terça-feira, 25 de setembro de 2007
André Gorz [1923-2007]
"Nous nous sommes dit que si, par impossible, nous avions une seconde vie, nous voudrions la passer ensemble" [André Gorz, in Histoire d’un amour, Setembro 2006]
André Gorz [aliás Gerard Horst] nasceu em Fevereiro de 1923, em Viena. Refugia-se na Suiça, com os pais, na II GM. Forma-se em engenharia química, em Lausanne. Parte (1949) para França onde trabalha [assinando textos no "Paris-Presse" com o pseudónimo de Michel Bosquet e mais tarde como jornalista económico no "L'Express"], estuda economia, sociologia, filosofia.
Radicado em França [naturaliza-se francês em 1954], em 1961 aparece como co-director da revista "Les Temps Moderns", de Sartre & Simone de Beauvoir. Data desse tempo a sua ligação à fenomenologia e ao existencialismo. Sai do "L'Express" em 1964 para fundar [com Jean Daniel e outros mais] a importante revista "Le Nouvel Observateur". Torna-se amigo de Herbert Marcuse [da chamada Escola de Frankfurt, de que fizeram parte Horkheimer, Adorno, Habermas], cujo pensamento (e o da Escola de Frankfurt) o influenciou. O Maio de 68 marca-o decisivamente. Nessa altura aproxima-se das teses sobre educação de Ivan Illich [do qual publica alguns livros]. Dissidências com os seus colaboradores na revista "Les Temps Moderns" [em parte pela "linha maoista" então seguida pela revista e em desacordo com o numero saído sobre o grupo radical italiano "Lotta Continua", que curiosamente teve textos e manifestos publicados em Portugal pós-1974, com algum sucesso] levam à sua demissão da direcção e saída após a morte de Sartre (1980).
Aproxima-se, entretanto, da noviciada corrente da ecologia radical [sai em Portugal, em 1978, pela Editora Vega, o seu livro "Ecologia e Liberdade" (publicado inicialmente em 1975), repositório de textos saídos 25 anos atrás, com o seu pseudónimo Michel Bosquet] e, em 1973, ingressa na revista "Le Sauvage", onde a “problemática ecológica” tem lugar central. Em 1980, após a publicação do seu livro "Adieux au prolétariat" [ver, "Adeus ao Proletariado: para além do socialismo", Rio de Janeiro, 1987], onde a reflexão sobre a perda do "valor profético" do proletariado e a crítica ao marxismo tradicional está presente, a polémica irrompe (de novo) e a CFDT, onde de algum modo estava ligado, repudia-o. Em 1983, sai também do “Le Nouvel Observateur”. E retira-se para a sua casa em Vosnon.
Nesta segunda-feira soube-se que André Gorz e sua mulher Dorine [com quem casou em 1949] se suicidaram, consumando o que Gorz no seu último livro, “Lettre à D., Histoire d´un amour”, deixava escrito:"Nous aimerions chacun ne pas survivre à la mort de l’autre. Nous nous sommes dit que si, par impossible, nous avions une seconde vie, nous voudrions la passer ensemble". O pacto ficou, para todo o sempre, selado.
domingo, 23 de setembro de 2007
Almanaque Republicano – Actualização
"A Direcção Geral de Arquivos colocou on line, via Torre do Tombo, três pastas do processo da PIDE relativo ao escritor e cidadão Aquilino Ribeiro. Curiosamente, ao fim de poucos dias deixou de estar acessível. Como agora, no momento em que se escreve. O "choque tecnológico", delicado e piedoso, afoitamente recolhe-se à noite. Os indígenas – sabe-se – comemoram as letras na virtude e encanto do leito. Aqui e por todo o Mundo. A Torre do Tombo on line, também ela, emudece. O "documento do mês" afinal era de parcos dias. E lá ficou o homenageado Aquilino Ribeiro, fechado outra vez." [ler mais aqui]
O Almanaque Republicano recebe a lux e a claridade do tempo & alma republicana. Continua prendado como na primeira vez. Celebra festas e pregações para fugir à modéstia dos dias. No vale de lágrimas e delírios desta semana, a coberto do mau-senso e mau-gosto de alguns, fervorosamente exibido na homenagem a Aquilino Ribeiro, o Almanaque Republicano, imprudente de vaidade, continua a anunciação e a dedicação ao quadro e pedra republicana. Dado à lux por dois cavalleiros livres e devotos da Saudade & sob protecção do Arcanjo de Portugal, o Almanaque Republicano conversou desde Julho, sobre
a Imprensa Republicana no Distrito de Coimbra, lembrou Bulhão Pato no Largo das Cortes, apresentou as Efemérides Mensais, evocou Miguel Bombarda e Cândido dos Reis, chamou a bio-bibliografia de Norton de Mattos em III notas breves, o mesmo de Trindade Coelho (ainda em III partes), idem para José Carrilho Vieira (jornalista, editor, livreiro e fundador da Internacional Operária), do mesmo modo apresentou notas bio-bibliográficas de Fernão Botto Machado (IV partes), lembrou a Tertúlia da Revista História, fez homenagem a Aquilino Ribeiro apresentando algumas sugestões bibliográficas sobre o cidadão e militante republicano.
A ler e consultar o Almanaque Republicano. Sempre ao V. dispor!
Saúde e fraternidade.
Nota Póstuma [24/09/07]: Hoje, semana de trabalho e, presuntivamente, de leitura e estudo, a Direcção Geral de Arquivos disponibilizou on line, de novo, parte do Arquivo Aquilino Ribeiro. Ninguém deve estranhar tal expediente. A generosidade da Torre do Tombo, como de outras instituições indígenas [a Biblioteca Nacional e a Hemeroteca de Lisboa são casos raros em eficiência tecnológica], não lhes permitem o exercício de actividades ao fim-de-semana, ou, se quisermos, de corrigir o que está (supostamente) a correr mal. Fim-de-semana é para descanso pátrio. E para recolhimento. Temos de ter paciência. E esperar pela longa jornada da semana. Aplausos!
sexta-feira, 21 de setembro de 2007
Biblioteca do Dr. Alfredo Ribeiro dos Santos
"Tenho muito gosto - e honra - em prefaciar o catálogo da importante Biblioteca de Alfredo Ribeiro dos Santos, ilustre médico portuense, cidadão impoluto, lutador anti-fascista, homem de cultura e grande bibliófilo. Por três razões, essencialmente: pela personalidade ímpar de Alfredo Ribeiro dos Santos, que conheço desde os tempos do Movimento de Unidade Democrática (MUD), há mais de sessenta anos e cujo percurso segui, sempre com muito apreço, afecto e admiração; porque conheço a sua valiosíssima Biblioteca, rica em revistas e obras literárias e histórico-políticas; e ainda porque tenho seguido a qualidade do trabalho do antiquário livreiro Manuel Ferreira - e de seus filhos - de quem tenho sido, algumas vezes, mais espaçadamente do que gostaria, cliente e cuja competência profissional posso testemunhar.
Alfredo Ribeiro dos Santos, com uma vida já longa e uma magnífica lucidez, deixou sempre, por onde passou, um rasto de simpatia, de humanidade, de aprumo pessoal e cívico e de respeito, verdadeiramente invulgares.
Vivendo no Porto, onde nasceu, em 1917, tirou o liceu e fez estudos de Medicina, em que se formou, em 1943, sempre conviveu, desde muito novo, com intelectuais e artistas, como Sant'Anna Dionísio, José Marinho, Agostinho da Silva, entre outros, tendo como mestres e referências Leonardo Coimbra, Abel Salazar, Jaime Cortesão e Teixeira de Pascoais, os homens da "Renascença Portuguesa" (e da Revista "A Aguia ") que, muitas décadas depois, haveria de reeditar (numa nova série) com o saudoso José Augusto Seabra.
