Os blogs mais frequentados, isto é, aqueles para onde estamos constantemente a ser remetidos através dos «links», quando entramos na «blogosfera», apresentam-se, assim, como uma esfera funcional das paginas de opinião dos jornais, mesmo quando têm um registo diarístico e pessoal. Digamos que os blogs economizaram algumas etapas e chegaram ou aspiram chegar aos jornais: o da conversa desenvolta, cujos intervenientes são muito mais actores do que autores, ao serviço do espectáculo integral. Tão próximos estão - jornais e blogs - do mesmo universo cultural e funcional que não é possível fazer a crítica de uns sem fazer a crítica de outros. O que alimenta a maior parte dos blogs não é uma escrita mas uma conversa, como aquela que se pode ter no café com os amigos, e que se esgota numa troca que promove a confusão da esfera pública com a esfera privada (...)
O discurso inócuo do «fait-divers» político-cultural e da conversa de família ou de amigos domina, de modo geral, os blogs. Evidentemente, não se trata de algo que seja estranho aos jornais. Mas a questão é esta: porque é que professores universitários, poetas, escritores, críticos desejam tanto jornalizar-se (no duplo sentido do discurso jornalístico e do discurso diarístico) através da «bavardage», do exibicionismo, da falsa subjectividade opinativa? (...)
Não é preciso ter lido Habermas para perceber que a expressão individual e o direito à opinião que alimentam a maior parte dos blogs têm um grande valor decorativo mas não têm nada que ver com uma esfera pública critica (que, de resto, tem cada vez menos condições, em Portugal, para se constituir). (...) Esta teoria democrática da expressão da expressão individual (...) é duplamente falaciosa: 1) porque esquece deliberadamente que o sistema é hipertélico, isto é vai para além dos seus próprios fins e anula-se na sua finalidade; 2) porque se baseia no principio imposto pelos «mas-media» de que tudo o que eles fazem aparecer é bom e não resta outra tarefa senão a de jornalizar o discurso da cacofonia generalizada. Esquecida fica a responsabilidade de interromper a conversa. Esta lei da submissão ao ruído publico - e da dependência visceral que ele cria – não é senão a lógica dos «grandes redutores», dos que não conseguem pensar fora da lógica do jornalismo e da agitação politica e cultural."

[António Guerreiro, "A Reportagem Universal", in Actual (Expresso), 4/10/2003]


O texto de António Guerreiro, ao pretender analisar o movimento estratégico presente na pragmática da comunicabilidade discursiva dos blogs (considerada por alguns, uma nova gramática de contornos mass-mediáticos), aponta para a existência de uma bricolage, onde o bricoleur (bloguista) "fala por meio das coisas", mas sempre dentro do território do poder e dos seus encantamentos. Isto é, o novo fenómeno corporizado nos blogs não adquiriu, quer os instrumentos conceptuais necessários para o exercício da actividade, quer uma pregação noviciada que se afaste do mero registo jornalístico, que usa e abusa até à exaustão. Quer dizer: o discurso bloguista está muito além desse "longo movimento de aviltamento do poder", como diria Sartre. Daí que seja um "discurso inócuo" que navega entre uma ecologia de afectos públicos e privados, de mero "valor decorativo", "exibicionista". E, portanto, se o exercício discursivo dos blogs se entrecruza nos interstícios do poder (jornalizar enquanto investimento comunicacional), então nesta lógica, a "expressão individual" e o "direito à opinião" teria como fim uma intenção de "reconstruir" a competência e a performance dos media. Fica assim registado o dizer de António Guerreiro, que centrando a sua atenção narcísica sobre os efeitos do discurso, problematiza o território do poder fora do território do "corpo" (superfície privilegiada do registo cultural, no dizer de F. Gandra) e da sua fruição. Os blogs não seriam espaço conversável, linguagem ingente ou desejo antigo. Porém, nós, que acabámos de ser, uma hora atrás, miseravelmente squeezados num contrato de 6 Copas num redentor jogo de bridge, compreendemos a inquietude do corpo revoltado ou significante despótico, ou não soubéssemos que "há seduções tão poderosas que não podem ser senão virtudes" (Baudelaire)

sábado, 4 de outubro de 2003

JORNAL BIBLIOGRÁFICO DA LIVRARIA VIEIRA

 
   Jornal Bibliográfico, Outubro de 2003, da Livraria Vieira

Acaba de chegar aos clientes da Livraria Vieira, Rua das Oliveiras, Porto, o catálogo ou jornal bibliográfico correspondente ao mês de Outubro. Com 398 obras escolhidas ao seu dispor, o bibliófilo ou amante dos livros dispõe de uma grande escolha em matérias que vão da poesia ao ensaio, do romance à história, monografias, etc. sendo que algumas peças estão há muito esgotadas ou fora do mercado.

Algumas peças constantes do catálogo: Academia das Siencias de Lisboa. Homenagem a António Cândido, Coimbra, 1922 / Descrição histórica, corográfica e folclórica de Marco de Canaveses, por P. M. Vieira de Aguiar, Porto, 1947 (raro) / Noticia histórica e genealógica da família, ascendentes e allianças do Exmo Sr. General Palmeirim, pelo Visconde Sanches de Baena, Lisboa, 1882 / Arte Portuguesa. Pintura, sob direcção de João Barreira, Edições Excelsior (s/d) / Arte Portuguesa. Arquitectura e Escultura, de João Barreira (s/d) / Echos d’uma voz quasi extinta, de António Cândido, Porto, Edição póstuma, 1923 / Antero de Quental, por José Bruno Carreiro, II vols, 1948 / O Regime florestal e a câmara da Lousa, de Adriano José de Carvalho, Porto, 1911 (sobre a inexactidão do folheto A câmara da Lousa e o regime florestal – questão das matas e baldios de Serpins) / Monografia da Cidade do Porto, de Aurora Teixeira de Castro, 1926 (raro) / Salomé e outros poemas, de Eugénio de Castro, Coimbra, Lvmen, 1923 (c/ dedicatória do autor) / Terra Fria, de Ferreira de Castro, ilustrações de Bernardo Marques, Guimarães, 1966 / Cartas de Longe, por Homem Christo, 1915 / Gandaia, de Romeu Correia, Guimarães, 1952 / Elogio académico do Sr. Dr. Teixeira de Queiroz, AMP, 1919 (raro) / Elogio académico do Dr. Sidónio Pais, 1919 / Grandes Dramas da História, por Sousa Costa, Editorial O Século, 1941 (luxuosa encad.) / Os Arados portugueses e as sua prováveis origens. Estudo etnográfico, por Jorge Dias, desenhos de Fernando Galhano, Coimbra, 1948 / Salazar o Homem e a sua Obra, de António Ferro, 1933 / Engrenagem, por Soeiro Pereira Gomes, Edições SEM, Porto, 1951 / O fenómeno religioso e a simbólica (subsídios para o seu estudo), por Aarão de Lacerda, Porto, 1924 / Prosas Perdidas, de Manuel de Laranjeira (notas de Alberto de Serpa), Portugália, 1958 / Colecção de memorias relativas ás vida dos pintores, e escultores, architetos, e gravadores portugueses … seguidas de notas pelos Dr. J. M. Teixeira de Carvalho e Dr. Vergílio Correia, Coimbra, 1922 (tiragem especial de 100 expls) / Theoria do Socialismo, por Oliveira Martins, Lisboa, 1872 / Os Sonetos Completos de Anthero de Quental, publicados por Oliveira Martins, Porto, 1890 (2ª ed.) / Sistemas de atrelagem dos bois em Portugal, por Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano & Benjamim Pereira, Lisboa, 1973 / Matérias para a Historia da Figueira nos séculos XVII e XVIII, por António dos Santos Rocha, Figueira da Foz, 1893 / A Teoria da Nobreza, por António Sardinha, Famalicão, 1916 (separata nº12 da Nação Portuguesa, órgão do Integralismo Lusitano) / O Judeu Errante, romance por Eugénio Sue, V vols enc., Lisboa, 1850-51 / Rua de Miguel Torga, Coimbra, 1942 / Alguma palavras a respeito dos púcaros em Portugal, de Carolina Michaelis de Vasconcelos, Coimbra, Impr. Un., 1921 (raro) / A Barba em Portugal, por Leite de Vasconcelos, Lisboa, IN, 1925 / Grande Dicionário portuguez ou Thesouro da Língua Portugueza, pelo Dr. Frei Domingos Vieira, V vols, Porto, 1871-74.

