quinta-feira, 15 de janeiro de 2004
AS MENSAGENS DO PRESIDENTE
"O futuro é a única coisa que podemos mudar" [Robert Heinlein]
Nestes dias em que se assiste a uma incapacidade governativa total, embrenhados que estão, profundamente, na crise da crise que tanto procriaram, numa cultura politica a cair de sono onde a sucessão de fenómenos é o elixir para a sempre eterna sociedade de espectáculo, face à magnitude do caos económico que os fundamentalistas neo-liberais detonaram, as mensagens do Presidente da República são de uma perplexidade inquietante.
Os vários discursos de Jorge Sampaio desabam sistematicamente em arruaças político-partidárias por parte daqueles que administram o tédio, e longe de mobilizarem pedagogicamente a classe politica e os cidadãos para o exercício de combate à apatia e à indiferença da gestão política, social e cultural a que estamos condenados, remetem, numa ingenuidade encantadora, para um adormecimento angustiante, num quotidiano sem futuro nem desejo. Isto porque, as mensagens do Presidente são, invariavelmente, deixadas ao abandono entre os inenarráveis discursos parlamentares, que em simulacros vários debatem tudo menos os enunciados e as propostas presidenciais, perante a maior crise económico-social jamais vista.
A desarmonia é evidente. Hoje, nem se dignaram comentar as preocupações e as propostas feitas pelo Chefe de Estado. Foram execráveis. Eis, pois, a mais perfeita alucinação do poder. E, portanto, a questão começa a ser uma outra, a saber: até quando será possível a Jorge Sampaio manter esta estratégia de excessiva brandura face à governação caótica e irresponsável que tudo contamina? De outro modo, seria interessante que a maioria governamental e os seus acólitos fundamentalistas entendessem o dizer de Adorno: "ninguém tem direito, por orgulho elitista, de se opor à massa de que é apenas um momento". Que a aventura do poder não dura sempre. Podem crer!
LIVROS USADOS
"... Para onde foram os livros usados, os que tinham na capa esse visgo publicitário, as brochuras encardidas, as encadernações de pobre, os folhetos, as revistas do tempo de Rodrigues Alves? Tudo isso também é gente, na cidade das letras, e, como gente, ninho de surpresas: no mar de obras condenadas ao esquecimento, pesca-se às vezes o livrinho raro, não digo raro de todo, pois o farol do mercador arguto o escondeu atrás do balcão, e destina-o a Plínio Doyle, ao Mindlin paulista ou à Library of Congress, que não dorme no ponto ... mas, pelo menos, o relativamente raro, sobretudo aquele volumeco imprevisto, que não andávamos catando, e que nos pede para tirá-lo dali, pois está ligado a circunstâncias de nossa vida: operações de resgate, a que procedemos com alguma ternura. Vem para a minha estante, Marcelo Gama, amigo velho, ou antes, volta para ela, de onde não devias ter saído; sumiste porque naqueles tempos me faltou dinheiro para levar a namorada ao cinema, e tive de sacrificar-te, ou foi um pilantra que te pediu emprestado e não te devolveu? Perdão, Marcelo, mas por 5 cruzeiros terei de novo tua companhia ..."
[Drummond de Andrade, Sebo, in O Poder Ultrajovem]
ASSOCIAÇÕES DE COIMBRA (XVIII)
* Conselho dos 5 (1851) - O Conimbricense refere que foi formado por cinco estudantes, que tinham uma "espécie de governo de Coimbra", tendo a seu cargo a concessão de "diversas mercês civis e eclesiásticas". A sede era no Largo de Sansão (Praça 8 de Maio), em casa do sr. Francisco Martins da Rocha [in, Conimbricense, 1905]
* Sociedade de Instrucção dos Operários (1851) – Realizou-se a 4 de Outubro de 1851 a primeira reunião, sendo “nomeada uma mesa provisória assim composta: Presidente, Joaquim Martins de Carvalho; secretários, Carlos Ramiro Coutinho e Filippe de Quental; tesoureiro, Domingos Sebastião Sanches". [ibidem]
* Sociedade Gymnastica (1852) [ibidem]
* Sociedade para o Melhoramento dos Banhos do Luso (1852) [ibidem]
quarta-feira, 14 de janeiro de 2004
LEWIS CARROLL [1832-1898]
Morre a 14 de Janeiro de 1898
Locais: Lewis Carroll / Lewis Carroll / The Lewis Carroll E-text Collection / Works by Lewis Carroll / Alice's Adventures in Wonderland
"... Ao passar por um jardim vi um Mocho e uma Pantera
A repartirem uma empada.