Frequentador de tertúlias literário-políticas, colega, amigo e camarada, do incansável conspirador anti-fascista do Porto, do Dr. Veiga Pires, com o qual estagiou no Hospital de Santo António, foi ele que também o introduziu no Movimento de Unidade Anti-Fascista (clandestino 1942-49) e no MUD (paralegal), criado no post-segunda guerra mundial. Desde então, encontrei-o em todos os grandes momentos da Oposição Democrática, nas candidaturas dos generais Norton de Matos e Humberto Delgado, nas manifestações de protesto, como no funeral de Abel Salazar, onde foram presos o velho e prestigiado médico Eduardo Santos Silva e Ruy Luís Gomes, em reclamações e abaixo-assinados contra a Ditadura, nas denúncias contra as pseudo eleições, nos períodos chamados de "liberdade suficiente", que se realizaram entre 1945 e o 25 de Abril de 1974. Igual a si próprio, Ribeiro dos Santos continuou, numa linha de coerência cívica exemplar, durante toda esta nossa conturbada II República, que, apesar de tudo,já conta o dobro dos anos da I República (1910-1926), até hoje.
Além de médico de grande proficiência, na sua especialidade, e humanidade, Alfredo Ribeiro dos Santos teve sempre uma actividade de intelectual interveniente na vida da grei - organizador de iniciativas culturais, de exposições e tertúlias, tendo publicado vários livros, de interesse histórico-político inegável, e proferido inúmeras conferências sobre diferentes temáticas. Assinalo, entre muitas outras, as que proferiu sobre Jaime Cortesão, Abel Salazar, Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoais e a tertúlia em que participou do engenheiro José Praça, um ilustre portuense e grande resistente contra a Ditadura, que esteve, no começo dos anos trinta, deportado no forte de Angra do Heroísmo, nos Açores, onde foi companheiro de cárcere do meu Pai.
A biblioteca de Ribeiro dos Santos constitui um verdadeiro retrato de um homem culturalmente orientado, meticuloso e de vasta erudição e cultura. Constitui um raro e precioso acervo de livros, jornais e revistas, altamente representativos do século XX português, obviamente orientado numa perspectiva republicana, socialista e laica.
A leitura do catálogo, organizado pelo antiquário-livreiro Manuel Ferreira, é disso a demonstração. O destino das grandes bibliotecas é dispersarem-se, mais tarde ou mais cedo. Algumas vezes, mesmo, quando se integram em instituições públicas. O catálogo, quando é cientificamente organizado, como é o caso, é um marco que permanece, ajudando a perpetuar a memória do seu amoroso fundador. Por isso, eu, como modesto bibliófilo, há anos que ganhei o hábito de coleccionar também os catálogos dos leilões das grandes bibliotecas. Dizem muito sobre os coleccionadores originários e sobre os alfarrabistas que com tanto profissionalismo organizam os catálogos”
[Mário Soares, Vau, 16 de Agosto de 2007 – pref. Catálogo da Biblioteca do Dr. Alfredo Ribeiro dos Santos. Organizada para Leilão por Manuel Ferreira, vol I, Outubro 2007 - sublinhados nossos]
Leilão - Biblioteca do Dr. Alfredo Ribeiro dos Santos
A importante e valiosa biblioteca, composta por 3561 peças de extraordinário valor, do Dr. Alfredo Ribeiro dos Santos [que referiremos depois], conhecido bibliófilo e "ilustre médico portuense", por seu desejo expresso, vai à praça entre os dias 3 e 11 de Outubro, na Junta de Freguesia do Bonfim (Campo 24 de Agosto, Porto).
A estimada biblioteca do Dr. Alfredo Ribeiro dos Santos apresenta um notável conjunto de obras literárias, uma raríssima e vasta colecção de revistas e jornais do século XX, patenteando um gosto e erudição bibliófila invejável, que fazem desta singular biblioteca uma das mais interessantes e magnificas dos últimos anos.
A descrição bibliográfica desta magnifica biblioteca (que daremos nota depois), elaborada pelo ilustre livreiro Manuel Ferreira, de rara competência profissional, é apresentada em dois volumes magníficos. O catálogo da biblioteca, cujas observações e notas são criteriosas e exigentes, revela o bibliófilo Dr. Alfredo Ribeiro dos Santos e a sua paixão pelos livros mas também, pela sua leitura aprazível, honra o seu catalogador. Apresenta, ainda, um prefácio pelo dr. Mário Soares, na qualidade de amigo do dr. Alfredo Ribeiro dos Santos (que conheceu desde os tempos do MUD) e como se sabe também fervoroso bibliófilo.
[Os pedidos para o leilão podem ser feitos para Manuel Ferreira, Rua Dr. Alves da Veiga, 89, Porto (tel. 225363237)]
terça-feira, 18 de setembro de 2007
Aquilino Ribeiro
"... Olhem sempre em frente, olhem o Sol, não tenham medo de errar, sendo originais, iconoclastas e anti, o mais anti que puderem, e verdadeiros, fugindo aos velhos caminhos trilhados de pé posto e a todas as conjuras dos velhos do Restelo. Cultivem a inquietação como fonte de renovamento"
[Aquilino Ribeiro, palavras que proferiu na homenagem que lhe foi prestada na Sociedade Portuguesa de Escritores – citado por António Valdemar, Expresso-Actual, 15 de Setembro 2007, p. 12 - sublinhados nossos]
segunda-feira, 17 de setembro de 2007
Charivari do bom nativo
Depois de ataviados gorjeios & prosas dos indígenas lusos – esses talentosos “bárbaros”, presentes nas lascivas historietas do dr. Rui Ramos aos genuínos Ingleses –, por ora muito consumidos pelo caso Maddie, mansamente animados pela disputa eleitoral no PSD e exaustos pela divertida propaganda política do governo, eis que lhes cai em cima do ego, para amor e civismo pátrio, o estupendo caso Scolari. Para durar.
De caso em caso, de expedição em expedição, de novidade em novidade, não há pavor algum ou pranto que tire o bom nativo do sério. A vigília do dr. Moita Flores, o génio (very british) de Rui Ramos, o dom educador do sábio Rui Santos, o intelecto de José Miguel Júdice, o cântico redentor do sr. Sócrates ou a aparição da figura indulgente do dr. Cavaco, transforma-os de rudes ignorantes em sábios. De tudo e de nada! Eis uma boa pista a seguir pela dr. Maria Lurdes Rodrigues, agora que está tão volteada para o “choque tecnológico” e o sucesso das criançolas. Colocar aquele raminho de notáveis no aconchego das escolas e universidades, era o sucesso escolar garantido e uma bênção para a União Europeia. Haja inspiração!
Depois, o bom nativo teve ocasião de acompanhar a argumentação lavrada, ad nauseaum “como é óbvio”, do sr. Luis Amado sobre a visitação do Dalai Lama a Portugal. A ousadia e o disparate dessa formidável figura deleitou tanto os spin doctors que até o dr. João Paulo Gorjão (nos braços da SIC) teve ensejo de registar, ao "piedoso" auditório e para os vindouros, a "espuma" e as "atitudes adolescentes" dos nossos transviados paroquianos, evidentemente pouco dispostos a ver a natural "realidade" de não se "ganhar" nada em receber o Dalai Lama, não vá a democrática China incomodar-se com essa questão (de pormenor) dos direitos humanos. Esses episódios másculos ficam sempre bem quando dirigidos a Cuba ou à Venezuela (leia-se formulário aqui). O bom do erudito português tem sempre, como se sabe, os tomates muito bem escaldados. Não convém abusar. E assim vai esta "fermosa estrivaria". Nada de espantos.
Boletim Bibliográfico 35 da Livraria Luís Burnay
Saiu o Catálogo do mês de Setembro da Livraria Luís Burnay (Calçada do Combro, 43-47, Lisboa). Peças estimadas e raras de Culinária, História, Colónias, Monografias, Caça, Almanaques, Literatura, Revistas e muito mais.