LYNCE ESPECIAL NUM PAÍS EXCEPCIONAL



"A felicidade é encontrar-mos sempre em estado de sermos agradavelmente enganados" [Swift]

A demissão de Pedro Lynce é obscena. A comédia ingénua a que assistimos, no sofá da nossa parcimónia, em torno do caso das desventuras familiares de Martins da Cruz, é o espelho deste Portugal provinciano. Ruborizamo-nos por vezes, somos cáusticos porventura, exaltamo-nos muito, mas atentos e veneradores rapidamente tudo se esquece. Sonhamos que sonhamos que poderia ser diferente. Mas cedo voltamos a presumir. Como sempre fizemos. Tamanha obscenidade é intolerável.
Demite-se um ministro numa manobra estratégica infantil e qualquer caso parece deixar de o ser. Contudo ele aí está. Uma ilegalidade grosseira feita por uma direcção geral, com a concordância do ministro da tutela, favorecendo um familiar de outro ministro (que tinha de saber a configuração jurídica para o protestatório, dado ser o que é costumeiro fazer em qualquer assunto deste tipo) que não é assumida posteriormente pelo próprio, tem o aval e o beneficio da dúvida dos seus apaniguados e o elogio pragmático do Primeiro Ministro. O entretenimento em torno da demissão de Pedro Lynce, liquidado na sua honorabilidade, pretende ocultar o devaneio jurídico da argumentação de Martins da Cruz (não esquecer o seu esforço em tornear a lei no caso Maria Elisa), coloca em causa Durão Barroso e revela que em Portugal a vergonha não tem emenda.

Ouvir e ver o bestial Requicha Ferreira interpretar o normativo jurídico à estupefacta jornalista da SIC que o ouvia, é a chacota total. O exercício argumentativo do director geral resume-se ao considerando que "além do regime especial há outros [especiais] que não vêm na lei". O que é espantoso. Andam os homens há séculos a parir leis e documentação vária para que o exercício da democracia seja possível e o insidioso Requicha dá uma valente vassourada em milhares de anos de história. É obra.

Sabe-se que "onde há veneração até um dente de cão emite luz" (Lawrence Durrell), mas tamanha desfaçatez nunca se vira. Como também é fantástica a corrida das carpideiras da maioria, em defesa governativa. Ou, até, a paixão da dúvida desse comediante e desmemoriado Luís Delgado, que, clamando por contenção neste caso até melhor compreensão teorética, em estado febril desata em insinuações infundadas e falsas sobre um dito caso semelhante, tamanha é a sua isenção de jornalista e cidadão. Encantador como o poder procria os seus bacorinhos. De facto, "já não há senhores, apenas escravos comandam outros escravos, já não há necessidade de carregar o animal, ele carrega-se a si mesmo" [Deleuze-Guattari]

quinta-feira, 2 de outubro de 2003

AQUILINO, EM PÉ-DE-PÁGINA


"Um escritor, um velho, esta cercado de retábulos, Horácios e Anatoles, poeiras quinhentistas - e de samarra pelas costas. Trabalha de sol a sol, desunha-se na escrita apesar de ter aprendido com os anos os mil e muitos golpes com que se talha uma peça de prosa: aplainada aqui, nós salientes acolá, remates em boa conta, o quantum satis. Tem voz rude e lábio sensual, nada de boas maneiras. Além disso é aldeão e (note-se) sem nome de senhoria, coisa que os homens de letras cá da republica não perdoam visto que são, eles próprios, noventa por cento da província mas com famílias, rendeiros e prestigio em meninos.

Um Pascoais, por exemplo, tem à partida larga vantagem na cidade dos letrados justamente por ser do interior onde tudo é puro, autêntico e etc., e tanto assim que até se lhe respeitam as ideias de querer redimir o país, dividindo-o em Famílias e Casas. É acima de tudo poeta, e notável, mas lá em Amarante tinha património, nome, laços de influência.

O tal escritor de sol a sol é que não dispunha desse passado para se abonar. Aprendera por cartilhas de padre lapuz, com o rosa rosae pelo meio da tabuada e, pois bem, assim que se apanhou fora da aldeia deu as boas noites ao catecismo e à família real e decidiu entregar o corpo ao manifesto [...] Os caricaturistas desenharam-no então em estilo Malhadinhas: olho sagaz, queixada forte, perfil a traço grosso ..."

