domingo, 10 de agosto de 2003

QUE FAZER?


[Algures perto de Almodovar] A serra é de uma visibilidade estranha, fantasmagórica, mágica. "Aquilo que se vê não se aloja nunca naquilo que se diz" (Deleuze). Há decerto uma "disjunção" entre o que se vê atrás da serra e o que para além dela se diz. O Algarve nunca é mostrado, mas sabe-se que a sua luminosidade está por detrás daquele monte, que ao longe se vê. Muitos o dizem, velhos e novos, homens e mulheres, que partiram há muito pela estrada fora. Nada os retém no tempo que lhes resta. Eu tenho dúvidas, mas compreendo essa felicidade que lhes foi negada. Lembro-me como as noites serranas eram de uma acalmia arrebatadora, de um silêncio comprometido. Lembro-me ... Mas que valeu isso, se hoje tudo é memórias. Tal como uma personagem de Antonioni, que dizia que "não temos ideias, apenas memórias", também estes homens e mulheres gastaram há muito projectos, esperanças, cuidados. Debandaram todos.

[Portimão] Não fora convite estimável e irrecusável, não iria para estes lados. Não que fosse diferente de outro Algarve qualquer, mas apenas porque seria dolorosa a lembrança de antanho. Lamentavelmente, as coisas estavam, ainda, pior que supunha. A Praia da Rocha não existe, há muito que lhe limparam o corpo e o espirito. Fiquei lá em baixo, na Marina, longe da civilização e da alegria do veraneio. Ao barcos não se abatem, pensei eu. Seria "uma gaiola à procura de um pássaro". É certo que, por uma vez, não fui razoavelmente prudente. Quando dei por mim na piscina do Marina-Hotel, no meio das "tias", acabadas de chegar da festa da Kadoc, já era tarde. Bem sabia eu, que o mar seria de tormenta. Não tive coragem de lhes dizer que a tarde não se previa "estupenda". Acobardei-me. Zarpei imediatamente, com mil e uma desculpas, para o barco, pois sabia que é "no mar que a dor acalma e os alicerces da alma esquecem". Fui sensato.

quarta-feira, 6 de agosto de 2003

ALMOCREVE A CAMINHO

Mais para sul. Beja aqui tão perto. A estrada é de tormenta, mas Beja será retemperadora. Almodovar ali ... mesmo. Fim de tarde a lembrar as muitas da infância. Que será feito de ... ??!

"Por entre casas brancas
Sol e distância
Por entre oliveiras e vinhedos
Ânsias e medos
Por entre espigas e bolotas
A espuma dos olhos
Na terra seca e no calor
O sabor a suor
Nas almas sem mistério
A luz apenas como refrigério
E na dor das horas imoladas
Silêncio e nada."

José A. Palma Caetano

JOÃO PULIDO VALENTE [4 DE AGOSTO DE 2003]

Em Abril de 1964, surge a CMLP, fundada por João Pulido Valente, Francisco Martins Rodrigues e Rui d'Espinay, principalmente. Três meses antes tinha aparecido a FAP, resultante de uma cisão no PCP. Questão complicada, na doxa marxista-leninista, o existir a Frente sem o partido que a dirija. Foi sempre esse o ponto nodal de todo o movimento m-l, antes do 25 de Abril, no combate à ditadura.

Foi a partir desse debate que mil e umas organizações foram aparecendo e desaparecendo na textura politica de então. De entre as figuras marcantes, figura João Pulido Valente. O mito quase perfeito do verdadeiro combatente, que não se vergava à polícia politica, não era de trair os companheiros, mantendo-se, como então era dito, como "um revolucionário". Alguma juventude de então, sabia-o bem. E teve, sempre, enorme ternura e respeito por ele.

João Pulido Valente, poderia ter sido isso tudo, mas era tão só um homem singular, pela sua irrequietude, seu voluntarismo quasi anarquista, sua extrema ironia, e, principalmente, com um grande desejo de viver.

Até sempre João!.

terça-feira, 5 de agosto de 2003

CONTEMPLANDO NAS COUSAS DO MUNDO ...

Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa.
O velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa,
E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.
[Gregório de Mattos e Guerra]

MACGUFFIN - O PROF.


No dia 4 deste mês, o putativo MacBloguerGuffin pensou durante um jantar, esta extraordinária, mas acertada pérola de Nelson Rodrigues, o guru:"Há sujeitos que nascem, envelhecem e morrem sem ter jamais ousado um raciocínio próprio. Há toda uma massa de frases feitas, de sentimentos feitos, de ódios feitos". É bom durante repastos assim, tão confabulativos, pensar (suspirar) em Nelson Rodrigues.