Algumas referências: An Account of several late Voyages and Discoveries ..., London, 1711 / Archivo Pitoresco, 1857-1868, XI vols / Athena. Revista de Arte, 1924-25, V numrs / Culinária Portuguesa, prol. Albino Forjaz de Sampaio, Ed. autor (194?) / Diccionario de Glossologia Botânica ..., de António A. da Fonseca Benevides, 1841 / Da Caça. Palestras Cinegéticas, por António Bomfim, 1946 / Historia da Luzitania e da Ibéria (vol I e único publ.), de João Bonança, 1887 / A Inquisição e os Professores do Colégio das Artes, de Mário Brandão, 1948-1969, II vols / De Benguella às Terras de Iácca, por Capelo & Ivens, 1881, II vols / De Angola à Contra-costa, idem, 1886, II vols / Ou eu, ou Elles, por António Feliciano de Castilho (opusc. raro), 1849 / Historia da Revolta do Porto de 31 de Janeiro de 1891, de João Chagas & ex-Tenente Coelho, 1901 / A Choldra. Semanário republicano de combate e critica à vida social (raro), 1926, XXI numrs / Manual Político do Cidadão Portuguez, de Trindade Coelho, , 1908 (2ª ed.) / Contemporânea. Revista Mensal (rara revista sob. Dir. José Pacheco), 1922-26, XIII numrs+ nº14 / Diana. Revista de caça, Hipismo e Pesca, 1948-1975, 256 numrs / Guesto Ansures, quadros da vida neo-gothica, pelo Visconde de Figanière, Livraria Ferreira, 1883 / Folheto de Ambas Lisboas (periódico olisiponense raro), nº1 (Junho 1730) a nº 26 (Agosto 1731), XXVI numrs / A Caça no Império Português, por Henrique Galvão et al, s.d., II vols / Inventário Artístico Portugal (Aveiro e Santarém) / Peregrino, de Armando Martins Janeira (homenagem a Wenceslau de Moares – peça de colecção), 1962 / Almanach de Caricaturas para 1874 (e 1875) de Rafael Bordalo Pinheiro, II vols / Portugaliae Monvmenta Cartographica, 1960, VI vols / Presença: folha de Arte e Critica, 1927-28, 54 numrs (rara)
domingo, 9 de setembro de 2007
Eliezer Kamenezky - uma biografia
"... Começa a frequentar a escola aos 6 anos. Desde que é expulso do liceu, passa por vários empregos e vicia-se no jogo. Lê romances de aventura que lhe despertam anseios por outras paragens. Grande desgosto com a morte da mãe e, depois, de um irmão mais novo. Foge, acompanhando um grupo italiano de ópera [I - Abrindo asas / The shaping of my mind]
(...) Vende batatas, trabalha em bares; frequenta a Biblioteca Russa, participa em reuniões do Círculo Socialista. Vive ao sabor das circunstâncias, que o fazem cair na tentação do furto. Em Boston, apanha um barco para Liverpool, onde se hospeda na Pensão dos Judeus. Entra na festa do Sukess. Deseja voltar à Rússia [VI - De Nova York a uma fronteira da Rússia / Good and Evil - reprodução da B.N.]"
[in Ivo de Castro et al, "Eliezer ascenção e queda de um romance pessoano", Revista Da Biblioteca Nacional, nº 1, 1992]
Eliezer Kamenezky
No passado 7 de Setembro, 119 anos atrás em Lugansk (Rússia), nascia Eliezer Kamenezky. Esta personagem curiosa, de vida plena, exuberante e voluptuosa, sempre vivida de rebeldia e sarcasmo - qual cidadão do mundo -, com obra e espólio a merecer atenção, foi especialmente conhecida pela sua ligação ao vate Fernando Pessoa.
De tal modo era a (re)criação e a familiaridade entre os dois que até deu lugar a uma viva polémica (que "morreu" logo à nascença), quando em 1991 um artigo de Luciana Stegagno-Picchio publicado no jornal Repubblica anunciava a descoberta de um romance (em inglês) de Fernando Pessoa, e até então desconhecido entre os pessoanos, com o subtil título de "Eliezer". A putativa descoberta de um inédito de Pessoa foi objecto de tratamento e avaliação pelos membros da equipa pessoana (prof. Ivo Castro e outros investigadores), que depois de analisarem os argumentos, e pelo muito que conheciam de F. P., fizeram gorar tal hipótese.
Afinal, tratava-se não de mais um inédito da arca de Pessoa mas da tradução, feita pelo poeta e amigo, da biografia de Eliezer Kamenezky.
[ver sobre o assunto, Ivo de Castro et al, "Eliezer ascenção e queda de um romance pessoano", Revista Da Biblioteca Nacional, nº 1, 1992]
Livraria Olisipo
Ali em Lisboa, bem ancorada no largo Trindade Coelho e entre a Artes & Letras e a Bizantina, fica a Livraria Olisipo. Peregrinação sempre obrigatória. Agora, para encantamento de todos, está mais próximo do amador de livros, de gravuras ou da simples converseta sobre papéis & outras artes. Mestre José Vicente, muitos anos levados na arte e gosto do livro antigo, iniciou-se via net, com invejável vantagem para nós e vós.
O seu estimado estabelecimento está aqui, para nos servir. Graças!
sábado, 1 de setembro de 2007
In-Libris – Catálogo do mês de Setembro 2007
Saiu o catálogo do mês de Setembro da In-Libris (Porto).
Apresenta peças estimadas de Almeida Garrett, António Osório, António Ramos Rosa, Armindo Rodrigues, Bento Carqueja, E. M. de Melo e Castro, Egito Gonçalves, Eugénio de Andrade, Fernando Echevarria, Fernando Pessoa, Ferreira de Castro, Fiama Hasse Pais Brandão, Hélder de Macedo, Herberto Hélder, Maria Teresa Horta, Mariana Alcoforado, Mário Sá-Carneiro, Vitorino Nemésio e outras obras, como: o Centenário de Gil Vicente, Companhia de Jesus, o Porto na Época dos Almadas, o estimado Diccionario Bibliographico Portuguez de mestre Inocêncio F. Silva, a rara revista Unicórnio & Bicórnio, Tricórnio, Tetracórnio, Pentacórnio (5 numrs), livros sobre Arte, Filosofia, História, Poesia, Teatro, Religião, Monografias várias e um curioso (e raro) "Estudo da Localização do Novo Aeroporto de Lisboa" (do Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa, 1972).
A consultar on line.
segunda-feira, 27 de agosto de 2007
E.P.C. – um inventário de afectos
"Traz-me a planta que nos transporta
ao lugar onde surgem as douradas transparências
e a vida se evapora como um perfume;
traz-me o girassol enlouquecido de luz"
[Eugénio Montale, citado por E.P.C. in "Tudo o que não escrevi", Diário I, 1992]
"Se estes versos [os de Montale] me comovem imensamente, é (também) porque através deles imagino, com assustadora nitidez, o meu modo de fazer a travessia da escrita. Nenhum sistema a construir, nenhuma mensagem fundamental para a humanidade (...)
O que fica? Apenas algumas indignações, o meu apego à linha de fronteira, o gosto das demarcações essenciais, meia dúzia de coisas que me importa defender (cada vez mais), algumas palavras ciciadas de ternura e amor, um inventário de afectos. E isto basta ... [E.P.C., idem]
Foto de Daniel Rocha, para a capa do jornal Público de 26 Agosto 2007
quarta-feira, 22 de agosto de 2007
É proibido ter memória!
"Um censor alucinado, maliciosamente alojado no ISCSP e a coberto de um presuntivo iletrismo informático, apagou o valioso e estimado acervo do Centro de Estudos do Pensamento Político (CEPP) laboriosamente lavrado pelo professor José Adelino Maltez.
O lugar (CEPP) que tão bem soube agasalhar um infindável rol de personagens que são pertença da nossa história; esse abundante inventário, ordenado e minuciosamente classificado de homens, mulheres e eventos da nossa memória colectiva; esse conjunto de verbetes únicos sobre o pensamento político português; os valiosos quadros cronológicos facultados; tudo o que era uma fonte de consulta obrigatória para estudiosos, leitores atentos ou simples curiosos, lastimosamente se esfumou da rede. O "reservado", onde tantas e tantas vezes recorremos para trabalhos biográficos ou simples iniciação, foi extraviado.