[José Cardoso Pires, in & ETC, nº1, 17/01/1973]

JOSÉ CARDOSO PIRES [1925-1998]

 
José Cardoso Pires [1925 -1998]

n. 2 de Outubro de 1925

Nasce em São João do Peso (Castelo Branco), o escritor José Cardoso Pires. Frequenta o Liceu Camões e estuda Matemáticas Superiores (FCUL), torna-se "praticante de piloto sem curso", viajando bastante, faz o serviço militar na Figueira da Foz (e Vendas Novas), frequentador do grupo surrealista de Cesariny (e outros), tem alma de ser agente de vendas, correspondente e interprete de inglês, lecteur no departamento luso-brasileiro de King's College (Londres), redactor e colaborador de revistas [Gazeta Musical, Todas as Artes, Eva, Afinidades (Faro, 1942), Bloco (c/ Salazar Sampaio, Luiz Pacheco, 1945), Almanaque (redacção composta por Sttau Monteiro, O'Neill, Vasco Pulido Valente, Augusto Abelaira e José Cutileiro), Estrada Larga, &ETC, JL, Letras e Artes, Seara Nova, O Tempo e o Modo, Vértice] e jornais [O Globo, Diário de Lisboa], é co-fundador da excelente colecção de bolso «Os Livros das Três Abelhas», uma obra e escrita notável.

"... Homem, nem de certezas nem de incertezas, nem olímpico nem angustiado, o autor de «O Delfim» investiu-se, como uma espécie de predestinação, no papel de detective por conta própria, apostado na descoberta de enigmas ou crimes, secularmente sepultados, sob o espesso silêncio português, raiz e matriz do tempo sonâmbulo (a frase é dele) que lhe coube viver. Viver e reviver em contos e romances inseparavelmente realistas e alegóricos, onde em quem os ler respirará um pouco aquele ar refeito de um passado português que foi o da sua geração e, eminentemente, o seu" [Eduardo Lourenço, in Publico, 27/10/98]

"O seu amor pela nossa língua, o sofrimento do seu trabalho exigente, palavra a palavra, vírgula a vírgula, a construção de um discurso lisboeta, José escrevia lentamente, como quem tece, sofrendo, irritado, como se uma palavra mal escolhida pudesse manchar irremediavelmente a brancura do papel. (...) Em tudo punha, sempre, um cuidado extremo. Emendava, emendava até à «boca da máquina», para nosso desespero. Tudo era terrivelmente importante para ele. Porque as palavras (traiçoeiras) arrastam às vezes outros sentidos, e a escrita, como a vida, além de uma estética, era para José fundamentalmente uma ética." [Nelson de Matos, in Expresso, 31/10/1998]

"[José Cardoso Pires] escrevia a solo, na Caparica, numa casa habitada como uma cela, com objectos esparsos que não desviassem o olhar do mar e da luz e da liberdade encostada à vida. Um escritor precisa de saber fazer frente ao tempo, pô-lo a andar e dizer-lhe para voltar mais tarde, daí a uns anos. O tempo apura a mão e ameaça a mão. A mão precisa do tempo e a relação entre os dois é sempre estranha, uma imprecisão cheia de equívocos e eternidades, uma relação de amantes. A mão e o tempo, juntos para sempre." [Clara Ferreira Alves, idem, ibidem]

Algumas obras: Os caminheiros e Outros Contos, Centro Bibliográfico, Lisboa, 1949 / História de Amor, Gleba, 1952 / O Anjo Ancorado, Ulisseia, 1958 / O Render dos Heróis, Gleba, 1960 / Cartilha do Marialva, Moraes, 1960 / O Delfim, Moraes, 1968 / O Hospede de Job, Arcádia, 1972 / Dinossauro Excelentíssimo, Arcádia, 1972 / E Agora José, Moraes, 1977 / O Burro-em-Pé, Moraes, 1979 / Corpo-Delito na Sala de Espelhos, Moraes, 1980 / Balada da Praia dos Cães, O Jornal, 1982 / Alexanfra Alpha, Dom Quixote, 1987 / A Republica dos Corvos, Dom Quixote, 1988 / A Cavalo no Diabo, Dom Quixote, 1994 / De Profundis, Valsa Lenta, Dom Quixote, 1997 / Lisboa Livro de Bordo, Dom Quixote, 1997

Algum roteiro: José Cardoso Pires / A Vida (biografia) / José Cardoso Pires / José Cardoso Pires (Vercial) / Um Delfim da escrita dialéctica e transparente / O Círculo dos Círculos (EPC) / Textos (sobre JCP) & Álbum de fotografias

quarta-feira, 1 de outubro de 2003



Colibri

Grupos de soldados disparam
em formação. Um oásis.

O corpo vulnerável ardia
no montado infantil.
O cheiro de pão, o adro,
o pequeno direito de todos
ao nada de cada um.

O enxofre, o salitre, o óleo
de nafta, os berlindes,
a vela de um breve adeus.
A devastação.
Aves que levam o céu

Tudo em ordem.
Os restos da paixão.

[Joaquim Manuel Magalhães]

TVI, JOSÉ MANUEL FERNANDES & OUTROS EDUCADORES




"A vida não é de abrolhos. É de abr'olhos. A vida não é de escolhos. É de escolhas" [O'Neill]

TVI - Uma miserável atitude

O facto, o comentário e a informação estão em alegre promiscuidade no jornal da noite da TVI. Nada os distingue pela boca dessa inenarrável Manuela Moura Guedes. Na TVI a devassa da vida privada, a difamação e a calúnia são lugar de marca da estação. A pornografia televisiva está de volta. Hoje, a pretexto da concorrência, essa assombrosa estação de televisão atirou a ignomínia em todos os bombeiros do país, de modo miserável e pífio, a propósito da questão das empresas de material de combate a fogos e da sua pertença por comandantes de bombeiros. A pseudo noticia, que há muitos anos se sabia e que nunca foi considerado importante para debate público, foi estrategicamente atirada para o lume brando do voyeurismo dos espectadores da TVI. O share assim o obriga. Foi um linchamento público em directo, perante o gozo da jornalista e a aceitação tácita do Miguel Sousa Tavares (MST). Antes, a mesma Manuela, tinha considerado e apoiado as escutas telefónicas a todos os portugueses em geral e ao senhor Procurador e ao Presidente da Republica, em particular. Mesmo após as tentativas de apaziguamento da ira jornalística pelo incauto MST, que argumentava para a perigosidade da generalização das escutas, a pivot da TVI replica ao pálido MST a possibilidade de tais personagens poderem estar implicados no caso da pedofilia, pelo que se justificava as escutas. Inacreditável. A peixeirada, digna de um qualquer big-brother, foi execrável. E a questão que se coloca, cada vez mais, é: o que faz correr Manuela Moura Guedes, José Eduardo Moniz e Miguel Paes do Amaral?