MacGuffin o bloguista não é desses que fala Nelson. Nada disso. MacGuffin tem sempre opiniões sólidas, apessoadas, não assistenciais. Por vezes foge-lhe a chinela intelectual para esses pequenos ódios de estimação que existem dentro de cada um de nós. Mário Soares é um deles, como podia ser a viúva-alegre ou o Antunes da mercearia, é bom de ver. Nada de extraordinário. O que é espantoso são as tiradas a favor da corrente do liberal MacGuffin. Tomemos nota.

- "(...) tenho sérias dúvidas que em Portugal, um país que viveu durante 34 anos sob a doutrina castradora, proto-socialista e paternal de um homem de Santa Comba Dão (...)" [um verdadeiro incêndio literário, é bom de ver]

- "O que será, então, o Dr. Mário Soares? Depois de consultar vários compêndios, achei: o Dr. Mário Soares é um "quisto sebáceo". [uma reprimenda anatómica verdadeiramente liberal, claro]

- "Cara Maria Manuela: foi um prazer ler a sua carta e perceber que existe gente com espírito conservador, tal como eu o imagino. (...) O dogmatismo e a presunção de uma certa esquerda - sempre pronta a catalogar e fazer uso dos 'slogans' - não escolhe idades." [a arqueologia do tédio no pensamento MacGuffiniano]

- "Este ano já arderam 80.000 ha, dos quais 54.000 «apenas» na última semana. Leram bem: oitenta mil hectares. Ontem, combatiam-se 522 incêndios, espalhados um pouco por todo o país. Leram bem: quinhentos e vinte e dois." [a elegante matematização no seu esplendor filosófico]

PÃO & LIVROS

Agradeço a matinal sugestão de JPP. Pão & livros in matinas é sempre boa escolha. Não conhecia o livro [Among the Gently Mad Perspectives and Strategies for the Book-Hunter in the Twenty-First Century], nem o autor [Nicholas A. Basbanes].

Fiz a devida pesquisa no google, e, helás, lá encontrei uma referência que em tempos tinha lido num newsgroups da livraria Kosmos, mas que não dei qualquer relevância. Tratava-se (como agora posso dizer pela consulta) de "Patience & Fortitude"".. E é bem curiosa a biobibliografia do autor, e quem sabe se o seu último volume sairá em português, mesmo que no Brasil. Seja como for, já tomei nota.

Eis para que serve, também, um blog. Thks!

FOGO NA NOITE ESCURA

Não é o livro de Fernando Namora. É a situação indescritível do país, varrido pelo fogo. É a noite escura do nosso desassossego perante o que nos é dado ver e ouvir. É a população mais pobre, mais uma vez, a ser atirada para o guetto, de onde nunca saiu. É o politicamente correcto de alguns políticos, que não assumem responsabilidades. Que aparecem em discursos déjà vue, manhosos, quase todos por encomenda, sem pudor. Quem ouviu hoje, debate da RTP1 entende. Porque não podem ser ouvidos, com atenção, homens como o (salvo erro) Galacha. Acaso a etiologia desta doença dos fogos é irreal? É falso o que ele disse? Tenham vergonha. E sejamos solidários com as vitimas deste terror.

domingo, 3 de agosto de 2003

FOGOS & NOTAS VÁRIAS

- É sempre a mesma coisa todos os anos. Chega-se a Julho e Agosto, e de repente parece que fomos atirados para um outro país. Quem ouve o inefável ministro Figueiredo Lopes a dar ordens ao abrigo de um plano inexistente (ou que só na sua cabeça existia) fica na dúvida em que raio de país estamos. É que, afinal, fazem mil e umas leis, normas e planos que invariavelmente nunca são aplicados, ou quando o são imediatamente são colocados de lado para uma nova reformulação. Este ministro diz a mesma coisa que os seus anteriores diziam. E seguramente que os vindouros dirão a mesmíssima coisa. Triste país este, que é governado por tamanha gente.

- O Ministro da Defesaestá atirado para lume brando. E, de facto, merece-o. Nem se compreende como alguém com o perfil ético e político de Portas, conseguiu, um dia, ser ministro de alguma coisa. Não tem idade mental, estirpe democrática e humanidade para o desempenho do cargo. Quanto muito no Independente poderia mandar em alguma coisa, porque são todos bons rapazes. Mas no governo de um país, valha-nos Deus. Enfim, como diria Joyce"como não podemos mudar de país, mudemos de assunto".