À Pantera coube a carne, a massa e a geleia
E ao Mocho o prato e a colher.
Quando a empada acabou
A Pantera rosnou
E ainda ficou
Com o garfo e a faca
E o festim acabou ..."
[In Aventuras de Alice no País das Maravilhas, trad. Ernesto Sampaio]
THE CURE
The Cure - Join The Dots (1978-2001)
4 CD's espaçados no tempo, de 1978 a 2001, novas versões, remixes vários, homenagem aos The Doors, Jimi Hendrix, 76 paginas sobre a banda e, claro, Robert Smith, em raros trechos musicais, revisitações excelentes, a não perder, passe os sinais dos tempos ... enquanto lá para o Verão se espera o novissimo albúm com nova colheita. Somos sentimentais, evidentemente. Pois!
Locais: Seventy-one track rarities collection / The Cure: Join The Dots: B-Sides and Rarities, 1978-2001 (The Fiction Years)
terça-feira, 13 de janeiro de 2004
VOX POPULI
[Dos Jornais] Causou impacto nos meios intelectuais do Correio da Manhã, novíssima Maria para taxistas e mulheres-a-dias, a antevisão do processo Casa Pia (Casa Pia, Últimos Episódios) pelo articulista Alberto Gonçalves. Consta que: um conhecido homem de leis aliviou-se em plena rua, com um sorriso nos lábios; um grupo de políticos, reunidos em local oculto, fulminou o autor com impropérios vários e ditos grosseiros; um liberal Eborense lembrou à edilidade que seja dado o nome de Avenida do Alberto-a-Dias, a uma artéria da cidade, substituindo a Rua Berlin; um popular activista Bolsista confessa que realizou avultados investimentos em acções CM; em reunião de comentaristas & Cia, foi debatido a excessiva verbosidade e a vulgaridade do texto, enquanto se ouvia um Audaces Fortuna Juvat proveniente da plateia popular, considerando-se que é caso para dizer, "não apalpes em casa de ferreiro, nem peças em botica bom mercado". Ó tempora, ó mores ... oh tempo das amoras!
[Novo Guia das Ruas de Portugal] Acaba de sair um precioso Guia (Edições Papelaria Laranja), onde se regista o local de todas as artérias das cidades portuguesas, com inclusão das alterações ultimamente feitas em vários arcos, arruamentos, azinhagas, bairros, calçadas, casais, estradas, jardins, largos, miradouros, paróquias, parques, praças, pracetas, ruas, residenciais, rotundas, sítios, travessas e vilas. Os autores agradecem penhorados ao major Valentim Loureiro as sugestões e contribuições apresentadas. Como curiosidade, registe-se as seguintes novidades: Travessa do Luís Delgado; Praça Bush; Azinhaga José Manuel Fernandes; Quinta Celeste Cardona; Residencial Tavares Moreira; Arco Ferreira Leite; Chalé Portas; Miradouro Marques Mendes; Circunvalação José Luís Arnaut; Escadinhas Bagão Félix; Mercado Dias Loureiro; Posto Morais Sarmento; Paróquia Telmo Correia; Rotunda Miguel Beleza; Vila Durão Barroso; Pátio Rebelo de Sousa; Cais Santana Lopes;... Bem Hajam!
JAMES JOYCE [1882-1941]
Morre a 13 de Janeiro de 1941
"Ele quis encontrar no mundo real a fraca imagem que sua alma, indefinidamente, contemplava. Ele não sabia onde ou como procurá-la. Mas uma premonição lhe disse que esta imagem iria encontrá-lo, independente do que fizesse. Os dois iriam se encontrar tranquilamente, como já se conhecessem, como já tivessem se encontrado antes, talvez em um dos portões ou em algum lugar secreto. Os dois estariam sozinhos, cercados pela escuridão e pelo silêncio. E em um momento de suprema ternura, ele mudaria. Se desbotaria em algo impalpável diante de seus olhos e, num breve momento, ele se transformaria. Fraqueza, timidez e inexperiência tombariam diante dele naquele momento trágico."