Essa biblioteca virtual, que com mérito e generosidade o professor José Adelino Maltez construiu e nos honra, sofreu um rude "apagão" às mãos da ignorância, da irresponsabilidade e da arrogância de "mandarinatos universitários" (citando Vital Moreira), que ontem como hoje têm da cultura, do trabalho e do ensino um insaciável desprezo. Que esses fantasiosos académicos, neste país de "muita vergonha", habitem o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) e a Universidade Técnica de Lisboa, surpreende pela sua gratuidade e impressiona. Não sabem dignificar a instituição, revelando, bem à maneira do que diz o vate Pessoa, que a cegueira voluntária é o pior dos atestados e defeitos da vida mental portuguesa. E que é proibido ter memória"
[in Almanaque Republicano]
segunda-feira, 20 de agosto de 2007
Folclore Pornográfico da Figueira da Foz
Reeditado pelo livreiro-antiquário Miguel Carvalho, saiu em edição fac-similada o raríssimo "Folclore Pornográfico da Figueira da Foz", publicado anonimamente em 1914. Esta curiosa peça de conteúdo popular e brejeiro, de costumes, imprecações, superstições e modas do povo da Figueira da Foz, apresenta saborosas quadras, adágios e contos que fazem parte (ainda) do cancioneiro popular humorístico local.
Sob chancela "Debout Sur L'Ouef - De Pé Sobre o Ovo", pertença de Miguel Carvalho, esta edição fac-similada (de 200 exemplares) foi apresentada na centenária livraria figueirense "Casa Havaneza", pelo próprio Miguel Carvalho e pelo professor António Tavares (antigo director do jornal Linha do Oeste), e é vendida pitorescamente (tal como outrora o foi, mas por outros motivos) por "debaixo do balcão", na venerável livraria da Figueira da Foz.
Na altura da sua apresentação, Miguel Carvalho, secundado por António Tavares, sublinhou que "tudo indica que os autores [do livro] serão Cardoso Martha e Augusto Pinto". Referem que terá sido o "Folclore Pornográfico da Figueira da Foz" como que um complemento ao estimado trabalho "Folclore da Figueira da Foz" (datado de 1910), produzido por ambos e editado pela "Tipografia, Livraria e Papelaria Esposendense, Rua Veiga Beirão, 7 a 9, Esposende", no ano de 1911 e 1913 (trata-se de II vols). E devem estar certos.
Na verdade, conhecíamos (via Miguel Carvalho) a obra. Não havia (para nós) referência alguma sobre ela, a não ser a sua presença num catálogo (... de livros raros e curiosos que pertenceram a um Distincto Bibliophilo, à venda na Papelaria Serra & Cª., Rua do Ouro, 72, lote 222, p. 26), onde aparecia juntamente com a citada obra de Marta & Pinto, "Folclore da Figueira da Foz". Surpreendentemente é atribuída ao "Folclore Pornográfico" a sua edição em Esposende (lugar onde foi editado o trabalho primitivo). Trata-se, possivelmente, de um erro do organizador do catálogo, porque na edição na posse de Miguel Carvalho não há referência ao lugar de impressão. Existe, ainda, uma breve alusão ao "Folclore Pornográfico" nos "Subsídios para a bibliografia da história local portuguesa", de António Mesquita de Figueiredo, ed. B.N., 1933 [onde é dito que se trata de um 8º de 16 por 11,5, 25 p., s.l.].
domingo, 19 de agosto de 2007
In-Libris – Especial Monografias
Saiu um catálogo de Monografias pela In-Libris (Porto). Apresenta um conjunto de peças estimadas sobre Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Matosinhos, Felgueiras, Paços de Ferreira, Évora, Porto, Lisboa, Vila da Feira, Oliveira de Azeméis, Póvoa de Lanhoso, Vila Nova de Gaia Aveiro, Covilhã, Santo Tirso, Valongo, Valença do Minho, Melgaço, Algarve, Minho, Trás-os-Montes, Alentejo, Beiras, Açores e Madeira, entre outras de carácter regional.
A consultar on line.
Diário de Um Quiosque
A Figueira da Foz tem um respeitável número de blogs, que animam a vida dos indígenas locais. Não é possível conhecer a agitação política e social figueirense sem acompanhar a vitalidade e as iniciativas de alguns dos seus blogs. Numa terra onde os seus paroquianos estremecem de cultura, sem a compreender e praticar, fica bem registar a "movida" bloguística local.
No Jornal de Noticias d'hoje, pela pena de José Luís de Sousa, ficámos a conhecer o curioso blog "Diário de Um Quiosque", onde se narra as (des)aventuras de "um espaço de seis metros quadrados" com ledores fidelíssimos. Sereno, junto ao monumento a Fernandes Tomás na Praça 8 de Maio, Pedro Silva, ardina por paixão, não está de sentinela aos seus leitores mas com prazer e estima consulta-os. Que o "comércio" intelectual e o gozo da escrita assim o exigem. E a Figueira agradece.
Seu Eugénio Dutra Jr.
O amor e o gosto ao livro têm na Papiro marca pessoal. Habitualmente os seus visitantes e clientes sabem-no. Seu Eugénio – ali, em cima, sorrindo-nos – tem o hábito de satisfazer as manias dos bibliófilos ou de simples curiosos do papel escrito.
Inteligente e de muita simpatia, Seu Eugénio, fala sobre a literatura e arte brasileira, enquanto, com visível satisfação, comenta obras de Camilo, Eça, Saramago ou Vitorino Nemésio. Leitor compulsivo, o que é raro nesse negócio dos livros, tem o entusiasmo de um amador de livros, revelando no trato a proverbial alma do povo da Bahia, que aliás conhece bem.
Axé!
Sebos da Bahia - Livraria Papiro
Fica perto da estação da Lapa, em Salvador da Bahia. Na Av. Vale do Tororó, 28, um sebo bem curioso que nos deixa recordações carinhosas. Com um acervo farto, que vai da literatura à história, da arte ao livro jurídico, económico e didáctico, o sebo sitiado perto da Lapa, é local de peregrinação obrigatória. Há sebos assim: hospitaleiros, generosos e vivos, porque respiram a memória dos livros. A visitar.
sexta-feira, 17 de agosto de 2007
Terreiro de Gantois
Jorge Amado foi um dos doze Obás da Bahia [conselho de doze ministros do culto de Xangô - Obá é título honorífico no ritual nagô. Obá, "ministro de Xangô" ou "homem sábio", participa na administração do terreiro. Jorge Amado era Otun Obá Arolú (cf. Bahia Todos os Santos, 1945)].
Entre eles estavam o invulgar artista Carybé, o fotógrafo Pierre Verger, o pintor Genaro de Carvalho e o cantor Dorival Caymmi.
[Caymmi nasceu em Salvador no dia 30 de abril de 1914, na rua do Bângala, no bairro da Mouraria. Para Jorge Amado, Caymmi "cresceu na praia de Itapuã, nas malícias do Rio Vermelho, nas ladeiras da cidade antiga, na pesca, na serenata, na festa de bairro, no samba de roda, nos terreiros de santo, vivendo cada instante de sua cidade e de sua gente, alimentando-se de sua realidade e de seu mistério preparando-se para ser seu poeta e seu cantor". Caymmi foi Obá de Xangô do Terreiro Axé Opô Afonjá. Também, em 1973, cumpriu a cerimônia de assentamento de santo no Candomblé de Mãe Menininha do Gantois – ver aqui]
Jorge Amado, como se disse foi obá de Xangô, e frequentou o Terreiro Axé Opô Afonjá, da mãe-de-santo Aninha [Eugênia Anna dos Santos, m. 1938]
Antes mesmo, Jorge Amado tinha sido nomeado Ogã (protetor) pelo pai-de-santo Procópio. Dos muitos "títulos" honoríficos que teve no candombé, foi Jorge Amado, ainda, Ogã de Iansã no candomblé da Goméia [do pai-de-santo Joãozinho da Goméia, aliás chamado Jubiabá, iniciado no candomblé de versão "Angola". Joãozinho da Goméia teve uma vida curiosa e foi “espiritualmente” bastante polémico]
Dorival Caymmi - Oração De Mãe Menininha
Foto: "Jorge Amado (em 1972) pede a bênção à grande Ialorixá da Bahia, no Terreiro de Gantois"
quinta-feira, 16 de agosto de 2007
Bahia de Todos os Santos
"- Você já foi à Bahia, nêga?
- Não!
- Então vá ... " [Dorival Caymmi]
... O baiano que faz da amabilidade uma verdadeira arte, que é arguto até não mais poder, que é cordial e compreensivo, descansado e confiante. Que desmorona com uma piada agressiva todo um edifício de retórica. Escondendo sob o fraque solene um coração jovem. Gostando de rir, de conversar, de contar casos.