- Estes dias em férias são óptimas para compras de livros, há muito esgotados ou desaparecidos. Não há concorrência nesta época do ano. A praia é um trabalho infinito e que requer tempo, mesmo para os mais audases. Ainda bem, para nós, que também somos praiantes de barriga ao sol, mas estamos atentos e cuidadosos sobre as insolações estivais. Et pour cause ...

Algumas das aquisições nestes dias de Agosto. [brevissima anotação]

* Catalogo da Valiosa e Interessante Livraria que pertenceu ao Ex.mo Snr. Dr. Pedro Augusto Ferreira (Continuador do Portugal Antigo e Moderno) por elle dispendiosa e pacientemente adquirida em leilões e vendas particulares, desde 1864 e que será vendida em Leilão, pelas 6 horas da tarde do dia 7 e seguintes no proximo mez d'Abril no Bazar de António Freitas, Rua de Passos Manoel, 199 - Porto s/d [Nota: contem todos os preços da arrematação, enc.]

* Catalogo // das // Obras mais raras, valiosas e estimadas // da // Livraria // do bem conhecido e afamado bibliophilo // Agostinho Vito Pereira Merello // ex-corretor do Numero da Bolsa. // Bibliotheca Particular a mais importante do paiz, constando 12:358 lotes // Catalogada por seu filho // Julio Roque Pereira Merello // Agente de leilões da Praça de Lisboa // Seguido de um catalogo dos valiosos quadros, estampas e jornaes // Precedido de um breve prefacio por // Theophilo Braga // Lisboa // Typographia da Companhia Nacional Editora // ... // 1898, VII-337 pgs

"Habent sua fata libelli. É este um antigo aphorismo em que está implicita toda a historia litteraria; os livros têm a sua sorte, e não é menos dramatica a série de peripecias que constituem a sua historia externa, como a dos conflictos theoricos ou doutrinarios que levantaram, actuando na corrente da civilização. O livro é um prestigio (...) Quem ousará condemmar a bibliomania, se é ella um meio indirecto de conservar muitas riquezas do passado que fatalmente se perderiam na voragem do tempo! Sem essa preoccupação de enthezourar todas as raridades e especialidades bibliographicas, seria impossivel construir a Historia litteraria, a grande creação entrevista no seculo XVII por Bacon (...)

A livraria, que esteve sempre occulta como um thezouro cubiçado, é conhecida emquanto á sua importancia pelo fervor, sacrificios e constancia com que o proprietario se batia em todos os leiloes e pesquizas para alcançar as mais invejaveis preciosidades litterarias e artisticas. Desde 1844 a 1895 gastou Pereira Merello a ajuntar livros, capitalisando na sua Bibliotheca a melhor parte dos seus rendimentos provenientes das sua funções de Corrector do Numero da Praça de Lisboa. (...) Pereira Merello, de origem italiana, cultivou as letras na sua mocidade; escreveu artigos sobre economia e commercio em alguns dos mais importantes jornaes de Lisboa (...) Começou a a collecionar livros, quando ainda andavam em dispersão as bibliothecas dos conventos, e prosseguiu, quando ao correr do martello do leiloeiro se espatifavam as livrarias pacientemente formadas como a de Pereira da Costa. Foi n'este campo de combate que Pereira Merello se encontrou com Innocencio Francisco da Silva (...) É certo que tornaram-se inimigos inconciliaveis; Merello fechou a sua livraria com os setes sellos do Apocalypse, e elle mesmo levado pela preoccupação do livro chegou ao ponto em que já se não dominava, tornando-se elle proprio victima de uma como vesania. Para adquirir as obras mais raras já não olhava a dinheiro (...) todo o seu capital adquirido foi gasto com enthusiasmo em livros, quadros e em curiosidades de bric-à-brac. Faz lembrar por vezes essa figura mysteriosa e sympathica do Cousin Pons do romance de Balzac. Os livros custavam-lhe o melhor do seu sangue, o dinheiro e odios profundos com os outros bibliomanos; guardava-os com as mesmas etiquetas dos leilões, em sacos e em caixas, de forma que perdia o conhecimento d'elles. Daqui resultava o tornar a comprar muitos exemplares do mesmo livro, tal como aconteceu com outro acerrimo bibliophilo do Porto o Dr. João Vieira Pinto (...) Ao fim de quarenta annos de trabalho estava formada esta grandiosa Bibliotheca particular (...)"