José Manuel Fernandes - O grande educador

"... E naquela pequena casa, o socialismo começa às 7,30 h de cada manhã" [J.M.F., in "Luísa, operária de profissão", Voz do Povo, nº 246, 25/04/ 1979]

O artigalho d'hoje - A ameaça nuclear iraniana - do Publico pelo grande educador das massas, José Manuel Fernandes, é uma sumária justificação e uma quixotesca apologia do ataque armado ao Irão. O que fica exarado pela varredura "democrática" desse extraordinário jongleur Fernandes é que perante o programa nuclear iraniano "tem de [se] estar à altura da ameaça"; e que o povo, na sua infinita bondade, tem de "perceber que, ao lidar com regimes autoritários, não pode confiar apenas nas promessas dos seus dirigentes". Nós, humildes cidadãos, agradecemos a preocupação. Porém, seria conveniente dizer, por desfastio, que o sermão gratulatório do grande educador às massas, está atrasado pelo menos na sua pessoa vinte e três anos. Bem sei que "só um burro não volta atrás", eu que o diga que bem percebo disso, pois sou um simples almocreve. Mas saber que o educador Fernandes andava em tempos idos de 1979 a defender a "democracia" albanesa em várias papeletas, torna custoso soletrar a magnitude dos seus artigos. Afinal, para que esses regimes autoritários pudessem existir (supondo-se que não nasceram por geração espontânea) muito contribuiu a prestação do outrora jornalista da Voz do Povo e actual grande educador das massas liberais. E já agora: quando prevê ou autoriza o apontar das armas à China? Convém que se saiba, para nos pormos a salvo. Agradecido

terça-feira, 30 de setembro de 2003

MAU PARECER

"... A verdade é que ultimamente surpreendera-se a falar só consigo próprio e, durante os monólogos, dizia palavras cujo sentido não compreendia. Chegou mesmo a ter de consultar os melhores dicionários. Outras vezes não compreendia o sentido verdadeiro de frases inteiras. Viu-se obrigado a reatar os estudos de filosofia para atingir o grau de cultura que os seus monólogos revestiam. Se não fosse ter de se interpretar a si mesmo já teria posto de parte todos os estudos. Quando ajeitava a gravata, em frente ao espelho, conversava largo tempo com a imagem reflectida. Ainda não chegara a uma conclusão certa através das conversas mas havia lá qualquer mistério prestes a desvendar-se que o atraía na força de um vício. Ate então apenas descobrira que só por acaso se parecia com o seu retrato reflectido no espelho. Por vezes achava-se com mau parecer – em relação a quem? ..."

[Manuel de Lima, Malaquias ou a história de um homem barbaramente agredido, Contraponto, 1953]

MENDES DOS REMÉDIOS [1867-1923]


Morre a 30 de Setembro de 1832

Em Coimbra morre o Doutor Joaquim Mendes dos Remédios, lente de teologia e de Letras, director da Faculdade de Letras, Reitor da Universidade de Coimbra (o primeiro Reitor eleito, e que se demite do Governo de José Relvas), Ministro da Educação (do celebre governo presidido por Mendes Cabeçadas, Gomes da Costa e Salazar na pasta das Finanças) e principalmente um notável homem das letras.

Obras fundamantais: História da Literatura Portuguesa ..., Coimbra Lumem [4ª ed. 1914, 5ª ed. 1921] / Os Judeus Portugueses em Amesterdão, Coimbra, França Amado, 1911 / Os Judeus em Portugal, Coimbra, França Amado, 1895 -1928, II vols / Uma Bíblia hebraica da Bibliotheca Universidade de Coimbra, Coimbra, Imp. da Un., 1903 / Carta Exhortoria aos Padres da Companhia de Jesus da Província de Portugal, Coimbra, 1909 / Philomena de S. Boaventura. Reimpressa em harmonia com a edição de 1561 [Separata do Arquivo Bibliográfico da U. C.], de tiragem reduzida, 1907 / Um processo sensacional na inquisição de Coimbra ao fechar do século XVII, Coimbra, 1923 [separata da Biblos, com apenas 125 expls] / Sousa Martins e a Serra da Estrela, Vizeu, 1898 / De Ethics Fundamento. Dissertatio Inauguralis, Coimbra, França Amado, 1895 (raro)

segunda-feira, 29 de setembro de 2003

MIGUEL DE UNAMUNO



Miguel de Unamuno [n. 29 Setembro 1864-1936]

" ... donde resbala el Mondego entre los chopos sollozando las estrofas que Camões dedicó a Inés de Castro y murmurando cantos de João de Deus ..." [Unamuno]

"Cuánto anhelo volver por ese Portugal! La última vez fué em 1914. El primir mes de la Guerra lo pasé en Figueira; desde allí segui las peripecias de la batalla del Marne. Quiero volver ... Cuándo?". [Carta a Teixeira de Pascoaes]

"(...) Que teus cantos sejam cantos esculpidos,
âncora na terra enquanto eles se elevam,
a linguagem é sobretudo pensamento,
pensada é sua beleza.

Em verdades do espírito prendamos
as entranhas das formas passageiras,
que a Ideia reine em tudo, soberana:
esculpamos, pois, a névoa. " [Credo Poético, Unamuno]

Basco, romancista, poeta, filósofo, foi professor de língua grega e de filologia latina, mais tarde reitor, da Universidade de Salamanca. De boa cepa liberal, sentiu as diatribes dos ditadores, amou e desiludiu-se com a Republica, foi exilado politica (passe o apoio que deu aos golpistas franquistas de 1936) e é conhecido a resposta que deu a um discurso proferido no Dia da Festa da Raça (e que lhe valeu ficar com residência fixa, tendo morrido semanas depois), na Universidade de Salamanca pelo general Millan Astray (mutilado de guerra), onde este injuria o País Basco e a Catalunha no meio de forte aplauso dos seus correligionários que gritavam "Viva a morte". Unamuno ergueu-se e disse:

"Há circunstâncias em que calar-se é mentir. Acabo de ouvir um grito mórbido e destituído de sentido: Viva a morte! Este paradoxo bárbaro é-me repugnante. O general Millan Astray é um doente. É verdade. Cervantes também o era. Infelizmente, há hoje em Espanha doentes a mais. Assusta-me pensar que o general Millan Astray poderia fixar as bases de uma psicologia de massa. Um doente que não tem a grandeza de espírito de um Cervantes procura normalmente alivio nas mutilações que pode causar à sua volta" [Dirigindo-se em seguida pessoalmente a Millan Astray] "Vencereis, porque possuís mais força bruta do que precisais. Mas não convencereis. Porque, para convencer, é preciso persuadir e para persuadir falta-vos a Razão e o Direito na luta. Considero inútil exortar-vos a pensar a Espanha. Tenho dito". [in, Morrer em Madrid, Bertrand, 1975]

Com profunda ligação a Portugal, numa lusofilia surpreendente que encontrou nos escritos e poesias da "geração de 70?" e na amizade com Guerra Junqueiro, Teixeira de Pascoaes, Eugénio de Castro, Manuel Laranjeira e Fidelino de Figueiredo [Ver Julio García Morejón], e que soube compreender nas inúmeras visitas a Portugal - Espinho, Figueira da Foz, Porto, Amarante, Guarda ("Foi Laranjeira que me ensinou a ver a alma trágica de Portugal, não direi de todo o Portugal mas, do mais profundo, do maior. E me ensinou a ver muitos caminhos dos abismos tenebrosos da alma humana").