Eis uma cidade onde se conversa muito. Onde o tempo ainda não adquiriu a velocidade alucinante das cidades do Sul. Ninguém sabe conversar como o baiano. Uma prosa calma, de frases redondas, de longas pausas esclarecedoras, de gestos comedidos e precisos, de sorrisos mansos e de gargalhadas largas. Quando um desses baianos gordos e mestiços, um pouco solene e um pouco moleque, a face jovial, começa a conversar, se fechardes os olhos e fizerdes um pequeno esforço de imaginação, podereis distinguir perfeitamente distinguidos o seu remoto ascendente português e o seu remoto ascendente negro, recém-chegado outro das florestas da África. De quem é esta gargalhada clara e solta se não de negro? De quem é esta solene consideração para com o doutor, que é salafrário personagem da historia que ele conta, se não do português imigrante, rude admirador dos mais sábios? Essa mulataria baiana, essa mestiçagem onde o sangue negro entrou com uma boa parte, não produziu o clássico mulato espevitado, pernóstico, egoísta, adulador e violento com os inferiores (...)
Iemanjá tem cinco nomes e muitos títulos. É a rainha e princesa do mar, é a mãe-d'água, é Nosso Senhor dos Navegantes e é a Nossa Senhora da Boa Viagem. Tem cinco nomes e por todos eles atende aos seus filhos bem-amados, os marítimos dos grandes navios, os mestres dos pequenos saveiros, os canoeiros que renovam diariamente a aventura da travessia da Barra em busca dos portos do rio Paraguaçu. Sua festa no Rio Vermelho, no mês de Fevereiro, não é a única que lhe dedicam os homens do cais da Bahia. Ela é festa também na Gameleira, na ilha de Itaparica, na Ribeira em Plataforma. Porque ela possui diversas moradas no mar que banha a cidade. Vive em sua pedra no Dique, vive na Ribeira, mora no Rio Vermelho. É múltipla como os seus nomes. É a lenda mais bela dos negros da Bahia (...)"
[Jorge Amado, in Bahia de Todos os Santos. Guia das ruas e dos mistérios da cidade do Salvador, Livraria Martins Editora, Setembro 1945 (aliás, 8ª ed., 1961) - sublinhados nossos]
terça-feira, 14 de agosto de 2007
Remigração
"Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar, nem tu" [Cecília Meireles]
Após clamores das musas da venerável Bahia (que a magia é um trabalho iluminado) tomamos o pouso. Agora, e de novo, regressamos aos termos dos Campos do Mondego ... mar ao fundo. E digo-vos: atravessar de margem a margem o mar é uma "mareada" tal que nem um "aluá", feito por uma grande ialorixá, olvidaria. Enquanto isso, o humor caprichoso da bela Oxum sumiu-nos de vez. E Iemanjá foi para o mar. Não mais oferendas a podem acolher. Mas, ainda assim, a "água corre fazendo o ruído dos braceletes de Oxum". O tempo passou. O "despacho" com que cultivamos o olhar foi matéria de feitiço. E o poema, a espera da hora.
Sobre a Bahia de Todos os Santos cumpriu-se o prenúncio de Seu Jorge Amado:"eu te mostrarei o pitoresco mas te mostrarei também a dor". Ali tudo é gente acostumada, que a caminhada é sempre longa e saudosa. O fado do povo da Bahia uma labuta pesada, tortuosa, sofrida. E ao mesmo tempo alegre e intensa. A prosa, essa, é comprida, segura, balançada, sensual. As histórias, lindas! O protesto do mar vadio foi, para nós, uma simples malandragem. Ah, e o povo do candomblé, capoeiristas & outras irmandades um assombro de ternura. Mirámos a eternidade sem levantar a cabeça. Não foi pouco ...
Axé
quinta-feira, 26 de julho de 2007
O Almocreve vai de partida
"O caminho é por aqui,
dirá quem vier depois ..." [Joaquim Namorado]
Para satisfazer os prazeres da carne e o desvario livresco – fonte de toda a luz – vamos de partida para o outro lado da pátria. A ventura da doçura de Salvador da Bahia, o cuidado feminino desse lugar fidelíssimo, o clima poético ou abençoado, a bondade da Livraria Brandão et al, a felicidade das Irmandades ou tesouros de sabedoria, faz-nos caminhar. Há afazeres abençoados. Vamos, por isso, andar com "as mãos na água" e a "cabeça no mar". Desnecessário dizer que voltamos outro. Tal como os dias. E a paixão.
Bom dia. Bom descanço. Sois encantadores!
Vida
"Calados, mudos,
no buraco metidos,
sem coragem de nos mexermos,
de medo transidos,
sempre despertos os cinco sentidos
não cheguem lá fora os ruídos
do mastigar das migalhas
das mesas caídas;
a vida cobarde a toda a hora agradecida,
como esmola recebida ...
isto não, não é vida!"
[Joaquim Namorado, in Incomodidade]
Alegre(s) Devaneios
"Não há grandeza que baste / Quando a desgraça é tamanha!" [Joaquim Namorado]
O cansaço que o cidadão comum tem face à miséria da sua vida, o desprezo que nutre pela política caseira, a gargalhada feita aos talentos mirrados dos homens dos partidos, é um sentimento forte mas atribulado. A perda de dignidade, a descrença no futuro e o testemunho de insegurança, é um pesado luto para todos. Estamos mais mortos que vivos.
Alguns, porém, não só carecem de honra e memória, mas tudo fazem, num descaramento vil e inusitado, para não perder uma qualquer ocasião para a exaltação pífia. Sempre houve homens assim. Os dos obséquios, dos salamaleques, do discurso gratulatório. A moral bovina é nesta paróquia uma filosofia de vida. O emprego uma admirável piedade que o expediente da governação protege. No velho regime impunha-se o silêncio. Apelava-se à delação. Pagava-se emprego com favores. Nada mudou. Se até à chegada de Sócrates se observava isso sem espanto de maior, a partir daí o atrevimento e a intolerância chegam sem reservas. Mas o que há de novo em tudo isto é a mentira, a falsidade e o desprezo intelectual com que, agora os novos "feitores", nos brindam.
Com os indígenas à beira da ruína e mais preocupados com o dia-a-dia e as contas ao fim do mês do que com a vida política e os partidos; com alguma imprensa em lamúria de felicidade rosa e a opinião pública esclarecida em orgasmos pelo debate sobre estratégias e tácticas políticas (leiam-se os jornais e blogs para confirmar essa sublimação pós-modernista); com um movimento sindical inútil, velho de ideias e pantanoso (veja-se a obsequiosidade e a presteza da UGT); com um raminho de enturvados intelectuais em remedos de exortação fascizante (caso particular da desastrada Inês Pedrosa, a tal da cidadania de miséria à boa maneira salazarista) ou em vaidade de escrita (onde o arq. Saraiva tem lugar de honra); em suma, com tudo isso assim disposto, o que nos resta? Pouco, para consolação. Algum colunista sem metafísica de míope e com “espinha vertical” (que os há, admiravelmente, no jornal Público), um Vasco P. Valente para desopilar, algum Pacheco Pereira, uma mão cheia de bloguistas independentes, e pouco mais.
Por isso o opinioso protesto de Manuel Alegre (Contra o medo, liberdade) neste naufrágio de mentiras que é a vida social e política portuguesa, mesmo que tenha sido “um clássico” como o sr. Sócrates assim considera, é uma pedrada no charco. Um testemunho histórico. Vindo de onde vem, não salva almas mas faz luz. Pode-se dizer tudo do Manuel Alegre, mas não se lhe negue as virtudes próprias de um verdadeiro cidadão. Que tardam entre todos nós.
terça-feira, 24 de julho de 2007
SIBS & CGD: colisão tecnológica
"O sol levantou-se cedinho e de bom humor" [Erik Satie]
Um sujeito perde-se em distinta converseta com uma amiga, descrevendo a dissoluta governação da paróquia e a novíssima subsistência do dr. José Júdice, esquecendo que a providência da SIBS, ou melhor, a ampulheta do dr. Vítor Bento bondosamente está de vigia. O carinho com que as caixas ATMs velam pela conta bancária do indígena vexa qualquer "choque tecnológico". Na verdade, estaríamos gratos pela operação de segurança concebida pelas Caixas Multibanco e o seu sofisticado padrão tecnológico - que em impulso defensivo retira para as suas profundezas o dinheiro pedido em caso de se ter ultrapassado o tempo da operação pretendida - se a celeridade do retorno contabilístico do nosso dinheiro fosse aceitável.