[Theophilo Braga, A Livaria de Pereira Merello, pag. V/VI]

* Catálogo de Quatro Importantes Livrarias que serão vendidas em Leilão sob a direcção de João Vicente da Silva Coelho organizado por José dos Santos e com um prefácio de Gustavo de Matos Sequeira. ... constituindo o fundo das livrarias que formam do Conselheiro Anselmo José Braamcamp, do dr. JoãoForjaz, do dr. José Pereira de Paiva Pita e da família Cunha Sotomayor. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1925, 354 pag. [Trata-se de catálogo onde participam o dono da Livraria Coelho de Lisboa, José dos Santos da Livraria Lusitana (Lisboa) e com prefácio do bibliófilo Gustavo de Matos Sequeira.]

"Nenhuma terra de Portugal possue como Coimbra a característica inconfundível da sua tradicional cultura erudita, artística e literária. (...) Abastada de livrarias, a cidade do Mondego marca assim esse logar e a cada uma que se dispersa outra se forma. Estas que agora se vão vender em almoeda reflectem bem nitidamente a feição originária, o ar erudito, na abundância de clássicos, na escolha castigada dos melhores autores e na variedade dos assuntos.
A primeira, que pertenceu ao estadista Anselmo José Braamcamp, recheada de curiosidades clássicas e de bons livros de sciência política, (...) Segue-se a livraria do dr. João Forjaz, de Bemcanta (...) Mais copiosa e mais variada do que as anteriores è a biblioteca que foi do lente dr. Paiva Pita abundantíssima de obras jurídica de mérito e de clássicos dos melhores como (...) Áparte estes excelentes livros mencionados, enriquecem a livraria uma porção considerável de manuscritos que forma pertença do bispo Azeredo Coutinho, que foi de Elvas e Pernambuco, manuscritos entre os quais se destacam alguns de interesse capital para a história eclesiástica e geral destas duas cidades, mormente de Elvas. (...) A última biblioteca que foi da família Cunha Sotomayor, de Coimbra, (...)"
[Gustavo de Matos Sequeira]

sexta-feira, 1 de agosto de 2003

O ALMOCREVE VAI DE PASSEIO



Para escusar a fadiga, vamos de passeio, rumando para o Sul.
É bom de ver que só retomaremos a nossa ventura quando tivermos vento de (a)feição. Porque "o lugar que ocupamos é o único temível, porque nos prende".

Dos frescos e saudosos campos do Mondego

Vale!

ANOTAÇÕES

- FJV pergunta “o que fazem as Câmaras com os livros?”. Decerto, depois da devida catalogação, os põem à disposição dos leitores. É isso que se espera. Compreende-se que algumas não têm apetência para tal. Mas, é sabido que nalgumas bibliotecas da província o cuidado e o conhecimento (andam sempre juntos) são excelentes. Caso de Cantanhede, Figueira da Foz. O que é revelador que alguma coisa mudou, e para melhor.
Uma outra questão, bem curiosa, era seguir a trajectória de doações de bibliotecas particulares, algumas com espólios interessantes ou mesmo de alguma raridade, a diversas instituições de utilidade pública, bibliotecas, etc. Pelo que sei, além de desaparecimentos suspeitosos, os felizes possuidores da doação, depositam os livros, quadros, fotografias, numa qualquer cave ou sótão, ficando por lá anos a fio, e quando por acaso alguém vai ver o seu estado, deparasse-lhe com o espolio doado completamente estragado. Como não podem vender, resta-lhes atirar para o caixote do lixo os livros e documentos. Afinal, quantos espólios se perderam dessa maneira?

- MacGuffin regressou esplendoroso. O seu WITTGENSTEIN VS. POPPER estava uma delícia

- Um texto estimulante de Alexandre Franco de Sá sobre o conservadorismo. ("Porque, no conservadorismo, não há propriamente uma posição. Para a ter, ser-lhe-ia necessário ter um topos, um sítio, uma radicação num lugar, o que é justamente aquilo que lhe falta" ). Ficamos à espera da replica dos neocons. Talvez depois se possa, de uma vez por todas, estabelecer as destrinças entre o conservador e os seus neo. Espero é que não se esgrima a ideia, como hoje teve um conhecido analista da nossa praça (na Sic Notícias), de tentar definir o neoconservadorismo americano como um lugar de um "não-lugar", sabido que os seus profetas vieram da extrema-esquerda americana. Vamos esperar.