"El Cristo español - me decía una vez Guerra Junqueiro - nació en Tánger; es un Cristo africano, y jamás se aparta de la cruz, donde está lleno de sangre; el Cristo portugués juega por los campos con los campesinos y merienda con ellos, y solo a ciertas horas, quando tiene que cumplir con los deberes de su cargo, se cuelga de la cruz." [Tierras de Portugal Y de España, 1911]

"Não sei se este livro [Por tierras de Portugal y España, 1911], simplesmente admirável, foi lido em Portugal. É de crer que não. E todavia nada se escreveu em livros estrangeiros, a nosso respeito, de mais belo, de mais profundamente interessante e verdadeiro. A nossa paisagem e a nossa alma aparecem, ali, surpreendidas nos seus aspectos mais ocultos, transcendentais e originais". [Teixeira de Pascoaes, in A Águia]

Algum roteiro: La Voz de Miguel Unamuno / Dados Biográficos / Miguel de Unamuno (e Portugal) breve evocação / Unamuno contra a Morte / Biobibliografia / Miguel de Unamuno

domingo, 28 de setembro de 2003

REGRESSO DA MEMÓRIA


"Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados" [F.P.]

E que dizer desta tarde-ligada-à-noite feita de lembranças, memória antiga que o tempo separou? Os Stones eram apenas o pretexto para dar fôlego à vida. Nunca nos abriram a porta do tempo, nunca nos excitaram para além do quente das flores, do devorar do espanto entre as fissuras do desejo. Tu gostavas, eu sei. E eu, "não sou daqueles que ruminam rancores" (Safo). Como o tempo arde. Aparte isso a música dos Stones era execrável. Je regret que je n'avais pas dit au revoir. A Filipa no fim das aulas do Camões, o coração a bater forte quando entravamos na Roma, depois esse ficar embaraçosamente na espera, ali a Av. Madrid tão perto, sempre esse caminho onde "tu mueres desesperada, y a mi me mata la espera". Lembrei-me de ti quando há dias se falava da nossa Av. de Roma, e um sorriso escapou-me da boca. Tu bem sabes que a "única solidão é aquela que não tem passado" (tia Bessa Luís, como gostas de dizer). Suavemente instalei-me, de novo, na sala de estar do nosso desassossego. Hoje, o tempo arde. Ouvem-se gritos lá fora. Gostei de te ver. Os Stones eram apenas um pretexto, tu sabes. Um dia voltaremos a sentarmos naquele banco do jardim do cinema Roma, e poderei dizer-te que "je suis comme je suis / je suis faite comme ça / quand j'ai envie de rire / oui je ris aux éclats" (Prevert).

Um beijo.

sábado, 27 de setembro de 2003

COIMBRA


"Eternity was in your lips and eyes" [Shakespeare]

"Aquilo que queremos dizer, é o excesso daquilo que vivemos sobre aquilo que já foi dito" [Merleau- Ponty]

Vamos lá ... então! Estás linda .... Coimbra!

CATÁLOGO Nº16 DE LUÍS BURNAY


Saiu o novíssimo Boletim Bibliográfico do Livreiro-Antiquário Luís Burnay - Setembro 2003 -, com 508 peças estimadas, há muito esgotadas ou raras. Como curiosidade o livreiro-antiquário acrescenta à listagem bibliográfica um "desabafo" aos clientes e amigos, bem pertinente, e que não é normal aparecer em Catálogos. Trata-se de uma referência à política de franquia existente, onde o livro-catálogo é penalizado face ao livro tout court. Essa estranha hermenêutica dos CTT em torno do conceito de livro, considerando um livro-catálogo um não-livro, desvela não só uma incomensurável blague cultural mas aponta, também, para o anedotário nacional onde o desnorte da politica cultural legislativa é total. Refere, ainda, e neste assunto não está só, o atraso constante e sistemático da distribuição dos correios, que impede uma prática gestionária contínua e eficaz. Nós compreendemos tudo isso. Ou não estivéssemos em Portugal.

Algumas peças constantes do catálogo: Agostinheida, poema Herói-Cómico, de Nuno Pato Moniz, um "inimigo irreconciliável" de Agostinho Macedo / Almanach Illustrado Litterario e Charadístico para 1986 / Appuleio, Burro de Ouro, com tradução do Barão de Foz Côa (obra de cariz erótico e fantástico), raro por não ter entrado no mercado / Estudos Regionais: subsídios para a História da antiga terra do Préstimo e terras que forma do seu termo - Macieira d'Alcobaça e Talhadas,..., por João Domingues Arêde, 1925 / Observações sobre as principais causas da decadência dos Portuguezes na Ásia escritas por ... Diogo Cão, ..., 1790 / Os Primórdios da Maçonaria em Portugal, por Graças & J. S. Silva Dias, IV vols, 1986 / Moulins Portugais, dessins de Fernando Galhano, de Jorge Dias (separata rara da Revista de Etnografia) / O Aldrabão Pimenta e a sua "História": analise contundente às parvoíces insanáveis dum megalómano mental, de João Paulo Freire (Mário), III vols / Crónica do felicíssimo Rei D. Manuel composta por ... Damião de Góis, 1949-55, IV vols / Historia da Republica - Edição Comemorativa do Cinquentenário da Republica, Ed. Século / O Anti-Christo, de Gomes Leal, 1884 / Casas Portuguesas de Raul Lino, 1954 / Lusitânia: revista de estudos portugueses, direcção de Carolina Michaelis de Vasconcelos, secretarios Afonso Lopes Vieira, Reynaldo dos Santos (participação, ainda, de Agostinho de Campos, António Sardinha, António Sérgio, Leite Vasconcelos), 1924-27, 10 números / A Heráldica dos Bastardos Reais Portugueses, por Armando de Matos, 1940 / Os Monges Agrónomos do Mosteiro de Alcobaça, por J. Vieira Natividade, 1942 (raro) / Cartas Inéditas do Cavaleiro de Oliveira, publicadas por A. Gonçalves Rodrigues, 1942 / Vínculos Portugueses, de Alfredo Pimenta, 1932 / Pharmacopea Chymica, Medica, e Cirúrgica, em que se expõem os remédios simples, e compostos, ... , 1805 (raro) / Da minha terra: figuras gradas, de José Queirós, ilustrações de Roque Gameiro e Santos Silva, 1909 / 6 Opúsculos de Henrique Barrilaro Ruas / Discursos de Salazar, VI vols / Portugal Militar, de Carlos Selvagem, 1931 / O Carmo e a Trindade, por Gustavo de Matos Sequeira, 1939-67, III vols / O reinado de D. António Prior do Crato, de Veríssimo Serrão (dissertação de doutoramento), 1956 / Os Paços dos Duques de Bragança em Lisboa, por A. Vieira da Silva, 1924 / Lusitânia Vindicata: Oeuvre de D. Manoel da Cunha - traduite en français avec une préface de Jules Thieury, 1863 (sobre a Restauração, rara) / Quodlibetales Questio / nes sancti Thome ... , S. Tomas de Aquino, 1515, 60 p., (raro) / História da Colonização Portuguesa do Brasil, direcção de Malheiro Dias, Edição Monumantal, 1921-24, III vols / A Invasão dos Judeus, por Mário Saa (Obra original, rara e bastante polémica), 1925.