[J. J., in Retrato de um Artista Quando Jovem]
"(In) Gibraltar as a girl where I was a Flower of the mountain
yes when I put the rose in my hair like the Andalusian girls used
or shall I wear a red yes
and how he kissed me under the Moorish wall
and I thought, well as well, him as another
and then I asked him with my eyes to ask again yes
and then he asked me, would I yes to say yes, my mountain flower
and first I put my arms around him, yes
and drew him down to me so he could feel my breasts all perfumed, yes
and his heart was going like mad and yes I said, yes I will, Yes." [J. J., in Ulysses]
segunda-feira, 12 de janeiro de 2004
RUBEM BRAGA [1913-1990]
n. Cachoeiro do Itapemirim (Espírito Santo), a 12 de Janeiro de 1913
"Braga é sempre bom, e quando não tem assunto então é ótimo. Disseram um dia do português Latino Coelho que era um estilo à procura de um assunto. Braga é o estilista cuja melhor performance ocorre sempre por escassez de assunto. Aí começa ele com o puxa-puxa, em que espreme na crônica as gotas de certa inefável poesia que é só dele. Será este o segredo de Braga: pôr nas suas crônicas o melhor da poesia que Deus lhe deu? Os outros cronistas põem também poesia nas suas crônicas, mas é o refugo, poesia barata, vulgarmente sentimental, que tanto pode estar ali como nos versos de... Bem, cala-te, boca! A boa poesia eles guardam para os seus poemas. Braga, poeta sem oficina montada e que faz poema uma vez na vida e outra na morte, descarrega os seus bálsamos e os seus venenos na crônica diária ..." [Manuel Bandeira]
Locais: Biobibliografia / Rubem Braga / Rubem Braga (1913-1990) / Textos na Folha de S. Paulo / Crónicas de Rubem Braga / Escritos Vários / Poesia / Ai de ti, Copacabana / Diário de um subversivo
sábado, 10 de janeiro de 2004
THE UNNATURAL AND THE STRANGE
"The unnatural and the strange
Have a perfume of their own –
That of human flesh, of change
Made corruption without moan;
The unnatural and the strange
Have a perfume of their own ..."
[Alexander Search (aliás F. P.), The Unnatural and The Strange, 1906]
ROMANCES POLICIAIS
"Um dos poucos divertimentos intelectuais que ainda restam ao que ainda resta de intelectual na humanidade é a leitura de romances policiais. Entre o número áureo e reduzido das horas felizes que a vida deixa que eu passe, conto por do melhor ano aquelas em que a leitura de Conan Doyle ou de Arthur Morrison me pega na consciência ao colo.
Um volume de um destes autores, um cigarro de 45 ao pacote, a ideia de uma chávena de café - trindade cujo ser-uma é o conjugar a felicidade para mim - resume-se nisto a minha felicidade. Seria pouco para muitos, a verdade é que não pode aspirar a muito mais uma criatura com sentimentos intelectuais e estéticos no meio europeu actual"
[Fernando Pessoa, in Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação]
sexta-feira, 9 de janeiro de 2004
PROCESSO CASA PIA: A NOVA CABALA
"Uma gaiola ia à procura de um pássaro" [Kafka]
Stau Monteiro escreveu uma vez que "o espectador é por definição o homem que não sabe jogar". Nada mais exacto. Porém, hoje, no processo da Casa Pia, parece subsistir excessivos jogadores à volta da "mesa", e muito poucos espectadores.
A novíssima jogada conhecida, de admirável retórica diga-se, é de José Pacheco Pereira. O seu artigo publicado n'O Publico, curiosamente intitulado, "Anatomia de uma fuga do processo Casa Pia" mais não é que uma argumentação puramente de retórica politica ... contra a politização do processo, que configuraria motivações diversionistas e de ocultação dos crimes praticados. Em nenhum momento da análise desta nova cabala é questionado as razões técnico-jurídicas que evidenciam um constante mal estar nos registos processuais do caso, nem o papel desempenhado pelo Procurador Geral, Souto de Moura, na sua condução, defesa e praticabilidade. Apenas se faz a anatomia da cabala politica em curso, nova urdidura desviacionista, utilizando o discurso meramente político-partidário.