- Dois belíssimos textos no Reflexos: Indícios e Adulto. Copy-paste obrigatório.

quinta-feira, 31 de julho de 2003

BREVES


* Há coisas que não mudam - "Paulo Portas é hoje ministro. De Estado e da Defesa, condição dificilmente imaginável para quem o conhece. (...)
Acontece que Paulo Portas não é um ministro igual a outros. O próprio não aceitaria a paridade. É líder de um partido que usou em função de um interesse intransmissível, gosta de se sentar à direita, ou imediatamente à esquerda, do chefe. Por enquanto.
Sobra a ironia da peça escrita por Diogo Freitas do Amaral – que conhece o adolescente –, ainda por subir à cena. O enredo é simples e potencialmente verdadeiro: um ministro da Defesa trai o primeiro-ministro. Há, na vida, o subliminar que distingue comportamentos e determina pormenores de uma qualquer história.
Não é próprio de um ministro da Defesa as jogadas de bastidores que caracterizam a acção governativa do escorregadio Paulo Portas. Nessa azáfama com o acessório, Portas vai descurando o essencial e perdendo o respeito e a credibilidade junto das instituições, militares e civis.
Resta-lhe a inconsequência, em que muitos vêem sinais inequívocos de cobardia, com que evita a ida ao Parlamento.
Exactamente a mesma síndrome adolescente que o fazia dormir fora de casa para não ser citado nos processos contra O Independente.
Há coisas que não mudam.
" [Raul Vaz, Diário Económico, 30/07/03]

* Paulo Mendo no PJ, foi prudente e sensato ao falar de blogs. Diz-nos, tout court, que não se sabe se serão blogs ou blogues (aqui, é bom de ver que não frequenta o sacerdote Mexia), considerando que é supinamente mais benéfico para a saúde dos "mais velhos" essa modernista prática, que andar a subir e descer os escadotes equilibrando livros e revistas. Fica, assim, de parte o dizer de João Miguel Fernandes Jorge: «Importa que não haja ilusões sobre este ponto: é que podemos morrer de sede em pleno mar». Absolutamente de acordo.

* Pedro Mexia, depois de reiterados problemas informáticos regressou com rasgados elogios à sua pessoa, esperando-se um visual poetry em breve, com recurso a projectos multimédia. Eis um pequeno extracto da sua novíssima grande obra: «A técnica é a ética-ateórica. Tanto a técnica como a estética nos distraem do mundo do logos, do mundo da razão. A técnica do blog é uma arte onde a trajectória do corpo (despótico?) se impõe à enunciação. O mexianismo é a nova discursividade dissidente, que dedicamos a uma qualquer lumine nympha, sem empacho». O Professor Deleuze que se cuide, pois! Nós, continuamos a afiar a esferográfica.

* Eis a nossa modesta contribuição para o dito "meta-debate sobre se existe, ou não, amor na blogosfera":

- "Do amor não se pode dizer tudo, e se se tenta isso pela polivalência da glote, sai fracativo" (Maria V. da Costa ?) [será da MVC, não temos a certeza]

mas é sempre de notar, principalmente, que: "Toda a vulva é fechada como a expansão da noite" (Maria V. da Costa, Da Rosa Fixa)

CATÁLOGO DE LIVROS DE CARLOS DA SILVA CAMPOS - 1877

Catalogo // dos // Principaes Livros, Alguns Raros e Estimados // que se encontram à venda // Na Agencia Universal // de // Carlos da Silva Campos // Rua do Arco de Bandeira, 6, 2º // Lisboa // Imprensa de J.G.de Sousa Neves //65, Rua da Atalaya, 67 // 1877

Algumas notas do catálogo:

- Agostinheida, poema herói-comico em nove cantos. Londres, 1817, in-8.º - 700 réis
- Alcobaça illustrada, por Fr. Manuel dos Santos. Coimbra, 1710, in-fol.- 2$000 réis
- Arco (O) de Sant'Anna, chronica portuense, pelo visconde de Almeida Garrett. Lisboa, 1850, 2 vol. In-8.º, Encad.- 1$000 réis
- Asia portugueza de Manuel de Faria y Sousa. Lisboa, 1703, 3 vol. In-fol. – 8$000 réis
- Chronica de Cister, por fr. Bernardo de Brito. Lisboa, 1602, in-fol.- 5$000 réis
- Chronica d'el rei D. João I de boa memoria e dos réis de Portugal o 10.º Parte 1.ª e 2.ª por Fernam Lopes. Parte 3.ª, por Gomes Eannes de Azurara. Lisboa, 1644, in fol. Rara. – 18$000 réis
- Decadas da Asia, por João de Barros. Décadas I, II, III. Lisboa, 1628; década IV, reformada, etc. por João Baptista Lavanha. Madrid, 1645, 4 vol. In-fol.- 14$000 réis
- Historia geneologica da casa real portugueza, desde a sua origem até ao presente, por António Caetano de Sousa, etc. Lisboa, 1735-48, 14 vol. In-fol. Provas da Historia geneologica da casa real portugueza, etc. Lisboa, 1739-48, 7 vol.in-fol. O todo 21 vol.- 31$500 réis

