segunda-feira, 5 de janeiro de 2004
A RODA DOS ECONOMISTAS
"Quando se está metido até à garganta com crocodilos, é difícil reter na memória que o objectivo, no princípio, era secar o pântano" [anónimo]
Numa carta a sua mulher, Lydia Lopokova, Lord Keynes dizia: "o economista não é rei; é verdade. Mas devia de ser! É um governante melhor e mais avisado do que o general ou o diplomata ou o advogado notarial".
Dito deste modo, ficamos até com pena dos economistas de antanho, assim tão susceptíveis à paixão do jogo do poder. O mesmo não ocorre com os extraordinários economistas portugueses, a quem cedemos à força da sua infalível argumentação. Estes saltimbancos da economia politica dão invariavelmente no início de cada ano, fabulosas lições de gramática económica, sempre atestadas de adocicadas estatísticas, sempre deliciosos nas piedosas intenções de explicar os cenários macroeconómicos. A sensibilidade económica dos nossos putativos comentaristas é um padre-nosso que todos os anos se renova. E nem ofende que nunca acertem nas previsões, tão solenemente reveladas. Ou sequer lhes incomoda, que o que possam dizer hoje, poder ser negado amanhã. Afinal a ciência económica é um simples metanarrativa, um sermão gratulatório aos crentes indígenas. E estes bem sabem que "temos de trabalhar, senão por gosto, ao menos por desespero, pois, no fim de contas, trabalhar é ainda menos aborrecido do que divertirmo-nos" [Baudelaire].
Seja como for, o que os dignos eruditos da coisa económica desvelam é uma provinciana maneira de comunicar que a douta classe não tem autonomia científica, politica e ética no seu ofício. Senão que dizer da entrevista dada por Eduardo Catroga ou os artigos de Sérgio Rebelo, Miguel Frasquilho ou do inestimável João César das Neves? Ou será que os economistas são sempre mais belos que os nossos annus horribilis?