quarta-feira, 10 de maio de 2006
10 Maio de 1933 - Berlin
"Era um dia toldado e chuvoso. E toldada estava, apesar dos cânticos e dos uniformes, a disposição dos estudantes. Os métodos dos novos senhores ainda não eram no fundo bem os seus. Eles sabiam que não só se podem amar livros, como também odiá-los. Que se queimem livros publicamente em virtude de uma ordem era coisa que ainda tinham de aprender. Era evidente para todos, sem excepção, que hoje davam um espectáculo inesquecível e execrável a todo o mundo civilizado. Um espectáculo que haveria de ficar indelevelmente registado nos anais da Humanidade. E talvez sentissem também que a sua marcha era uma marcha voluntária através do jugo imposto! Eram eles precisamente que nunca deveriam ter iniciado este passo de carrasco! Goebbels fizera emanar uma palavra de ordem para a ralé, mas não a deixou executar pela plebe, mas pela elite! Era um caso diabólico não convincente, mas a seu gosto. Com o auto de fé de hoje pôs termo à liberdade de escritores, os estudantes alemães executaram as suas próprias pretensões de uma futura liberdade de opinião. O crime que cometeram nesta noite foi ao mesmo tempo um suicidio antecipado ..." [Nota: "o relato de Erich Kastner refere-se à queima dos livros que teve lugar em 10 de Maio de 1933 na Praça da Ópera em Berlin"]
[Erich Kastner: Podem queimar-se livros?, 1947 - in 'A renovação da literatura de expressão alemã na primeira década do pós-guerra (1945-1955)', de Ludwig Scheidl, Ed. Colibri, 1998]