BIBLIOFILIA - AQUILINO RIBEIRO


"Para Anatole France não havia leitura mais amena e sedativa que um Catálogo de livros. De facto, depois de ouvir um discurso nas Câmaras, dar-se o parecer sobre um relatório, sustentar uma polémica sobre existencialismo, não se pode encontrar entretimento mais repousador e edificante. É como estar debruçado à janela a ver passar, sem nos coagir a nenhuma forma de zumbaia, uma vistosa procissão à antiga."

[Aquilino Ribeiro, Ao Amador do Livro, Catálogo de Livros Seleccionados do Mundo do Livro, nº 3, Lisboa, 1955]

Pois, foi isso o que fizemos, Mestre. Depois de sermos esmagados por duas vezes no xadrez (a mania de ressuscitar a Portuguesa do António Ferreira foi fatal), ignobilmente esmifrados por uma irreverente jogadora, ainda para mais leitora de Augustina, deixou-nos à beira de um ataque de nervos. E ainda se diz que a mulher é "esse continente negro" ...

"Há ainda os lordes Byron da bibliofilia que apreciam um livro como apreciam uma mulher, primeiro pelo aspecto, beleza da mancha, tintagem, cores de título, boa ordenança do frontispício, depois pelo que encerra de recatado e supremo: o espírito. De facto há, não podia deixar de haver, uma certa voluptuosidade em roçar, cerebralmente, esses corpos sensuais, que são os livros bonitos, (...)"

[idem, ibidem]

quarta-feira, 30 de julho de 2003

SAUDADE


Saudade do fim das tardes de Verão, Torreira para trás que o corpo também cansa, e da obrigatória paragem na Murtosa para castigar umas enguias ou uma lampreiada. Murtosa sempre foi uma paisagem de paixão. Como Ovar e o Furadouro. Tempos outros em que reinventávamos caminhos, rostos, paixões. Doçura das coisas perenes.

"Como é vil o coração que, incapaz de amar, não pode conhecer o delírio da paixão! Se não amas, és indigno do sol que te ilumina, da lua que te consola"
(Omar Khayyam)

Nota: reler as Notas Marinhoas do Dr. José Tavares Afonso e Cunha. Julgo que são 5 volumes, mais um fascículo, que nos dá as noticias históricas do concelho da Murtosa e das duas freguesias marinhoas do concelho de Estarreja.

MURTOSA


"Os campinos de Garrett abateram a prôa, assim que ouviram falar duma luta de oito dias com o mar. Para lhes travar para sempre as campainhas, bondava agarrar-lhes pela jaleca e levá-los ali à Torreira, numa madrugada em que o búzio soasse e duas companhas arrancassem para a «recachía».

Os de Ílhavo são peixes de água salgada. Vivem no mar. O comando da nossa marinha mercante está nas mãos deles.

Os da Murtosa, esses não se contentam em ser mareantes. Acham aquilo monótono e, salvo horas naufragantes, luta branda. A pesca, sim, que é movimentada, que pede força, que tira de condição a coragem, que faz preço à audácia, que requere do homem a agilidade da onda e o segredo do ritmo. É a paixão dos murtozeiros. Não é este nem aquel'outro. Observem-os e verão que aprender um é conhecê-los a todos. (...)
"

[Joaquim Leitão, Pescadores da Murtosa. Extracto da Canção do Regresso, Ottosgráfica, Lisboa, s/d, ed. fora do mercado]

terça-feira, 29 de julho de 2003

VÁRIAS

* O Bridge dá cabo de um tipo. Quanto mais se joga (e perde) mais se quer continuar. No dia seguinte lá se anda a teorizar sobre as partidas, o maldito carteio, a não-voz do parceiro. Temo ficar a falar sobre bridge do mesmo modo que o Pedro Mexia discorre sobre o eterno feminino, tal o estado de neurose compulsiva verificada.

* Tenho ideia, que vi a Charlotte na TV. Se foi, então a Bomba faz parte daquela beleza convulsiva que falava Breton, isto é, está entre a erótico-velada e o mágico-circunstancial. E o gato Varandas, que saberá disso?