Acontece que não é. O pobre do sujeito fica pelo menos 1 (um) mês, e até ver, desprovido da posse do seu pecúlio. Que, entretanto, levita contabilisticamente e tecnologicamente entre a CGD (sim! ... o estabelecimento do austero sr. Proença de Carvalho, do sr. Maldonado Gonelha e da bavardeuse Celeste Cardona) e a secreta SIBS. Inútil pedir explicações. Escusado dramatizar a coisa ou dar largas à virilidade lusa. O saldo será reposto quando tiver de ser. E, geralmente, segundo os sábios da CGD, confirmado pelos mercadores da SIBS, anda à volta de 1 (um) mês. Se tiver cabedal para curar a desdita, até pode trocar impressões pitorescas com o nosso tutor de conta bancária ou via telefone secreto com a SIBS e tudo lhe será indiferente. Mas se estiver laboriosamente à canga do douto Governo, decerto descobrirá ali a gula virulenta do sr. Teixeira dos Santos. Digam o que se disser!
O apetite depravado pela incomodidade, o vicioso preceito da incompetência, a afronta voluntária pela acomodação e a singular falta de respeito pelo cidadão, vencem sempre.
Cá na paróquia é sempre assim.
quarta-feira, 18 de julho de 2007
Boletim Bibliográfico da Livraria Moreira da Costa
Saiu o Catálogo do mês de Julho da Livraria Moreira da Costa (Rua de Avis, 30 – Porto). Com uma estimada e curiosa Camiliana, História da República, Monografias, Literatura e muito mais.
A não perder. Consulta on line.
Algumas referências: A Revolução Portuguesa. O 31 de Janeiro, de Jorge de Abreu, 1912 / As Prisões da Junqueira ..., por José de Sousa Amado (2ª ed.), 1882 / Homenagem a Camilo no seu Centenário (1825-1925), de António Baião, 1925 / Cem Cartas de Camilo, coord. L. Xavier Barbosa, s.d. / Questões da Actualidade, por João Bonança (2ª ed.), 1868 / Cartas de Camilo a Vieira de Castro (Anteriores às publicadas na Correspondência Epistolar), pref. Júlio Dias da Costa, 1931 / Mosteiro de Celas. Índex da Fazenda. Ms de Fr. Berbardo d'Assunpção, publicado por J. M. Teixeira de Carvalho, Coimbra, 1921 / Protesto contra a supposta filha de Camillo Castelo Branco, por Nuno Castello Branco, 1890 / Annos de Prosa, de Camillo C. Banco, 1863 / Correspondência Epistolar entre José Cardoso Vieira de Castro e Camillo Castelo Branco, 1847, II vols / Esboços de Apreciações Litterarias, de Camilo C. Branco, 1865 / Theatro Cómico. A Morgadinha de Val d'Amores entre a flauta e a viola, de Camilo C. Branco, 1871 / Vaidades Irritadas e Irritantes, de Camilo C. Branco, 1866 / Camillo Castelo Branco (Noticia da sua vida e obras), por José Cardoso Vieira de Castro, 1862 / Catalogo da Preciosa Livraria do eminente escritor Camillo Castello Branco, Lisboa, 1883 / Eleusis. Revista Mensal Ilustrada de Cultura Filosófica. Orientalismo. Religiões. Teosofia. Sciencias. Ocidentalismo [Director: Dr. João Antunes. Nº 1 (Janeiro de 1927) a nº 11 (Março 1928), 11 fascículos] / Camillo Castello Branco e as Quadrilhas Nacionaes. Cartas Inéditas (Com os três mais feios retratos de Camillo), por João Paulo Freire (Mário), 1917 / Historia da Povoa de Varzim, por Cândido Augusto Landolt, 1913 / Memorias e Trabalhos da Minha Vida, por Norton de Mattos, 1944 [IV vols, com falta do IV] / Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, Portucalense, 1944-45, VII vols / Crátilo, de Platão, 1963 / Camilliana. Descrição bibliográfica d'uma valiosa colecção do genial ... Camillo Castello Branco ..., por José dos Santos, 1916.
Almanaque Republicano – Actualização
O Almanaque Republicano ainda aqui está. Admirável de frescura, saudoso de um antiquíssimo cantar e já com ventura respeitável, continua o anúncio e a dedicação ao quadro e pedra republicana. Dado à lux por dois cavalleiros livres e devotos da Alma Lusitana & sob protecção do Arcanjo de Portugal, o Almanaque Republicano conversou desde Junho, sobre
O 75º Aniversário da morte de D. Manuel II, A. H. de Oliveira Marques (1933-2007). Mostra Documental na B. N., Alfredo Pimenta e o "Testamento Político de Mussolini", O Algarve no contexto da 2.ª Guerra Mundial, Azedo Gneco, Cartofilia Republicana, o Centenário de Camões (1880), o Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas, o Congresso das Associações Comerciais e Industriais (1914), o "Clero Maçónico" transcrito do Jornal A Luz, as Efemérides Mensais, uma foto do Corpo Expedicionário Português, a História do Regímen Republicano em Portugal (anotação), a “História é Importante”. Circular da APH, Joaquim Felizardo de Lima, a Imprensa Republicana no Distrito de Aveiro, a Imprensa Republicana no Distrito de Beja, a Imprensa Republicana no Distrito de Braga, a Imprensa Republicana no Distrito de Bragança, a Imprensa Republicana no Distrito de Coimbra (a continuar), Jornal A Luz - editado pelo Grémio Luso-Escocês, Jornal Bandeira Vermelha, Jornal O Comunista - Semanário e porta-voz oficial do PCP (1921), Jornal Revolução - diário nacionalista da tarde, a Loja Maçónica Fraternidade de Faro (1822), o Livro da Primeira Classe, Luís da Câmara Reys e a Seara Nova, o “Luto Português por Hitler” publicado no Times em 1945, o Major David Neto, o Museu da República em Aveiro, o Manifesto do Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas (1872), Nota Sobre a Imprensa Republicana até ao final da Monarquia, José Veríssimo de Almeida, a Paródia, Raul Proença - Páginas de Política (anotação), o Regicídio, a Revista Estudos do Século XX, O Sonho - Venite Ad Me. Quadro de António Baeta, as Tertúlias da Revista História, Revista Portugal na Guerra, “Salazar modesto cidadão de Coimbra” no Notícias Ilustrado.
A ler e consultar o Almanaque Republicano. Sempre ao V. dispor!
Saúde e fraternidade.
segunda-feira, 16 de julho de 2007
Catálogo 16 da Livraria D. Pedro V
Saiu o Catálogo do mês de Julho da Livraria D. Pedro V (Rua D. Pedro V, 16 – Lisboa). Com peças literárias curiosas e há muito esgotadas.
Algumas referências: Situação Clara. Carta Aberta ao Cidadão Manuel d'Arriaga, por António José d'Almeida, 1907 / A Morte da Mãe, de Maria Isabel Barreno, 1970 / Directa, de Nuno Bragança, 1977 / As Maravilhas Artísticas do Mundo ou a Prodigiosa Aventura do Homem Através da Arte, de Ferreira de Castro, 1959, II vols / Jornal de Domingo. Revista Universal, Ano I, nº1 (20 de Fev 1881) ao Ano III, nº52 (30 Jan 1887). Dir. Manuel Pinheiro Chagas / Casas Pardas, de Maria Velho da Costa, 1977 / De Fora para Dentro (Portugal). Col. Antologia das Ed. Afrodite, de Ribeiro de Mello, 1973 / Exortação à Mocidade, por Carlos Malheiro Dias, 1924 / O Riso Dissonante (Poemas), por Mário Dionísio, 1950 / Ronda de África, de Henrique Galvão, Editorial Jornal de Notícias, II vols / Encyclopedia Portugueza Illustrada Dicionário Universal, publicado sob direcção de Maximiano Lemos, s.d., XI vols / Aldeias Portugueses, de Gustavo de Matos Sequeira, 1939 / Politica Nova. Ideias para a Reorganização da Nacionalidade Portugueza, de Alves da Veiga, 1911
Parabéns Lisboa
"O futuro é uma pescadinha de passado na boca" [Edgar Xavier]
A carreira regular para as honrarias & benesses da Câmara Municipal de Lisboa acabou. Os encarregados dos toques do recinto conhecem-se. Tudo gente boa e risonha. Como se sabe, os srs. Costas & Carmonas foram os vencedores, atrás dos demais putativos hóspedes. Fagueiro de emoção, a sábia dupla arremessou-nos com os seus 29 e 16 por cento de peso eleitoral, entre outras pérolas soit-disent. Entre o arvoredo do Altis, o virtuoso eng. Sócrates sorria. Sorria e gritava sempre. O pé de boi, capaz de felicidades domésticas, virá depois. O circo continua. Vai continuar. Os senhores Salgado, Júdice & Sanches, reservaram o palco. Esperem para ver.