Afinal, o que nos confessa Pacheco Pereira é a impossibilidade de poder debater um caso concreto - Processo Casa Pia - a partir de enunciados técnico-jurídicos, da sua critica interna conceptual, a qual dado a sua especificidade, o cidadão não dominaria. Daí que o branqueamento das (não)orientações tomadas por Souto de Moura, em todo este, caso seja total. E que os jornalistas, por efeito boomerang, se arrisquem a serem tidos por perigosos delinquentes, no que resulta a sua necessária domesticação, nem que seja via reformulação da lei sobre liberdade de imprensa, como um deputado do CDS/PP no Parlamento assumiu. Ora, não é possível, aliás como muito bem Vital Moreira considera, que o papel desempenhado neste caso, e desde o seu início, por Souto de Moura seja menosprezado. Quem tal pensar está a aprontar o funeral da própria Justiça e a médio prazo a cooperar no descrédito das instituições democráticas. E sabe-se onde isso conduz. Ou não?
JOÃO CABRAL DE MELO NETO [1920-1999]
n. no Recife a 9 de Janeiro de 1920
"O esquadro disfarça o eclipse
que os homens não querem ver.
Não há música aparentemente
nos violinos fechados.
Apenas os recortes dos jornais diários
acenam para mim como o juízo final."
[Homenagem a Picasso, in Pedra do Sono]
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quinta-feira, 8 de janeiro de 2004
FERNANDO PESSOA
" ... Ao homem vulgar, que queira entrar as portas do Occulto, diremos só uma cousa: não tentes! O occulto é que nos procura, não nos a elle: pois, desde a Queda, não há livre-arbitrio. Não somos nós que olhamos para a Materia: ella é que olha para nós. Collocando-se na passividade chamada mediunica podes julgar que atinges outros mundos; não fazes senão aprofundar a Illusão, que, como é contínua com o mundo, é para nós verdadeira ..."
[F.Pessoa, 53B-72 (m), in Rósea Cruz, por Teixeira da Mota, Ed. Manuel Lancastre, 1989]
PAUL VERLAINE [1844-1896]
Morre em Paris, a 8 de Janeiro de 1896
"Sur votre jeune sein laissez rouler ma tête
Toute sonore encor de vos derniers baisers ;
Laissez-la s'apaiser de la bonne tempête,
Et que je dorme un peu puisque vous reposez"
Locais: Paul Verlaine / Notas Biográficas / Biographie / Paul Verlaine / Biografia / Biobibliografia / Paul Verlaine (1844 - 1896) / Obras / Poemas / Carta a Pierre Dauze / Les poèmes Saturniens / Les Fêtes Galantes / Song texts / Poèmes de Paul Verlaine
"Sono escuro, enorme,
A cobrir-me a vida:
Dorme, esperança, dorme.
Tão apetecida!
Não vejo ninguém,
Já perco a memoria
Do mal e do bem ...
Ai que triste historia!
No fundo da vala,
O berço que sou
Alguém mo embala:
Caluda, calou!"
[Paul Verlaine, "Un Grand Sommeil Noir", trad. Jorge de Sena]
quarta-feira, 7 de janeiro de 2004
O PAINEL D'O PÚBLICO E A ELITE À LA ROSADO DE CARVALHO
O jornal O Público brinda-nos, cada segunda-feira, com um suplemento absolutamente extraordinário sobre economia. Esta semana, sob direcção desse inefável Rosado de Carvalho, estabeleceu um ranking das luminárias da governação com base num espantoso painel de inquiridos, aliás bem costumeiro.
Tais exegetas da coisa económica classificaram, com a proverbial certeza que guia sempre os que frequentam a quintarola do poder, positivamente (sem necessidade de ida à oral, é bom de ver) Ferreira Leite, Sevinate Pinto, Luís Filipe Pereira, Carmona Rodrigues e Bagão Félix, reprovando Celeste Cardona e Carlos Tavares. Registe-se que um inquirido do painel, em comovido esforço de amestração, atribuiu a nota máxima à senhora Ministra do défice, um brilhante 20 valores.
Outro, com menos segurança, pouco social, mas decerto com mais trabalho intelectual, classificou Bagão Félix com 19 valores. E até o desaparecido Carlos Tavares, obteve de um intelectual do painel um luminoso 17. Encantador. Curiosamente, só depois de percorrermos a listagem dos examinadores do douto painel, entendemos bem a sua capacidade avaliativa. Enfim, como diria o saudoso brasileiro Joãozinho 30, aqui se testemunha que "pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual".
INÊS DE CASTRO
Morre em Coimbra, a 7 de Janeiro de 1355
"Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo o doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito;
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.