* Voltando ao Mexia, o porfiado crítico da poesis está decididamente reaccionário. Aquele post sobre a TSF é subscrito integralmente pelo Alberto João. Tal como ele, o Mexia vê vermelhos em todo o lado. Suspeito que a falta de pratica na sua confessada heterossexualidade, resulta tão somente de um excesso de investimento sádico-oral das palavras, no seguimento da analogia em Melanie Klein, entre o investimento genital e a fala, o canto ou a pena. Ora essa crueldade lingual (Luiz Pacheco dixit), por sinal ferozmente reaccionária, será decerto uma luxúria na crítica literária, mas não deixa de ser um forte obstáculo a praticas bem mais libidinosas.

* Como almocreves, somos sensíveis a textos sobre azémolas, ou gado asinino. Temos especial ternura pelos equus asinus. É que os jumentos são a nossa perdição, principalmente se forem bem aprumados. Temos almocrevados alguns, bem preciosos, sabendo sempre que é mais difícil ser livre do que puxar uma carroça (Virgílio Ferreira dixit). Assim, perante prosa tão adocicada no Publico sobre o burro mirandês, ficámos extasiados. Celeste Pereira, a jornalista do nosso encantamento estará para sempre nos nossos corações. E, já agora, viva a AEPGA e a associação cultural Galandum.

* Mário Nunes, vereador da Cultura da Câmara de Coimbra, é uma excelente pessoa, mas excede-se por vezes. Aquela de afirmar que a Feira de Antiguidades de Coimbra, "é uma das melhores a nível nacional" porque tem "qualidade" e é "onde se vende mais", é demasiadamente excessivo. A Feira de Coimbra é uma feira franca curiosa, mas frequentada por um grupo de vendedores (?) que em momento algum sabem o que estão a fazer, a não ser tentar enganar o neófito das velharias. Então a rapaziada dos livros, todos bem iletrados, é de uma tristeza infinita. Nessa feira, como se calhar noutras ao longo do país, qualquer soit-disant vendedor de papéis velhos se julga um antiquário de prestimosos e devotados favores. E assim, atiram-nos com 75 E por um qualquer Campos Júnior, todo esfarelado e maltratado. Dizem que é muito antigo e raro. Ora nem uma coisa nem outra sequer sabem o que é. Esse rol de gente que vende gato por lebre, com ar de intelectual assumido, destrói o mercado do livro antigo. Como alguns verdadeiros antiquários-alfarrabistas o fazem, também. Afinal, porque haveria de existir excepções? Não estamos em Portugal?

JOHN CALE



JOHN CALE nas noites-ligadas-a-noites, que o Verão está cá. 5 tracks para as tardes acaloradas ou para as noites vadias. John Cale ... sempre!

segunda-feira, 28 de julho de 2003

ENTRE MARES E MARÉS

Entre mares e marés na busca
da coluna do equilíbrio, pormenores
e gestos são o dia da casa, olhos
passando pela linha das paredes.
Farás ainda um derradeiro sorriso,
esboçarás o lance da misericórdia
primeiro, o do rigor depois.
Na casa reparas como as coisas
são as tuas coisas, no vidro
um espelho de dois lados, o teu
domínio. É uma paz que vai
do chão ao ar e volta pelas
vértebras ao lado de fora da pele.


[Helder Moura Pereira, Fenda, Coimbra, 1982]

domingo, 27 de julho de 2003

À VOLTA DOS BLOGS


* Pacheco Pereira e as "Criticas que (me) levam a pensar duas vezes" - Dizia Raul Proença que "na critica nunca vai um ataque a pessoas; divergir em ideias não é sentir a raiva no coração; é sentir a independência do nosso juízo". Nada mais exacto.

E ao ler o que um leitor do Abrupto (Carlos Queirós), citado no blog, considera em torno do comentário de JPP ao "caso Berlusconi", tive a certeza que essa independência de que fala RP não pode resultar em pessoas, que de modo mais ou menos subtil, "se entricheiraram num campo, e que ficam inibidas de pensar, ou de se expressar com total liberdade" (CQ). Como me parece ser o caso de alguns escritos de JPP. Do mesmo modo que CQ, também eu parti para a leitura do artigo tentando saber como é que JPP o ia defender. E, como em escritos de outros colunistas, "mete impressão" tal exercício. Pode ser estimulante, mas não devia acontecer.