Os buliçosos indígenas da capital lusa, entre comichosa e divertida acção de propaganda televisiva, tiveram ainda ocasião de assistir às palavras & ao choro desvalido do dr. Portas, encanto da garotada do PP. Ao que diz, os seus rústicos instintos liberais estão por um fio. Está abalado. Cansado, mesmo. Enfim, já não há cargos como antigamente.
Curiosamente, a delicada operação de cosmética eleitoral fez, pitorescamente, arribar à capital da paróquia raminhos de servos da província. O perfume do campo e a vibração da canalha foram a tratamento espiritual. Simpáticas idosas e idosos de Cabeceiras de Basto e Famalicão, sempre muito entusiasmados pela festa da União Nacional, perdão, do sr. Costa, olhavam com indescritível fagueiro de emoção a festa, a luz e o dr. Almeida Santos. Não houve bailarico, não cantou o rouxinol, mas a visita de estudo era de pasmar. À nobre comissão de festas, o nosso bem-haja.
Glória a Lisboa! Um dia será.
domingo, 15 de julho de 2007
Os saloios ... de Lisboa
"Quem não vê Lisboa, não vê coisa boa" [popular]
Dizem os atilados do regime que as eleições para a Câmara de Lisboa estão em banho de "reflexão". Como tal, não podem os putativos candidatos ao pregão eleitoral e os "parolos" nativos de Lisboa ser apoquentados na sua miséria política. A lei democrática & presuntiva civilizadora entende, na maior das exaltações nacionais, que Lisboa é o país e o "resto é paisagem". A nobre CNE e o cajado do senhor Santos Silva – o António Ferro da rosa – estão de vigilância. As ordenações da paróquia cumprem-se.
Não espanta que nessa missão pedagógico-eleitoral de reflexão pátria os jornais ditos de "referência" – curiosa nome – não dediquem uma linha, um assunto, um simples paladar ao costumeiro exorcismo da política caseira. Por uma vez, os parolos de Lisboa vão para as praias ou shoppings sem notícias do pagode. Grande dia. Excelente!
Boa noute!
Publicidade pouco ou nada enganosa
"... as palavras
que usamos
têm a idade que aparentam ..."
[José Sebag]
quarta-feira, 11 de julho de 2007
Nos dias de Julho ... é que se sacha!
Estamos no campo. Generosos, agasalhados e instruídos. Tudo isto é um bálsamo estranho. Uma ode à vida. Um remanso de ordem que deve ser evitado por cavalheiros incómodos e tumultuosos. Devemos confessar que o linguarejar público do ocioso sr. Jaime Silva, não faz parte dos nossos pensamentos. É só olhar à nossa volta para compreender a estrumação feita pelo fiel empregado da PAC. O arejamento & vadiagem que praticamos, não esquece o lamento íntimo do indígena local. Como poderia?
Sem causar murmúrios ou incómodos ao admirável mundo, descansamos, arruamos & acomodamos tudo e todos. Obrigações admiráveis as nossas: sachamos, podamos e abrimos pinhas. Entretanto lemos, alterados, antigos & doutos "Almanaque das Aldeias" ou o "Lunario e Prognostico Perpetuo". Santa paz!
Mais: dizem alguns profanos que se "a água correr em pedra aberta, costuma esta ter as juntas encruzadas". Nada mais sábio. Porém, nada mais imprudente. A mostra de água por aqui é pitoresca, erótica mesmo, mas o assunto carece de confirmação. Estamos confundidos, qual sagaz Vitrúvio. Este dizia, com a elegância de um provado arquitecto:"... para se conhecerem os lugares onde existe água, convém, um pouco antes de se levantar o sol, deitar-se sobre a barriga, tendo a barba apoiada sobre a terra, no sitio em que se procura a água, e observar ao mesmo tempo a campina em toda a sua extensão". É o que temos, ingenuamente, feito. E do sentencioso Vitrúvio, o trabalho nem vê-lo. O rio Teixeira desconhece a tipografia.
Como se espera, estamos com olhos encovados de tanto enxergar. E só as donzelas roliças, que têm sido a nossa cruz e nos tem consumido a alma - afinal o achamento proveitoso de Julho - nos impedem de sair deste acomodado lugar. Deo gratias!
segunda-feira, 2 de julho de 2007
domingo, 1 de julho de 2007
In-Libris - Catálogo do mês de Julho 2007
Saiu o Catálogo da In-Libris (Porto) do mês de Julho. Apresenta um conjunto de peças estimadas sobre/de Agricultura, Culinária, História, Agostinho da Silva, Alexandre Cabral, André de Resende, António Osório, António Ramos Rosa, Ezra Pound, Fernando Echevarria, Fernando Lopes Graça, Fernando de Mello Moser, Fernando Pessoa, Herberto Helder, Joel Serrão, Gastão Cruz, Gomes Leal, João Cabral de Melo Neto, Joaquim Ferreira Gomes, Jorge Amado, Jorge Sousa Braga, Matias Aires, Miguel Torga, Rebelo da Silva, Salette Tavares, Visconde de Vila-Maior, W. H. Harison.
A consultar on line.
sexta-feira, 29 de junho de 2007
O Estado sou eu!
O administrador da saúde indígena esmaga-nos de lições democráticas. O dr. Correia de Campos, para aliviar o espírito sentimental de funcionário zeloso de todos os paroquianos, entende sem qualquer reserva mental que ele próprio é o Estado. E com tal pensamento régio na alma, o portentoso Ministro, com obsequiosidade quixotesca, declara formalmente que todos e cada um dos seus subordinados têm que higienicamente e a bem da Nação prestar-lhe vassalagem.
Concordamos absolutamente com o "tom jocoso" com que o sr. Ministro nos brinda. E prometemos, doravante e para todo o sempre – nós, que até já entrámos, atordoados, num SAP e de lá saímos enfastiados – não mais vociferarmos durante o expediente, nunca mais grasnar sobre o misérrimo estado das instituições de saúde e, com paixão fervorosa, transportarmos na carteira de todos os dias, a foto de sua Excelência o dr. Correia de Campos. A felicidade de trazermos essa colossal figura no bolso de trás das calças é, seguramente, uma emoção inolvidável. E, se for caso disso, estamos dispostos, mesmo em horas de serviço, a encher o Terreiro do Paço, em desagravo ao sr. Ministro, como nos bons e saudosos tempos do dr. Salazar. De muita memória!
... Ainda a Educação!
São conhecidas as inenarráveis trapalhadas produzidas pelo Ministério da Educação de Maria de Lurdes Rodrigues. É penoso acompanhar toda a tragédia que se abateu sobre a educação e o ensino. Nem mesmo a turba dos fiéis seguidores da sra. Ministra (em troca de quê, resta saber) a consegue silenciar. Quando se fizer a história da educação neste período, conseguiremos ver melhor as razões porque as corporações com assento nalgumas ESE e, principalmente, no ISCTE, derrubaram abundantes lágrimas de prazer pelas espantosas medidas tomadas e as práticas exercidas. É que, para além do abraço partidário (de que muitos se afastam por vergonha pedagógica e democrática), ainda assim compreensível num país atrasado e subserviente, resta pouco para explicar a não ser a cumplicidade carreirista (ou outra) que lhe pode estar ligada.