sexta-feira, 26 de setembro de 2003

O MINISTRO E O LOBO MAU


O Ministro e o Lobo Mau - Éstorias para Crianças, por José Sá & Margo

Era uma vez um ministro que vivia numa casa escura e bafienta com outros meninos, no meio de papéis de jornais e tintas para brincar, do outro lado da floresta. Nessa floresta existia um lobo vermelho que era muito mau, tão mau que nem se pode imaginar. Quando lhe pediam para falar do lobo mau, o ministro dizia sempre, em voz alta, estas palavras: - «Ora ainda bem que perguntam. Oiçam! Deixem-me fazer uma pergunta: Vocês sabem como será o mundo daqui a dez anos? Repito: sabem?». Na verdade os seus amiguinhos não só não sabiam, como desconheciam o mundo para além das árvores da floresta. E tinham medo, muito medo do lobo mau.

Ora este bom ministro queria educar muito bem-educados os meninos liberais que o liam todas as sextas-feiras e por isso desejava mudar-se para um castelo limpo e arejado, fora da floresta perigosa, e esquecer de vez os perigos que a rondavam. Algum tempo depois foi ter com os companheiros de brincadeira. Ao passar por uma clareira encontrou o compadre Monteiro, mas nada lhe disse, entretido que ele estava a construir uma nova casa. Quando o dia nasceu, só tinha reunido o Bagão, o Pires, o Guedes, o Telmo, o Mota, o Salvado e a Celeste, e disse-lhes, olhos nos olhos, com ar estudado e sério: «Deixem-me dizer-lhes uma coisa. Está escrito. Não vou entrar em nomes. A quem acredita em mim eu digo apenas: sigam-me, venham todos ministrar».

E assim foi. O nosso bom ministro partiu, através da floresta, no seu belo carro verde very british mais os seus amiguinhos, com apreensão mas determinado, cantarolando a Portuguesa, enquanto nos céus passava em visita de estudo, apinhado de gente, um helicóptero de Lamego.
- «Ora, a grandeza da floresta "tem o dom da simplicidade. Diz um provérbio, creio que judaico, que as pontes se constroem entre rios, não se constroem entre oceanos." Pois eu diria, está escrito, que a floresta "consegue construir pontes entre distâncias que parecem insuperáveis" e o lobo mau que se lixe» - disse o ministro, confiante, de si para si. E lembrou-se do que lhe tinha dito um amigo francês, de nome Le Pen: «Caro menino, eu sei que és obediente. Vou dizer-te o que deves fazer para não seres apanhado pelo blog do Pacheco, pelo expresso do Duarte Lima ou mesmo pela chaimite do Alvarenga. Deves ir sempre pela direita da direita, chamares pela santa Cinha e nunca largares a mão dela».

Àquela hora do dia nada encontrou, excepto o Rei D. Dinis, o Delgado, o Independente, a Helena Matos a tricotar e o Tio Patinhas, que lhe disse: - «Bom dia, soldado! Como tens um grande saco e um belo carro, és um verdadeiro soldado! Vais ter tanto dinheiro quanto quiseres!», ao que o ministro respondeu: - «Não confirmo nem desminto».

Eis que passa um ruidoso grupo de imigrantes, e um deles, escondido sob uma máscara mas que se viu logo ser o Louçã, perguntou-lhe: «Qual o caminho para Portugal?». O ministro que era muito senhor do seu nariz, respondeu todo lampeiro: «Os portugueses primeiro, nós cá é mais submarinos, viaturas blindadas e aeronaves!». E não deixou de continuar o seu caminho: um ministro jovem é sempre valente.

Depois passou a "peluda" Ferreira Leite, numa carrinha do Ministério das Finanças, e olhando de soslaio o ministro, disse-lhe: - «Ah! Ah! O que é que escondes dentro do saco?». O nosso ministro, depois de muito matutar e perante o terror de Lobo Xavier, que tinha acabado de chegar de uma reunião na Torre das Antas, disse: - «São rosas e pão, senhora».
- «Fixe essa do pão, que queijo e facalhão temos cá nós» – retorquiu a fada das finanças, abrindo triunfante o saco do ministro da floresta. Mas ficou abismada ao deparar com pão e rações de combate que o ministro transportava para o castelo da Av. da Ilha da Madeira. E lá partiu, floresta fora, vociferando justiça, seguida de perto pelo aterrorizado Xavier.
Nesse momento sobreveio o Alberto Gonçalves em traje micaelense, com cavaquinho, ferrinhos e pífaro, CM debaixo do sovaco, Serzedelo à perna. - «Ai de mim! - exclama o homem a dias - antes o Sepúlveda!». Ao longe, Mexia, escondido por detrás de um livro (A cabra vadia: novas confissões) de Nelson Rodrigues, mirava uma menina da floresta, a mais linda que se possa imaginar, um pedaço de mau caminho, completamente alheado desse histórico e comovente momento.
Entretanto surge inflamado o juiz da floresta e, perante tamanha concentração de intelectuais, em altíssima voz, clama: «Não há conversa ... antes que rebente com essa merda toda». Aterrorizados, o ministro e seus amiguinhos, jornalistas e bloguistas, simples trabalhadores florestais, mulheres venturosas, almocreves em exercício e o próprio lobo mau, desatam a correr, a correr ... e até hoje ainda não conseguiram parar de parar de correr.