Confesso que alguns articulistas fazem parte da "nossa" família. Acompanhamos as suas intervenções, estamos atentos ao que nos sugerem, seguimos-lhes o percurso, o jogo e a vida. Todas as semanas nos jornais, rádio ou TV. Os registos afectivos são sempre assim. Por isso os lemos. Não há nenhuma dedicação especial no facto, mas tão só a constância da presença de uma revelação comunicacional que desvela a gramática da vida: aquilo sobre que falamos com o outro. Que passa sempre por essa ponte sólida entre o saber e a liberdade. Ora, à primeira vista o horizonte de JPP esbate-se contra essa assumpção, mesmo que sugira um saber contra o(s) poder(es). O caso da invasão do Iraque e seus contornos imperialistas, que conduziu a administração americana a uma situação de violação total dos direitos e garantias do ser humano, mesmo no seu próprio país, foi o culminar dessa apologética argumentativa utilitarista que JPP esgrimiu, para nosso desprazer. Nem é preciso recorrer a exemplos da política caseira para afirmar a nossa preocupação relativamente a essa inibição de falar e (des)dizer em liberdade, que nos fala CQ, e que está presente em muitos dos nossos analistas. Basta saber quem são e do que falam.

Verdade seja dita que JPP é um caso à parte. Parece-nos existir dois JPP: um que é militante do PSD e outro que fala e escreve de coisas que gosta e ama, referidas com paixão no seu blog e nalguns textos de jornais. O que nos levou a sorrir, quando no penúltimo Expresso o vimos caricaturado daquele modo (e que não resistimos a publicar), em isolamento suspicaz, perante o anedotório de outras personagens. JPP é dos nossos, mas de qual falamos quando falamos de JPP?

[A ilustração de JPP é de António Martins (com Mário Ramires), retirada do Expresso, 19/07/2003]

"Sim, meus senhores, a Imprensa portuguesa, a grande Sacerdotisa, já não acha sabor algum neste verbo: orientar, o seu verbo hoje é outro; é seguir.
Seguir! Eis a grande descoberta que eles fizeram. Seguir, ser transportado no fluxo dos acontecimentos, como um folha que redemoinha ao vento. Não sentir dentro de si nenhuma espécie de resistência espiritual, nenhum centro de gravidade, nenhuma obstipação sagrada e profunda, mas ser como a pena que obedece ao sopro quási insensível dum bebé, e aí vai na atmosfera (...) Seguir, não ser autónomo, ser massa, prazer supremo, - ir na corrente que leva os outros ...
Não pergunteis, pois, aos jornalistas de grande «circulação» o que é que eles pensam. Eles não pensam - circulam. Circulam, vão com os outros, seguem. De aqui em diante não lhes pergunteis mesmo: «Como vai o senhor?», mas: «Como segue o senhor?». Porque na maneira de seguir é que está toda a higiene do espírito. Almas sem nenhuma espécie de profundidade, que passam a vida a fazer gestos vãos, cabriolas, retórica, lindezas, jogos de palavras, - almas sem paixão, almas sem existência séria, grave, profunda, almas áridas e pobres onde as ideias, os sonhos, as paixões não criaram raízes, - almas de contrabando, de prostíbulo, de quem-mais-dá, de aluguer, eles só possuem hoje um instinto: o do desfile; um prazer: o do acompanhamento; um espectáculo em que desejam colaborar e fundir-se: o da procissão. Nem por um só momento eles poderiam vislumbrar a pureza da atmosfera que respira uma rude alma solitária. Fundem-se os sinos, tocam os sinos - e ei-los na rua, à primeira badalada, a caminhar em série, a ir com os outros, a seguir. Neste sentido, que é o mau sentido da palavra, o jornalismo português é o mais «democrático» de todos os homens - quere dizer, o mais desprezível
."

[Raul Proença, O Ultra-romantismo politico do Diário de Noticias, Seara Nova nº 265, 1/10/1931]

sábado, 26 de julho de 2003

MONTE MAIOR



Tu, que ora vees de Monte maior,
tu, que ora vees de Monte maior,
digas-me mandado de mia senhor,
digas-me mandado de mia senhor,
ca, se eu seu mandado
non vir, trist'e coitado
serei, e gran pecado
fará se non val,
ca en tal ora nado
foi que, mão-pecado!
Amo-a endoado
E nunca end'ouvi al!


[Gil Sanches, citado na monografia "Terras de Montemor o Velho", de A. Santos Conceição, Coimbra, 1944. No dizer de Santos Conceição, trata-se da "mais antiga poesia que a Montemor se refere". Gil Sanches, "bastardo do Rei Povoador e da famosa Ribeirinha", "perdeu-se de amores por D. Maria Garcia de Sousa", que vivia em Montemor (pag.45)]