..........
As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram;
O nome lhe puseram, que inda dura,
"Dos Amores de Inês", que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água , e o nome Amores!"
[Camões, Os Lusíadas]
segunda-feira, 5 de janeiro de 2004
UM ÁRBITRO À ESPERA
"Não compreendo as leis; não tenho sentido moral, sou um bruto ..." [Rimbaud]
Aos 7 minutos de jogo tudo estava decidido no Estádio da Luz.
Pedro Proença, o árbitro dito de sensibilidade encarnada, determinou não atormentar o senhor Dias da Cunha e, num gesto avisado e pouco servil, contrariou as afirmações pífias do jornal Record, ao marcar um penalty inexistente a pedido de várias famílias do Horto de Alvalade. Nem interessa debater as assombrosas peripécias do jogo da Luz, que isso fica para os paroquianos dos jornais, mas tão só registar que o Record, mão dada com esse pródigo Dias da Cunha, venceu copiosamente o sempre glorioso Benfica. Isso é que ficará para a história. Parabéns Record. Avé Proença cheio de graça.
A RODA DOS ECONOMISTAS
"Quando se está metido até à garganta com crocodilos, é difícil reter na memória que o objectivo, no princípio, era secar o pântano" [anónimo]
Numa carta a sua mulher, Lydia Lopokova, Lord Keynes dizia: "o economista não é rei; é verdade. Mas devia de ser! É um governante melhor e mais avisado do que o general ou o diplomata ou o advogado notarial".
Dito deste modo, ficamos até com pena dos economistas de antanho, assim tão susceptíveis à paixão do jogo do poder. O mesmo não ocorre com os extraordinários economistas portugueses, a quem cedemos à força da sua infalível argumentação. Estes saltimbancos da economia politica dão invariavelmente no início de cada ano, fabulosas lições de gramática económica, sempre atestadas de adocicadas estatísticas, sempre deliciosos nas piedosas intenções de explicar os cenários macroeconómicos. A sensibilidade económica dos nossos putativos comentaristas é um padre-nosso que todos os anos se renova. E nem ofende que nunca acertem nas previsões, tão solenemente reveladas. Ou sequer lhes incomoda, que o que possam dizer hoje, poder ser negado amanhã. Afinal a ciência económica é um simples metanarrativa, um sermão gratulatório aos crentes indígenas. E estes bem sabem que "temos de trabalhar, senão por gosto, ao menos por desespero, pois, no fim de contas, trabalhar é ainda menos aborrecido do que divertirmo-nos" [Baudelaire].
Seja como for, o que os dignos eruditos da coisa económica desvelam é uma provinciana maneira de comunicar que a douta classe não tem autonomia científica, politica e ética no seu ofício. Senão que dizer da entrevista dada por Eduardo Catroga ou os artigos de Sérgio Rebelo, Miguel Frasquilho ou do inestimável João César das Neves? Ou será que os economistas são sempre mais belos que os nossos annus horribilis?
ASSOCIAÇÕES DE COIMBRA (XVII)
* Sociedade Secreta S. Miguel da Ala (1851) - O Conimbricense refere que foi Joaquim Martins de Carvalho que "deu notícia desta sociedade, de que era Grão-Mestre El-Rei o Sr. D. Miguel, publicando os Estatutos, muitas noticias e vários documentos, o que na altura causou extraordinária sensação, quer na opinião pública quer no seio dos iniciados no segredo, ao serem assim publicamente denunciados".
A Sociedade S. Miguel da Ala propunha "promover por todos os modos a restauração do governo de El-rei o Senhor D. Miguel I". Rodrigo de Sousa Tudella (G.C. Fagilde), foi o encarregado de organizar os elementos revolucionários nos distritos de Coimbra, Aveiro, Viseu, Guarda e Castelo Branco, e "fazer a divisão territorial, para o Governo oculto da sociedade, composta de Governos Civis, Capítulos, nos quais posteriormente se organizaram Colégios". Do Governo Civil de Coimbra faziam parte os Capítulos 1º (comarcas da Figueira e Cantanhede), Capítulo 2º (comarcas de Soure e Lousã) e Capítulo 3º (comarca de Coimbra). Diga-se que em Coimbra havia dois Colégios sendo um exclusivamente académico. Quando acabavam a sua formatura, os seus elementos passavam para outro colégio que não aceitava estudantes.