Eis, portanto, um excelente começo de trabalho para o curioso & empenhado Miguel Abrantes, sempre tão lesto e extremoso contra as vaidosas corporações que tudo invadem. E como conhece, como poucos, o espírito elevado desse raminho de fiéis defuntos da educação e do eduquês, decerto teremos um alumiado produto de cidadania para os indígenas.
Regressemos à educação e ao seu ministério. Será fastidioso enumerar os erros, o desvario e a insensibilidade das medidas tomadas por este ministério. Desde a controversa revisão do ECD, que desorganizou - como nunca se tinha visto - o poder científico e pedagógico dos docentes; passando pela ruinosa gestão curricular (encetada pelo suspiroso e vaidoso David Justino); continuando pela inconstância das medidas a tomar face à autonomia das escolas e à sua gestão (sinal disso é a inaudita tentativa de passagem do corpo não docente para a autoridade das câmaras, ficando os docentes debaixo da supervisão do órgão de gestão ou da tutela. Não deixa de ser curioso o assumir a existência de dois poderes dirigentes paralelos na escola, o que revela que o ministério não compreende a especificidade do território e da cultura escolar); até a impressionante trapalhada dos exames, com a culpa a morrer solteira (logo neste ministério tão célere em punições aos putativos "prevaricadores", como no caso Charrua) e com a maior falta de respeito pelos alunos e encarregados de educação.
Tudo isso questiona a linha orientadora, o rigor e os métodos de trabalho do ministério. Até quando tais estratégias de implosão das escolas e do sistema educativo irão permanecer, será pura adivinhação. As corporações têm o seu ciclo de vida próprio, enquanto a estratégia político-partidária obedece ao movimento das sondagens de opinião e às diversas clientelas. Saber e conhecer as relações de poder que neste momento se perfilham nesta atmosfera conflituosa, é um exercício intelectual atractivo mas, convenhamos, não muito estimulante. Até lá, a sobrevivência da instituição escola não é de grande tranquilidade.
Uma última nota. Entre as numerosas "dissidências" face ao discurso governamental observado, que tem deixado sequelas várias no campo dos especialistas em educação registemos pela sua importância esta. O dr. José Manuel Silva é de grande seriedade e competência no debate sobre o sistema educativo e, por isso mesmo, será conveniente seguir o que nos vai dizendo.
quarta-feira, 27 de junho de 2007
E o dr. Mega Ferreira ... fica-se?
O comendador Berardo anda irritado, porém muito satisfeito. Deslumbrado pelo amor filial com que os indígenas lusos o afagam, o ex-amigo de Pieter Botha, julga até que já chegamos à antiga África do Sul. Comichoso como poucos, Joe Berardo, o génio que nasceu pobre e pobre de espírito morrera, emporcalhou em poucos minutos o bom-nome de Mega Ferreira. Que - diga-se desde já - andava a pedi-las. As ridículas companhias da área da governação com que é visto e por quem servilmente bajula lugares e tachos levam, quase sempre, a cenas deprimentes. Como é o caso. E o dr. Mega Ferreira nem precisava de se meter com gentinha dessas, para fazer o que sabe bem: escrever.
Mas, aparecer agora o putativo visionário Berardo em despautérios brejeiros, ultrapassa a mera irritação de um qualquer mortal. Joe Berardo é rico e mal agradecido. O ser portador de algum génio obscuro ou ter a inteligência de xico-esperto, não lhe permite a retórica soez com que brindou o dr. Mega Ferreira ontem aos microfones da SIC. Mega Ferreira pode ser pouco cerimonioso, pode andar espalmado entre os dedos do dr. Costa, pode mesmo ser uma bisonha figura, mas não consta que precise de tratamento psiquiátrico, como o estridente Berardo insinuou. O mesmo não se dirá do comendador, que todas as semanas cria factos políticos e sociais retumbantes, para ver e ser visto. O senhor Berardo esquece que nesse papel, o eng. Sócrates & Cia é bem melhor. Alguém - um qualquer spin doctor acofiado – o deveria esclarecer. Porque em matéria de educação e gosto, ou falta dele, sobre Berardo estamos conversados.
Nisto tudo, fora a maldade que corre, a questão é só uma: o dr. Mega Ferreira ... fica-se? Poderá ser?
Tony Blair ... acidental
Por capricho cego de um denominado Quarteto - composto pelas almas penadas do irmão americano e a autorizada ONU, mais a inexperta UE com a encostada Rússia de permeio - o sr. Tony Blair, agora "desempregado" da Downing Street, irá ser "nomeado enviado especial para o Médio Oriente, com uma missão centrada na reforma económica e política palestiniana”. Sabe-se bem como em política do Médio Oriente, o companheiro Tony sabe enfiar bem o pescoço na trela daqueles indígenas. O Iraque, o prova. Fica, deste modo, feita a homenagem para a aposentação do criado de quarto do sr. Bush & Barroso.
Pelo que dizem, o camarada Putin reconhece as virtudes do homem. E, a União Europeia, por efeito óptico barrosista, jura pelos bons costumes civilizacionais, que o criminoso de guerra Blair será prestimoso e servil. Esperem só o olhar materno - amanhã no Público – da sra. Teresa de Sousa para imaginar o idílio que por aí virá.
Com toda esta mediação, os socialistas portugueses comovem-se. Na falta de assunto ou agenda política interna para debate, qualquer Tony os fertiliza. Ou fecunde, que dá no mesmo. Quando as flores murcham aqui na paróquia e o envasamento democrático roça a perfídia, qualquer Tony parece assombrá-los. Esquecem que, na verdade, cá pelo burgo temos, também, o nosso pequeno Médio Oriente. Inexplicavelmente ... anda clandestino. Até ver!
segunda-feira, 25 de junho de 2007
Max Stirner [m. 25 Junho de 1856]
"Canto porque ... sou um cantor. Mas uso-vos para isso, porque ... preciso de ouvidos" [Stirner]
"A publicação de O Único e a sua Propriedade em 1844 caiu como um relâmpago no meio da agitação de Berlim. O seu autor, Max Stirner, faz aí o anúncio de que Deus morrera, segredo que se procurava manter oculto a toda a custa e que Nietzsche repetiu estentoricamente, com bem mais sucesso. Mais grave ainda, como Sade antes dele avisa que, desaparecido o Senhor dos senhores, já não reconhece mais nenhum. A euforia que se seguira à revolução estava a ser dissipada pela seriedade do Estado, do povo ou da humanidade. Radicalizando o contrato moderno Stirner não reconhece outra soberania que não a do único, que se nega a cedê-la ou transferi-la para o Estado. Não é loucura pôr-se em pé de igualdade com o Estado ou a Humanidade, confrontá-los numa guerra de corpo a corpo?
(...) Durante muito tempo Stirner só foi lido clandestinamente. Uma espécie de maldição assinalou este livro. A censura da época bem hesitou, sem saber que fazer dele. Para o primeiro censor, que proibiu a sua publicação, era uma obra de barbárie, que atacava todos os valores, e se arrogava direitos absolutos sobre a propriedade e a vida. Criminoso, portanto. Para o Ministro que autorizou a publicação era um livro 'demasiado absurdo para ser perigoso'. Louco, portanto. Acima de tudo é um livro que sempre resistiu à leitura, que parecia exceder a todas. Quando a revolução se tornou questão de futuro opõe-lhe a revolta permanente para impedir que a que já tinha ocorrido se estabiliza e estiole. Quando o Estado liberal se procurava implantar timidamente, faz uma crítica demolidora do direito. Quando o comunismo de Marx começa a demolir o liberalismo, sustenta que a comunidade perfeita e o 'Homem' são a forma culminante da servidão. Para Stirner são tudo formas de dominação. Stirner descobre que a dialéctica hegeliana do senhor e do servo mais do que chegar ao fim, tornando todos senhores, desembocou antes numa dominação psicotrópica, em que são os próprios indivíduos que ficam obcecados, fascinados, entusiasmados, com os espectros que os possuem. Muito antes da análise das perversões por Freud, da crítica do espectáculo ou da economia do entretenimento já Stirner estava a construir as primeiras armas para o combate ..."
[José A. Bragança de Miranda, in Acerca de Stirner - sublinhados nossos]
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