Assim acaba a história do ministro e do lobo mau, que afinal não era tão mau quanto isso.

quarta-feira, 24 de setembro de 2003

BIBLIOTECA LUIZ FORJAZ TRIGUEIROS

LEILÃO DE LIVROS (Primeira Parte) - Dias, 6, 7 e 8 de Outubro de 2003

Resenha Bibliográfica da Biblioteca que Pertenceu ao Escritor LUIZ FORJAZ TRIGUEIROS

Literatura Portuguesa / Francesa e Brasileira / História e Arte /Filosofia e Ensaios/ Conjunto Invulgar e Valioso de Manuscritos Autógrafos (Cartas, Postais e Cartões de Visita) dos mais Consagrados Escritores, Poetas, Artistas e Políticos do Século XX - Dias, 6, 7 e 8 de Outubro de 2003 (20 horas) / sob Direcção de José Manuel Rodrigues (Livraria Antiquária do Calhariz, Lisboa).

Local do Leilão: Casa da Imprensa, Rua da Horta Seca, nº 20 - Lisboa


"Luiz Forjaz Trigueiros nasceu em Lisboa, em Abril de 1915 e faleceu na sua casa da Rua da Imprensa à Estrela, em Lisboa, em Setembro de 2000, depois de uma longa vida dedicada à literatura e à intervenção cultural. Contava então 85 anos de idade.

Jornalista, ensaísta, crítico literário e ficcionista, iniciou a sua carreira literária muito cedo, com apenas 16 anos de idade, como colaborador do semanário Notícias de Alcobaça (1931) e do jornal Revolução (1932), tendo também exercido a crítica literária e de teatro, entre 1934 a 1942, no Fradique e na Acção. Em 1937 foi um dos fundadores do semanário literário Bandarra, dirigido por Thomaz Ribeiro Colaço; entre 1941 e 1946 pertenceu aos quadros da então secção brasileira do Secretariado Nacional de Informação e Turismo, dirigido por António Ferro e, nessa qualidade, foi também redactor da revista luso-brasileira Atlântico; colaborou no vespertino Diário Popular desde a sua fundação, em 1943, como crítico de teatro, sendo redactor efectivo em 1945 e seu director desde 1946 a 1953. Durante vinte anos, entre 1954 e 1974, manteve uma coluna semanal intitulada «Temas», de análise e comentário literário, no suplemento «Artes e Letras» do Diário de Notícias ... Foi colaborador regular do Primeiro de Janeiro (...) e da antiga Emissora Nacional ...
Senhor de uma educação familiar muito esmerada, com uma formação cultural vincadamente católica e integralista, desde muito novo que leu os grandes pensadores franceses e portugueses – com destaque para François Mauriac e António Sardinha (...) A par da sua actividade cultural, desempenhou cargos de vária índole, tendo sido administrador da TAP ... membro do Conselho Fiscal da Livraria Bertrand ... e administrador da mesma editora desde 1951 a 1974 ... Pertenceu [ao] Instituto de Coimbra, a Sociedade de Geografia de Lisboa, Comunidade Europeia de Escritores … Associação Internacional dos Críticos Literários, a Associação Portuguesa de Escritores, Grémio Literário e o Círculo Eça de Queirós, o Pen Clube Português ..." [A.M.T, in Catálogo da Resenha Bibliográfica ...]

Algumas peças bibliográficas a leilão: Cartas de Jorge Amado / Cartas manuscritas de João de Ameal ( noticia da morte de Alfredo Pimenta e onde se lê: «Não posso dizer que fosse meu mestre – porque os únicos mestres que, de facto, me ajudaram a formar-me intelectualmente e, até, espiritualmente, foram, no domínio teológico-filosófico, o João Tomaz e, no domínio filosófico-político, o Maurras») / Cartas manuscritas de Maria Archer ("pedindo que leia o seu último livro – Ela é Apenas Mulher -, apelidado de livro pornográfico por um critico do jornal «A Voz», que sugeriu a sua apreensão pela polícia") / Ponte de Lima, texto manuscrito (24 pgs) de José de Sá Pereira Coutinho (Conde de Aurora) com uma referência a «esse estranho e fenomenal Fernando Pessoa... ») e enviado com de dedicatória em 1938 a Forjaz Trigueiros) / Carta (2 pág.) confessional de Ruy Belo, enviada de Niza / 1º Edição de O Manto, Agustina Bessa Luís (1961 ?) / Conjunto curioso e valioso de cartas manuscritas de Agustina / Franca, poema ("patriótico") inédito dactilografado de António Botto, datado de Julho de 1944, Rio de Janeiro / 5 livros de Luís Cajão, com evidente interesse Figueirense / Obras de Luiz de Camões, IN, VI vols, 1860-1869 (comentários biográficos do Visconde de Juromenha) / "Invulgar e importante colecção de «Cartões de Visita» na sua maioria autografados por grandes personalidades da vida portuguesa, desde o final do sec. XIX a XX" (Herculano, João Deus, Bolhão Pato, Salazar, António Ferro, Caetano, Namora, António Pedro, Gaspar Simões, João Barros, Hipólito Raposo, etc.) / Simples Canções da Terra Seguidas de uma Ode a Gomes Leal, rara publicação de Casais Monteiro (1950) / Don Quixote de La Mancha, translated by Peter Motteux, ilustrated by Salvador Dali, NY, 1956 / Histórias de Bichos, João Condé, 1947 (tiragem 200 expls) / A Mosca Iluminada e Cântico do País Emerso, raras publicações de Natália Correia / Texto manuscrito (29 pgs) de Júlio Dantas, intitulado «O Caso de Espanha», original do texto publicado no DP (anos 40) de reconhecimento da Espanha Franquista / Canto de Morte e Amor, rara edição poética de Afonso Duarte (1952) / Ex-Libris Rares Portugais, folheto s/d, opúsculo raro / Extensa obra e cartas manuscritas de Gaspar Simões / 6 obras invulgares (de 1959 a 1968) de Ana Hatherly / Conjunto valioso de postais e cartas manuscritas de Afonso Lopes Vieira / Outro conjunto de cartas autografas de vários escritores (Azinhal Abelho, Barrilaro Ruas, Mário Beirão, Fernanda de Castro, Cottinelli Telmo, Delfim Santos, ...) / Outro da Família Real Portuguesa (D. Amélia, Duarte Nuno) / 3 cartas de Tomaz Kim ("Chegaram-me aos ouvidos uns vagos rumores políticos: remodelação em Outubro. O patrão estaria a chocar em santa Comba. Mas o que o boato tinha de sensacional era de que o Teotónio se ia embora! A hora é de «ónião», para não nos afundarmos todos") / 4 cartas dactilografadas de António Pedro (sobre o seu "trabalho técnico na TAP, no Rio de Janeiro, que em geral de desconhece") / Violão do Morro, raro livro de Vitorino Nemésio, (1968) / Carta manuscrita de 8/02/1949, de Alberto de Serpa ("O Ferro [António] está sendo um inimigo da Cultura e da Inteligência, e é necessário que diga isso quem tem força moral e intelectual para o afirmar ... O Ferro está traindo os seus antigos companheiros")