Rezava assim os seus estatutos: art 1º - A ordem é essencialmente secreta, militante e politica; art. 2º - Tem por fim defender a religião católica apostólica romana; restaurar a legitimidade portuguesa; manter ilesa a integridade do território da nação; promover a união de todos os portugueses numa só família; ... O Colégio académico citado, era o do Bairro Alto, instalado no dia 22 de Fevereiro de 1851, assistindo à reunião Luís de Vasconcelos Azevedo e Silva Carvajal (Mem Rodrigues), António Tavares da Cunha Soares de Abreu (Afonso de Albuquerque), António Bernardino de Menezes (Massillon), João de Albuquerque Amaral Cardoso (Martim de Freitas), Luís Ribeiro de Souto Maior e Vasconcelos (Egas Moniz), Luiz Cândido de Figueiredo Oudinot e Gouveia (D. Nuno Alvares Pereira), José d'Araújo Cabral Montez de Champalimaud (D. Diniz), entre os mais. Além desse Colégio, existia outro, o Colégio do Bairro Baixo de Coimbra, organizado só em 1852, onde foram iniciados Dr. Francisco Raymundo da Silva Pereira (advogado e Chefe do Colégio, em casa do qual se fazia as reuniões), João Marques Perdigão, Francisco de Sousa Pinto, etc. [in, Conimbricense, 1905]
* Sociedade Philantropica de Coimbra (1851) [ibidem]
* Sociedade Philarmonica de João Alves (1851) [ibidem]
domingo, 4 de janeiro de 2004
MARIA ARCHER [1899-1982]
Nasce a 4 de Janeiro de 1899
Maria Archer, hoje injustamente esquecida, fez crónicas para jornais e revistas (Seara Nova) foi romancista e ensaísta, escreveu contos e peças de teatro, mas foi principalmente uma escritora que desvela a situação da mulher, pela interrogação da condição feminina do seu tempo, quer através da problemática social quer registando a irrupção do desejo sexual feminino. Adolfo Casais Monteiro (1944) diz-nos:«pode afirmar-se que escritora portuguesa alguma conseguiu, como ela, exprimir certas das mais fundas determinantes da psicologia feminina e da relação homem-mulher». Maria Archer teve, por isso, problemas vários com a censura e com a sociedade de antanho, sendo conhecido o episódio em torno do seu livro "Ida e Volta Duma Caixa de Cigarros" (Editorial Século, 1938) que foi retirado da circulação por ser considerado amoral e, mesmo, "pornográfico", o que era evidentemente falso. Saiu em sua defesa Mário Dionísio, n'O Diabo. Maria Archer viveu parte da sua vida em Africa, tendo escrito contos e ensaios de características antropológicas, e participou nos populares Cadernos Coloniais, de forte conteúdo documental e etnográfico.
"Duas novelas deste livro foram escritas sob deliberado propósito de contribuir para a revelação da mulher.
- Vão-te acusar de autobiografia, disse-me quem as leu no original.
- Que bom! Pensei eu, lembrando-me da razão porque Arnold Bennet fora acusado de fazer autobiografia quando descreveu a execução duma pena de morte (…)
A todos aqueles que, ao lerem as minhas novelas, se sentirem pris aux entrailles e me acusarem de ter feito autobiografia, eu confesso o meu lisongeado reconhecimento"
[Maria Archer, Introdução à "Ida e Volta duma Caixa de Cigarros", 1938]
Algumas Obras: Africa Selvagem / Sertanejos (Cadernos Coloniais) / Singularidades de um País Distante (idem) / Ninho de Bárbaros (idem) / Angola Filme (idem) / Colónias Piscatórias em Angola (idem) / Caleidoscópio Africano, 1938 / Três Mulheres (novelas) / Ida e Volta duma Caixa de Cigarros (idem) / Há Dois Ladrões sem Cadastro (idem) / Fauno Sovina (idem) / Ela é Apenas Uma Mulher (romance) / Aristocratas (idem) / Casa Sem Pão (idem) / Viagem à Roda de Africa (lit. infantil) / Roteiro do Mundo Português, 1940 / Memórias da Linha de Cascais (col. De Branca Colaço), 1943 / Filosofia duma Mulher Moderna (1939) / Eu e Elas (1945) / Herança Lusíada / Brasil, Fronteira de África (1963)
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