terça-feira, 23 de setembro de 2003

MORRE FREUD A 23 SETEMBRO DE 1939


"O meu pai deu-se um dia ao luxo desta brincadeira: abandonou à destruição, confiando-o a mim e à mais velha das minhas irmãs, um livro com estampas a cores (descrição de uma viagem pela Pérsia). No plano pedagógico, era difícil de justificar. Eu tinha então cinco anos, a minha irmã tinha menos três que eu e a imagem de nós os dois, crianças, no cúmulo da alegria, desfolhando esse livro folha a folha (como uma alcachofra) (devo dizer) é quase a única que me ficou como recordação plástica deste período da minha vida. Depois, quando me tornei estudante, desenvolveu-se em mim uma predilecção manifesta por coleccionar e possuir (análoga à inclinação para estudar a partir de monografias, uma paixão favorita, tal como aquela que aparece já nos pensamentos do sonho no que se refere a cíclame e a alcachofra). Tornei-me um rato de biblioteca [Bucherwurm]. Desde que reflicto sobre mim, sempre reconduzi este primeiro capricho da minha vida a esta impressão de criança, ou antes, reconheci que esta cena infantil é uma «recordação-encobridora» da minha bibliofilia ulterior. Naturalmente, aprendi cedo que as paixões nos arrastam facilmente aos sofrimentos".

[Freud, in A Auto análise de Freud e a Descoberta da Psicanálise, vol I, Edições 70, 1990]

Anotações várias:

"... fala, o canto, os movimentos da língua e da pena estão investidos de um simbolismo genital: a palavra representa o pénis e o movimento da língua ou da pena, o coito. Este investimento articula-se com o prazer de ouvir, que tem a sua origem numa cena primitiva apercebida segundo o modo sonoro e que estaria na origem do interesse pela música ..." [Didier Anzieu, in Psicanálise e Linguagem, Moraes, 1979]

[C. G. Yung, Memorias Sonhos Reflexões, Rio de Janeiro, 1975] – "Não concordo quando dizem que sou sábio ou um "iniciado" na sabedoria. Certo dia um homem encheu o chapéu com água tirada de um rio. O que significa isso? Eu não sou esse rio, estou à sua margem, mas não faço. Outros homens estão à beira do mesmo rio e em geral pensam que deveriam fazer as coisas por iniciativa própria. Eu nada faço. Nunca imaginei ser «aquele que cuida para que as cerejas tenham haste». Fico lá, de pé, admirando os recursos da natureza.
Há uma velha lenda, muito bela, de um rabino a quem um aluno, em visita, pergunta: «Rabbi, outrora havia homens que viam Deus face a face; por que não acontece mais isso?» O Rabino respondeu: «Porque ninguém mais, hoje em dia, é capaz de inclinar-se suficientemente». É preciso, com efeito, curvar-se muito para beber no rio”

"É pela importância que a alquimia teve para mim [Yung diz que o estudo da alquimia o absorveu por mais de 10 anos. Para o efeito seguiu uma metodologia bem curiosa] que percebi minha ligação interior com Goethe. O segredo de Goethe foi o de ter sido tomado pelo lento movimento de elaboração de metamorfoses arquetípicas que se processam através dos séculos; ele sentiu seu Fausto como uma opus magnum ou divinum - uma grande obra ou obra divina. Tinha razão, portanto, quando dizia que Fausto era sua «obra-prima»; por isso sua vida foi enquadrada por esse drama. Percebe-se de modo impressionante que se tratava de uma substância viva que agia e vivia nele, a de um processo supra-pessoal, o grande sonho do mundus archetypus".

segunda-feira, 22 de setembro de 2003

O BRASÃO DE COIMBRA

"As armas de Coimbra, que figuram no estandarte da Câmara Municipal e no Arco de Almedina, representam uma figura de mulher coroada, com as mãos erguidas, tendo metade do corpo, a cinta para baixo, metida num cálice; à direita da donzela uma serpente [serpe alada] e à esquerda um leão.

É opinião muito corrente que este brasão alude às lutas entre os dois inimigos, Ataces e Hermenerico, lutas que tiveram seu termo a troco de Cindazunda, filha de Hermenerico que a cedeu em casamento a Ataces. Vários escritores têm feito referência a este brasão, explicando-o por esta forma.

No cartório da Sé de Coimbra foi em tempos encontrado um manuscrito pelo qual se ficou sabendo que as armas desta cidade, antigamente, não eram iguais às que depois foram adoptadas e acima descritas. Em 1385 eram bem diferentes, como se vê de um selo pendente no auto da eleição de D. João I, realizada em Coimbra, no dia 6 de Abril de mesmo ano. Em 1265, 120 anos antes, já se usava o selo que passamos a descrever, e que faz muita diferença do actual: as antigas armas de Coimbra eram representadas por meio corpo de mulher coroada com touca ou véu. Por baixo uma cobra querendo meter a cabeça num cálice; aos lados de meio corpo da mulher dois escudos das armas de Portugal. À volta a seguinte inscrição: « Sigillum consillii cieitatis Colimbrix». (...)" [A. s/d]

Bibliografia a consultar: Sá Miranda (Fábula do Mondego – "... Que fue médio Serpiente / que el mismo Oriente / De si en cinta dexó, dexole un vaso / Rico por que bebia ...") / Gil Vicente (Comédia sobre a divisa da Cidade de Coimbra) / Inácio de Morais (Conimbricae Encomium) / Frei Heitor Pinto (Imagem da Vida Cristã) / Pedro de Mariz (Diálogos da Vária História) / António Maria Seabra de Albuquerque (Considerações sobre o Brasão da Cidade de Coimbra) /Frei Jorge Pinheiro (Sermão, Outubro de 1625) / Frei Bernardo de Brito (Monarquia Lusitana) / João Rodrigues de Sá e Meneses (Tratado da Cidade de Coimbra) / Manuel Severim de Faria (Armas das Cidades de Portugal) / Vasco Mousinho de Quevedo (Afonso Africano) / António Carvalho da Costa (Corographia Portuguesa) / D. José Barbosa (Archiathenceum Lusitanum) / Augusto M. Simões de Castro (O Brasão de Coimbra – Resenha do que escreveram e disseram acerca d’elle alguns auctores distintos; e O Brasão de Coimbra) / D. Luiz Gonzaga de Lancastre e Távora (O Selo Medieval de Coimbra e o seu Simbolismo Esotérico) / Maria F. Azevedo Pires (Lenda do Brasão da Cidade de Coimbra) / Mário Nunes (O Brasão de Coimbra).